Artigo original

ANÁLISE FÍSICO-QUÍMICA E NUTRICIONAL DE FARINHA À BASE DE COPRODUTOS DA ABÓBORA (Cucurbita moschata)

Physicochemical and nutritional analysis of flour made of pumpkin co-products (Cucurbita moschata)

Tiago Soares* Ligianara Veloso de Moura Laís Lima Castro Abreu Jurandy do Nascimento Silva§ Gabriela Almeida de Paula Stella Regina Arcanjo Medeiros** Joilane Alves Pereira Freire††

https://doi.org/10.18593/evid.32775

Recebido em 24 de maio de 2023 | Aceito em 07 de agosto de 2023

Resumo:

Coprodutos como a casca e semente da abóbora são resíduos agroindustriais geralmente dispensados pelas indústrias processadoras de vegetais. Pesquisas atuais demonstram relevância de farinhas com alto teor de nutrientes, significativamente superior à polpa provindas de coprodutos. O presente trabalho objetivou determinar caraterísticas de composição centesimal, nutricional e antioxidante de farinhas advindas de coprodutos de abóbora (Cucurbita moschata). Determinou-se teores de umidade, cinza, pH, proteínas, lipídeos, carboidratos, amido danificado, compostos fenólicos, flavonoides, capacidade antioxidante total (CAOT) por redução do fosfomolibdênio e capacidade sequestrante do radical 1,1-difenil-2- picrihidrazil (DPPH). Todas as farinhas apresentaram teor de umidade semelhantes e em consonância ao estipulado pela ANVISA. Os resultados in vitro expressam uma maior quantidade de cinzas, proteínas e lipídeos na Farinha da Semente de Abóbora (FSA) em relação as Farinha da Casca de Abóbora (FCA) e Farinha da Polpa de Abóbora (FPA), em contrapartida as FCA e FPA apresentaram maiores teores de carboidratos e a FPA obteve um relevante teor amido danificado em relação as demais farinhas. A FCA apresentou maior teor de fenólicos totais em todas as concentrações, em relação aos teores de flavonoides a FSA foi superior às demais na concentração de 1% e menor que FCA+FSA em 5%. As FCA obtiveram maior CAOT nas concentrações em todas as concentrações e em 10% os resultados foram semelhantes para FCA e FCA+FSA. Os extratos da FCA e FSA apresentaram maior capacidade sequestrante do radical DPPH na contração de 5% e a menor ação antioxidante foi apresentada pela FSA em todas as concentrações do extrato. As farinhas apresentaram elevado teor de cinzas, proteínas, lipídeos e carboidratos, além de potencial antioxidante relevante, podendo contribuir para a redução do estresse oxidativo causado por radicais livres e sugere-se que seu uso como ingrediente alimentício é uma possibilidade interessante visto a alternativa de agregar valor ao resíduo.

Palavras-chave: Resíduos Alimentares. Farinha. Cucurbita moschata. Compostos Bioativos.

@Autor correspondente: Graduado em Nutrição pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Picos – Piauí, Brasil; endereço para correspondência: Rua Dom Severino, 523, 64.500.000, Jureminha, Cidade de Oeiras – Piauí, Brasil; https://orcid.org/0000-0003-4597-2607; tiagosoaresnutricao@ufpi.edu.br.

Abstract:

Co-products such as pumpkin peel and seeds are agro-industrial residues generally discarded by vegetable processing industries. Current research demonstrates the importance of flours with a high content of nutrients, significantly higher than pulp from by-products. The present work aimed to determine the proximate, nutritional and antioxidant characteristics of flours derived from by-products of pumpkin (Cucurbita moschata). Moisture, ash, pH, proteins, lipids, carbohydrates, damaged starch, phenolic compounds, flavonoids, total antioxidant capacity (TAC) by reduction of phosphomolybdenum and scavenging capacity of the radical 1,1-diphenyl-2-picryhydrazyl (DPPH). All flours had similar moisture content and within the stipulated by ANVISA. The in vitro results express a greater amount of ashes, proteins and lipids in Pumpkin Seed Flour (FSA) in relation to Pumpkin Peel Flour (FCA) and Pumpkin Pulp Flour (PPF), in contrast to FCA and PPF presented higher carbohydrate contents and the PPF obtained a relevant modified starch content in relation to the other flours. FCA had a higher total phenolic content in all concentrations, in terms of flavonoids, FSA was higher than the others at a concentration of 1% and lower than FCA+FSA at 5%. The FCA obtained higher TAC in the concentrations in all concentrations and in 10% the results were similar for FCA and FCA+FSA. The FCA and FSA extracts showed a greater DPPH radical scavenging capacity in the 5% contraction and the lowest antioxidant action was presented by the FSA in all extract concentrations. The flours had a high content of ash, proteins, lipids and carbohydrates, in addition to relevant antioxidant potential, which may contribute to the reduction of oxidative stress caused by free radicals and it is suggested that its use as a food ingredient is an interesting possibility given the alternative of adding value to waste.

Keywords: Plant Co-products. Flour. Cucurbita moschata. Phytochemicals.

1 INTRODUÇÃO

Os alimentos proporcionam uma função importante na conservação da vida do ser humano, fornecendo componentes nutricionais e energéticos necessários para a manutenção do organismo em perfeita ordem. As pessoas têm manifestado grande preocupação em relação ao consumo de alimentos naturais, fonte de nutrientes e que auxiliem na prevenção de doenças, aliadas à segurança alimentar e ao meio ambiente. Esse fato provocou um aumento da busca por alimentos funcionais, ricos em antioxidantes que interferem positivamente no estresse oxidativo e são economicamente viáveis1-4.

Segundo Anjos et al.5, o aproveitamento de todas as partes das frutas e vegetais ganhou a atenção da indústria e de muitos pesquisadores nos últimos anos. A utilização de coprodutos na elaboração de produtos alimentícios proporciona alimentos mais ricos nutricionalmente, além de diversificar a oferta de alimentos ao mercado. Conforme relata o estudo de Bissacotti e Londero4, a utilização dos coprodutos sem interesse comercial, mas com valores nutricionais significantes, podem proporcionar maior valor à produção, pois estes colaboram para a elaboração de novos produtos alimentícios e até mesmo a redução do desperdício; de modo que nos últimos anos aumentou o interesse de diferentes segmentos do agronegócio brasileiro e mundial, devido à elevada disponibilidade de matéria-prima à disposição.

A abóbora (Cucurbita moschata Duchesne), pertencente à família Cucurbitaceae, considerada uma das espécies de maior cultivo no Brasil, destaca-se por possuir um alto valor biológico e baixo custo no mercado. Considerada altamente nutritiva, rica em fibras e antioxidantes como, carotenoides, vitaminas E, vitaminas do complexo B, minerais (ferro, magnésio e potássio), ácidos graxos poli e monoinsaturados (ácido linoleico, oleico, palmítico e esteárico), além de alto teor proteico e água6-7. Ressalta-se que os carotenos são caracterizados como os mais importantes componentes ativos do vegetal pertinente ao seu potencial antioxidante e competência de conversão em vitamina A8.

Morais et al.9 estudaram o aproveitamento dos coprodutos da abóbora, com a adição de farinha da semente em cookies; e a utilização de casca e semente na produção de farinhas utilizadas em snacks extrusados, proposto por Norfezah et al.10. Santos et al.11 afirmam que a casca é um dos coprodutos da abóbora com teores de fibras, proteínas, vitamina C e cálcio significativamente superior à polpa; como também ressalta a importância nutricional das sementes, mas que geralmente são partes dispensadas em grande volume pelas indústrias processadoras de vegetais. A semente da abóbora é um dos coprodutos, que além de rica em carboidratos complexos, é fonte de proteínas e fitoesteróis. Deste modo, a utilização da farinha da semente da abóbora (FSA) como ingrediente alimentar proporciona uma escolha viável de consumo, pela agregação de benefícios nutricionais.

O emprego da farinha de coprodutos da abóbora como ingrediente alimentício é uma possibilidade interessante visto a alternativa de agregar valor ao resíduo, evitar a poluição ambiental e gastos financeiros com o descarte. Além de razões monetárias, a constituição destes coprodutos apresenta capacidade bioativa, possibilitando a promoção de resultados positivos relacionados à sua ingestão. A aplicabilidade em produtos alimentícios, tem como objetivo promover saúde, priorizando ingredientes com capacidade de proporcionar benefícios, descritos previamente pela literatura, para saúde dos consumidores e desenvolvimento sustentável por meio do aproveitamento de coprodutos agroindustriais3. Para fins de estudo dessa pesquisa, será realizada a caracterização físico-química e nutricional, bem como a investigação da atividade antioxidante da farinha elaborada a partir de coprodutos de abóbora.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

As abóboras utilizadas no desenvolvimento da farinha foram adquiridas através do comércio varejista de agricultura familiar na cidade de Oeiras – PI. A produção da farinha de coprodutos da abóbora (C. moschata) seguiu as seguintes etapas descritas no fluxograma abaixo (Figura 1) e foram obtidas observando as condições higiênico-sanitária.

Os frutos foram cuidadosamente colhidos no ponto de maturação fisiológica (de acordo com o teor de º Brix) e selecionados visando à homogeneização do lote quanto ao tamanho, cor e ausência de injúrias e defeitos, e separadas manualmente em polpa, casca e sementes para o processamento da farinha. O preparo da farinha da casca de abóbora (FCA), farinha da semente de abóbora (FSA) e farinha da polpa de abóbora (FPA) ocorreu no Laboratório de Bromatologia e Bioquímica dos Alimentos Instituto Federal do Piauí (IFPI), Campus Teresina.

Figura 1 – Fluxograma da produção de farinha de coprodutos da abóbora (casca + semente).

2.1 ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS

As análises físico-químicas foram realizadas no Laboratório de Bromatologia do Núcleo de Estudos Pesquisas e Procedimentos de Alimentos – (NUEPPA/UFPI). O pH foi determinado utilizando um potenciômetro digital com membrana de vidro, previamente calibrado com soluções tampão em pH 4,0 e 7,0, conforme metodologia descrita pela Association of Official Analytical Chemists12. Não foi necessária a determinação da Acidez Titulável diante dos resultados do pH. A determinação de umidade e cinzas seguiu-se a metodologia descrita pela Association of Official Analytical Chemists12.

O teor de umidade foi determinado pelo método de secagem direta em estufa a 105ºC, até o peso constante. A determinação de cinzas foi realizada em mufla (550ºC). O extrato etéreo foi obtido em extrator intermitente de Soxhlet, utilizando-se 1,5 g da amostra e 250mL de hexano (PA) como solvente, a análise foi realizada em duplicata. As proteínas foram determinadas por meio do método de digestão de Kjeldahl e foi utilizado o fator de 6,25 para o cálculo de conversão de nitrogênio em proteínas, a análise foi realizada em triplicata. O teor de amido danificado foi determinado em equipamento SD Matic, de acordo com o método da AACC 76-30A12. Além disso, através de cálculos por diferença, foram determinados os carboidratos totais e valor calórico estimado através de fatores de conversão de Atwater de 4kcal/g de proteínas, 4kcal/g de carboidratos e 9kcal/g de lipídios.

As analises físico-químicas, com exceção da determinação de lipídios, foram efetuadas em triplicata. Inicialmente, realizou-se análise descritiva e os dados foram apresentados como médias e desvio padrão. Como os dados apresentaram normalidade, foram submetidos à análise de variância (ANOVA) com nível de 5% de probabilidade utilizando o software GraphPad Prism versão 5.0.

2.2 COMPOSTOS FENÓLICOS E FLAVONOIDES

Para as análises de compostos fenólicos, capacidade antioxidante total e flavonoides, primeiramente preparou-se os extratos aquosos das 3 farinhas (casca, semente e casca + semente) em 3 concentrações diferentes (1%, 5% e 10%). O teor de fenólicos totais foi determinado pelo método de Folin-Ciocalteau com modificações, foram utilizados extratos na proporção de 1:10, 5:10 e 10:10 (p/v). O processo de quantificação foi minimizado a escala de volume total de 10mL. Dessa solução foram coletados 250 µL do extrato, acrescidos de 250µL do reagente de Folin-Ciocalteau e 100µL de carbonato de sódio a 10%. As amostras foram agitadas e depois incubadas por 1 hora em temperatura ambiente e protegido da luz. A absorbância da fração líquida foi determinada a 760nm em espectrofotômetro. Os resultados foram expressos em equivalentes de ácido gálico (mg EAG.100 g-1).

A determinação de flavonoides totais foi realizada por método espectrofotométrico, utilizando cloreto de alumínio. Para elaboração da solução foi empregado 1mL do extrato com adição de 1mL cloreto de alumínio (AlCl3) a 2%. Após as soluções foram incubados em escuro por 1 hora. A absorbância das amostras foi medida em 420nm e os resultados foram expressos em equivalentes de ácido gálico (mg EAG.100 g-1). No procedimento de análises estatísticas, vale destacar, que não foi possível realizar a leitura das amostras de todas as farinhas com concentração de 10% para flavonoides.

2.3 CAPACIDADE ANTIOXIDANTE TOTAL (CAOT) E DPPH

A análise da Capacidade Antioxidante Total (CAOT) foi realizada pelo ensaio de redução do complexo do fosfomolibdênio. Foram colocados em tubos de ensaio 2 ml do reagente fosfomolibdato a 200μL da amostra, em seguida foram para banho-maria por 30 minutos. Após resfriamento a leitura foi feita em espectrofotômetro UV a 965nm. A capacidade de sequestrar o radical 1,1-difenil-2- picrihidrazil (DPPH) de extratos aquosos das farinhas de coprodutos da abóbora, foi determinada segundo o método descrito por Brand-Williams et al.13. As análises em triplicata nas concentrações de 0,5%, 1%, 5% e 10% dos extratos em diferentes tubos e adicionadas da solução de DPPH em metanol (0,1M). Em seguida, os tubos foram deixados em repouso, protegidos da luz, e ao final de 30 minutos a absorbância foi medida a 516nm. A capacidade de sequestrar o radical, expressa em percentual, foi calculada em relação ao controle (sem antioxidante), segundo a expressão abaixo:

% sequestro = (Absorbância do controle – Absorbância da amostra X 100)

Absorbância do controle

2.4 ANÁLISES ESTATÍSTICAS

Os resultados foram submetidos à análise de variância e teste Neuman-Keuls, para comparação de médias com nível de 5% de probabilidade utilizando o software GraphPad Prism versão 5.0.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS

As farinhas de coprodutos da abóbora tiveram seu potencial de Hidrogênio (pH) analisado, e os valores médios determinados conforme demonstrado na Tabela 1.

Vale destacar que a acidez titulável das farinhas não foi determinada, pois os resultados de pH demonstraram pH dentro da margem de neutralidade. Resultados similares foram encontrados em estudos de farinhas como os de Amadeu et al.14 que demonstram pH de (6,10 ± 0,02) e Amorim et al.15 (6,22 ± 1,0) em FSA. Essas farinhas se enquadram dentro da faixa de pH (2,0 e 8,5) o que podem apresentar facilidade de proliferação de mofo e leveduras. O potencial de hidrogênio tem significância em processos químicos que ocorrem em alimentos. E o fato de apresentarem pH acima de 6,0 beneficia a reação de Maillard15.

Das três amostras elaboradas, a farinha da polpa da abóbora apresentou o maior teor de umidade, seguida da casca e semente. A umidade máxima estipulada pela Anvisa16, para amidos de cereais, farelos e farinhas é de 15% (g/100 g). A FCA apresentou teor de 1,82, enquanto a FSA foi de 1,29 e a FPA foi de 1,84. Dessa forma as farinhas se encontram dentro das especificações da legislação brasileira. Um teor de umidade elevado em farinhas torna-se inconveniente, já que constitui condição para acelerar a sua degradação. Em estudo realizado por Anjos et al.5 com farinhas elaboradas a partir de casca e semente da abóbora os autores encontraram valores de umidade superiores ao encontrados neste estudo em relação FCA (7,95% ± 0,18) e a FSA (4,46% ± 0,20).

Os coprodutos de frutas e hortaliças apresentam quantidades apreciáveis de fibras e de outros constituintes importantes à alimentação humana. O consumo regular dessas frações reduz significativamente a prevalência de algumas doenças degenerativas, visto que são substâncias biologicamente ativas que trazem benefícios à saúde ou efeitos fisiológicos desejáveis17.

Em outro estudo com farinha de semente da abóbora realizado por Soares et al.18, observou-se teores de umidade de 3,80%, e no estudo de Fortes et al.19 encontraram teores de 4,11%, valores esses superior ao do presente estudo. Ao se analisar as quantidades de cinzas encontradas nas três farinhas, observou-se que a FSA apresentou valores muito superiores (11,19 ± 0,00) em relação à FCA (5,53 ± 0,00) e FPA (3,56 ± 0,00). Anjos et al.5 em seu estudo apresentaram valores superiores na farinha da casca (8,89 ± 0,06) e inferiores na farinha da semente (4,21 ± 0,02) em relação aos obtidos no presente estudo. Resultado obtido em outro estudo de Soares e colaboradores18, com farinha da semente de abóbora (3,85 ± 0,003), demonstraram valores inferiores aos nossos dados, o que reforça o grande potencial de micronutrientes presentes nesta farinha. Vale ressaltar que na literatura tem-se relatado quantidades maiores de carboidratos e cinzas em farinhas obtidas a partir da casca da abóbora provenientes principalmente da C. moschata.

Foram encontradas quantidades mais significativas de proteínas e lipídeos na FSA quando comparada às FPA e FCA, sendo que a FPA apresentou teores significativamente maiores de proteínas em relação a FCA. Estudos das farinhas a partir de coprodutos da abóbora (C. moschata) como o de Anjos et al.5 (32,20 ± 0,24) e Severino et al.20 (33,94 ± 1,90), apresentaram teores superiores de proteína na FSA em comparação com os obtidos neste estudo. Anjos et al.5 (35,94 ± 0,06) e Severino et al.20 (35,82 ± 2,73) obtiveram resultados significativamente inferiores em totais de lipídeos ao serem comparados à FSA deste estudo.

Nas determinações de carboidratos foi observado que as FPA e FCA apresentaram resultados semelhantes, e apresentaram diferença estatística significativa em relação a FSA que apresentou uma quantidade menor em relação as demais. Em relação aos resultados obtidos a porcentagem de amido, apresentou-se diferença estatística significativa da FPA (80,71 ± 12,57) em relação às FCA (75,71 ± 1,81) e FSA (69,01 ± 1,00). De acordo com pesquisa realizada por Monnet et al.21 os resultados demonstram que amido danificado em farinha de ervilha (55,0 ± 0,7) e trigo (68,9 ± 1,6) demonstrando dados distintos.

As variações nos resultados aqui obtidos quando comparados aos dados presentes na literatura podem ser explicadas pela diferença nas quantidades de nutrientes presentes nas abóboras da espécie C. maxima e C. moschata, visto que alguns estudos aqui citados não usaram a mesma espécie de abóbora do presente estudo. Outros fatores que interferem nessa variabilidade seriam clima, solo e forma de cultivo.

Tabela 1 – Valores médios de titulação do potencial de Hidrogênio (pH) em farinhas de coprodutos da abóbora (C. moschata) em diferentes concentrações.

Potencial de Hidrogênio (pH)

Farinhas de partes da abóbora 

FCA

FSA

FCA+FSA

1%

6,96

7,30

6,78

5%

6,57

6,95

6,61

Legenda: FCA = Casca da abóbora; FSA = Semente da abóbora; FCA+FSA = Casca + Semente da abóbora; (ANOVA e Neuman-Keuls como post hoc teste).

Tabela 2 – Determinação da composição centesimal de farinhas obtidas a partir de coprodutos da abóbora (C. moschata)

Parâmetros

Farinhas de partes da abóbora (Média ± DP)

FCA

FPA

FSA

Anova Valor p

% Umidade

1,82 ± 0,00

1,84 ± 0,00

1,31 ± 0,00

0,66

% Cinzas

3,54 ± 0,00

3,56 ± 0,00

11,19 ± 0,00

0,11

% Proteínas

9,92 ± 0,05

16,17 ± 1,67 a

30,04 ± 1,65 a,b

0,00

% Lipídeos

21,48 ± 1,04b

12,97 ± 0,58

43,43 ± 1,37a,b

0,00

% Carboidrato

63,24 ± 1,01c

66,46 ± 1,29c

14,03 ± 0,62

0,00

Valor Calórico

507,38 ± 5,21

464,85 ± 85

617,13 ± 6,83

-

% Amido danificado

75,71 ± 1,81

80,71 ± 12,57 a, c

69,01 ± 1,00

0,03

Legenda: Legenda: FCA = farinha da casca da abóbora; FSA = farinha da semente da abóbora; FPA= farinha da polpa da abóbora; DP = desvio padrão; ap<0,05 em relação FCA; bp<0,05 em relação a FPA; cp<0,05 em relação a FSA; (ANOVA e Neuman-Keuls como post hoc teste).

3.2 COMPOSTOS FENÓLICOS, FLAVONOIDES, COMPOSTOS ANTIOXIDANTES TOTAIS E DPPH

Os compostos fenólicos integram uma significativa classe de fitoquímicos e são abundantemente encontrados em vegetais sendo caracterizados como metabólitos secundários que participam na adaptação às situações de estresse e variam de acordo com aspectos genéticos, grau de maturação do fruto e condições do ambiente19. Esses compostos são utilizados na indústria de alimentos pela sua eficácia na prevenção da oxidação lipídica e pelo fato de o consumo de alimentos ricos em compostos fenólicos possuírem relação com baixa incidência e baixa mortalidade por câncer5.

Foram feitas análises do conteúdo de compostos fenólicos totais, flavonoides e compostos antioxidantes totais e expressos seus resultados em média e desvio padrão conforme expressos na (Tabela 3) descrita abaixo.

Entre as 3 farinhas elaboradas a FCA apresentou o maior teor de fenólicos totais (1,36 ± 0,07), de flavonoides (1,09 ± 0,00), e de capacidade antioxidante total (1,29 ± 0,07), em todas as concentrações estudadas. A comparação entre médias quanto aos compostos fenólicos demonstrou-se que a farinha da casca da abóbora apresentou maiores teores em relação a farinha da semente nas concentrações de 5% e 10%, e quando comparada a farinha resultante da mistura das farinhas da casca + semente nas concentrações de 1% e 10% também foi observado valores superiores (p < 0,05).

Tabela 3 – Conteúdo de compostos fenólicos totais, flavonoides e Compostos Antioxidantes Totais (CAOT) em extrato aquoso de farinhas obtidas a partir de coprodutos da abóbora (C. moschata) em diferentes concentrações

Análises Nutricionais

Farinhas de partes da abóbora

FCA

FSA

CA+SA

Fenóis (mEq AG/g)

1%

0,31 ± 0,04

0,16 ± 0,07

0,20 ± 0,01b

5%

0,83 ± 0,02

0,31 ± 0,02a

0,20 ± 0,01

10%

1,36 ± 0,07

0,75 ± 0,05a

0,56 ± 0,16b

Flavonoides (mEq AG/g)

1%

0,19 ± 0,01

1,09 ± 0,00c

0,15 ± 0,01d, e

5%

0,05 ± 0,00

0,24 ± 0,03c

0,41 ± 0,01d, e

10%

*

*

*

CAOT (mEq AG/g)

1%

0,46 ± 0,01

0,40 ± 0,04

0,41 ± 0,00 g

5%

0,84 ± 0,01f

0,45 ± 0,02f

0,65 ± 0,02g, h

10%

1,29 ± 0,07

0,76 ± 0,03f

1,00 ± 0,01g, h

Legenda: FCA = farinha da Casca da abóbora; FSA = farinha da Semente da abóbora; FCA+FSA = farinha da Casca da abóbora + semente da abóbora; DP = desvio padrão; *não foi possível leitura no espectrofotômetro. ap<0,05 em relação FCA; bp<0,05 em relação a FCA; c p<0,05 em relação a FCA; d p<0,005 em relação FCA; e p<0,05 em relação a FSA; f p<0,05 em relação FCA; g p<0,05 em relação FCA; h p<0,05 em relação a FSA (ANOVA e Neuman-Keuls como post hoc teste).

Os níveis de flavonoides na FSA nas concentrações 1% e 5% foram superiores aos encontrados na FCA nas mesmas concentrações (p< 0,05). A farinha resultante da mistura casca + semente apresentou maiores quantidades de flavonoides em relação às farinhas da casca e semente nas concentrações de 1% e 5% (p< 0,05). Em relação à capacidade antioxidante total foi possível observar que as farinha de casca e casca + semente obtiveram maior efeito antioxidante na concentrações de 10%, apresentando diferença estatística significativa quando comparada às outras concentrações de 1% e 5%. A partir dos resultados apresentados pode-se inferir que quanto maior a concentração de farinhas no extrato aquoso maior foi a quantidade de compostos antioxidantes, observando-se também que em todas as concentrações os teores de CAOT foi mais prevalente na casca (p < 0,05), um coproduto pouco utilizado e por vezes descartado.

Em estudo realizado por Guimarães et al.22 que avaliou o teor de compostos fenólicos e a atividade antioxidante em extrato etanólico de abóbora (C. moschata) foi observado um grande teor de fenólicos totais e potencial antioxidante em todos os métodos analisados. Em outro estudo realizado por Fortes et al.19 que também analisou o teor de fenólicos e atividade antioxidante pelo método ABTS da farinha da semente da abóbora demonstrou grande potencial antioxidante com concentrações de 963,11mg EAG.100 g1- e 14.970,33 µmol de equivalente de Trolox/g, respectivamente.

É importante destacar, que o método fosfomolibdênio dispõe da possibilidade de analisar a capacidade de compostos lipofílicos e hidrofílicos, sendo que com ele é possível avaliar a completa capacidade de uma mistura complexa de compostos, extratos e frações de plantas, de forma mais fácil e acessível22. Nesse sentido, a alta atividade antioxidante encontrada pelo método CAOT e a significativa concentração de compostos fenólicos totais e flavonoides, indicam a presença de outras substâncias fenólicas e compostos bioativos como carotenoides, entre outros.

Os extratos da FCA e FSA apresentaram maior capacidade sequestrante do radical DPPH na dosagem de 5% segundo (Figura 2), tendo sido observado que quanto maior a concentração de extrato mais elevado foi seu potencial sequestrante. A menor ação antioxidante foi apresentada pela FSA em todas as concentrações do extrato. Aires et al.23 já haviam identificado em estudo anterior que coprodutos de abóbora possuem percentual de inibição relevante, sendo que a casca apresentou percentual de inibição de 70% e sementes de 49%, sugerindo assim que há uma boa atuação desses coprodutos como fonte antioxidante, com estudos na literatura que corroboram com nossos achados.

Vale destacar que estudos científicos têm demonstrado que o aproveitamento de cascas, talos e outros componentes descartados pela agroindústria mostram que estes são promissores e uma boa alternativa na alimentação humana, para auxiliar no combater à fome, à miséria e ao desperdício, promovendo a segurança alimentar e o consumo integral de alimentos1,24-25. As cascas das frutas apresentam, em geral, teores de nutrientes maiores do que os das suas respectivas partes comestíveis e devem ser consideradas como fonte alternativa de nutrientes.

Atualmente, sabe-se que o dano oxidativo contribui significativamente para o desenvolvimento de patologias, portanto, é essencial a realização de pesquisas capazes de avaliar a ação quimiopreventiva de produtos naturais, de forma que o presente estudo tem uma relevante contribuição científica, pois destacou a ação antioxidante de coprodutos da abóbora, um produto natural, muito utilizado para o consumo humano, porém com descarte de coprodutos19.

Figura 2 – Capacidade de sequestro do radical DPPH de extratos de farinhas de coprodutos da abóbora (C. moschata) em diferentes concentrações

4 CONCLUSÃO

As amostras analisadas (FSA, FCA a FCA+FCA) apresentaram valores menores de umidade em relação à farinha da polpa do vegetal, bem como foi identificado um teor de cinzas, proteína, lipídeos elevados na FSA, sugerindo que este possa ser um potencial produto alimentício fornecedor de macro e micronutrientes no enriquecimento e elaboração de produtos alimentícios.

Diante disso, vale destacar que a CAOT de uma fonte vegetal pode não estar associada somente ao conteúdo fenólico, uma vez que, outras substâncias como carotenoides, pigmentos e fibras podem contribuir para a inibição da ação do radical fosfomolibidato. Nossos achados mostram que os coprodutos avaliados, especialmente a FCA e FCA+FSA obtiveram melhor capacidade antioxidante considerando a maior concentração investigada (10%) e em (5%) na captura do radial DPPH, portanto, podem ser aliados no combate ao estresse oxidativo causado por radicais livres. De modo que, a utilização de farinhas de coprodutos geralmente descartados na culinária doméstica e indústria, são importantes para uso em biotecnologia sustentável ao agregar valor e qualidade nutricional a novos produtos alimentícios e favorecendo a redução do desperdício e o aproveitamento integral do vegetal.

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* Graduado em Nutrição pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Picos – Piauí, Brasil.

Graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Picos – Piauí, Brasil.

Mestra em Alimentos e Nutrição pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina – Piauí, Brasil.

§ Doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina – Piauí, Brasil.

Doutora em Biotecnologia pela Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO – UFC), Fortaleza – Ceará, Brasil.

** Pós-doutorado em Ciência e Tecnologia de Alimento pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza – Ceará, Brasil.

†† Doutora em Biotecnologia em Saúde pela Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO – UFPI), Teresina – Piauí, Brasil.