https://doi.org/10.18593/ejjl.36196
Ilusões perdidas: competências federais alemãs entre aspirações federalistas e realidade unitária
Lost illusions: german federal competences between federalist aspirations and unitary reality
Lucas Catib de Laurentiis1
Resumo: O texto apresenta as características do sistema federal alemão. Utiliza perspectiva histórica e dogmática para apresentar os dilemas do sistema federal de divisão de competências, sustentando a tese de que as aspirações que informaram a criação do modelo constitucional de 1949 foram superadas por fatores sociais e econômicos, assim como pela emergência de sistemas internacionais de cooperação internacional em matéria de direitos humanos e fundamentais. Conclui-se que as ilusões perdidas do federalismo alemão podem ser consideradas como um paradigma para a construção de outros sistemas federativos, mas também para a reflexão sobre a força das ideias criadas em momentos constituintes.
Palavras-chave: federação; constitucionalismo; direito comparado; direitos fundamentais.
Abstract: This paper examines the characteristics of the German federal system, using a historical and doctrinal perspective to highlight the dilemmas associated with the federal division of powers. It argues that the aspirations underpinning the creation of the 1949 constitutional model have been surpassed by social and economic developments, as well as by the emergence of international systems of cooperation in the fields of human and fundamental rights. The conclusion drawn is that the lost ideals of German federalism can serve as a paradigm for the development of other federal systems, while also offering a point of reflection on the enduring power of ideas formed during foundational moments.”
Keywords: federation; constitutionalism; comparative law; fundamental rights.
Recebido em 14 de setembro de 2024
Avaliado em 09 de dezembro de 2024 (AVALIADOR A)
Avaliado em 09 de dezembro de 2024 (AVALIADOR B)
Aceito em 09 de dezembro de 2024
Introdução
A primeira conferência da Associação germânica de docentes de Direito do Estado ocorreu no dia 14 de abril de 1924.2 Contando com a presença de autoridades acadêmicas e políticas, o evento contou com a abertura de Karl Heinrich Triepel,3 debates com Erwin Jakobi4 e Karl Bilfinger5, e as apresentações dos trabalhos de Gerhard Anschütz6 e Carl Schmitt. Entre os presentes na plateia estavam Hugo Preuss,7 Rudolf Smend8 e Hans Kelsen. O encontro foi dedicado ao debate de dois temas: os limites do poder do presidente, tema abordado por Schmitt em sua apresentação, e o Federalismo alemão, que ficou a cargo de Anschütz (1924). A escolha dos temas e dos palestrantes não foi aleatória. Anschütz era o representante da tradição jurídica alemã formada no século XIX, no contexto de formação do Estado germânico. Sua visão do direito combinava o tradicionalismo da formação dogmática – em uma de suas primeiras afirmações, Anschütz se volta contra o argumento de que o costume federalista alemão deveria se sobrepor ao texto constitucional – ao pensamento liberal democrata, que marcou a fundação da República de Weimar.9
De outro lado, ao abordar os limites do poder presidencial e a competência normativa outorgada pela Constituição weimariana ao Presidente da República e a imunização dessas normas frente a questionamentos de constitucionalidade (art. 48, WRV10 e a tese da Verfassungsdurchbrechung)11, Schmitt se contrapunha à tese do próprio Anschütz, para quem, na falta de limites expressos no texto, não haveria como conter o poder normativo outorgado ao Presidente. Sua apresentação também está calcada na dogmática alemã do século XIX (os primeiros parágrafos do texto são dedicados ao exame dos poderes presidenciais nas constituições de 1850 e 1871), mas Schmitt também tinha consciência da necessidade da readaptação de conceitos tradicionais e, para espanto do leitor, defendeu que, no contexto de Weimar, os poderes presidenciais encontram limites gerais (transformação da república em monarquia e extinção dos direitos fundamentais, por exemplo) e específicos (divisão de competências estatais). Entre os últimos, está a eliminação das competências estaduais (Schmitt, 1924).
Em comum, os apresentadores não tinham, porém, só os referencias teóricos e o método de abordagem do direito constitucional. Os temas por eles escolhidos para o encontro também se aproximam, em pelo menos dois pontos fundamentais. Primeiro, ambos tocam as características que distinguem a República em nascimento: por um lado, uma renovação do modelo federal, que não se caracterizaria mais pela prevalência das competências Estaduais; por outro, uma revolução do sistema de governo, com a assunção dos poderes executivos pelo Presidente da República. Aqui os temas se cruzam, não só porque ambos buscam reinterpretar conceitos do passado para a nova situação constitucional que se apresentava, mas também porque suas preocupações se unem na questão de saber em que sentido a concentração dos poderes resultante da nova Constituição altera a configuração de conceitos e sistemas jurídicos estabelecidos na dogmática constitucional.
Em específico, a concentração de poder na Presidência se apresentava não só como uma decorrência da criação da nova República (a primeira alemã), mas era também o resultado da concentração das atividades econômicas e políticas em Berlin, que correspondiam à concentração das competências federativas na União. Percebendo esse contexto de transformações múltiplas, logo no início de sua apresentação, Anschütz apresenta a questão de debate: como é possível pensar uma forma de Estado federal que, sem negar a lógica e os fundamentos da federação, crie mecanismos e métodos de concentração e interação (hoje seria possível falar em cooperação) entre os entes federados? Em sua resposta, Anschütz apresenta a história do federalismo alemão como um conjunto de aspirações (no texto são mencionadas até ideologias federalistas), que são contrapostas por conflitos políticos internos (o poder e a hegemonia da Prússia no século XIX) e externos (a eclosão da primeira guerra mundial e a consequente necessidade de concentração de poder militar).
Passado um século da conferência, os temas, debates, e, principalmente, o confronto de aspirações federalistas e realidades unitaristas ainda caracterizam o estado alemão. Os trabalhos do Conselho parlamentar,12 que apresentou o anteprojeto da Lei Fundamental de Bonn (1949), as Reformas constitucionais de 1994 e 2006, esta última considerada a mãe de todas as reformas, e a jurisprudência do Tribunal constitucional alemão são os principais indicativos da persistência deste conflito. Procurarei aqui apresentar como esses conflitos foram gestados, quais as suas consequências políticas e, principalmente, como, apesar de tentativas diversas e insistentes, o modelo de um federalismo alemão em que as competências federais e estaduais sejam determinadas com clareza, com a consequente reserva de poderes determinados para os Estados (Länder), ainda é um ideal que não corresponde nem à realidade do direito constitucional alemão, e muito menos à imagem que se faz deste do sistema federativo germânico no Brasil.13
Meu objetivo não é mostrar que o federalismo alemão está incorreto ou que ele funciona mal. Ao contrário, esse sistema, seus mecanismos e seu desenvolvimento, nos mostra como a pura pesquisa analítica do direito legislado, desvinculada da observação da prática constitucional, não consegue captar o sentido e as caraterísticas definidoras deste mesmo sistema. Voltar às ilusões perdidas do constitucionalismo e do federalismo alemão é, portanto, um movimento de busca de um sentido que ficou escondido sob o manto da teoria constitucional. E o resgate desse sentido não é só um movimento que busca rever os mecanismos do federalismo alemão; é também um caminho de busca de redefinição do método de investigação dos temas do constitucional, que se volta mais aos atores e aos problemas políticos concretos.14 Inicio com a primeira ilusão perdida, aquela do Conselho parlamentar de 1949.
1 Ilusões inaugurais: o plano do Conselho parlamentar e a realidade federal
Apesar de ser formado pelos representantes dos Estados federados (os Länder da federação alemã) o Conselho parlamentar de 1949 foi conduzido pelas forças de ocupação estrangeiras (Estados unidos da américa, França e Reino Unido), que não só reconstruíram as estruturas do estado alemão, mas também determinaram o conteúdo do ordenamento jurídico nacional. Os porta-vozes das potências estrangeiras eram os Gabinetes executivos dos Estados federados, pois não havia representantes dos poderes legislativos estaduais no Conselho parlamentar. Isso já indica que o conjunto de forças tendia a apresentar uma reformulação do sistema federativo de Weimar, visto como um dos fatores determinantes do fortalecimento da União (Reich) e, como consequência, da catástrofe do nazismo e da segunda Grande guerra (Morsey, 1989).
Liderados pelo Estado da Baviera, os representantes dos Länder eram, em sua maioria, militares ligados às forças de ocupação. Sua atuação foi marcada por intensa crítica a um modelo federalista centralizador. Mas não era o bastante, tamanha a preocupação das potencias estrangeiras com a configuração da nova federação germânica. Em um memorando enviado ao Conselho parlamentar, os representantes das forças de ocupação defenderam, em conjunto, um modelo de divisão de competências em que as competências estaduais fossem “estritamente determinadas” (Mußgnug, 1987) e que o ministério nacional das finanças fosse obrigado a fornecer aos Estados as condições econômicas para o manejo de temas internos. Quando, em abril de 1949, parte dos integrantes do Conselho passaram a defender modelos de compartilhamento de competências – entre eles, as conhecidas normas quadro (art. 75, GG), mecanismo de divisão de competências que posteriormente viria a ser extinto – os Ministros das forças aliadas encaminharam um novo memorando ao Conselho, no qual afirmavam que as alterações propostas no anteprojeto que apresentassem tendências centralizadoras seriam consideradas como “não autorizadas” (Huber, 1951) As determinações das forças militares de ocupação eram, portanto, claras: as competências da União deveriam ser definidas de forma restritiva e não seria admitida a criação de órgãos que centralizassem a distribuição de recursos financeiros, mesmo que isso causasse problemas distributivos entre os entes federados.
Mas essas ilusões foram logo perdidas. Apesar de todos esses esforços e determinações, desde sua aprovação, a Lei fundamental de Bonn se mostrou como um documento que segue o modelo federal centralizador instaurado pela República de Weimar.15 Fatores econômicos e políticos foram determinantes para essa inversão de expectativas. Primeiro porque a reconstrução de um país destruído por duas Grandes guerras exigia a execução de políticas públicas e um nível de planejamento financeiro que dificilmente poderia ser realizado de forma fragmentada. Reconstrução, nesse sentido, quer dizer centralização de poder federal, o que significa negar a orientação recebida no momento da criação da Constituição. Segundo porque, com o fim dos conflitos e o grande fluxo de pessoas no território alemão, os cidadãos tinham deixado de se identificar com os Estados em que nasceram ou viveram. Tudo teve de ser refeito, inclusive a identificação dos habitantes com os locais em que viviam, tarefa que não podia ser assumida por Estados que foram dilacerados pelo conflito armado. Enfim, terceiro, a nacionalização do sistema partidário fez com que os grupos de poder e as atividades políticas fossem transferidas para o nível federal, comprimindo o poder de influência dos governos estaduais em favor da centralização do poder da União. Todos esses fatores desaguam na constatação, um tanto resignada, de Konrad Hesse: “o desenvolvimento do Estado federal social requer igualdade e unidade” (Hesse, 1962, p. 20), sendo que, neste caso, unidade quer dizer centralização do poder.
Para finalizar a feição unitária do sistema federativo alemão instaurado pela GG, o texto constitucional criou uma extensa lista de competências privativas (arts. 71 e 73), que só podem ser exercidas pelos Estados federados quando a União os transferir, por meio de lei específica e em sentido formal, para os Länder. Até hoje não há notícia da aplicação dessa regra. E mesmo entre as competências privativas, há aquelas que não podem, de forma alguma, ser transferidas, que, de forma similar ao que ocorre no Brasil, poderiam ser denominadas de competências exclusivas: entre elas, o combate ao terrorismo, o controle de atividades de telecomunicações, enfim, a regulação dos serviços postais. Em paralelo, os artigos constitucionais que tratam das competências legislativas concorrentes (arts. 72 e 74, GG), de acordo com os quais o exercício pela União da competência, sobre as matérias neles listadas, afasta a competência estadual, foi interpretado em jurisprudência constante do Tribunal constitucional alemão como uma questão de “discricionariedade do poder legislativo federal”.16
Como resultado, até a ampla modificação do artigo 72, operada pela reforma constitucional de 2006, na prática não havia diferença entre as competências legislativas privativa e concorrente no direito constitucional alemão. Em ambas as hipóteses, uma vez exercida a competência da União fica afastada a criação de norma estadual sobre a mesma matéria. E quem determinava a extensão do exercício de ambas as competências (privativa e concorrente) era a própria União.
Finalmente, mais uma vez apoiando-se no pensamento de Anschütz, o Tribunal constitucional alemão admitiu a criação de hipóteses de competência legislativa federal (privativas ou concorrentes) derivadas não do texto, mas sim da “natureza das coisas” (Anschütz, 1924, p. 367), estranha hipótese que, de acordo com o Tribunal, existe quando “uma matéria não pode, de forma razoável, ser regulada pela União sem que outro tema tenha que ser, ao mesmo tempo, regulamentado”.17 Situações envolvendo temas, direitos ou fatos que incidem sobre mais de um Estado federado são típicas competências derivadas da “natureza das coisas”, entre elas: a regulação de transportes aquaviários, controle de rotas aéreas, enfim, a proteção de dados pessoais. Mesmo enfrentando críticas vindas da literatura (Bodo, 2011, p. 786), o Tribunal constitucional manteve sua posição e, ainda hoje, admite a derivação de competências da “natureza das coisas”, com a consequência de reforço da prevalência da União no sistema federal.
Como se pode perceber, os ideais federativos do Conselho parlamentar rapidamente sucumbiram à realidade econômica, social e jurídica do pós-Guerra. Meio século depois, um novo contexto de debates sobre o sistema federativo alemão surgiu, do que resultaram duas reformas constitucionais. Mais uma vez, os ideais de resgatar o modelo federativo pensado pelo Conselho parlamentar surgiram na forma de uma tentativa de se limitar os poderes da União. Mais uma vez esses ideais se transformaram em ilusões, como se verá no item seguinte.
2 Ilusões modernas: as reformas constitucionais dos anos 90 e 2000
Competências são poderes e o exercício de poderes sempre é acompanhado de responsabilidades. Assim, se concentração das competências federais em nível federal tinha como consequência potencializar a efetividade da gestão pública como um todo, de outro lado, a concentração dos debates, muitas vezes de temas sensíveis, dentro do Parlamento federal, intensificou a atividade partidária em Berlin e, com isso, partidos e blocos parlamentares oposicionistas passaram a ter maior força política e a exercer pressão sobre diferentes Gabinetes de governo. Este, por sua vez, muitas vezes se viu incapaz de atender a todos os reclamos dos partidos aliados para formar maiorias parlamentares e, como consequência, passou a sofrer sérias perdas em votações importantes para a estabilidade da federação. Aqui, mais uma vez de forma contrária ao que ocorre com o Conselho Parlamentar, a ilusão da construção de um sistema federativo eficiente, que dê conta das demandas da população, se transformou no pesadelo da crise do sistema federal alemão (Nettesheim, 2004).
A resposta do sistema político alemão foi a criação de uma comissão voltada à modernização do pacto federativo alemão. Em termos literais, a convocatória assinada pela coalisão partidária liderada pelo Partido social democrata (SPD) afirmava que os trabalhos da comissão se destinariam a elaborar propostas para a modernização do sistema federal na República Federal da Alemanha, “com o objetivo de melhorar a capacidade de ação e decisão dos governos federal e estaduais” (BT-Drs. 15/1685).1818 Como resultado, além de modificações pontuais no artigo constitucional que trata das hipóteses de exercício de competência corrente (art. 74, GG), foram criadas três novas classificações, todas elas voltadas a tornar mais transparentes os limites do poder legiferante da União. Fala-se, então, em “competências centrais” (Kernkompetenz), também chamadas de competências incondicionadas à qual se somam as competências “necessária” (Erforderlichkeitskompetenz), também denominadas de competências condicionadas, enfim, as competências “de divergência” (Abweichungskompetenzen), também conhecidas como competências de “pegada”, em alusão ao mecanismo que caracteriza essa modalidade.
Em todos os casos se trata de competência exaustiva (Vollkompetenz), que afastam a possibilidade de legiferarão dos demais entes federativos (Bodo, 2011). Mais do que isso, salvo na última hipótese, a verificação de incompatibilidade vertical entre normas resultantes do exercício da competência e os parâmetros constitucionais gera a nulidade da norma derivada, o que afasta a sistemática alemã do que se encontra no direito brasileiro, onde a incompatibilidade de normas federais e estaduais geram a suspensão a regra estadual. Para se aferir essa relação de incompatibilidade, a jurisprudência e a literatura alemãs se fiam em critérios de subsunção, por meio dos quais são avaliados a finalidade, o objeto, enfim, os efeitos principais e reflexos da legislação controlada. Uma vez definido o tema típico da norma, passa-se a avaliar as hipóteses de competência previstas no texto constitucional.
Em específico, as competências centrais são definidas por juízo negativo: são atribuídas a essa categoria as hipóteses de exercício de competência concorrente que não se adequem às hipóteses de competência necessária e de divergência. Com a aplicação deste critério na listagem do artigo 74 da GG, segue-se, como resultado, que, entre outros, se adequam às hipóteses de competência legislativas concorrentes centrais as legislações que tratem de Direito civil, o Direito penal, a organização judicial, de assuntos relacionados com refugiados e exilados, os danos de guerra e as reparações, os cemitérios de guerra e as sepulturas de outras vítimas da guerra e do regime totalitário, enfim, o direito do trabalho, incluindo a organização social das empresas, a proteção do trabalho e a intermediação de mão de obra, assim como o seguro social, inclusive o seguro de desemprego.19 Todas essas hipóteses admitem o exercício de competência incondicionada pela União, o que automaticamente gera o efeito de bloqueio da legislação estadual (Sperrwirkung) e, como consequência, a nulidade da norma estadual incompatível com o exercício da competência da União (Hestermeyer, 2019). Mesmo após a revogação da lei federal, não há o retorno da aplicação da norma estadual incompatível.
Questão interessante surge quando se questiona se a legislação federal trata, de forma exaustiva, de um tema previstos nas hipóteses de competência de centro. Se essa hipótese está presente, o que em geral decorre da própria previsão da lei, o efeito de bloqueio será geral, afastando legislações estaduais que tratem de todo e qualquer aspecto da matéria legislada. Sobre esse tema, o Tribunal constitucional alemão adota a tese do “uso exaustivo” (Gebrauchmachen), de acordo com a qual a avaliação geral de uma matéria é exauriente e afasta a competência dos demais entes federados. Por isso, mesmo que a legislação federal seja abstrata ou contenha pontos que possam ser vistos como silêncios eloquentes, a competência legislativa estadual estará afastada.20
A hipótese de competência necessária com boas razões também é denominada de competência condicionada. Trata-se, neste caso, de uma hipótese de exercício de competência limitada por critérios de aferição que se aproximam do conhecido teste da proporcionalidade, mas que tem especificidades. Se no caso da proporcionalidade se trata da aferição dos limites da intervenção legítima no âmbito de proteção de direitos fundamentais,21 na hipótese da competência necessária o que se verifica é se existem hipóteses que justifiquem a concentração da competência legiferante no âmbito da União. Neste caso, uma vez que se ateste a necessidade da criação de condições equivalentes de vida, em sentido jurídico ou econômico, no território federal, estará justificado o exercício da competência condicionada. Trata-se, portanto, de uma aplicação da proporcionalidade com sentido modificado, pois aqui se afere se há justificativa para a “interferência” da União no âmbito legislativo estadual (Bodo, 2011). Mais do que isso, trata-se de um indicativo de que o ideal da Comissão parlamentar de 1949 permanece vivo na mente dos criadores da reforma constitucional de 2006: tanto lá como aqui o modelo federal descentralizado é visto como um modelo federalista típico e as exceções desse paradigma são consideradas como intervenções não justificadas na esfera de competência legislativa dos Estados. Como consequência, a comprovação da atuação dos Estados, mesmo em colaboração, é suficiente para regulamentar a matéria que foi objeto da legislação necessária, o que gera a comprovação de que a norma federal ultrapassou os limites da competência concorrente. Aqui, assim como ocorre com o teste da proporcionalidade, é preciso avaliar a distribuição do ônus probatório, que determinará o resultado da aferição de incompatibilidade.
Sobre essa última questão, a jurisprudência do Tribunal constitucional alemão adota dois parâmetros de avaliação. Primeiro, não se admite que puras conjecturas afastem a necessidade do tratamento equitativo da matéria, do que se infere que o afastamento da competência da União pressupõe a comprovação empírica de que os estados federados têm competência para tratar do tema. Para se aferir se as hipóteses de incidência do dispositivo (art. 72, II) estão presentes, o Tribunal adota um procedimento escalonado, por meio do qual, em um primeiro passo, se afere se a legislação federal é necessária como um todo para, em um segundo momento, se verificar se seus efeitos interferem de forma excessiva no âmbito legislativo estadual. O primeiro grau de aferição é independente e subsiste, mesmo que se verifique que, em concreto, os efeitos na legislação federal não são necessários.22 Por outro lado, o segundo critério avaliativo utilizado pelo Tribunal diz respeito à prerrogativa decisória (Einschatzungsprärogative) do legislador federal. Aqui a orientação adotada pelo Tribunal é admitir que, uma vez que esteja comprovado que a legislação da União está fundamentada em elementos concretos suficientes, mas não necessariamente exaustivos, fica justificada a aplicação da competência necessária. Isso quer dizer que pesa sobre os Estados federados o ônus de comprovar que o tema da legislação pode ser regulado em nível regional, sem que o interesse do Estado como um todo seja comprometido, o que significa que o sistema dá preferência à garantia da igualdade das condições de vida sobre a autonomia estadual (Wieland, 2021). Tudo isso faz com que, mais uma vez, o ideal da descentralização federativa se transforme em uma ilusão.
Finalmente, a terceira hipótese de exercício de competência concorrente, a competência de divergência (Abweichungskompetenzen) se distingue das demais na extensão e nos efeitos. Seu âmbito de aplicação é reduzido. Nela são previstos temas da competência de divergência o direito ambiental, a regulação da caça, a distribuição do solo, o regime hidráulico, a admissão em universidades, enfim, a legislação que trate de impostos territoriais.23 Mesmo dentro desses âmbitos legislativos, há temas que foram reservados à competência de centro (a regulação do direito de expedir licença de caça, por exemplo). Sob a perspectiva dos efeitos, a competência de divergência se afasta das demais espécies de competência concorrência em razão da não aplicação do efeito de bloqueio (Sperwirkung). Como resultado, nessa hipótese se admite que a legislação estadual afaste a aplicação das normas da União, o que ocorre mesmo que ambas tenham o mesmo conteúdo. Criou-se aqui, portanto, uma regra de exceção do conhecido preceito contido no artigo 31 da GG: “O direito federal tem prioridade sobre o direito estadual” (Bundesrecht bricht Landesrecht), não só porque essa regra de preferência pode ser, nesse caso, invertida (com a consequente aplicação da regra estadual), mas também porque, ao contrário do que ocorre com o artigo 31, no caso da competência de divergência, o efeito é a suspensão da aplicação da lei anterior.
Com isso, caso a lei de divergência venha a ser revogada, a lei anterior voltará a ter plena vigência (Bodo, 2011) Enfim, mesmo que um Estado federado aprove uma lei de divergência, o que tem ocorrido sobretudo em questões de direito ambiental, isso de nenhuma forma afasta a possibilidade de a União criar uma “divergência da divergência”, com a aprovação de uma lei federal que divirja da divergência criada em nível Estadual (Horbach, 2012). Isso faz instaurar um “efeito ping-pong”, que além de ter o potencial de agravar os conflitos federativos também não contribui para a diminuição da concentração do sistema, ao contrário, contribui para a concentração do poder da União (Wieland, 2021, p. 544.). Em resumo, apesar das grandes esperanças que foram depositadas na competência de divergência, na prática essa previsão se apresentou como uma autêntica “vitória de Pirro” dos Estados, ou melhor, como vitória puramente ilusória.
Considerações finais
Cem anos se passaram desde a conferência de 1924 e os problemas e os ideais dos palestrantes não são só atuais. Eles também indicam os diferentes desafios enfrentados pelo federalismo alemão. Esses problemas se dividem, fundamentalmente, em duas vertentes. Primeiro, sob o ponto de vista externo, as pressões internacionais sobre a federação não só permanecem, mas foram, em alguns sentidos, potencializadas. Hoje não é só a guerra externa e os consequentes gastos financeiros e organizacionais que pressionam a competência federal no sentido da concentração; também temos as atividades de inteligência, voltadas ao combate de atividades terroristas, e a criação de políticas públicas direcionadas ao combate de emergências sanitárias (Covid-19). Como em todas essas situações o tratamento fragmentado e descentralizado do tema em nível estadual comprometeria a efetividade da regulação, a competência em nível nacional passa a ser justificada pelos fatos, independente do que prevê a legislação ou a constituição nacional. Aqui, novamente, a competência derivada da “natureza das coisas”, criação de Anschütz, não só permanece, mas foi fortalecida pela integração internacional e pela generalização de perigos de segurança e saúde pública.
Em paralelo, a proliferação de instrumentos de combate de abusos estatais, muitas vezes realizados com o objetivo de conter perigos generalizados (entre outros, o fechamento de fronteiras, ou a coleta generalizada de dados pessoais), são em geral baseados em previsões que garantem direitos fundamentais humanos, normas de conteúdo abstrato e efeitos irradiantes (Konzen, 2010), que exigem uniformidade e estabilidade em sua aplicação. Nesse cenário, mais uma vez, surge a pressão pela nacionalização da competência federativa, pois a competência da União será necessária (Erforderlich) sempre que se aborde, em uma legislação, algum tema que exige aplicação uniformizada, como, por exemplo, as normas de proteção dos direitos humanos. Com a proliferação em nível nacional e internacional dos instrumentos de proteção desses temas – pense-se na regulação em nível da União Europeia de temas como a inteligência artificial ou a proteção de dados pessoais –, há a possibilidade de se transformar a competência necessária do sistema federal alemão, que na reforma de 2006 foi pensada como um elemento que fomentaria a descentralização da divisão de competências, em uma subespécie de competência de centro (Machel, 2021). Afinal, a pressão pela proteção de direitos humanos gera uma presunção de necessidade da legislação federal (Bodo, 2011). Estranha inversão de sentido, pois neste caso a busca da proteção dos direitos humanos é justificativa para a centralização do poder em nível federal, sendo que esta concentração foi identificada pelo Conselho parlamentar de 1949 como um dos fatores que causou a catástrofe da Constituição de Weimar. Neste ponto a reforma constitucional de 2006 encontra seus limites e a realidade contemporânea mostra que os ideais dos criadores dessa reforma já foram, em boa medida, superados pelo tempo.
Mas ao final desse longo percurso, aquilo que dá esperança à federação alemã é justamente o tempo. Apesar de todas as pressões, apesar de todas as mudanças e apesar de todos os problemas e discussões, a federação alemã persiste. Ela antecede não só a conferência de 1924; antecede o próprio Estado alemão: a confederação alemã de 1815 já continha elementos federativos e a federação dos Estados germânicos do Norte (Norddeutscher Bund) antecede a Constituição do Reich de 1871 (Isensee, 2005). Por outro lado, casos como o da União europeia demonstram que a proteção internacional de direitos humanos caminha em conjunto com a criação de novos modelos federativos, o que certamente gera novos conflitos e novas disputas federais (Franzius, 2015). Mas essas questões só poderão ser solucionadas com uma avaliação mais realista e menos ilusória do sistema federal, algo que a história da federação alemã pode certamente proporcionar. E isso a história das ilusões que permearam e caracterizaram a configuração federal alemã nos têm a ensinar: boas ideias, como as propostas pelo Conselho parlamentar, e concepções teóricas bem elaboradas, como as de Anschütz, podem e devem ser debatidas e construídas sempre. Mas todo aquele que conheça a história do sistema federal alemão deve ter em conta que até mesmo a melhor sistemática dogmática e teórica não perdura no tempo se os alicerces reais em que ela é construída não contribuem. E se esse ensinamento perdurar e influenciar os modelos constitucionais ao redor do mundo, todas as ilusões e desilusões do direito constitucional alemão terão valido a pena.
Referências
Anschütz, Gerhard. Der deutsche Föderalismus in Vergangenheit, Gegenwart und Zukunft, VVDStRL, Berlin: De Gruyer, v. 1, 1924.
Bodo, Pieroth. Gesetzgebungskompetenz - art. 70, In: Jarass, Hans; Bodo, Pieroth. Grundgesetz für die Republik Deutschland – Kommentar, München: C. F. Müller, p. 799, 2011.
Colley, Linda. The gun, the ship, and the pen, New York/London: Liveright Publishin, 2021.
Dreier, Horst. Art. 79, I, In: Dreier, Horst (Hrsg.), Grundgesetz Kommentar, Tübingen: Mohr Siebeck, 2004.
Ferreira, Luiz Pinto. Comentários à Constituição brasileira, São Paulo: Saraiva, v. 2, 1990.
Franzius, Claudio. Grundrechtsschutz in Europa: Zwischen Selbstbehauptung und Selbstbeschränkungen der Rechtsordnungen und ihrer Gerichte, Zeitschrift für ausländisches öfentliches Recht und Völkerrecht, 75, (2), 383-412, 2015.
Guzy, Christoph. 100 Jahre Weimaner Verfassung: Eine gute Verfassung in schlechter Seit, Tübingen: Mohr Siebeck, 2018.
Hestermeyer, Holger. Eigenständigkeit und Homogenität in föderalen Systemen, Tübingen: Morh Siebeck, p. 227, 2019.
Horbach, Beatriz Bastide. A competência legislativa concorrente de divergência do Direito alemão, Revista de informação legislativa, a. 49 n. 193, p. 171-182, jan./mar. 2012.
Horta, Raul Machado. Organização constitucional do federalismo. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 22, n. 87, jul/set. 1985.
Isensee, Joesef. Handbuch des Staatsrechts: Band IV, München: C. F. Müller, 2005.
Huber, Rudolf. Quellen zum Staatsrecht der Neuzeit; Band II, Deutsche Verfassungsdokumente der Gegenwart, 1919–1951, Tübingen: Matthiesen & Co., 1951.
Hesse, Konrad. Der unitarische Bundesstaat, Kalsruhe: C. F. Müller, 1962.
KONZEN, Lucas. A justiciabilidade dos direitos sociais: considerações a respeito da eficácia jurídico-subjetiva dos direitos fundamentais. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], [S. l.], v. 11, n. 1, p. 63–90, 2010.
Laurentiis, Lucas Catib. A proporcionalidade no Direito constitucional: origem, modelos e reconstrução dogmática, São Paulo: Malheiros, 2017.
Leibholtz, Gerald; RINCK, Christian. Grundgesetz für die Republik Deutschland, Köhl: C. F. Müller, 1968.
Machel, C. P. Zwischen Konkurrenz und Kooperation: Die Unionsgrundrechte als unmittelbarer Prüfungsmaßstab des Bundesverfassungsgerichts – Analyse und Bewertung des bundesverfassungsgerichtlichen Recht auf Vergessen II-Beschlusses vom 6.11.2019, In: Nowak, C; Thiele, C. Effektivität des Grundrechtsschutzes in der Europäischen Union, Baden-Baden: Nomos, 139-165, 2021.
Martins, Leonardo. Liberdade e estado constitucional, São Paulo: Atlas, 2012.
Morsey, Rudolf. Verfassungsschöpfung unter Besatzungsherrschaft: die Entstehung des Grundgesetzes im Parlamentarischen Rat, Die öffentliche Verwaltung, n. 42, 1-24, 1989.
Mußgnug, Martin. Zustandekommen des Grundgesetzes und Entstehen der Bundesrepublik Deutschland, Handbuch des Staatsrecht I, München: C.F. Müller, § 6, Rn. 33ff, 1987.
Nettesheim, Martin. Wettbewerbsföderalismus und Grundgesetz, In: Der Staat des Grundgesetzes – Kontinuität und Wandel. Festschrift für Peter Badura zum siebzigsten Geburtstag (Hrsg. P. M. Huber, M. Brenner und M. Möstl), Tübingen: Mohr Siebeck, p. 363–392, 2004.
Polzin, Monica. Irrungen und Wirrungen um den Pouvoir Constituant: Die Entwicklung des Konzepts der Verfassungsidentität im deutschen Verfassungsrecht seit 1871, Der Staat, v. 53, n. 1, p. 61-94, 2014.
Schmitt, Carl. Die Diktatur des Reichspräsidenten nach art. 48 der Reichsverfassung, VVDStRL, Berlin: De Gruyer, v. 1, p. 91, 1924.
SAMPAIO, José Adécio. Arqueologia e história do princípio da proporcionalidade. Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL], [S. l.], v. 23, n. 2, p. 393–414, 2022.
Smend, Rudolf. Verfassung und Verfassungsrecht, Berlin: Duncker und Humblot, 1928.
Wieland, Joaquin. Bundesstaat, In: Herdegen, Matthias; Masing, Johannes; Poscher, Ralf; Gärdiz, Klaus. Handbuch des Verfassungsrecht, München: C. F. Beck, 2021.
1 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo; Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas; Coordenador e membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito, vinculado à linha de pesquisa “Cooperação Internacional e Direitos Humanos”. https://orcid.org/0000-0001-5596-6695. lucas.laurentiis@gmail.com.
2 Veröffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer, hoje se encontra no volume 82, e ficou conhecida pelo público brasileiro pela publicação da conferência de 1929, proferida por Hans Kelsen sobre o conceito e a origem da jurisdição constitucional.
3 Catedrático da universidade de Berlin, ficou conhecido por seus trabalhos na área de direito internacional, entre eles Völkerrecht und Landrecht, de 1899.
4 Professor da Universidade de Leibzig, foi advogado no conhecido processo que resultou na intervenção do governo federal no Estado da Prússia e destacou-se com trabalhos a respeito do direito de entidades religiosas.
5 Professor da Universidade de Tübingen, ficou conhecido por sua atividade partidária junto ao NSDAP e suas obras sobre direito internacional. Atribui-se também a ele a primeira formulação do conceito das cláusulas de eternidade, também conhecidas como cláusulas pétreas. Sobre esse último ponto, entre outros, ver: Polzin, 2014.
6 Foi considerado o maior comentador da Constituição prussiana de 1850, participou do Gabinete formado por Hugo Preuss para a elaboração do anteprojeto de Constituição de Weimar, sobre a qual elaborou o conhecido comentário escrito em conjunto com Richard Thoma.
7 Considerado o pai da Constituição alemã de Weimar, liderou a assembleia constituinte de 1918, foi Ministro do interior e Comissário de assuntos constitucionais dos gabinetes de Philipp Scheidemann e Gustav Bauer.
8 Criador das teorias da “integração” e dos “valores” dos direitos fundamentais, é considerado o autor mais influente da jurisprudência do Tribunal constitucional alemão. Sobre a origem e recepção dessa teoria no direito brasileiro, ver: Martins, 2012.
9 Para uma exposição das diferentes ideologias e personagens do momento de fundação da República de Weimar, ver, entre outros: Guzy, 2018.
10 Encurtamento de Weimarer Reichsverfassung (Constituição de Weimar do Reich Alemão)
11 De acordo com a teoria da Verfassungsdurchbrechung seria possível alterar o conteúdo do texto da Constituição sem a mudança da expressão literal. Essa teoria se divide nas vertentes formal (criação de uma norma constitucional fora do texto da própria Constituição) e material (criação de normas infra constitucionais que, ao aplicarem o texto, mudam seu sentido. Sobre essa distinção, entre outros, ver: Dreier, 2004.
12 Parlamentarisches Rat foi o conselho federal implementado pelos onze Estados que compunham a zona de ocupação militarizada da Alemanha ocidental. Composto por 70 representantes indicados pelos Parlamentos locais, o Conselho teve os trabalhos direcionados pelo anteprojeto da Convenção de Herrenchiemsee, realizada em 1948 no Estado da Baviera.
13 As abordagens do federalismo alemão na literatura brasileira são dispares e, muitas vezes, equivocadas. Pinto Ferreira, por exemplo, afirma que a competência para editar normas gerais da União (art. 24, CF) decorre de “influência do direito alemão, conforme a CF alemã de 11-8-1919” (1990, p. 96), afirmação que conflita com as características altamente centralizadoras do sistema federativo de Weimar. O artigo 28 da WRV restringia as competências estaduais em temas ligados à competência legislativa, administrativa e até mesmo tributária, o que levou Rudolf Smend em 1928 a afirmar que o sistema federal alemão tinha se tornado “de fato, um sistema unitário” (1928, p. 128). O único ponto de aproximação entre os sistemas é a previsão dos artigos 10 e 11 da WRV, que previa a competência da União para a legislação sobre princípios gerais em determinadas matérias. Sobre isso, três observações. Primeiro, essa previsão foi incorporada pela GG (art. 75, que prevê a competência para a edição de normas federais “quadro” – Rahmenvorschriften), contudo esse texto foi revogado pela reforma constitucional de 2006. Segundo, o dispositivo da WRV era bastante sintético (havia dez competências de “princípio”) e restrito (fora a competência para tratar de temas de administração pública [art. 10.3], os demais temas, como o direito de entidades religiosas ou os serviços escolares, tinham alcance muito restrito). Terceiro, o controle dos pressupostos de edição dessas normas era realizado única e tão somente pelo Poder legislativo federal (BVerfGE, 7, 40).
14 Com essas mesmas observações, mas com foco no constitucionalismo mundial, ver: Colley, 2021.
15 Em sentido contrário, afirmando que a GG, ao contrário da WRV, “contém o modelo constitucional do federalismo de equilíbrio”: Horta, 1985, p. 13.
16 BVerfGE 2, 224; 10, 245. Nesse mesmo sentido, entre outros, defendendo interpretação com ampla citação da jurisprudência do Tribunal constitucional alemão, ver: Leibholtz; Rinck, 1968.
17 Na jurisprudência do Tribunal constitucional alemão: BVerfGE 110, 33; 98, 265.
18 A integra da proposta e sua exposição de motivos encontram-se disponíveis em: https://dserver.bundestag.de/btd/15/016/1501685.pdf, acesso em 5 de agosto de 2023.
19 De forma exaustiva, são competências concorrentes de centro as previstas nos incisos I (n. 1 a 3), 6, 9, 10, 12, 14, 16-19, 21, 23, 27 e 29, todos do art. 74 da GG.
20 Na jurisprudência constitucional, ver: BVerGE 67, 299; 102, 99.
21 Sobre as origens do teste da proporcionalidade e os sucessivos modelos de sua aplicação no século XX, entre outros, ver: Laurentiis, 2017; Sampaio, 2022.
22 Nessse sentido, ver: BVerfGE 106, 62; BVerfGE 113, 167.
23 Há uma hipótese específica, prevista nos artigos ٨٣ e ٨٤, I, da GG. Esses dispositivos tratam da execução de leis federais que tratem de temas de organização legislativa pelos estados federados, situação admitida unicamente para os casos de aplicação de leis federais que regulamentem as atividades administrativas em nível estadual. Nessa hipótese, o art. ٨٤ cria uma regra de divergência, que, da mesma forma que ocorre com os casos de competência necessária, pode ser afastada quando se comprovar a necessidade de uma regulamentação uniforme do tema. Nesses casos, não se admite a aprovação de legislação de divergência estadual (núcleo de não divergência).