Artigo de revisão
ENTREPOSTOS DE CARNES EM SUPERMERCADOS: DIFICULDADES E DESAFIOS PARA O REGISTRO NO SERVIÇO MUNICIPAL DE CONTROLE DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS DE ORIGEM ANIMAL (COPAS-POA) DE CAXIAS DO SUL/RS
Meat warehouses in supermarkets: difficulties and challenges for registration with the municipal service for control of agicultural products of animal origin (Copas-POA) of Caxias do Sul/RS
https://doi.org/10.18593/evid.29706
Recebido em 16 de novembro de 2021 | Aceito em 25 de abril de 2022
Anna Tayle Huppes* Kessiane Silva de Moraes†
Resumo:
O Serviço de Inspeção Municipal (SIM) visa proteger a saúde da população, inspecionando produtos de origem animal produzidos no município, efetuando ações de combate à clandestinidade em locais irregulares. O objetivo do estudo foi compreender os fatores que dificultam o credenciamento de supermercados ao serviço municipal de inspeção de Caxias do Sul/RS. Para identificar os critérios utilizados pelo COPAS-POA para controle sanitário de instalações e equipamentos de entrepostos de carnes e derivados foi realizada uma análise documental das legislações vigentes no munícipio de Caxias do Sul/RS. Esta análise viabilizou a criação de um questionário que foi aplicado aos gestores de 10 supermercados, a fim de identificar os principais desafios e dificuldades encontradas para registro destes estabelecimentos ao serviço municipal de inspeção. Os resultados obtidos foram agrupados em planilhas, onde foram geradas as frequências e os percentuais. Os resultados indicaram que, em média, 45% das empresas acreditam estarem adequadas entre 70% a 100% com as documentações exigidas, equipamentos solicitados e áreas construídas. Para 80% das empresas, o maior desafio tem relação com os investimentos financeiros necessários às instalações para se adequar aos critérios estabelecidos pelo COPAS-POA, tais como: construção de câmara de resfriamento de produtos prontos, seção de preparação de envoltórios naturais e seção de preparação de condimentos. Para a maior parte das empresas, o investimento seria superior a R$ 100 mil reais. Contudo, essa adequação é essencial uma vez que os critérios estabelecidos pelos serviços de inspeção, sejam eles nas esferas municipais, estaduais ou federais visam garantir alimentos seguros ao consumo humano, regularizando todas as etapas de produção, dos produtos de origem animal, nos estabelecimentos.
Palavras-chave: Credenciamento. Fiscalização. Produtos cárneos. Açougues.
@Autor correspondente: Mestre em Engenharia e Ciências de Alimentos e Doutora em Engenharia de Alimentos. Docente, Escola de Química e Alimentos, Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Campus Santo Antônio da Patrulha (FURG-SAP); http://orcid.org/0000-0002-8935-2891; kessianemoraes@furg.br.
Abstract:
The Municipal Inspection Service (SIM) aims to protect the health of the population, inspecting products of animal origin produced in the municipality, carrying out actions to combat illegality in irregular places. The aim of the study was to understand the factors that hinder the accreditation of supermarkets to the municipal inspection service in Caxias do Sul/RS. To identify the criteria used by COPAS-POA for the sanitary control of facilities and equipment in warehouses for meat and meat products, a documental analysis of the legislation in force in the municipality of Caxias do Sul/RS was carried out. This analysis enabled the creation of a questionnaire that was applied to managers of 10 supermarkets, in order to identify the main challenges and difficulties encountered in registering these establishments with the municipal inspection service. The results obtained were grouped in spreadsheets, where the frequencies and percentages were generated. The results indicated that, on average, 45% of the companies believe they are adequate between 70% to 100% with the required documentation, requested equipment and built-up areas. For 80% of the companies, the biggest challenge is related to the financial investments necessary for the installations to adapt to the criteria established by COPAS-POA, such as: construction of a cooling chamber for finished products, a section for the preparation of natural wrappings and a section for preparation of condiments. For most companies, the investment would be more than R$100 thousand reais. However, this adequacy is essential since the criteria established by inspection services, whether at municipal, state or federal levels, aim to ensure safe food for human consumption, regularizing all stages of production of animal products in establishments.
Keywords: Accreditation. Oversight. Meat products. Butchers.
1 INTRODUÇÃO
Os serviços de inspeção realizados pelos municípios visam a fiscalização sanitária dos produtos de origem animal, que por meio de leis, instituem regulamentações técnicas com o propósito de combaterem a ilicitude. O Serviço de Inspeção Municipal (SIM) é destinado à todas empresas que abatem ou industrializam carnes, leites, pescados, ovos ou mel, os quais são manipulados, preparados, transformados, armazenados, embalados e/ou rotulados com finalidade comercial1. A inspeção abrange critérios sobre a higiene geral do estabelecimento, a captação, depósito e distribuição das águas de abastecimento e das águas residuais, a recepção, manipulação, acondicionamento e conservação dos alimentos, os exames tecnológicos, microbiológicos, histopatológicos, físico-químicos e toxicológicos acerca das matérias-primas e produtos1, além de dispor normas sobre as instalações e equipamentos do empreendimento2.
Em Caxias do Sul, cidade serrana do Rio Grande do Sul, essa administração é realizada pelo Serviço Municipal de Controle de Produtos Agropecuários de Origem Animal (COPAS-POA). O COPAS-POA foi instituído pela lei nº 8.175, de 19 de dezembro de 2016 e alterada pela lei nº 8.186, de 10 de março de 20173,4. Este serviço tem como objetivo, assegurar e preservar a saúde pública através da inspeção sanitária e programas de combate à clandestinidade em estabelecimentos que processam produtos de origem animal no município de Caxias do Sul4. São considerados estabelecimentos de produtos de origem animal, seus subprodutos e derivados, quaisquer locais ou instalações destinadas ao abate ou industrialização de produtos de origem animal, e ainda os locais onde são recebidos, manipulados, elaborados, transformados, preparados, conservados, armazenados, depositados, acondicionados, embalados e rotulados com finalidade industrial ou comercial1.
Para que estes estabelecimentos estejam aptos a produzir e comercializar produtos de origem animal, eles devem possuir obrigatoriamente registro em algum tipo de Serviço de Inspeção (Municipal – SIM, Estadual – SIE ou Federal – SIF) e para isso deve ser seguida uma série de requisitos para que sejam aprovadas as suas atividades. Para estabelecimentos com registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF) ou Serviço de Inspeção Estadual (SIE), fica dispensada a obrigatoriedade do registro junto ao SIM. O registro junto a órgãos de inspeção, além de promover conformidade com a lei, assegura aos consumidores um alimento inócuo, ou seja, garante a segurança em termos microbiológicos, físicos, químicos e sensoriais5. De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (2015), outro importante benefício é a melhoria da qualidade sanitária dos alimentos consumidos pela população, o que influi na redução dos atendimentos na rede de saúde decorrente de infecções alimentares.
Atualmente, a cidade de Caxias do Sul/RS possui mais de 170 supermercados e hipermercados, porém, apenas 1 (um) estabelecimento com entrepostos de carne está cadastrado ao COPAS-POA6. Acredita-se que o baixo índice de supermercados credenciados ao serviço municipal (COPAS-POA) pode estar associado ao fato de que seriam necessárias onerosas adequações técnicas por parte destes estabelecimentos para atenderem as exigências do serviço de inspeção.
No entanto, a deficiência no controle da qualidade sanitária em qualquer uma das etapas da “cadeia de alimentos” é um fator predisponente à ocorrência de casos ou surtos de DTA (Doença Transmitida por Alimentos) em uma comunidade7. A inspeção sanitária é de extrema importância para os estabelecimentos que trabalham com alimentos, de forma a garantir um produto com procedência e de qualidade e livre de contaminantes, assegurando a saúde dos consumidores8. Neste contexto, o presente trabalho pretende compreender os fatores que dificultam o credenciamento de supermercados ao Serviço Municipal de Inspeção de Caxias do Sul/RS, a fim de regularizar-se como entrepostos de carnes, respeitando a legislação vigente.
2 MATERIAL E MÉTODOS
Para identificar os critérios utilizados pelo COPAS-POA para controle sanitário de instalações e equipamentos de entrepostos de carnes e derivados foi realizada uma revisão bibliográfica a partir da análise documental das legislações vigentes no munícipio de Caxias do Sul/RS. Os critérios estabelecidos pelo Serviço de Inspeção estão pautados na Instrução Normativa nº 2, de 14 de maio de 20192 que analisa os seguintes aspectos: controle de temperatura da câmara fria através da planilha de autocontrole do estabelecimento; potabilidade da água de abastecimento interno, também através da planilha de autocontrole; condições higiênicos-sanitárias de equipamentos e estrutura; condições de higiene, hábito, saúde e treinamento higiênico dos manipuladores; controle de matérias-primas, ingredientes, embalagens e produtos químicos; controle de processos e formulações; condições do manejo de resíduos líquidos e sólidos; controle de pragas e roedores; manutenção das instalações e equipamentos, incluindo calibração e aferição de instrumentos; controle de análises laboratoriais, que possibilitem rastreabilidade e recall, quando necessário.
As análises dos critérios considerados pelo Serviço de Inspeção nas ações fiscalizatórias viabilizaram o desenvolvimento de um questionário a ser utilizado na entrevista com os gestores de supermercados. O material foi composto por questões acerca do enquadramento fiscal da empresa (microempresa, empresa de pequeno porte, empresa de médio porte, empresa de grande porte, empresa sem enquadramento), setor de atuação no mercado (produtos de origem animal), tipos de produtos comercializados (carnes e derivados, pescado e derivados, ovos e derivados, leite e derivados, produtos de abelhas e derivados), conhecimento a respeito das legislações de inspeção da cidade, cadastramento nos serviços de inspeção, dentre eles: SIF, SIM, SISBI, SUSAF e COPAS-POA, tentativas de cadastro junto à esses órgãos, além de perguntas sobre os critérios estabelecidos pelo COPAS-POA, com diferentes padrões para resposta e as perspectivas futuras dos supermercadistas com a obtenção do registro.
Para compreender os critérios estabelecidos pelo COPAS-POA que causam mais dificuldades à obtenção do registro pelos estabelecimentos, foi realizado um estudo observacional, em uma amostra de dez empresas recrutadas por contato profissional. Foram adotados como critérios de inclusão, empresas que comercializavam produtos de origem animal na cidade de Caxias do Sul/RS. O questionário, construído na plataforma Google Forms e distribuído de forma impressa, foi aplicado pessoalmente no mês de agosto de 2021, respeitando todos os protocolos de segurança para prevenção da COVID-19 (distanciamento mínimo de 2 m entre pesquisador e entrevistado, uso de máscara facial e álcool gel 70% para higienização das mãos). Os participantes foram informados sobre o objetivo do trabalho e inqueridos sobre o consentimento antes do seu início. O referido trabalho respeita os princípios éticos inerentes a coleta de dados e garante anonimato das empresas participantes da pesquisa. Entretanto, o estudo dispensa encaminhamento para apreciação ética pelo Comitê de Ética em Pesquisas na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEP-FURG), por se tratar de um estudo em que o objeto de avaliação não é o ser humano e sim as informações administrativas do local a ser analisado.
Os resultados obtidos foram agrupados em um banco de dados, onde foram geradas as frequências e percentuais com a criação de planilhas utilizando o programa Microsoft Excel®, versão 2013.
3 RESULTADOS
3.1 CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PELO COPAS-POA
O estabelecimento que almeja obter o registro de um produto de origem animal junto ao Serviço de Inspeção Municipal COPAS-POA, deve ter implementado previamente o manual de Boas Práticas de Fabricação (BPF), os Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) e ter devidamente documentadas todas as planilhas de controle de processo, visto que são critérios considerados nas ações fiscalizatórias e vistorias para credenciamento (Quadro 1)2.
O resultado da avaliação sanitária é obtido do total de itens avaliados subtraído dos itens não aplicáveis, obtendo-se os itens utilizáveis da vistoria (100%). A partir deste resultado, calcula-se o percentual de itens conformes (%) em relação aos itens utilizáveis. O percentual de conformidade obtido determina a classificação do estabelecimento em Grupo 1 (85 a 100% de atendimento dos itens), Grupo 2 (61 a 84,99% de atendimento dos itens) ou Grupo 3 (0 a 60,99% de atendimento dos itens). Esta classificação aponta as falhas do estabelecimento em atender as exigências regulamentadas e é utilizada como critério para definição e priorização das estratégias de intervenção e ações fiscais do COPAS-POA.
De acordo com Soares9, as práticas de inspeção higiênico-sanitária exercidas pelo serviço municipal de Caxias do Sul (COPAS-POA) possuem os mesmos objetivos de inspeção, fiscalização, inocuidade e qualidade dos produtos dos demais integrantes do sistema do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Em 2019, o COPAS-POA alcançou a maior equivalência brasileira na inspeção dos produtos de origem animal, sendo reconhecido pelo MAPA como equivalente ao SISBI-POA10, podendo então, realizar vendas em todo território brasileiro.
Quadro 1 – Critérios avaliados pelo serviço de inspeção municipal COPAS-POA para registro de estabelecimentos com produção de origem animal11-13.
Critérios |
Itens |
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Manual de BPF (documental) |
Identificação do estabelecimento |
Nome empresarial/ CNPJ/ Inscrição Estadual/ Endereço/ Responsável técnico/ Nº de registro no COPAS-POA. |
Descrição das estruturas, temperaturas, resíduos gerados, equipamentos e outros |
Descrição da estrutura física do estabelecimento; monitoramento das temperaturas; descrição dos resíduos gerados; descrição de equipamentos existentes e suas especificações; descrição da denominação de venda (nome) dos produtos registrados. |
|
POP’s (documental e in loco) |
Autocontrole de Manutenção das Instalações e Equipamentos (incluindo aferição e calibração de instrumentos) |
Existência do POP estabelecido e registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas). |
Autocontrole de Água de Abastecimento Interno |
Existência do POP estabelecido e registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas). |
|
Autocontrole Integrado de Pragas, Insetos e Roedores |
Existência do POP estabelecido e registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas). |
|
Autocontrole de Manejo de Resíduos Sólidos e Líquidos (incluindo águas residuais) |
Existência do POP estabelecido e registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas). |
|
Autocontrole de Limpeza e Sanitização – Procedimento Padrão de Higiene Operacional (PPHO) |
Existência do POP estabelecido, registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas), compatibilidade do Manual e POP, adequação das ações corretivas e produtos químicos utilizados pelo estabelecimento. |
|
Autocontrole de Procedimentos Sanitários das Operações (PSO) |
Existência do POP estabelecido, registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas) e descrição das etapas de fabricação identificadas como críticas em relação à possibilidade de contaminação. |
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Autocontrole de Manipuladores (incluindo treinamento, higiene, hábitos higiênicos e saúde dos manipuladores) |
Existência do POP estabelecido e registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas). |
|
Autocontrole de Matérias-primas, Ingredientes e Embalagens |
Existência do POP estabelecido; registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas); descrição dos procedimentos de seleção, recebimento, identificação, armazenamento e controle de uso das matérias-primas, ingredientes, embalagens e insumos; e descrição do destino das matérias-primas, ingredientes e embalagens reprovados. |
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Autocontrole de Pontos Críticos de Controle do Processo (incluindo controle de formulações, temperaturas e fraudes) |
Existência do POP estabelecido; registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas); conformidade dos parâmetros informados (temperatura, pH, umidade) frente a legislação; e compatibilidade do Manual e o POP com os Formulários de Registro dos Produtos. |
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Autocontrole de Análises Laboratoriais (autocontrole) |
Existência do POP estabelecido; registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas) e descrição das ações corretivas frente a um resultado laboratorial não conforme. |
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Autocontrole de Rastreabilidade e Recolhimento (Recall) |
Existência do POP estabelecido; registro dos monitoramentos do autocontrole (planilhas); disponibilidade de programa de recolhimento em caso de não conformidade detectada, com a destinação deste produto; simulação de recall para a detecção de possíveis falhas na rastreabilidade. |
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Avaliação do estabelecimento (in loco) |
Identificação do estabelecimento |
Proprietário, razão social, inscrição estadual, CPF, CNPJ, endereço, contato, atividade, número de registro no COPAS-POA, responsável técnico, número de funcionários e número de turnos. |
Edificação e instalações |
Área externa e interna; acesso; piso; teto; paredes e divisórias; portas; janelas e outras aberturas; escadas, elevadores de serviço, monta-cargas e estruturas auxiliares; instalações sanitárias e vestiários para os manipuladores; instalações sanitárias para visitantes; lavatórios na área de produção; iluminação e instalação elétrica; ventilação e climatização; higienização das instalações; controle integrado de vetores e pragas urbanas; abastecimento de água; manejo dos resíduos; esgotamento sanitário; layout. |
|
Equipamentos, móveis e utensílios |
Equipamentos; móveis (mesas, bancadas, vitrines, estantes); utensílios; higienização dos equipamentos e máquinas, e dos móveis e utensílios |
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Manipuladores |
Vestiários; programas de capacitação dos manipuladores; programa de controle de saúde. |
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Produção e transporte do alimento |
Matéria-prima, ingredientes e embalagens; fluxo de produção; rotulagem e armazenamento; controle de qualidade do produto final; transporte do produto final. |
3.2 ENTREVISTA COM GESTORES DE SUPERMERCADOS
Com a aplicação dos questionários aos gestores de supermercados com entrepostos de carne, ainda não credenciados ao Serviço de Inspeção COPAS-POA, foi possível analisar o perfil de 10 empresas. Os resultados indicaram que 60% (6) dos entrevistados possuem empreendimentos de médio porte, seguidos por 20% (2) para empresas de pequeno porte e os outros 20% (2) para empresas de grande porte, conforme apresentado na Tabela 1. Metade dos interrogados, 50% (5), atuam a mais de 6 anos no mercado e possuem mais de 11 colaboradores.
Apesar de todas as empresas comercializarem todos os produtos e derivados de origem animal (carnes e derivados, pescados e derivados, ovos e derivados, leite e derivados, produtos de abelhas e derivados), apenas 30% (3) delas conheciam a legislação referente ao Serviço de Inspeção Municipal (COPAS-POA) instituído no município de Caxias do Sul. Diante disso, percebeu-se que 70% (7) dos gestores não sabiam o que precisaria ser feito para se adequarem à legislação e obter o registro junto ao SIM. A consequência disso é a permanência na irregularidade na venda de alguns produtos, como temperados e empanados, os quais são permitidos para comércio apenas com o respectivo registro no órgão. O aumento de estabelecimentos registrados junto ao COPAS-POA é imprescindível para fortalecer a economia do município, abrindo espaço para a integração entre os municípios, incentivando o desenvolvimento local e dos territórios, e, em consequência, a circulação de maior volume de dinheiro no comércio local, aumentando, também, a arrecadação de tributos nos municípios, gerando benefícios para todos.
Quando questionadas sobre o registro no Serviço de Inspeção, 100% (10) das empresas relataram não possuir registro em órgãos de inspeção para produtos de origem animal. Sendo assim, a questão 7.1 (“Se sim, qual?”) foi desconsiderada nesta avaliação, por não ser aplicável neste contexto. O mesmo aconteceu para as questões 7.3 e 7.4 (“Em qual deles?” e “Já tentou realizar o registro mais de uma vez?”), visto que todas as empresas entrevistadas afirmaram nunca ter tentado o credenciamento.
No que diz respeito ao grau de adequação às normas do COPAS-POA, 40% (4) das empresas entrevistadas acreditam estarem adequadas às normas em 70% a 100% quanto as documentações exigidas, e áreas construídas e instalações (Figura 1). Quando arguidos sobre os equipamentos necessários, 50% (5) dos gestores afirmaram atender as exigências do COPAS-POA em 70% a 100%. Em média, 23,3% dos entrevistados não souberam responder a estas questões e 33,3% acreditam possuir menos de 70% de conformidades para os critérios estabelecidos para documentação, área construída e instalações e equipamentos.
Tabela 1 – Questões aplicadas nas entrevistas para análise do perfil das empresas
Questões |
Características das empresas entrevistadas (%)* |
||||
Enquadramento de porte da empresa |
Microempresa |
Pequeno porte |
Médio porte |
Grande porte |
Sem enquadramento |
0% (0) |
20% (2) |
60% (6) |
20% (2) |
0% (0) |
|
Número de funcionários |
< 10 |
11 a 20 |
21 a 30 |
31 a 40 |
> 41 |
10% (1) |
30% (3) |
0% (0) |
30% (3) |
30% (3) |
|
Tempo de funcionamento da empresa |
< 1 ano |
1 a 2 anos |
2 a 4 anos |
4 a 6 anos |
> 6 anos |
10% (1) |
10% (1) |
20% (2) |
10% (1) |
50% (5) |
* Todas as empresas selecionadas (n=10) atendiam aos critérios de inclusão para participarem da pesquisa: comercializam produtos de origem animal, no município de Caxias do Sul/RS.
Figura 1 – Questões aplicadas nas entrevistas (n=10) para autoavaliação das empresas quanto ao grau de adequação às normas do COPAS-POA
Em relação as instalações que as empresas precisariam alterar para se adequarem ao COPAS-POA, 60% (6) dos entrevistados sinalizaram a câmara de resfriamento de massas como uma possível área a ser edificada (Figura 2) e 70% (7) das empresas indicaram a necessidade de providenciar uma área para higienização de formas e afins. Além disso, 80% (8) dos gestores dos supermercados com entrepostos de carnes, apontaram que precisariam alterar ou construir as seguintes áreas: câmara de resfriamento de produtos prontos, seção de preparação de envoltórios naturais e seção de preparação de condimentos, conforme Figura 2.
A Instrução Normativa Intersecretarial nº 1, de 26 de setembro de 2019, no seu art. 6° §5º descreve que “deverão ser independentes a sala de manipulação, a sala de armazenamento de insumos, de produtos químicos e as câmaras frias de armazenamento de matérias-primas, produtos prontos e outras que forem necessárias às atividades industriais” para estabelecimentos que comercializem produtos cárneos, que é o caso dos supermercados que tenham açougues, e que queiram industrializar seus produtos, temperando ou empanando. É permitido apenas o compartilhamento de banheiros, vestiários, refeitórios, área de lavagem e armazenamento de caixas, garagens e áreas de circulação, desde que sejam comuns e não sejam fontes de contaminação cruzada aos alimentos14.
A Tabela 2 apresenta as estimativas de investimentos para adequação das empresas às exigências do COPAS-POA, bem como as expectativas dos supermercadistas com as vendas dos produtos.
Figura 2 – Autoavaliação das empresas (n=10) quanto a necessidade de adaptações das instalações para adequação às normas do COPAS-POA
Tabela 2 – Questões aplicadas nas entrevistas para análise das estimativas de investimento para adequação ao COPAS-POA e expectativas das empresas (n=10)
Questões |
Estimativa de investimento e expectativas (%) |
||||
Quanto você estima que gastará para realizar as reformas necessárias para se adequar ao COPAS-POA?* |
R$ 10 mil – 30 mil reais |
R$ 30 mil – 70 mil reais |
R$ 70 mil – 100 mil reais |
R$ 100 mil – 130 mil reais |
Mais de R$ 130 mil reais |
0 |
0 |
10 |
30 |
40 |
|
Quão seguro você se sentiria ao fazer investimentos para a obtenção do registro no COPAS-POA? |
5 – Muito seguro |
4 |
3 |
2 |
1 – Nada seguro |
30 |
0 |
20 |
20 |
30 |
|
Após a obtenção do registro, qual sua expectativa de crescimento com as vendas dos produtos? |
100% |
70% |
50% |
30% |
10% |
0 |
10 |
10 |
40 |
40 |
* Não souberam responder: 20%.
Para realização das adequações nas instalações, discutidas anteriormente, 70% (7) dos participantes acreditam precisar investir mais de R$ 100 mil reais na sua empresa a fim de solicitar seu registro no COPAS-POA (Tabela 2). Quanto ao questionamento sobre o quão seguro o gestor da empresa se sentiria ao fazer investimentos para a obtenção do registro no COPAS-POA/CISPOA de Caxias do Sul, foi utilizada uma escala estruturada de 5 pontos, onde 1 seria nada seguro e 5 muito seguro. Os resultados, apresentados na Tabela 2, indicaram que 30% (3) dos empresários dizem se sentir muito seguros em fazer investimentos para obtenção do registro junto ao SIM, e 30% (3) responderam que não se sentem seguras quanto aos investimentos, não havendo correlação direta com o enquadramento de porte da empresa.
Em relação às vendas, 80% (8) das empresas acreditam que teriam um aumento de 10% a 30% após a adesão do registro junto ao serviço municipal e apenas 20% (2) das empresas entrevistadas acreditam que teriam crescimento de vendas entre 50% e 70% (Tabela 2). Essa baixa perspectiva de crescimento pode ser constatada pela falta de outros estabelecimentos maiores, como os hipermercados, aderirem ao registro e lucrarem com isso. Essas redes de hipermercados acabam realizando grandes transações diretamente com os frigoríficos, mas, os pequenos ou médios estabelecimentos, que acabam não conseguindo essas negociações, realizam o fracionamento e industrialização nos seus próprios açougues. Uma outra razão para essa baixa perspectiva de crescimento é que a maioria dos estabelecimentos, por falta de fiscalização, já industrializam seus produtos nos seus açougues de forma ilegal e a adesão ao registro seria para sua regularização e não consequentemente o crescimento das vendas.
No presente estudo, ao serem questionados sobre a preferência dos clientes em relação aos produtos vendidos embalados em detrimento à venda a granel, 70% (7) dos gestores de supermercados (n=10) afirmaram que sim, seus clientes iriam preferir comprar já embalados, enquanto 30% (3) achavam que não, ou seja, os clientes ainda iriam preferir comprar os produtos a granel.
Atualmente, na cidade de Caxias do Sul, não é permitida a venda de produtos temperados a granel, o qual consta no Decreto nº 19.882, de 29 de novembro de 2018 art. 79 – para produtos não institucionais também poderá ser exigida a inscrição “Proibida a venda fracionada”, a critério do COPAS-POA, visando assegurar a saúde pública ou os interesses do consumidor1.
4 DISCUSSÃO
Esta análise de dados apontou alguns fatores que dificultam o registro dos supermercados no Serviço de Inspeção Municipal (SIM) de Caxias do Sul/RS. Os resultados gerados confirmaram a hipótese de que os investimentos financeiros necessários para os supermercados se adequarem as exigências do COPAS-POA pode representar o maior entrave para a regularização destas empresas junto ao SIM, visto que 80% (8) dos entrevistados relataram que seriam necessárias construções de novas salas e seções específicas para a produção e acondicionamento dos produtos, com estimativas de investimento superior a R$ 100 mil reais. Aliado a isso, tem-se as baixas perspectivas de crescimento com esses grandes investimentos, dado que 80% (8) das empresas acreditam que teriam um aumento na ordem de 10% a 30% nas vendas após a adesão ao serviço municipal.
Além disso, observou-se um baixo nível de informação dos gestores dos supermercados acerca das medidas a serem adotadas para se adequarem à legislação e obterem o registro junto ao SIM, sendo que apenas 30% (3) dos entrevistados afirmaram ter conhecimento sobre o assunto. A falta de conhecimento sobre o Serviço de Inspeção sanitária também pode ser fator determinante para o desinteresse dos gestores em obter o selo de inspeção. Os critérios estabelecidos pelos Serviços de Inspeção, sejam eles nas esferas municipais, estaduais ou federais, têm como objetivo comum, garantir alimentos seguros ao consumo humano, regularizando todas as etapas de manufatura dos produtos de origem animal nos estabelecimentos. Consequentemente, a falta de preocupação dos estabelecimentos em cumprir as normatizações sanitárias resulta em problemas de saúde pública.
Uma pesquisa com consumidores realizada por Anjos, Novaes e Viana15 revelou que, para identificar a qualidade da carne, em primeiro lugar é observada a aparência da carne, seguida pela certificação da presença do selo de inspeção federal, estadual ou municipal e em terceiro lugar registrou-se a importância do histórico do estabelecimento. Esse resultado demonstrou a preocupação dos entrevistados com a qualidade da carne adquirida, tendo-se obtido como principais requisitos a boa aparência, juntamente com os devidos selos/carimbos de inspeção (SIF, SIM e SIE), o que pode garantir aos consumidores a certificação da qualidade do produto. A pesquisa apontou também que 80,36% dos consumidores confiam em produtos que foram produzidos sob observação do Serviço Inspeção Federal, demonstrando que correlacionam o registro do produto à garantia da qualidade e segurança do alimento. O resultado da pesquisa mostrou que a presença do carimbo/selo de qualidade SIF, SIM ou SIE nos alimentos é um dos critérios mais observados pelos consumidores, para certificar se os produtos cárneos são realmente de qualidade, o que pode ser um diferencial para o estabelecimento, impulsionando as vendas desse tipo de produto.
Segundo Pavan8, a inspeção sanitária é de extrema importância para os estabelecimentos que trabalham com alimentos, para garantir um produto de qualidade e livre de contaminantes, assegurando a saúde dos consumidores. Uma fiscalização eficiente garante um produto com procedência e qualidade. O autor relatou dificuldades na elaboração do Manual de Boas Práticas por parte de alguns responsáveis técnicos que não compreendem a importância das BPF e capacitação dos colaboradores que desempenham importante papel nas indústrias de alimentos. Também é importante salientar que os produtos com procedência são inspecionados e certificados pelos órgãos competentes que realizam as fiscalizações periodicamente, garantindo produto livre de microrganismos patogênicos.
Em um estudo conduzido por Rossi e Bampi16, foram analisadas 856 amostras de produtos de origem animal (carnes, leite e ovos) que possuíam algum tipo de selo de inspeção, ou seja, os fabricantes dos produtos analisados eram credenciados em algum Serviço de Inspeção sanitária (SIF, SIE ou SIM). Os resultados deste estudo indicaram que 717 amostras (83,7%) apresentaram resultados satisfatórios nas análises de Salmonella sp., Staphylococcus coagulase positiva, coliformes termotolerantes e Clostridium sulfito redutor e 139 amostras (16,2%) apresentaram condições impróprias para consumo. Esse resultado indica que, mesmo possuindo selos de inspeção, ainda existe o risco de contaminação, o que reforça a importância da constante fiscalização de alimentos, sobretudo produtos de origem animal, dada a perecibilidade e as possíveis consequências para a saúde do consumidor. A contaminação pode ocorrer por diversos fatores, dentre eles estão: falhas no processamento e manipulação do produto, uso de matérias-primas de baixa qualidade, falta de controle nas condições de transporte e armazenamento, dentre outros.
Ferreira17 analisou nos anos de 2015, 2016 e 2017, 5035 produtos registrados no SIE. Os resultados apontaram que 811 análises tiveram contagem para coliformes termotolerantes, 111 para Staphylococcus coagulase positiva, 64 para Clostridium sulfito redutor, 25 para Listeria monocytogenes e 4073 análises para Salmonella spp. A presença desses micro-organismos em alimentos direcionados ao consumo humano, como o do presente estudo, é inaceitável, tendo em vista os riscos à saúde que estes causam. Segundo Bezerra et al.18, produtos como este devem apresentar condições apropriadas de consumo, entretanto, a manipulação a que são submetidos propicia contaminação pela falta de aplicação das Boas Práticas. Isso se torna ainda mais preocupante considerando os produtos que não passam por nenhum tipo de inspeção sanitária, realizada por órgãos oficiais.
Portilho19 realizou um diagnóstico da implantação do SIM no município de Rio Verde/GO a partir da análise de produtos cárneos produzidos no município (quibe e cortes de frango temperado). Os resultados indicaram que foram encontradas prevalências inaceitáveis de Salmonella spp., Bacillus cereus e Listeria spp., comprovando as falhas presentes na manipulação e consequentemente nas Boas Práticas de Fabricação, demostrando a necessidade de um maior compromisso por parte dos estabelecimentos e responsáveis técnicos com a garantia da segurança dos alimentos e da responsabilização pelas mudanças necessárias para a diminuição dos riscos de agravos à saúde da população.
Em um outro estudo realizado, Abrantes et al.20 avaliaram microbiologicamente 25 amostras de charque de um frigorífico com serviço de inspeção estadual localizado no Rio Grande do Norte, Brasil, mostrou que (20%) das amostras encontravam-se em desacordo com a legislação vigente (ANVISA) para análises de Estafilococos coagulase positiva, apresentando uma variação de 1,38 a 3,93 UFC/g; todas as amostras estavam em conformidade para coliformes termotolerantes. Quanto à determinação da Salmonella spp., foi verificada sua presença em sete amostras (28%). Segundo Amson, Haracemiv e Masson21, práticas inadequadas que ocorrem durante o processamento dos alimentos permitem contaminações, sobrevivência e multiplicação de micro-organismos patogênicos, sendo necessário melhorar os métodos de adoção e aplicação de programas de Boas Práticas de Fabricação. Dessa forma, seria possível reduzir a incidência das doenças de origem alimentar.
Em 2019, os fiscais do Serviço Municipal de Controle de Produtos Agropecuários de Origem Animal e os agentes da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), realizaram uma operação de combate à clandestinidade no bairro Rio Branco, da cidade de Caxias do Sul, onde apreenderam, aproximadamente, 260 quilos de carnes impróprias para o consumo. Essas mercadorias, não só eram manipuladas em local inadequado e armazenadas sem refrigeração, mas também estavam com a validade vencida, sendo distribuídas para restaurantes da cidade22. Essa produção e distribuição ilegal, além de ser uma infração prevista por lei, também coloca em risco a saúde do consumidor, visto que o consumo de carne contaminada por toxinas e bactérias podem causar dores de cabeça, vômitos, diarreia, febre, e em casos extremos, levam à morte do indivíduo23.
5 CONCLUSÃO
Com base nas informações coletadas foi possível compreender os fatores que dificultam o credenciamento de supermercados com entrepostos de carnes, ao Serviço de Inspeção Municipal, a partir da aplicação de um questionário em gestores destes estabelecimentos no município de Caxias do Sul/RS. Os resultados apontaram que para 80% das 10 empresas inqueridas, o maior desafio está relacionado ao investimento necessário à adequação das instalações, conforme os critérios estabelecidos pelo COPAS-POA. Os gestores não conseguem vislumbrar um retorno financeiro a partir do aumento das vendas dos produtos, por exemplo, que compense o emprego de recursos para que possam ser feitas as adaptações necessárias e essenciais à legalização. Contudo, há de se contabilizar que multas, impossibilidade de comercialização entre outras penalidades devido à falta de registro podem, a longo prazo, ultrapassar essa quantia empregada.
Cabe aos Serviços de Inspeção, intensificar a fiscalização com intuito de combater a ilegalidade. Essas ações aliadas à aplicação de sanções previstas na legislação vigente relacionadas à falta do registro para comercialização legal junto ao COPAS-POA, possivelmente ampliaria a visão da necessidade da legalização pelos empreendedores do ramo. Também poderiam estabelecer parcerias com instituições de ensino da região a fim de promover cursos e palestras para gestores e responsáveis técnicos, acerca da importância da adesão aos serviços de inspeção, bem como informações sobre os critérios estabelecidos pelas normatizações municipais.
REFERÊNCIAS
* Nutricionista e Especialista em Qualidade e Segurança de Alimentos pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Campus Santo Antônio da Patrulha (FURG-SAP).
† Mestre em Engenharia e Ciências de Alimentos e Doutora em Engenharia de Alimentos. Docente, Escola de Química e Alimentos, Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Campus Santo Antônio da Patrulha (FURG-SAP).