https://doi.org/10.18593/ejjl.34605

Liberdade de expressão e profissionais civis da segurança pública: estudo da decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 734

Freedom of expression and civilian public security professionals: a study of the Federal Supreme Court’s decision in the claim of non-compliance with a Fundamental Precept 734

Gabriel Manzano Dias Marques1

Felipe Kauê Lima Moreira2

Wilson Antônio Steinmetz3

Resumo: Examinam-se a decisão e os fundamentos da decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 734 em que se enfrentou a liberdade de expressão e sua extensão aos agentes de segurança pública civis. Por meio de metodologia analítico-reconstrutiva, identificam-se as balizas fundamentais dos argumentos jurídicos e metajurídicos. Conclui-se que o Supremo Tribunal Federal poderia ter enfrentado com maior profundidade a possibilidade de se harmonizar na maior medida do possível o direito fundamental a liberdade de expressão com as restrições próprias às carreiras policiais civis.

Palavras-chave: liberdade de expressão; transgressões disciplinares; policiais civis.

Abstract: The decision and grounds of the Federal Supreme Court’s decision in the Argument for Non-Compliance with Fundamental Precept No. 734, which addressed freedom of expression and its extension to civilian public security agents, are examined.

Using an analytical-reconstructive methodology, the fundamental bases of legal and meta-legal arguments are identified. The conclusion is that the Federal Supreme Court could have dealt in greater depth with the possibility of harmonizing, as far as possible, the fundamental right to freedom of expression with the restrictions specific to civil police careers.

Keywords: freedom of expression; disciplinary transgressions; civil police officers.

Recebido em 12 de março de 2024

Aceito em 12 de março de 2024

Introdução

Em contexto no qual o Supremo Tribunal Federal passou por severas críticas e por ameaças explícitas e veladas a sua institucionalidade, gerou-se a percepção de que poderia existir um primeiro gérmen a dar azo a vozes que invocavam ruptura do regime democrático. Ao enfrentar o presente caso, o tribunal, por unanimidade, decidiu pela constitucionalidade (recepção) da restrição, instituída em lei, à liberdade de expressão dos policiais civis do Estado de Pernambuco.

Aqui examinam-se a decisão e seus principais argumentos jurídicos e não jurídicos. Utiliza-se metodologia analítico-reconstrutiva a fim de se demonstrar que o STF não enfrentou de forma adequada e profunda a possibilidade de se harmonizar na maior medida do possível o direito fundamental à liberdade de expressão com as peculiaridades inerentes às carreiras policiais civis.

A estrutura do presente trabalho é orientada pela anatomia de estudo de caso proposta por Fine (2011, cap. 5), observadas as peculiaridades do sistema decisório processual brasileiro.

1 Elementos fáticos e processuais do caso

O Estatuto Policial (policiais civis) do Estado de Pernambuco, Lei nº 6.425/1972, prescreveu como transgressões disciplinares “Promover ou participar de manifestações de apreço ou desapreço a quaisquer autoridades” (art. 31, IV) e “Manifestar-se ou participar de manifestações contra atos da Administração Pública em geral” (art. 31, V) (Estado de Pernambuco, 1972). Em 27 de agosto de 2020 foi ajuizada, pelo partido PODEMOS, a ADPF 734. Sendo normas anteriores à Constituição da República Federativa o Brasil de 1988 (CF), impugnou-se a recepção dos dispositivos mencionados.

O partido político autor da ADPF nº 734 alegou afronta ao art. 1º, inciso III (dignidade da pessoa humana); ao art. 5º, incisos IV (livre manifestação do pensamento), V (direito de resposta), IX (vedação à censura), XIV (acesso à informação e sigilo da fonte) e ao art. 220 (direito à liberdade de expressão) da CF.

Realizadas as devidas intimações, como de lei, o relator, Ministro Dias Toffoli, pautou o processo pelo rito abreviado, tendo o feito sido julgado entre 31 de março e 12 de abril de 2023.

2 Questões constitucionais

As três grandes questões que envolvem o caso são de natureza substantiva. Os princípios da hierarquia e da disciplina que regem as carreiras militares (arts. 42, caput e 142, caput da CF) são extensíveis às carreiras civis de segurança pública? A liberdade de expressão e a vedação a censura prévia garantidas pela CF em seu art. 5º, incisos IV e IX, são em alguma medida compatíveis com a atividade das carreiras policiais civis? Os membros das carreiras de segurança públicas poderiam, portanto, ser privados em tese e previamente de tecer críticas à Administração frente à vedação de reunião armada contida no art. 5º, inciso XVI da CF?

Implicitamente, o tribunal respondeu afirmativamente à primeira pergunta e, de modo explícito, compreendeu que as restrições são constitucionais ao dar resposta negativa às outras duas questões acima.

3 As normas em questão: interpretação e crítica

Um dos principais pontos de apoio da decisão do Tribunal reside na compreensão de que a hierarquia e a disciplina que regem as carreiras de segurança públicas não são compatíveis com a máxima extensão da liberdade de expressão motivo pelo qual a vedação imposta pelo Estatuto Policial pernambucano é constitucional. Para tanto invocou-se a ratio do § 7º do art. 144 da CF: “a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades” (Brasil, 1988).

Ocorre que da análise dos conceitos de organização e eficiência a que se refere o dispositivo supracitado não parece ser possível extrair qualquer autorização para que a lei tolhesse – ou restringisse intensamente – aos membros de carreiras policiais o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão. Isso porque o termo ‘organização’ diz respeito ao modo como se estrutura determinado órgão, enquanto ‘eficiência’ refere-se à relação custo-benefício entre meios utilizados e resultados obtidos – não se confunde com eficácia, que corresponde a tão somente o alcance do resultado pretendido, conforme argumenta Mello (2013, p. 98). Portanto, os vocábulos ‘organização’ e ‘eficiência’ não se confundem e não se relacionam – pelo menos não diretamente – com os termos ‘hierarquia’ e ‘disciplina’.

Nessa linha, a partir da classificação de normas constitucionais de José Afonso da Silva (2008, p. 126), o parágrafo 7º do art. 144 da CF se enquadra como norma de princípio institutivo ou organizativo, tendo, portanto, como claro objetivo ser mera norma de ordenação ao delegar ao legislador ordinário a estruturação, a alocação de competências e a operacionalização dos órgãos de segurança pública. Não há qualquer escopo ou margem semântica que autorize a restrição da liberdade de expressão a partir da leitura do mencionado dispositivo.

Em igual medida não parece adequado estender a todo e qualquer órgão de segurança pública a hierarquia e a disciplina como fundamentos que regem as carreiras militares (arts. 42, caput e 142, caput da CF) uma vez que o constituinte originário parece ter feito clara opção político-normativa por estabelecer esses pilares específicos tão somente aos membros militares.

Tanto no artigo 42 quanto no artigo 142, compreende-se que a CF é inequívoca ao se referir aos membros das carreiras militares – no caso, as polícias militares e as Forças Armadas , havendo aqui evidente opção por restringir direitos individuais em prol da hierarquia e disciplina que garantem historicamente a estabilidade e confiabilidade de tais instituições. Em momento algum, a CF utiliza os termos citados para se referir às carreiras civis de segurança pública (polícia civil, polícia federal, polícia rodoviária federal etc.).

Ainda que se defenda que há pontos de interseção entre as carreiras policiais militares e civis – já que ambas são espécies do gênero carreiras de segurança pública – não é possível se estender os pilares da hierarquia e da disciplina vez que houve evidente decisão política do constituinte originário pela não extensão de tais valores. Os alemães – conforme magistério de Bernardes (2013, p. 219) – denominam esse tipo de escolha como “silêncio eloquente”.

De modo algum isso quer dizer que as carreiras civis de segurança pública não devam ter hierarquia e disciplina em um sentido lato. Apenas se estabelece que esses não são pilares constitucionais fundamentais da instituição. Enquanto para os militares tais valores são base fundantes, nas carreiras civis são meramente incidentais ao seu próprio exercício.

Essa distinção tem algumas consequências importantes dentre as quais podemos citar a impossibilidade de equiparação prima facie entre policial civil e militar vez que não estão sujeitos ao mesmo regramento constitucional. Em que pese tal afirmação, o Supremo Tribunal Federal aparenta ter lançado mão de modo camuflado de verdadeira analogia para impor por via transversa tais valores basilares também aos policiais civis.

Outro ponto relevante para o tribunal fora argumentação quanto vedação à reunião armada (art. 5º, inciso XVI da CF). Entendeu-se que os policiais por terem porte de arma não podem se expressar de modo livre como os demais cidadãos vez que isso violaria a vedação citada.

Ocorre que não parece haver pertinência necessária entre eventual reunião de policiais para criticar autoridades públicas e a manifestação livre e solitária de opinião. Muito embora de fato a CF vede que se tenha reuniões armadas, não há qualquer vedação literal a que um policial, individualmente considerado, expresse críticas à Administração. Não aparenta ser o objetivo da cláusula constitucional impedir a manifestação livre de opinião aos membros das forças policiais civis. Não parece adequado presumir que membros das forças policiais se convertam em “soldados amotinados” tão somente por tecerem críticas à atuação da Administração Pública. Em qualquer caso, bastava exigir que eventual reunião de policiais para manifestações de críticas se desse sem o uso de armas e se teria uma solução menos custosa ao direito fundamental à liberdade de expressão.

Entende-se que a corte foi mais influenciada pelo contexto do que pelo texto. Frente a efervescência da polarização do debate político e de um sentimento de que nasciam vozes e ameaças antidemocráticas, entendeu-se por bem fulminar o direito à liberdade de expressão para membros das carreiras policiais civis. Neste específico caso admitir a mutação do texto constitucional pelo contexto, sem que haja aprovação de emenda formal ao texto constitucional, não parece compatível com uma constituição rígida.

4 A interpretação mitigada do princípio da liberdade de expressão

A tradição norte-americana dá à liberdade de expressão um viés quase absoluto não havendo vedação à injúria enquanto, por outro lado, se protege o discurso de ódio. Mesmo que não se admita a imputação de falsas condutas a terceiros para que haja efetiva indenização deve-se provar que houve actual malice – conforme se depreende do lendmark case Sullivan vs New York Times Co, nos termos da análise de Passaportis (1985).

Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal chegou a flertar com tal alargamento em diversas hipóteses, notadamente, no notório caso da “Lei de Imprensa” – ADPF 130. Todavia, mais recentemente, com o crescimento na sociedade brasileira de vozes que pugnam por práticas antidemocráticas como, por exemplo, o chamamento à “intervenção militar” e a invasão ao Congresso Nacional no “8 de janeiro” (de 2023), o Tribunal confirma a tendência a retornar gradativamente a doutrina tradicional quanto à extensão da liberdade de expressão perante questões relativas à honra e à estabilidade das instituições.

Nesse contexto, vale lembrar a Ação Penal nº 1044 em que Deputado Federal foi julgado por ofender Ministros da Suprema Corte como expressões como “mau caráter”, “menino”, “mimado”, “militante da esquerda”. Naquela oportunidade, os magistrados entenderam que a imunidade parlamentar prevista no caput art. 53 da CF não pode ser usada com abuso e de modo totalmente dissociado do exercício parlamentar. Muito embora o citado artigo da Constituição tutele “quaisquer opiniões, palavras e votos” entendeu-se por mitigar sua abrangência. Até mesmo fora contornada a impropriedade de um ministro da corte ser vítima e posteriormente julgador.

Já na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 o STF equiparou ofensas homofóbicas ao crime de racismo mesmo sem lei expressa nesse sentido. Nesse caso, a necessidade de se tutelar o interesse de grupos sociais vulneráveis prevaleceu.

Assim sendo, num Estado pós-ditadura militar, embora a corte ainda pendule entre o alargamento do direito à liberdade de expressão – conforme preceitua o modelo norte-americano – e a proteção a valores institucionais e de grupos vulneráveis, nos últimos anos aparenta haver forte tendência a se mitigar a liberdade de expressão quando se julgue estar diante de valores de maior peso, notadamente, como a estabilidade do Estado e das instituições. A declaração da constitucionalidade (de recepção) da vedação a policiais civis quanto a manifestações desabonadoras em relação à Administração Pública e a qualquer um de seus integrantes fora adotada nesse mesmo contexto de proteção à institucionalidade.

Em que pese haja o evidente intuito de evitar rupturas antidemocráticas, a corte precisa lidar com o iminente risco de ocorrência do chamado chilling effect, em que há inibição do debate público por medo de represálias e recrudescimento do exercício pleno da democracia, nos termos expostos por Schauer (1978, p. 693).

5 Proposta de reconstrução e fundamentação dogmáticas adequadas para a decisão do Supremo Tribunal Federal

Do ponto de vista dogmático, o caso em comento se caracteriza e se estrutura como um conflito entre o direito fundamental à liberdade de expressão (CF, art. 5º, IX e art. 220, §2º) e o direito à honra e à intimidade das autoridades públicas (CF, art. 5º, X) bem como a vedação a reuniões armadas (CF, art. 5º, XVI). No entanto, não foi essa a leitura reconstrutiva do caso feita pela maioria dos ministros do STF.

O tribunal ainda que de modo implícito invocou analogia ao regime jurídico dos militares pautado na hierarquia e disciplina em vez de enfrentar o desafio de sopesar e harmonizar na medida do possível os valores conflitantes. Isto é, ainda que não se tenha utilizado a palavra ‘analogia’ ou se enfrentado os requisitos para se lançar mão do raciocínio dela, a corte fez uso da hierarquia e da disciplina militar como fundamentos para sua decisão sem maior demonstração ou fundamentação. Essa medida aparenta verdadeiro subterfúgio para esconder o receio de que em algum momento as instituições policiais pudessem se voltar contra o regime democrático. A preocupação é válida, mas não dispensa o hermeneuta de em alguma medida preservar o núcleo essencial de um direito fundamental ao mesmo tempo em que se protege o Estado e o regime democrático de rupturas institucionais.

Sucede que se a corte tivesse de fato enfrentado as questões constitucionais do caso poderia ter chegado à conclusão diferente porque de certo modo e com certas restrições compreende-se ser possível conciliar os princípios em oposição.

A partir do efetivo enfrentamento do conflito in casu, poder-se-ia ter encontrado a seguinte fundamentação: a) a liberdade de expressão é valor constitucionalmente assegurado, mas de peso relativo frente a outros valores de semelhante envergadura; b) havendo conflito de direitos fundamentais deve-se na medida do possível harmonizá-los; c) as forças civis de segurança pública como órgão armado do Estado têm especial missão de zelo e enfrentamento à criminalidade razão pela qual o exercício irrestrito da liberdade de expressão pode causar instabilidades institucionais; d) o fato de policiais possuírem armas implica certas restrições ao exercício do liberdade de expressão; e) a restrição não implica fulminar o núcleo essencial do direito fundamental, sob pena de negar-se normatividade ao texto constitucional; f) razoável, dessa forma, seria sancionar tão somente expressões, manifestações ou críticas que transbordem ao regular exercício da liberdade de expressão e subvertam a estabilidade democrática de modo potencialmente lesivo.

Essa solução é plenamente compatível com a interpretação mitigada que se dá a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que pouparia a corte de lançar mão de valores como “hierarquia” e “disciplina” em uma analogia visivelmente forçada com o estatuto constitucional dos militares.

Nesse contexto, hipoteticamente, um policial civil ao criticar o congelamento de salários por parte do Governador do Estado sob o argumento de que isso poderia gerar sucateamento da carreira traz ao debate público questão relevante e pertinente. Há, assim, exercício regular exercício da liberdade de expressão. Em muitos casos somente os próprios policiais possuem conhecimento de questões internas que precisam ser levadas à sociedade.

Por outro lado, um policial que brada aos colegas pela derrubada do regime democrático e pelo desfazimento das instituições sem dúvida excede a esfera de proteção do direito fundamental ao livre discurso.

Dentro dessa perspectiva, não se pode presumir que toda e qualquer crítica – ainda que ácida – feita por membro das forças de segurança é nociva à normalidade das instituições. Não se pode presumir premissas empíricas falseáveis, sob pena de se tolher o exercício de um direito fundamental.

Conclusão

Deste breve estudo, é possível afirmar algumas conclusões.

A primeira é de que o Supremo Tribunal Federal é fortemente influenciado pelo contexto social ao tomar determinadas decisões. O que por vezes pode ser nocivo já que o papel da corte é a guarda da Constituição; não a reescrever. Assim, sob o pretexto de se proteger o regime democrático, pode-se, como se demonstra nesse caso, criar-se por via transversa endosso à violação de direito fundamental por meio de lei.

Ao menos no presente caso, percebe-se que a corte adota procedimento dogmático não adequado ou correto. Decide-se a partir do contexto e posteriormente busca-se no texto um fundamento de validade. Não se milita no sentido de que o juiz seja neutro diante dos fatos sociais – o que é indefensável – mas que deve ele ter o texto como ponto de partida e de chegada, sendo o contexto elemento a ser considerado no caminho.

No presente caso, o STF tendo em visto conjuntura social de polarização política e acirramento dos ânimos decidiu por bem que é constitucional a vedação de manifestações policiais de apreço ou desapreço a atos da Administração Pública bem como críticas em relação a “Autoridades” e posteriormente buscou na Constituição a “hierarquia” e “disciplina” como fundamento de validade para tal conclusão. Ocorre que tais valores fundamentais são pilares das carreiras militares não havendo qualquer parâmetro hermenêutico objetivo que autorize a extensão a carreiras civis de segurança pública. Esse cenário torna a fundamentação equivocada.

Em igual medida não há pertinência lógico-jurídica imediata entre a vedação constitucional a reuniões armadas e a manifestação livre e individual de opinião. Isto é, a proibição à reunião armada não impede – pelo menos não abstratamente – o exercício do direito à liberdade de pensamento por parte de um policial individualmente considerado, vez que não se confundem e não se relacionam de modo intrínseco e direto.

Em suma o direito à crítica exercido por policial pode ser feito de modo individual não se presumindo uma reunião armada para tanto. Embora isso soe como uma platitude, o tribunal, obter dictum¸ fundamentou sua decisão a contrário sensu desse raciocínio. Ademais, em todo o caso, poder-se-ia exigir que deliberações por parte de sindicato ou associações policiais se dessem necessariamente sem o uso de armas.

A partir disso compreende-se que a melhor decisão para o caso seria aquela que conferisse às normas impugnadas interpretação conforme a Constituição de modo a se reconhecer como antinormativa apenas condutas, expressões, manifestações ou críticas que transbordassem ao regular exercício da liberdade de expressão e subvertessem a estabilidade democrática de modo potencialmente lesivo.

Desse modo, estaria reafirmada a necessidade de proteger a estabilidade das instituições concomitantemente com a preservação em alguma medida do exercício do direito à liberdade de expressão, sem que se tomasse como necessariamente verdadeira a premissa falseável de que toda e qualquer manifestação de membros das forças policiais civis, tendo por objeto atos da Administração Pública e conduta de autoridades, é nociva ao regime democrático.

Referências

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  1. 1 Mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. https://orcid.org/0000-0002-6885-1624. gabrieldiasmarques@gmail.com.

  1. 2 Mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. https://orcid.org/0009-0007-5952-051X. felipemoreira.advogado@gmail.com.

  1. 3 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná; Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0519-6201. wilson.steinmetz@unoesc.edu.br.