Artigo original

EFEITOS DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS NO SERVIÇO DE ATENDIMENTO MÓVEL DE URGÊNCIA (SAMU) NAS OCORRÊNCIAS EM UMA CIDADE DO INTERIOR DE GOIÁS

Effects of the new coronavirus pandemic on the mobile emergency service in occurrences in a city in the interior of Goiás

https://doi.org/10.18593/evid.32566

Recebido em 25 de fevereiro de 2023 | Aceito em 06 de junho de 2023

Maria Paula Borges Rodrigues* Anderson Cândido Costa Silva Gabriela Pereira Duarte Karla Karoline Pitanga§ Lucca Sahium Traboulsi Constanza Thaise Xavier Silva**

Resumo:

Objetivo: descrever os efeitos da pandemia do novo coronavírus realizadas pelo serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU) em Senador Canedo-Goiás no período de 2019-2020. Métodos: Trata-se de um estudo ecológico descritivo, tomando como fonte de informação os boletins de atendimentos do SAMU do respectivo município, referentes ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020. Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis selecionadas e calculado o teste qui-quadrado com nível de significância de valor 5% (p< 0,05). Resultados: No ano de 2019, foram registradas 1.078 ocorrências, enquanto no ano de 2020 1.705 atendimentos, evidenciado uma ascensão no número de chamados entre os anos. A maioria dos atendimentos eram do sexo masculino (2019-2020 - 59,4%) na faixa etária entre 19 a 45 anos (2019-2020 - 36,3%). O principal local de ocorrência, foi em domicílio (2019-2020 - 45,9%), no turno vespertino (2019-2020 - 34,1%) e as maiores ocorrências foram realizadas aos finais de semana (2019-2020 - 32,1%). O principal tipo de ocorrência se deu por socorro em ambos os anos (2019 - 90,5%; 2020 - 79,6%), embora a remoção/transporte apresentou uma demanda significativa no ano de 2020 (2019 - 9,5%; 2020 - 20,4% - p= ˂0,0001). O principal motivo de atendimento foram por causas clínicas (2019 - 19,5%; 2020 - 28,5% - p= 0,914), seguido pelas causas externas (2019 - 15,3%; 2020 - 26,6% - p= ˂0,0001). Conclusão: observou-se que a pandemia influenciou significativamente no aumento das ocorrências no ano de 2020, elevando o número de remoção/transporte, causando impacto no serviço de saúde e espera-se que os dados inéditos da casuística obtida possam servir de substrato para o planejamento e execução de medidas voltadas para a melhoria da assistência à saúde.

Palavras-chave: Serviços Médicos de Emergência. Estudos Epidemiológicos. Serviços Pré-Hospitalares. Assistência Ambulatorial.

@Autor correspondente: Doutora em Ciências da Saúde. Docente do curso de medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA, Anápolis – GO, Brasil. Endereço para correspondência: Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA. Curso de medicina. Av. Universitária Km. 3,5 – Cidade Universitária – Anápolis – Goiás, Brasil, CEP 75083-515; https://orcid.org/0000-0003-0980-9343; constanzathaise@yahoo.com.br.

Abstract:

Objective: to describe the effects of the new coronavirus pandemic carried out by the mobile emergency care service (SAMU) in Senador Canedo-Goiás in the period 2019-2020. Methods: This is a descriptive ecological study, using the SAMU service bulletins of the respective municipality as a source of information, referring to the period from January 2019 to December 2020. The absolute and relative frequencies of the selected variables were calculated and calculated the chi-square test with a significance level of 5% (p< 0.05). Results: In 2019, 1,078 occurrences were recorded, while in 2020, 1,705 were attended, showing an increase in the number of calls between years. Most attendances were male (2019-2020 - 59.4%) aged between 19 and 45 years (2019-2020 - 36.3%). The main place of occurrence was at home (2019-2020 - 45.9%), in the afternoon shift (2019-2020 - 34.1%) and the highest occurrences were carried out on weekends (2019-2020 - 32, 1%). The main type of occurrence was due to assistance in both years (2019-90.5%; 2020-79.6%), although removal/transport showed a significant demand in 2020 (2019-9.5%; 2020-20.4% - p= <0.0001). The main reason for attendance was due to clinical causes (2019-19.5%; 2020-28.5% - p= 0.914), followed by external causes (2019-15.3%; 2020-26.6% - p=<0.0001). Conclusion: it was observed that the pandemic significantly influenced the increase in cases of occurrences in the year 2020, increasing the number of removals/transportation, impacting the health service and it is expected that the unpublished data from the sample obtained can serve as a substrate for the planning and execution of measures aimed at improving health care.

Keywords: Emergency Medical Services. Epidemiological Studies. Pre-Hospital Services. Outpatient Assistance.

1 INTRODUÇÃO

O atendimento pré-hospitalar (APH) é caracterizado como toda e qualquer assistência realizada, de forma direta ou indireta, fora do âmbito hospitalar, por meio dos instrumentos disponíveis1. Abrange desde uma orientação médica até o envio de uma viatura de suporte básico ou avançado ao local da ocorrência, com principal objetivo a manutenção da vida, redução do tempo de internação e a redução das sequelas2.

O serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU) foi criado para ser o serviço pré-hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo uma rede assistencial de atenção as urgências, como no Brasil e em quase todas as partes da sociedade ocidental são inspiradas na organização originalmente francesa²-³.

A criação do SAMU foi impulsionada a partir de 2003 através da Portaria Nº 1863/Gabinete do Ministro - GM, em 29 de setembro de 2003 que instituiu o componente pré-hospitalar móvel da Política Nacional de Atenção às Urgências, por intermédio da implantação do SAMU em municípios e regiões de todo o território brasileiro. O acesso ao serviço ocorre por meio do contato telefônico gratuito pelo número exclusivo “192”, o mesmo por todo território nacional4.

O SAMU tem como principal objetivo o acesso precoce e eficaz à vítima que apresenta algum agravo a sua saúde5-6, no final do ano de 2019 e início de 2020 o mundo foi surpreendido com um agravo chamado doença do coronavírus-2019 (do inglês, Coronavirus Disease - COVID-19), causada pelo vírus da síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 - SARS-CoV-2), no qual foi declarada uma emergência de saúde pública, considerada como um alto nível de alerta pela Organização Mundial de Saúde (OMS), devido à sua alta transmissibilidade, que se alastrou-se pelo mundo com destaque para o Brasil em número de casos e óbitos7-8.

A pandemia da COVID-19 foi um desafio sem precedentes para a sociedade e a ciência, cobrando respostas rápidas dos diversos sistemas de saúde do mundo e do Brasil, que precisaram ser reorganizar em todos os seus componentes e esferas governamentais para o enfrentamento dessa pandemia9.

Essa nova condição em que o mundo vivenciou com o confinamento (lockdown), imposta pela pandemia ainda é pouco conhecida e representa uma importante lacuna do conhecimento científico, requerendo estudos que possibilitem subsidiar ações com vistas as fragilidades enfrentadas pela pandemia dos serviços de saúde, visto que o SAMU funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, apontado como um serviço primordial para sociedade, sendo uma das portas de entrada do sistema de saúde, que acolhe e direciona o paciente nos diferentes níveis de atenção, em um sistema de referência e contrarreferência organizado, pois o SAMU está inserido no contexto de atendimento aos pacientes, inclusive as vítimas da COVID-1910.

Neste contexto, faz-se necessário a realização do estudo para que possa conhecer o perfil epidemiológico das ocorrências antes da pandemia e na pandemia, e com isso, traçar estratégias de acordo com as políticas públicas voltadas para a atenção a urgência e a partir da problemática. Logo, um estudo detalhado dos atendimentos realizados pelo SAMU mostraria o funcionamento do sistema de saúde pré-hospitalar do município de Senador Canedo – GO na pandemia, apontando as situações em que se tornar necessária alguma intervenção específica.

Diante do exposto, tem-se como objetivo descrever os efeitos da pandemia do novo coronavírus realizadas pelo serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU) em Senador Canedo-Goiás no período de 2019-2020.

2 MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico descritivo, fundamentado em pesquisa com dados secundários obtidos nos boletins de atendimentos do SAMU de Senador Canedo-GO, no período de 2019-2020.

A cidade de Senador Canedo, está localizado na região metropolitana da capital do estado, Goiânia-GO, possuindo uma localização geográfica privilegiada, com acesso aos principais centros de distribuição de passageiros, cargas e de comercialização. Em 2021, Senador Canedo-GO consta com uma população 121.447 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)11. O SAMU de Senador Canedo-GO consta com uma equipe operacional de 11 enfermeiros, 20 técnicos de enfermagem, 14 médicos e 15 condutores.

As variáveis estudadas, disponíveis nos boletins de atendimentos do SAMU foram agrupadas em duas categorias: por um lado, aquelas relativas às características sociodemográficas e, por outro, as relativas aos tipos de ocorrências.

Para as variáveis sociodemográficas, foram selecionadas: número de ocorrências por ano (2019-2020), sexo, faixa etária. E para os dados relacionados ao tipo de ocorrência, selecionou-se: local de ocorrência, horário da ocorrência, dia da semana, tipo de atendimento oferecido pelo SAMU (socorro e remoção) e motivo do atendimento (clínico; psiquiátrico; gineco-obstétrico; pediátrico e causas externas). Os critérios de inclusão foram todos os indivíduos atendidos pelo SAMU na cidade de Senador Canedo - Goiás no período de 2019 a 2020 e os critérios de exclusão foram fichas cujos dados estavam rasurados ou de difícil compreensão.

Posteriormente, os dados foram para uma planilha Microsoft Excel, sendo importados para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23, para a realização da análise estatística descritiva, sendo adotado como critério de significância p<0,05. Foi realizado o teste de Qui quadrado de Pearson e feita a correção Likelihood Ration quando necessária.

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – CEP/UniEVANGÉLICA, com o parecer número 4.878.937, atendendo as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

3 RESULTADOS

De acordo com os dados obtidos nos boletins de atendimentos do SAMU em Senador Canedo-GO no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, foram atendida 2.959 boletins de atendimento, sendo excluídas 176 fichas cujos dados estavam rasurados ou de difícil compreensão, restando 2.783 ocorrências.

No ano de 2019, foram registradas 1.078 ocorrências (38,7%), enquanto no ano de 2020 foram 1.705 atendimentos (61,3%) realizados, evidenciado uma ascensão no número de chamados entre os anos (Figura 1).

Do total de sujeitos analisados nesta casuística a maioria eram do sexo masculino (1.654; 59,4%) evidenciando uma diferença estaticamente diferente entre os grupos (p= 0,015) e em relação a faixa etária mais prevalente foi entre 19 a 45 anos (1.009; 36,3%), evidenciando uma diferença significativa entre a faixa etária (p= < 0,0001) (Tabela 1).

Com relação ao local de ocorrência, observou-se que a maior prevalência foram realizadas em domicílios, perfazendo 45,9% dos chamados (Figura 2).

No tocante aos principais horários e dia da semana, a maioria dos chamados ocorreram no turno vespertino (948; 34,1%), seguido pelo turno noturno (875; 31,4%) as maiores ocorrências foram realizadas aos finais de semana (894; 32,1%), como demonstrado na Tabela 2.

Referente aos tipos de atendimento oferecido pelo SAMU a maioria dos chamados foram por socorro (2019- 90,5%; 2020 - 79,6%), e vale ressaltar que a remoção do paciente no ano de 2019 foi de 9,5%, em contrapartida no ano de 2020 foi de 20,4% das ocorrências, evidenciando uma diferença estaticamente entre os grupos (p= < 0,0001). Já em relação aos motivos do atendimento os clínicos foram as mais prevalentes (2019 - 19,5%; 2020 - 28,5%) dentre eles, destaca-se a crise convulsiva (2019 - 28,7%; 2020 - 24,5%) e a dispneia (2019 - 14,6%; 2020 - 15,7%) não evidenciando uma diferença estaticamente entre os grupos (p= 0,914). O segundo motivo do atendimento foi as causas externas (2019 - 15,3%; 2020 - 26,6%) destacando a colisão de trânsito (2019 - 36,1%; 2020 - 22,9%) e a remoção/transporte (2019 - 23,9%; 2020 - 46,9%), evidenciando uma diferença estaticamente entre os grupos (p= < 0,0001) como demonstrado na Tabela 3.

Figura 1 – Número de ocorrências do SAMU em relação aos anos de 2019 e 2020 em Senador Canedo, Goiás.

Tabela 1 – Perfil sociodemográficos das ocorrências do SAMU em Senador Canedo – GO nos anos de 2019-2020

VARIAVIES

ANOS

Sexo

2019

2020

Total

p*

n (%)

n (%)

n (%)

Masculino

672

984

1.656 (59,5)

0,015

Feminino

406

721

1.127 (40,5)

Faixa etária

< 1 ano

49

70

119 (4,3)

< ٠,٠٠٠1

1 a 10 anos

42

47

89 (3,2)

11 a 18 anos

146

184

330 (11,8)

19 a 45 anos

356

653

1.009 (36,3)

46 a 60 anos

153

331

484 (17,4)

> 61 anos

332

420

752 (27,0)

*qui-quadrado.

Figura 2 – Distribuição dos números de casos realizados pelo SAMU em Senador Canedo-GO, de acordo com o local de ocorrência nos anos de 2019-2020.

Tabela 2 – Distribuição das ocorrências do SAMU em Senador Canedo – Goiás, de acordo com o horário e dia da semana nos anos de 2019-2020

Horário

n

%

Madrugada (00:00 – 05:59)

313

11,2

Matutino (06:00 – 11:59)

645

23,2

Vespertino (12:00 – 17:59)

948

34,1

Noturno (18:00 – 23:59)

875

31,4

Total

2783

100

Dias da semana

Final de semana (sábado e domingo)

894

32,1

Segunda-feira

358

12,9

Terça-feira

353

12,7

Quarta-feira

376

13,5

Quinta-feira

378

13,6

Sexta-feira

424

15,2

Total

2783

100

Tabela 3 – Distribuição das ocorrências em Senador Canedo-Goiás, de acordo com o tipo de atendimento e o motivo do atendimento realizadas pelo SAMU nos anos de 2019-2020.

ATENDIMENTO OFERECIDO PELO SAMU

2019

2020

Total

p*

n (%)

n (%)

n (%)

Socorro

976 (90,5)

1.357 (79,6)

2.333 (83,8)

< 0,0001

Remoção

102 (9,5)

348 (20,4)

450 (16,2)

Subtotal

1078 (38,7)

1705 (61,3)

2783 (100)

MOTIVOS DO ATENDIMENTO

MOTIVOS CLÍNICOS - ADULTO E GERIÁTRICO

Crise convulsiva

156 (28,7)

194 (24,5)

350 (26,2)

0,914

Dispneia

79 (14,6)

124 (15,7)

203 (15,2)

Síncope

59 (10,9)

86 (10,8)

145 (10,9)

Parada cardiorrespiratória - PCR

54 (10,0)

94 (11,9)

148 (11,1)

Precordialgia e crise hipertensiva

72 (13,3)

104 (13,1)

176 (13,2)

Rebaixamento do nível de consciência

44 (8,1)

72 (9,1)

116 (8,7)

Mal-estar e dor abdominal

33 (6,1)

45 (5,7)

78 (5,9)

Queda no mesmo nível

7 (1,3)

9 (1,1)

16 (1,2)

Acidente vascular encefálico - AVE

4 (0,7)

7 (0,9)

11 (0,8)

Oncológico

2 (0,4)

6 (0,7)

8 (0,6)

Constatar óbito

9 (1,7)

12 (1,5)

21 (1,6)

Outros (lombalgia, astenia, febre, cefaleia, vômito e melena).

23 (4,2)

39 (5,0)

62 (4,6)

Subtotal

542 (19,5)

792 (28,4)

1.334 (48,0)

MOTIVOS PSIQUIÁTRICOS

Surto psiquiátrico

30 (54,305)

45 (53,5)

75 (54,0)

0,435

Paciente agitado

3 (5,5)

10 (12,0)

13 (9,3)

Tentativa de autoextermínio

22 (40,0)

29 (34,5)

51 (36,7)

Subtotal

55 (2,0)

84 (3,0)

139 (5,0)

MOTIVOS OBSTÉTRICOS

Trabalho de parto

12 (46,2)

24 (58,6)

36 (53,7)

Gestante com sangramento ativo

5 (19,2)

6 (14,6)

11 (16,5)

Parto prematuro

9 (34,6)

11 (26,8)

20 (29,8)

Subtotal

26 (0,9)

41 (1,5)

67 (2,4)

MOTIVOS PEDIÁTRICO

Crise convulsiva

4 (13,8)

12 (25,5)

16 (21,1)

0,564

Dispneia

6 (20,7)

8 (17,0)

14 (18,4)

Queda e fratura

9 (31,0)

10 (21,3)

19 (25,0)

Síncope

3 (10,3)

1 (2,1)

4 (5,3)

Engasgo

4 (13,8)

9 (19,1)

13 (17,1)

Afogamento

1 (3,5)

3 (6,5)

4 (5,2)

Outros (diarreia, vômito, mal-estar, febre, evento penetrante)

2 (6,9)

4 (8,5)

6 (7,9)

Subtotal

29 (1,0)

47 (1,7)

76 (2,7)

MOTIVOS - CAUSAS EXTERNAS

Remoção/transporte

102 (23,9)

348 (46,9)

450 (38,6)

< ٠,٠٠٠1

Colisão de trânsito

154 (36,1)

170 (22,9)

324 (27,8)

Queda

101 (23,7)

111 (15,0)

212 (18,2)

Ferimento por arma de branca

20 (4,7)

25 (3,4)

45 (3,9)

Ferimento por arma de fogo

10 (2,4)

29 (4,0)

39 (3,3)

Agressão

15 (3,6)

17 (2,3)

32 (2,7)

Intoxicação exógena

10 (2,3)

24 (3,2)

34 (2,9)

Atropelamento

11 (2,6)

12 (1,6)

23 (2,0)

Choque elétrico

2 (0,5)

3 (0,4)

5 (0,4)

Queimadura

1 (0,2)

2 (0,3)

3 (0,2)

Subtotal

426 (15,3)

741 (26,6)

1.167 (41,9)

*qui-quadrado.

4 DISCUSSÃO

O número de ocorrências entre os anos mostrou-se um aumento significativo em 2020 quando comparado as ocorrências no ano de 2019. É possível que este aumento esteja associado ao número de chamadas relacionadas à COVID-19, que resultou no serviço de transporte para cobertura da pandemia da COVID-19, já que o serviço pré-hospitalar móvel passou a ser utilizado para realização de transferências inter-hospitalares de indivíduos suspeitos ou confirmados com a doença12.

No que diz respeito ao sexo, a maior demanda, foi do sexo masculino entre os anos, fato esse também ocorrido na pesquisa realizada por Dias et al.13, em que 63,2% dos atendimentos solicitados ao SAMU de Natal-RN, foram, predominantemente, por homens. Tal fato está relacionado a uma maior exposição dos homens a fatores de risco, tais como abuso de álcool, imprudência ao dirigir automotores, maior prevalência em serviços braçais, além da negligência em cuidados com sua própria saúde, principalmente no caso de doenças crônicas14.

No tocante à faixa etária, destacou-se uma maior prevalência entre as idades de 19 a 45 anos entre os anos. Este episódio foi parecido com à demanda de atendimentos pelo SAMU no estado do Rio Grande do Norte, cuja idade mais incidente foram entre 25 a 34 anos, devido à relação idade versus ocorrências por causas traumáticas13 a principal hipótese seria que essa é a faixa etária de maior capacidade laboral do indivíduo. Essa faixa etária apresentou resultado compatível com diversos estudos da literatura15-17. Em contrapartida, o município de Botucatu, região central do estado de São Paulo apresentou uma prevalência bimodal da faixa etária dos atendimentos pelos serviços móveis, com idades que variaram dos 41 aos 60 anos e dos 71 aos 80 anos18.

Em relação ao local de ocorrência, os principais chamados foram realizados no domicílio, seguido dos atendimentos em via pública. Comparando com um estudo no município de Maringá-PR pode ser observar achado condizente com o presente estudo evidenciando que a maioria dos chamados foram realizados no domicílio (41,26%), seguidos pelos chamados em via pública (23,79%)19. A partir deste dado, pode-se inferir que, devido às dificuldades enfrentadas pelos usuários na utilização da rede de atenção à saúde, o serviço móvel foi visualizado como uma porta de entrada aos serviços, bem como possibilidade de acesso à assistência de maior complexidade por meio do processo de referência e contrarreferência13.

Observou-se também que a maior parte das ocorrências se deu no período vespertino, seguido pelo turno noturno fato esse observado em outros estudos19-20. O aumento de casos no período que corresponde ao final da tarde e início da noite pode ser explicado pelo aumento do número de circulação de pessoas e veículos, o que aumenta o risco de acidentes de trânsito21. Ademais, estudo epidemiológico também aponta aumento da ocorrência de agravos, como o infarto agudo do miocárdio (IAM), durante o período vespertino, o que corrobora com o aumento dos chamados durante esse turno22.

Com relação à distribuição de ocorrências ao longo da semana, de acordo com os dados coletados, nota-se um aumento dos chamados aos finais de semana. Em estudo similar realizado por Soares et al.23, tal caracterização é explicada pelo proeminente consumo de álcool pareado à direção sob efeito daquele, principalmente se somado a fatores agravantes como sonolência, excesso de velocidade e inexperiência em direção veicular. Assim, a não exposição do álcool para condutores implica em um fator de proteção, fato confirmado pela imediata queda de mortalidade e internações após a implantação da lei seca em 2008. Contudo, ainda se percebe que mesmo com a existência de leis que proíbem o consumo de álcool em certas instâncias, o Brasil ainda segue com altas taxas de ocorrências, principalmente devido à falta de fiscalização mais prevalente em municípios menores24.

Em relação aos motivos de atendimentos do SAMU eles são de diferentes etiologias, como de natureza clínica, traumática, obstétrica, pediátrica, psiquiátrica entre outros5-6. No presente estudo os chamados por motivos clínicos foram os mais prevalentes, circunstância essa também observada em diversos trabalhos13,18,25-26.

Tal realidade se faz presente pela grande prevalência de doenças crônicas, principalmente as doenças cardiovasculares, respiratórias e o diabetes, o que se traduz em aumento de queixas clínicas, como dor torácica e dispneia. Do mesmo modo essas doenças são as principais causas das mortes no mundo, incluindo o Brasil, demonstrando o grande impacto de tais comorbidades sobre o sistema de saúde e, consequentemente, sobre o SAMU e o cenário piora com o envelhecimento populacional, que também corrobora com essa perspectiva, visto que as populações de idade avançada são mais acometidas pelas doenças crônicas25-26.

As causas externas ocuparam no presente estudo o segundo lugar no número de ocorrências, destacando a remoção/transporte e colisão de trânsito. Assim como nesta pesquisa, as colisões entre veículos automotores aparecem como uma das formas mais comuns de acidentes, em consonância com diversos estudos em diferentes regiões brasileira27-29. A urbanização, industrialização, mudança de hábitos de vida e maior exposição a riscos são alguns dos motivos que justificam esse crescente30.

Dentre as demais modalidades de ocorrência, as causas obstétricas, pediátricas e psiquiátricas, nota-se que as mesmas representam pequena parcela do quantitativo nos anos do estudo atendimentos realizados pelo SAMU, como evidenciado na literatura15-16,19 não havendo diferença no ano antes da pandemia e na pandemia.

A remoção/transporte teve um acréscimo em relação aos anos do estudo, pois no ano de 2020 obteve um aumento significativo nas chamadas, fato esse justificado pela pandemia da COVID-19, uma vez que compete ao SAMU prestar socorro às emergências que exigem transporte imediato ao hospital, unidade de saúde, bem como transportes entre hospitais10. A transferência do cuidado entre as equipes pré e intra-hospitalar já era um problema antes mesmo do novo vírus, uma vez que a falta de um protocolo amplo para organizar a passagem dos dados/informações já é considerada um fragilizador desse momento31.

Assim, infere-se que as mudanças trazidas pela pandemia sobre a atuação do SAMU potencializaram desafios já vivenciados anteriormente, destacando-se a fragilidade dos processos relacionados à segurança do paciente. Não foram encontrados estudos que avaliassem o perfil epidemiológico das ocorrências do SAMU no período pandêmico, sendo caraterizado um estudo pioneiro no território nacional.

Dentre as limitações do estudo, ressalta-se que em um o uso de dados secundários condiciona a qualidade dos dados do preenchimento e qualidade dos registros, entretanto, as fontes de dados utilizadas, mesmo com suas limitações, são confiáveis e de boa qualidade, possibilitando intervenções e subsidiando a tomada de decisões. Outra limitação é que a pesquisa foi realizada em âmbito local, o que afeta negativamente um panorama com maior espectro.

Estudos futuros serão necessários para atualização do perfil epidemiológico, sendo que, no período que este estudo foi realizado enfrentava-se a pandemia da COVID-19, o que influenciou significativamente o número de ocorrência entre os anos do estudo impactando diretamente a realidade atual da sociedade.

5 CONCLUSÃO

Em suma, de acordo com os resultados deste estudo a pandemia da COVID-19 influenciou significativamente o número de ocorrência no ano de 2020, que foram registradas por indivíduos do sexo masculino, na faixa etária de 19 a 45 anos, durante os finais de semana, cujos chamados foram originados no domicílio, no turno vespertino e de natureza clínica durantes os anos do estudo.

Ademais, os achados epidemiológicos pertencentes à região do estudo permitirão direcionar a assistência de forma especializada aos principais problemas de saúde da população local, contribuindo e gerando informações a equipe, bem como colaborando nas decisões, possibilitando um maior treinamento e estudo dos casos norteando-os para que assim desempenhem um melhor planejamento diante dessas ocorrências, visando reduzir o contingente de agravos à saúde e distribuir de forma assertiva os recursos alocados ao SAMU. Bem como, possibilitará a elaborar planos de trabalhos e protocolos de atendimentos para os funcionários do SAMU visando uma resposta rápida e eficiente na manutenção da vida das vítimas seja qual for seu agravo.

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* Graduanda do curso de Medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.

Graduando do curso de Medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.

Graduanda do curso de Medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.

§ Graduanda do curso de Medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.

Graduando do curso de Medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.

** Doutora em Ciências da Saúde. Docente do curso de medicina da Universidade Evangélica de Goiás – UniEVANGÉLICA.