https://doi.org/10.18593/ejjl.30803

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL: UMA RELEITURA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL À LUZ DA PONDERAÇÃO PRUDENCIAL

THE (IN)CONSTITUTIONALITY OF THE CIVIL PRISON OF THE UNFIELD DEPOSITARY: A REVIEW OF THE JURISPRUDENCE OF THE SUPREME FEDERAL COURT IN THE LIGHT OF PRUDENTIAL BALANCING

Daniel Damasceno1

Antonio Jorge Pereira Júnior2

Resumo: O estudo de caso judicial investiga o fundamento para a declaração de ilicitude da prisão civil do depositário infiel, a partir da aplicação da teoria da ponderação pelo Supremo Tribunal Federal. Para verificar a resolução principiológica no caso de referência, avalia-se o peso atribuído aos princípios em conflito sob a invocação da metodologia de Robert Alexy, os quais foram revistos pela Corte Constitucional em superação da jurisprudência tradicional, indagando se todas as etapas técnicas foram cumpridas para a virada jurisprudencial. Em resposta negativa, esboça-se uma ponderação de matriz prudencial, cujo objetivo é iluminar aspectos centrais da teoria da decisão judicial e da hierarquia axiológica dos direitos fundamentais. Conclui-se que, com esse vetor de racionalidade prática, serão minoradas as inconsistências geradas pelo subjetivismo na interpretação judicial. A pesquisa segue metodologia indutiva e monográfica, tendo natureza bibliográfica e jurisprudencial.

Palavras-chaves: prisão civil; depositário infiel; ponderação; jurisdição constitucional; prudência.

Abstract: The case study investigates the basis for the declaration of unlawfulness of the civil imprisonment of the unfaithful depositary, from the application of the balancing theory by the Supreme Court. To verify the principle resolution at the reference case, the weight attributed to the principles in conflict under the invocation of Robert Alexy’s methodology is evaluated, asking whether all technical steps were fulfilled for the overruling. In a negative response, a prudential balancing is outlined, whose objective is to illuminate pivotal aspects of the theory of fundamental rights and of the axiological hierarchy. It is concluded that, with this vector of practical rationality, the inconsistencies generated by subjectivism in judicial interpretation will be reduced. The research has an inductive and monographic methodology, a bibliographical and jurisprudential nature.

Keywords: civil imprisonment; unfaithful depositary; balancing; constitutional jurisdiction; practical wisdom.

Recebido em 29 de agosto de 2022

Avaliado em 12 de dezembro de 2022 (AVALIADOR A)

Avaliado em 10 de março de 2023 (AVALIADOR B)

Aceito em 15 de março de 2023

Introdução

Desde o advento da Constituição Federal (CF) de 1988, a teoria da ponderação foi recepcionada pela doutrina e a jurisprudência para solucionar situações de aparente conflito entre princípios constitucionais. A técnica ponderativa seria a melhor resposta ao anseio de solucionar problemas decorrentes da interpretação principiológica, assegurando a objetividade e coerência interna do direito.

No entanto, o mero fato de invocá-la parecia suficiente para justificar as decisões, independentemente da congruência entre julgados diversos sobre uma matéria idêntica, igualmente lastreados na mesma técnica. O pressuposto original desse método era gerar resultados harmônicos, uma vez que derivam do mesmo sistema jurídico. Mas, a praxe brasileira levou a argumentação em moldes ponderativos a resultados inconsistentes, eivados de subjetividade.

Com o uso reiterado dessa técnica no Brasil, ela mesma foi elevada à categoria de princípio jurídico da interpretação3. De modo a acomodar diferentes visões, a prática e a doutrina nacionais adotaram fundamentos múltiplos e contraditórios, ora como se tratasse de um modelo dedutivo para extrair a única reposta da lei, ora como um modelo aberto a qualquer tipo de significação. Apesar disso, não resta clareza sobre os passos a serem percorridos pelo intérprete até se chegar a uma solução, bem como sobre a natureza do ato de “sopesar”, se de razão especulativa e teórica, ou de razão prática e concreta.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF faz constantes referências ao termo “ponderação”4. Contudo, é difícil precisar quando se está diante de um acórdão no qual foram percorridas adequadamente as etapas do balanceamento estabelecidas por Robert Alexy. Frequentemente há menções aos princípios constitucionais em conflito, mas não se encontram nos votos indícios de que as fases da “lei do sopesamento” foram seguidas pelos Ministros. Logo, a heterogeneidade na aplicação rompe o tratamento isonômico esperado no julgamento de casos semelhantes. Essa diversidade de procedimentos pode, ainda, encobrir eventuais inconsistências pessoais do magistrado.

Para minimizar tais riscos, especula-se acerca da possibilidade de se elaborar uma fórmula mais simples e, ao mesmo tempo, mais eficaz, que estabeleça critérios e parâmetros básicos, dentro dos quais o intérprete possa atuar com maior legitimidade, sem recorrer a fundamentações genéricas e abstratas, distanciadas do exame circunstanciado dos eventos e das consequências legais. O marco teórico empregado para tal fim é o parâmetro clássico da prudência ou sabedoria prática.

O método de abordagem da pesquisa é indutivo e monográfico, vez que averigua um tema de referência judicial sob um aspecto específico, a saber, da ponderação principiológica. Parte-se do pressuposto de que um caso exemplar e instrumental, examinado em profundidade, pode ser representativo de muitos outros (generalização naturalística, inferencial ou heurística). Assim, pelo estudo de caso único, analisa-se a mudança jurisprudencial do STF no processo paradigmático da prisão civil do depositário infiel, em dezembro de 2008, explorando tal fenômeno sob a observação aproximada dos fatores que o influenciaram, a fim de constatar até que ponto a invocação da metodologia ponderativa é suficiente e adequada para solucionar o problema jurídico enfrentado e de propor alternativas.

Este artigo está divido em três partes. Primeiro, avalia-se, em detalhes, o julgado elegido como representativo do problema, destacando os principais argumentos utilizados para justificar o voto vencedor, o qual gerou a mudança de posição da Corte Suprema (seção 1). Em seguida, critica-se a decisão alcançada, a partir das lacunas existentes no método empregado (seção 2), para, depois, investigar as causas dos desvios metodológicos na descrição do processo ponderativo pela doutrina nacional (seção 3). Propõe-se uma nova visão para solucionar o mesmo caso, a partir do que se denominou de ponderação prudencial (seção 4). Por fim, aponta-se, desde a perspectiva apresentada, onde teria falhado a Corte Suprema no caso sob exame (seção 5).

1 História processual de um caso controverso

Até dezembro de 2008, o STF admitia a prisão civil do depositário infiel, nos termos do artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição brasileira, entendendo, em sua maioria, que os pactos internacionais ocupavam o nível hierárquico de leis ordinárias, não podendo derrogar texto expresso da Constituição (BRASIL, 1988). Aplicava tal entendimento, inclusive, à figura equiparada do devedor-depositário fiduciante, dando à expressão um sentido amplo.

Este último posicionamento sempre foi fortemente criticado pela doutrina (MAZZUOLI, 2002) e pela jurisprudência dos tribunais inferiores. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, mostrava-se contrário à caracterização da figura do depositário infiel no bojo de contratos de alienação fiduciária, sob a justificativa de que se estaria criando, por lei ordinária, uma inadmissível espécie de “depósito por equiparação”. Mesmo no âmbito do STF, o entendimento majoritário era desafiado pelos Ministros Marco Aurélio, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence (SOUZA, 2013).

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, acrescentando a possibilidade de os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos adquirirem o status de norma constitucional, desde que obedecidos os parâmetros de reforma da Constituição (art. 5º, §3º), ganharam força as correntes doutrinárias que defendiam a mudança para a condição de inconstitucionalidade da prisão civil fora das hipóteses de dívida por pensão alimentícia, em face do Pacto de San José da Costa Rica de 1969, em vigor no País desde 1992.

Não se vai adentrar nesta última discussão, acerca do caráter hierárquico ordinário ou supralegal do tratado internacional sobre direitos humanos anterior à EC n. 45/04, por fugir do objetivo deste estudo5. Embora haja divergência doutrinária quanto à incorporação do pacto, a posição majoritária no STF, discutida no Recurso Extraordinário - RE 349.703-1/RS (BRASIL, 2009a), foi de que ele foi recebido com status supralegal.

Assim, seguindo a doutrina constitucional mais recente, em se tratando de restrições a direitos fundamentais, indaga-se não só sobre a admissibilidade constitucional da imposição fixada na lei (reserva legal), “mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.” (MENDES, 1994, p. 475). Desta feita, optou-se pelo objeto mais complexo da presente disputa judicial, que é a sua dimensão ponderativa.

1.1 Razões fáticas e jurídicas da decisão final

No julgamento de dois Recursos Extraordinários (RE 349.703-1/RS e RE 466.343-1/SP) (BRASIL, 2009a; 2009b) e de um Habeas Corpus (HC 87.585-8/TO) (BRASIL, 2009c), duas grandes instituições financeiras questionavam decisões judiciais que não consideraram o contrato de alienação fiduciária em garantia como equiparado ao contrato de depósito de bem alheio (depositário infiel), para efeito de permitir a prisão civil. Já no remédio heroico, o autor da ação contestava a sua prisão civil por infidelidade depositária.

No julgamento conjunto desses recursos, o Ministro Relator do RE 466.343/SP, Cezar Peluso, afirmou que a Constituição da República não teve receios quanto à afirmação dos direitos humanos, sendo categórica no valor do corpo humano em qualquer hipótese de dívida: “a modalidade do depósito é absolutamente irrelevante para efeito do reconhecimento de que o uso de estratégia jurídica que, como técnica coercitiva de pagamento, recaia sobre o corpo humano, é uma das mais graves ofensas à dignidade humana.” (BRASIL, 2009b, p. 1306).

Essa tutela jurídica independeria se o título fosse constituído por força de dívida de caráter contratual, decorrente do múnus de depositário dentro do processo, ou ainda de outro dever oriundo da incidência de norma que regula os depósitos necessários, como é o judicial. Em quaisquer desses casos, ressalvada a hipótese constitucional do inadimplente de obrigação alimentar, a admissibilidade da prisão civil:

seria sempre retorno e retrocesso ao tempo em que o corpo humano era corpus vilis, que, como tal, podia ser objeto de qualquer medida do Estado, ainda que aviltante, para constranger o devedor a saldar sua dívida. Isso me parece absolutamente incompatível com a atual concepção, qualquer que ela seja, da dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 2009b, p. 1307, grifo do autor).

Já o Ministro Relator do HC 87.585/TO, Marco Aurélio Mello, para votar pelo deferimento do habeas corpus em favor do paciente, fundou-se em que, no caso da alienação fiduciária em garantia, o depósito é uma verdadeira ficção, estabelecida pelo legislador no Decreto-Lei n. 911/1969 (BRASIL, 1969) para legitimar a prisão civil do devedor6, como meio coercitivo destinado à realização do crédito pelas prestações não pagas, ampliando as duas hipóteses de prisão por dívida consagradas na Constituição.

O centro da disputa reside, então, em se a restrição à liberdade individual do fiduciante é justificada pela realização do direito de crédito do fiduciário. A análise da violação à proporcionalidade em sentido estrito é realizada, nesta hipótese, pela ponderação entre a liberdade individual do fiduciante, que é elevada pela dignidade humana, e o direito de crédito do fiduciário, decorrente do direito à propriedade, do postulado da segurança jurídica e da efetividade da tutela jurisdicional.

No seu voto, o Ministro Gilmar Mendes agregou duas teses contrárias à prisão do devedor fiduciante, violadoras do princípio em comento: a) a existência de outros meios de coerção do devedor não justificaria a prisão; e b) a instituição do depósito vinculado a contrato de alienação fiduciária é “figura atípica de depósito, transbordando os limites semânticos da expressão ‘depositário infiel’, insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição.” (BRASIL, 2009a, p. 764-765).

1.2 A tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal

A mudança jurisprudencial se deu com base em duas questões principais. Primeiro, se a legislação infraconstitucional poderia estender a figura do depositário infiel para casos de contratos de depósito atípico. Segundo, se a prisão civil do depositário infiel oriundo do contrato de depósito puro ou “propriamente dito”, conforme permissivo excepcional da CF/88, era compatível com o art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH, que somente permitia a prisão civil por dívidas do inadimplente de obrigação alimentar.

A partir da resposta negativa dessas indagações, o STF superou a sua jurisprudência histórica (overruling) para restringir a prisão civil somente aos casos de não pagamento voluntário do crédito alimentício, isentando o depositário infiel da execução corporal. Em consequência desse julgado, foi revogada a Súmula n. 619 do Tribunal7 e, posteriormente, editada a Súmula Vinculante n. 25, fundamentando a decisão no valor da liberdade humana, um bem que só poderia ser suprimido em casos excepcionalíssimos8.

O tribunal, nos recursos constitucionais analisados, concluiu pela prevalência da liberdade do devedor em detrimento do patrimônio do credor; expandindo, contudo, o efeito paralisante da decisão para todas as demais modalidades de depósito. É que o caso concreto não cuidava do depositário judicial, mas somente do depositário fiduciante. A análise expandida somente iniciou-se a partir da manifestação do Ministro Gilmar Mendes, questionando a hierarquia dos tratados ratificados pelo Brasil na ordem jurídica interna. Entendeu-se que as normas mais avançadas de direitos humanos, como as encontradas na CADH, não admitem a prisão por dívida, salvo na hipótese de alimentante inadimplente.

Muito embora a conclusão tenha sido bem acolhida quanto à modalidade fictícia de depósito – que é a fiduciária, situação fática condutora do leading case –, por representar um avanço na proteção de direitos fundamentais, a solução quanto ao depositário judicial dividiu a doutrina, em razão da natureza peculiar dessa medida restritiva de liberdade, afeta ao campo das sanções processuais (contempt of court) (LOPES; CHAVES, 2018, p. 36).

Cumpre, a seguir, analisar quais os problemas práticos e conceituais derivados desse arresto, quando confrontado a outros elementos fáticos e jurídicos.

2 Crítica à decisão final do caso judicial sob estudo

A determinação do alcance e sentido da norma constitucional em debate é uma questão prejudicial que não pode ser desprezada pelo intérprete. Não se pode defender ou negar a prisão civil por dívida sem antes entender a finalidade da norma, a qual admite apenas duas exceções: “a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (art. 5º, LXVII, CF/88). O que se nota, no julgado, é uma confusão quanto aos bens jurídicos sob proteção.

Foram estabelecidas duas hipóteses em que cabe a prisão civil. Não seria admissível que a legislação infraconstitucional ampliasse o rol taxativo dessas exceções, porque isso implicaria em restrição ao âmbito de proteção de um direito fundamental. Por outro lado, ao estipular duas ressalvas à regra geral de vedação da prisão civil, o Constituinte quis resguardar outros direitos de interesse público que entendeu mais valioso do que a liberdade do devedor: a confiança e a boa-fé nas relações familiares e sociais. Portanto, a lógica das exceções constitucionais vincula-se à tutela qualificada de bens que se posicionam acima do direito do credor enquanto mero direito disponível.

Para entender melhor essas razões, deve-se esclarecer as três situações identificadas pela doutrina e jurisprudência como sendo compreendidas no conceito de “depósito”, para fins de prisão civil do depositário infiel: a) a decorrente dos contratos de depósito típicos, voluntário ou necessário; b) a ocorrida em processo judicial; e c) a resultante dos contratos de alienação fiduciária em garantia.

Havia um longo debate jurisprudencial em torno da possibilidade de prisão civil nesta última hipótese (c). A posição dominante até então era de que o instituto da alienação fiduciária seria extremamente enfraquecido caso essa prerrogativa do credor fosse retirada, pois se tratava de uma garantia de acentuado papel social para possibilitar o devedor se utilizar da coisa comprada, não podendo pagá-la integralmente.

A Constituição considerou a noção tradicional de depósito, que é a guarda do objeto móvel recebido do depositante pelo depositário; logo, abrangendo os itens a e b. Todavia, não se aplica o mesmo raciocínio ao item c, cujo depósito fictício ou por equiparação criava uma categoria mais frágil de depositário infiel. Tratava-se de um negócio juridicamente simulado para ampliar as garantias do credor, ao arrepio da previsão constitucional. Esta modalidade atípica, de modo algum, pode figurar como merecedora da coerção executiva pela prisão civil, sob pena de limitar a liberdade por cláusula de reserva legal, sem autorização constitucional da norma definidora do direito fundamental.

Em função do direito à tutela jurídica dos cidadãos, o sistema processual arma o juízo com meios executivos capazes de promover a satisfação de qualquer direito entre os bens veiculados no episódio jurídico, dentro da razoabilidade. O juiz pode, respeitados os limites da dignidade do devedor impostos pela proporcionalidade e demais direitos constitucionais, utilizar qualquer meio executivo que se lhe revele necessário e adequado para satisfazer obrigação jurídica, enquanto não ofender garantias superiores do devedor. Esses meios envolvem intervenções sub-rogatórias e coercitivas (GUERRA, 2003, p. 328).

Ocorre que não se pode constranger o direito fundamental de alguém para satisfazer o direito de crédito dispositivo de outrem; afinal, todo direito patrimonial, por si, é disponível. Dessa forma, a pretensão executiva do alienador fiduciário não foi objeto de proteção pelo Constituinte de 1988, que não igualou o dinheiro, direito subjetivo do credor, ao direito fundamental de liberdade do devedor. Diferente situação é a dos bens tutelados pela prisão civil autorizada na Constituição: a boa-fé essencial às relações civis e sociais.

Pelo exame analítico do acordão da Corte Suprema, percebe-se que os argumentos apresentados pela maioria para afirmar como inconstitucionais as duas primeiras modalidades (a e b), além da terceira (c), não enfrentaram com profundidade a distinção entre elas, saltando etapas cognitivas até invalidar, por completo, uma garantia constitucional em favor da preservação de um dos fundamentos das interações comunitárias, que é a confiança na palavra pactuada entre as pessoas e em deveres essenciais, como o que se expressa na pensão alimentícia.

O único a atentar para este fato parece ter sido o Ministro Menezes Direito, ao reclamar que o depositário judicial tem outra natureza jurídica, apartada da prisão civil própria do regime dos contratos de depósito. Neste caso específico, a prisão não é decretada com fundamento no descumprimento de uma obrigação civil, mas no desrespeito a um múnus público. Entre o juiz e o depositário dos bens apreendidos judicialmente, a relação que se estabelece é de subordinação hierárquica, já que este último está exercendo uma função pública por delegação. Esta designação não decorre nem origina obrigação contratual, pois o depositário não assume nenhuma dívida, mas tão-só um encargo judicial, envolvendo a própria efetividade do processo judicial (BRASIL, 2009a, p. 848-849).

Até o novo aresto do STF, não havia rechaço à prisão civil como medida de desrespeito à corte (contempt of court) constitucionalmente permitida, até mesmo porque a CADH não veda expressamente prisões civis como sanção processual, medida muito comum em democracias, como a Alemanha (ACIOLI, 2011, p. 28). Na verdade, a proibição de prisão civil por dívida, relacionada à conservação da confiança subjacente às obrigações contratuais, é da tradição constitucional brasileira, desde a Constituição de 1934, não sendo um tema inovador. É tanto que a pena pela apropriação indevida de coisa alheia em depósito necessário ou na qualidade de depositário judicial (art. 168, § 1º, I-II, Código Penal) (BRASIL, 1940) é mais grave do que a do crime de abandono material (art. 244, Código Penal) (BRASIL, 1940), que alberga a inadimplência de pensão alimentar.

O depósito judicial jamais poderia ser tido por simples “dívida”, vez que emerge um dever perante a coletividade. Equiparar esta hipótese àquela é adulterar o Poder Constituinte Originário. Não cabe à cúpula do Judiciário corrigir, invalidar ou subverter o que foi estabelecido na Constituição, por equivocada qualificação dos bens protegidos pela prisão civil. Tal previsão não seria incompatível com tratados ou convenções internacionais, desde que se compreenda adequadamente o alcance da norma constitucional.

De fato, não haveria amparo, na ordem constitucional brasileira, para a prisão decorrente de relação material de cunho privado. Contudo, a figura jurídica do fiduciante não se compara à situação do depositário, dado que os bens jurídicos implicados nelas são diferentes. O primeiro instituto está fundado sobre a proteção do crédito, em uma relação econômica; o segundo ultrapassa essa dimensão, assomando-se à proteção da confiança nas relações privadas. Esses valores, quando em colisão com a liberdade, devem ser cautelosamente examinados pelos magistrados, sob pena de se cometer grave injustiça, em prejuízo da coesão social.

Além disso, parcela da doutrina refratária à decisão ora analisada entende ser cabível a prisão civil coercitiva somente no caso de depósito judicial. Porém, essa não parece ser a melhor conclusão, em face da indisponibilidade dos bens jurídicos em jogo e da literalidade do texto constitucional, que não restringe a espécie, conforme assinalado.

Imagine o depósito de um animal de estimação para um vizinho, enquanto o dono viaja de férias. Ao retornar da viagem, o depositário não quis devolver o animal estimado, pois a ele se afeiçoou; ajuizar-se-ia ação de busca e apreensão. Caso essa medida fosse frustrada, porque o executado escondeu o animal, caberá ainda a multa coercitiva (astreintes). Se, ainda assim, o devedor economicamente capaz não lhe entregasse, restaria apenas converter a execução em perdas e danos e remeter o processo para a esfera penal (apropriação indébita majorada), o que não resolveria a lide e ainda facilitaria a corrosão da expectativa social de fidelidade aos compromissos.

Dito isso, proibir, genericamente, a possibilidade de prisão civil não parece ser uma medida necessária, proporcional e adequada, nos termos da teoria alexyana, até mesmo para o depósito contratual. A figura do depositário infiel (a e b) é distinta da do depositário fiduciante (c), pois este não recebe o bem para guardá-lo e o alienante não pode exigir a restituição da coisa a qualquer tempo – é proprietário apenas a título resolúvel. Logo, a subsistência daquele instituto não viola a ordem jurídica interna nem os pressupostos das normas internacionais sobre direitos humanos ratificadas pelo Brasil, em especial a CADH.

Tabela 1 – Duas hipóteses de ponderação

CASO

PRINCÍPIO 1 X

PRINCÍPIO 2

RESULTADO

Alienação fiduciária

Liberdade do devedor

Crédito do credor

Prevalece a liberdade

Depositário infiel

Liberdade do devedor

Confiança da sociedade

Prevalece a confiança

Fonte: os autores.

Em síntese, critica-se a extensão dos efeitos paralisantes dado no julgamento do STF às normas constitucionais sobre o depositário infiel, pelas seguintes razões: a) baixa densidade argumentativa quanto às outras modalidades de depósito; b) a natureza distinta do instituto jurídico do depósito judicial; c) a condição de que o depositário nem sempre é o devedor; d) o desapreço atribuído à garantia fundamental da tutela executiva específica; e) os efeitos sobre a crise da efetividade das tutelas no Brasil9; f) a ausência de alternativas substitutas para a guarda e conservação de bens constritados ou penhorados (LOPES; CHAVES, 2018, p. 52).

Como nem sempre a solução legal corresponde às expectativas políticas vigentes no momento da aplicação, e dada a impossibilidade de afastar, sem mais, o texto estabelecido, só resta ao aplicador modificar o conteúdo da norma através de uma interpretação sutil, levada a cabo mediante a utilização de complexos instrumentos conceituais. Por meio desse arsenal de argumentos falaciosos, o que se está alterando é a própria substância da norma – constitucional, neste caso – por mero desejo do intérprete ministerial, assinalando sofisticamente que se está apenas levando a cabo “a sua” interpretação pessoal (HESPANHA, 2002, p. 221-222).

Não surpreende ver decisões “conforme a Constituição” que contrariam a norma que se extrai literalmente do texto legal, em uma nítida mutação constitucional inconstitucional, ou ainda, na dicção de Canotilho (2003, p. 1229), exogenética. No fato em exame, o objeto central da disputa judicial era a alienação fiduciária, e não as outras duas exceções previstas expressamente na Constituição. Não era a ocasião de estender irrestritamente aquela proibição para outras hipóteses singulares. O uso da ferramenta ponderativa não pode significar um álibi para que os juízes se eximam da fundamentação pormenorizada e contextualizada de suas decisões.

Por falta de melhor indicação da doutrina, os tribunais brasileiros passaram a solucionar as aparentes colisões principiológicas a partir de um balanceamento direto, precipitado e abstrato, em uma única fase ponderativa, como se a mera invocação verbal dessa técnica fosse capaz de resolver aporias teóricas, indistintamente. Faz-se um esforço abstrativo-filosófico para dar aos argumentos aparência de razoabilidade; mas, esquece-se que a justiça está no cotejo do suporte fático-prudencial.

Na verdade, a ponderação somente alcança o resultado esperado – a síntese do sopesamento – após percorrer certas etapas, típicas da dialética argumentativa. No entanto, não houve adequada apreensão do contexto filosófico e metaético no qual a teoria da ponderação estava inserida para a sua devida tradução. Assim, ela foi aplicada em ambiente jurisprudencial diverso, sem o devido iter metodológico. O uso de técnicas ponderativas sem critérios adequados fez com que o modo de interpretar se transmutasse em arbítrio judicial.

Uma interpretação diferente para um texto que lhe atribua significado diverso do prima facie (“literal”), ou que contrarie a interpretação consolidada (“autêntica”), tem um elevado ônus argumentativo. O não atendimento deste ônus implica, por consectário lógico, em irracionalidade. Desse modo, o que se critica é a insuficiência de argumentos criteriosos para defender uma dada interpretação, a qual se impõe por uma retórica vazia e falaciosa (sofismas) que passa despercebida ao auditório bem como à comunidade jurídica.

Por isso que o problema aqui detectado, de rigor, não tem por objeto a “inconstitucionalidade das leis”, senão a manipulação semântica dos enunciados normativos por quem não poderia fazê-lo sem a devida fundamentação sustentável em bases sólidas, escorando-se em uma insuficiente e incabível “ponderação”. A impossibilidade de certeza absoluta, consenso e unanimidade em matéria de hierarquia legal deve guiar o intérprete para a deferência prudencial da perspectiva do legislador constituinte. In dubio, pro constituinte.

Boa parte das causas julgadas pela Suprema Corte não versa predominantemente sobre um juízo hierárquico acerca das leis e dos atos normativos, mas expressa um juízo prudencial de conformidade do texto legal aos valores impressos na Constituição e, por óbvio, existentes na sociedade política. É dizer, os casos levados à Corte Constitucional, como regra, não se resolvem por simples conformação entre o preceito infraconstitucional (premissa menor) e o texto constitucional (premissa maior), senão que demandam uma ponderação prudencial para além das fronteiras jurídico-formais.

Episódios assim, recorrentes, sublinham a necessidade de uma nova prática e teoria ponderativa. Resta, pois, compreender o referencial teórico que levou à decisão encontrada pelo STF mediante o mau emprego dessa técnica principiológica.

3 Balanço crítico da recepção da ponderação no Brasil

A ampliação do espaço interpretativo do magistrado foi viabilizada, entre outras causas, pela: (1) abertura das Constituições ao discurso dos direitos humanos vinculado a princípios; (2) supremacia da Constituição frente aos códigos e às leis especiais; (3) subordinação do legislador aos direitos fundamentais; e, sobretudo, (4) necessidade de o Judiciário e o Tribunal Constitucional assumirem função para além de legisladores negativos, na expressão cunhada por Kelsen10 (TAVARES, 2012, p. 66).

Sob a égide da nova hermenêutica constitucional, o neoconstitucionalismo da segunda metade do século XX conquistou, dentre outros resultados, a introdução do princípio da proporcionalidade no direito, ampliando a esfera de incidência dessa técnica em outros ramos jurídicos, e o reconhecimento da eficácia normativa dos princípios do direito, convertidos em princípios constitucionais e erigidos ao topo da hierarquia normativa do sistema jurídico (BONAVIDES, 2015, p. 583).

Essa ampliação do sistema jurídico, provocada por técnicas de abertura vinculadas aos direitos fundamentais representaria um avanço. Mas tal abertura não significa licença para arbitrariedade ou decisionismo, senão que deveria se traduzir em uma base racionalmente estruturada e estável para a aplicação coerente das normas. Alexy (2011, p. 573-574) reconhece que, a despeito da racionalidade agregada ao discurso prático por essa técnica, não se elimina por completo a insegurança quanto aos resultados desta.

Com a dimensão valorativa desses direitos basilares, a hermenêutica jurídica transitou da metodologia subsuntiva para uma nova hermenêutica constitucional, na qual se utiliza, com frequência, a proporcionalidade e a razoabilidade11, prevalecendo uma ponderação cognitiva de valores colidentes (BONAVIDES, 2015, p. 633). Neste sistema de harmonização, o jurista tem que respeitar o núcleo objetivo e essencial dos direitos fundamentais, pois procura identificar o bem jurídico tutelado por cada um deles, associá-lo a um determinado valor – isto é, ao princípio constitucional ao qual se reconduz –, para, somente então, “traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como referência máxima as decisões fundamentais do constituinte.” (BARROSO, 1996, p. 185). Segundo a doutrina tradicional:

Ponderar princípios significa sopesar a fim de se decidir qual dos princípios, num caso concreto, tem maior peso ou valor dos princípios conflitantes. Harmonizar princípios equivale a uma contemporização ou transacção entre princípios de forma a assegurar, nesse caso concreto, a aplicação coexistente [d]os princípios em conflito. Por isso, a ponderação reconduz-se, no fundo, com já foi salientado na doutrina (Guastini), à criação de uma hierarquia axiológica móvel entre princípios conflitantes. (CANOTILHO, 2003, p. 1241, grifo do autor).

O juízo de ponderação (balancing ad hoc) pretende resolver situações de confronto entre direitos individuais, sem atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio. Ao revés, tal procedimento esforça-se por assegurar a aplicação harmoniosa das normas conflitantes sempre que esteja em causa a natureza principiológica, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação ou redução. Assim é a solução da antinomia entre princípios, diferentemente da que ocorre entre regras (GUERRA, 2003, p. 325).

Porém, se, por um lado, os princípios jurídicos permitiram maior flexibilidade para o sopesar de valores aparentemente colidentes pelo juiz, por outro, não houve uma elaboração consistente da doutrina que trouxesse segurança quanto aos critérios a serem utilizados na justificação racional do “peso” atribuído a cada um deles. Na literatura internacional, sobretudo alemã, a proposta elaborada por Alexy sofreu duras críticas, em especial de Jürgen Habermas, por ter contribuído “demasiadamente pouco” para a teoria dos direitos fundamentais, ao não permitir que sejam formulados juízos racionais sobre tais conflitos principiológicos (ALEXY, 2003, p. 134-135).

O que se chama de “ponderar” ou “sopesar” princípios nada mais é do que a determinação, por escolha de quem decide, do valor que se julga mais relevante no evento concreto; e o que se chama de “harmonizar princípios” é a utilização do princípio da concordância prática. É inevitável que, em algum momento, ocorra uma colisão ou desconformidade intelectual e pontual entre valores. Mas, na falta de mecanismos de controle da racionalidade jurídica, “peso” é uma metáfora que pode ser bastante enganadora12.

Em função do confronto móvel, há situações nas quais se entende que, dentre dois valores cuja realização seja obrigatória, apenas um deles pode ser realizado13. Diante disso, o agente encarregado de concretizar tais valores – ou controlar a concretização feita por outro agente, também atarefado de controlar tais valores – deve realizar uma atividade intelectual (racional) que tenha por resultado a determinação do valor a ser preferido, em detrimento do outro. A resposta negativa a esta afirmação implicaria admitir que tais casos fiquem sem solução ou a tenham postergada indefinidamente.

Em verdade, a insegurança e a arbitrariedade só estão presentes na ponderação quando não parece haver uma atividade racionalmente controlável. As decisões judiciais podem ser justificadas por critérios que, em diferentes graus, eliminam, diminuem, ou dificultam o arbítrio com que são tomadas – a depender, ainda, de fatores históricos e culturais. Essa não é uma questão eminentemente conceitual, mas também empírica, ao constatar o grau de racionalidade em que as ações humanas podem ser fundamentadas. É sobretudo o reconhecimento da contínua necessidade prática da atividade judicial: “O dilema não é fundamentar o direito ou renunciá-lo, senão fundamentá-lo conscientemente e aberto à crítica, ou fazê-lo inconscientemente, condenando-se a um fechado dogmatismo.” (OLLERO TASSARA, 1999, p. 111).

Que haja uma “ponderação de bens” no caso concreto decorre, precisamente, da inexistência de ordem hierárquica entre bens e valores jurídicos em que possa se valer o magistrado. Mas, trata-se de esclarecer se estamos diante de uma ponderação realmente de bens, com um método; ou, da aceitação de que o juiz decide mesmo sem apoio em critérios metodológicos, estabelecendo, para si, uma medida para padrões que são abertos e móveis (LARENZ, 1989, p. 492). Ou seja, neste caso, os atos seriam, sobretudo, manifestação da pura vontade eletiva do magistrado.

Na perspectiva do voluntarismo decisionista, as decisões encontradas seriam incontroláveis, e prevaleceriam por “poder de império”, cabendo aos juristas apenas se conformarem a elas. Aderir a esta opção voluntarista reduziria o direito ao parecer subjetivo do intérprete, para o qual a forma de apelo racional seria secundária. Degradar o direito a tal ponto significa justamente retirar dele qualquer objetividade e torná-lo refém das circunstâncias concretas, resultando em um casuísmo pouco relacionado à coerência e à integridade do direito nacional. Afinal, alguma fórmula ponderativa pode resolver tais problemas?

O problema da “ponderação de valores” não é tanto a sua maior ou menor dificuldade em fazê-lo, tampouco a sua indefinição. O relevante é se os juízes realmente realizam operações intelectuais que permitem a comparação de bens e direitos segundo um critério real e razoável que possa ser aferido de modo concreto. “Ponderar” é uma expressão metafórica que não traz, em si, a explicação cabal da operação intelectual que se pretende significar com ela, no sentido de que seja suficiente para justificar o ato de balancear realidades em conflito (RIVAS, 1999, p. 113). Por isso, serve especialmente para discursos retóricos de matiz persuasivo ad hoc, sendo inócua para a coerência sistêmica acima referida.

O termo tende ainda a sugerir um corolário ilógico implícito, ao transmitir a informação de que um direito prevaleceria sobre outro mediante uma “pesagem”, em que dois elementos são colocados em numa escala (quid?) para ver qual preponderaria. Além disso, não há nada que obrigue os juízes a usarem tal método argumentativo e muito menos a expor o contexto de descoberta da sua decisão. Acontece a possibilidade de interpretar a ponderação como uma ação relacionada a um simples sopesamento (RIVAS, 1999, p. 113-114), cujo balanço não levaria em conta outros diversos fatores concretos do caso.

Ademais, a ponderação, quando interpretada dessa forma, importa uma falsa ideia do universo quantitativo (matemático, numérico), para um âmbito decisório de natureza qualitativa (prudencial, cultural), com o fim de alcançar maior segurança judicial. Estar-se-ia pretendendo algo impossível de ser realizado, porque toda operação que tenha a ver com o “peso” de uma realidade é realizada por meio de um parâmetro ou uma escala de medição.

Quando se diz que algo pesa mais do que outro, chegamos a uma medida que constitui um terceiro elemento de comparação. Esse terceiro elemento é uma régua em relação à qual as outras realidades são comparadas. E aqui, de rigor nenhuma medida ou critério mensurável foi dado com o qual comparar ambos os direitos. Não só não foi dada tal medida, como nem sequer foi pretendida, pela simples razão de que não são realidades que admitem quantificação (RIVAS, 1999, p. 114). Portanto, é inviável uma ponderação que resolva o caso ao modo de uma operação em que se colocam dois princípios numa balança para saber qual deles pesa mais; muito menos se escolhe um apenas apontando para o “peso” do outro (STRECK, 2014, p. 60).

A metáfora do peso resulta de um juízo valorativo do aplicador perante circunstâncias concretas. Mas essa decisão do juiz – tanto quanto o ato criativo do legislador – não são nem frutos do puro desejo irreflexivo da vontade (voluntarismo jurídico), nem resultado da dedução racional das normas legais (jusracionalismo): são, antes, uma decisão racional e voluntária, eticamente qualificável como prudencial (ARELLANO, 2003, p. 190).

Situado filosoficamente o problema, é chegado o momento de verificar como o conflito entre esses princípios constitucionais seria resolvido, no caso em comento, pelo intermédio de uma ponderação prudencial.

4 A ponderação prudencial: uma proposta mais adequada

Quando dois ou mais princípios aparentam estar em rota de colisão, na verdade não se está nem mesmo sob análise normativa, senão, sob um aparente confronto interpretativo de natureza prática e não jurídica – ou seja, ética. Logo, a ciência do direito, por si só, não dá uma resposta clara e precisa sob qual valor deve prevalecer no caso específico. Tampouco é tarefa da filosofia teórica definir qual direito fundamental deve ceder ou ser sacrificado diante de uma situação concreta. É especificamente este o papel da prudência, enquanto prática decisional. Será ela a guiar o intérprete para a compreensão mais adequada ou razoável da lide.

A filosofia, enquanto ciência especulativa e abstrata, servirá para definir quais os limites, suporte fático e núcleo essencial dos direitos fundamentais. Já a ciência jurídica irá ordenar e disciplinar tais direitos a partir dos diplomas normativos internos, recebendo, na medida do possível, a contribuição extraída do nível filosófico e estabelecendo eventuais restrições em abstrato. Por último, caberá à prudência – hábito intelectual que aperfeiçoa a razão prática – determinar e atualizar, em concreto, o âmbito de incidência de cada um desses direitos, tendo em vista as peculiaridades de cada situação específica.

Por meio da phronesis, a inteligência humana interage com a realidade, sendo modelada, ao tempo em que mapeia os acontecimentos da vida. Assim, não é pela ciência, nem pela filosofia, que o jurista vai resolver o intrincado problema do aparente conflito entre direitos fundamentais, senão por meio de um juízo prudencial, embasado em dados concretos, que ele encontrará o caminho correto para o caso em questão.

O exercício dessa sabedoria prática envolve a observação de suas 8 partes integrantes: (1) memória, a recordação sobre o que a pessoa reteve de ideias sobre coisas, fatos, relatos e eventos, em face de algo a deliberar; (2) inteligência é a consideração do modo de processar as informações colhidas pelo próprio sistema intelectual, a modo de checar a correção do processo de compreensão; (3) docilidade, a atitude de abertura à obtenção de conhecimento por meio de terceiros, como se dá nas atividade de pesquisa, estudo ou aconselhamento; (4) sagacidade ou solércia é a percepção aguçada e atenta da realidade para máxima apreensão direta das características do que se pretende conhecer e julgar; (5) razão, o ato da consciência que reúne, conecta e harmoniza os elementos e os dados obtidos pelas partes da memória, docilidade e sagacidade, relativos ao objeto de deliberação; (6) previdência, a ação de ponderar e escolher os meios mais apropriados para empreender a decisão vislumbrada; (7) circunspecção é a atenção às circunstâncias que podem afetar um empreendimento a fim de avaliar a oportunidade quanto ao melhor momento e lugar de sua implementação; (8) cautela, a consideração e a preparação para reduzir ou superar efeitos adversos que podem surgir na execução da decisão (AQUINO, 2014, p. 25-35).

As partes assinaladas como integrantes da prudência pautam uma sequência de atos do intelecto que se processam quase que instantaneamente. Para melhor aperfeiçoamento e avaliação do processo decisório, é oportuno percebê-las cada uma em sua peculiaridade, de modo que o intérprete possa identificar eventuais saltos ou falhas impeditivas da apreensão mais adequada dos dados que compõe o objeto de seu juízo.

Ao mesmo tempo, deve-se saber que a dimensão ideológica e moral do julgador afeta sua disposição e favorece uma dada pré-compreensão acerca do fenômeno sobre o qual se debruça. Para que tal inclinação não redunde em um fracasso do autêntico processo de julgamento, seriam importantes três atitudes do magistrado, relativas ao intelecto, à vontade e à afetividade.

Primeira, assumir a presença dessa tendência e conhecer quais ideias prévias podem-lhe obnubilar a percepção in acto, em sua atividade interpretativa. Segunda, buscar um efetivo aprimoramento moral, uma vez que, além das ideias que habitam e configuram seu imaginário, também hábitos arraigados predispõem o seu juízo e podem desviar o processo deliberativo em concreto. Terceiro, saber que sua dimensão afetiva é provocada na interação com as partes do caso, com auxiliares da Justiça que intervêm no processo, por eventos próximos ou distantes relacionados, bem como situações anteriores e interiores que possam turbar sua atividade decisória.

A desconsideração desses fatores ou elementos – correlatos ao logos, ethos e pathos da retórica aristotélica – está na raiz da diversidade de julgamentos sobre os mesmos fatos. O dito popular “cada cabeça uma sentença” traz em si, implicitamente, essa diferença de análises, enfraquecendo o ideal de objetividade no processo ponderativo. O meio de fortalecê-lo é pela prática das virtudes, o que implica não apenas no aperfeiçoamento moral do juiz, mas também no aprimoramento da prestação jurisdicional14 (BONALDO, 2019).

Esse saber prático tem por objeto as condutas humanas, as quais procura dirigir ou valorar mediante argumentos racionais. É prático porque procura desentranhar o conteúdo dos princípios do direito – chamados de “exigências morais”, “valores”, “direitos humanos ou fundamentais” – e projetá-los às circunstâncias históricas contingentes. Também porque se compromete com o campo das condutas e suas regras, a que orienta, legitima ou desqualifica com argumentos racionais, e não pela mera contemplação verificável da realidade ou pela rigorosa via dos cálculos lógico-formais (VIGO, 2001, p. 81).

Não se questiona a existência de conceitos jurídicos, que são formados por via abstrativa. A ciência do direito – como toda ciência – precisa elaborar e utilizar conceitos abstratos. O que não deve é manejá-los como mandatos inflexíveis, nem convertê-los em hipótese de proposições definitivas (RECASÉNS SICHES, 1973, p. 157). Como ensina a regula máxima de Javoleno (Digesto 50, 17, 202): omnis definitio in iure civili periculosa est: parum est enim, ut non subverti possit (“toda definição em direito civil é perigosa: rara é aquela que não possa ser subvertida”).

O intérprete não pode se assentar unicamente em vetores de reduzida densidade normativa, sempre que carente dos delineamentos da situação concreta. A atividade jurídica articula-se a partir de uma realidade concreta, captando e conformando, ao mesmo tempo, as exigências objetivas de justiça, e positivando-as existencialmente. “Dizer o direito” é dispor a conhecer uma ordem prática ainda por fazer (OLLERO TASSARA, 1999, p. 107), antes de “dada” na natureza. Não é, pois, a ciência nem a filosofia que irão determinar o resultado do balanceamento, mas a prudência do intérprete pela análise circunstancial dos dados processuais disponíveis.

Com isso, não há propriamente um “princípio da razoabilidade”, utilizado em causas específicas, senão a incidência da prudência clássica em toda lide, na medida que o juiz busca conhecer os fatos da melhor forma possível e os avalia, ao mesmo tempo em que verifica sua conformação às hipóteses normativas disponíveis para depois decidir, optando pelo que lhe parece mais adequado a resolver o problema judicial.

Quando esse “princípio” – que, na verdade, é um elemento interpretativo – se transforma em “fórmula mágica” para resolver o problema das incertezas legais, como se a mera aplicação mecânica dos subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito fosse levar a uma resposta inexoravelmente correta e justa, contribui-se para criar uma falsa impressão de correção judicial, que pouco diz respeito ao processo compreensivo ocorrido na consciência do julgador.

Mesmo na análise prudencial, não se sabe, de antemão, se um texto normativo é contrário à lei que lhe é superior antes de avaliar os valores por ele encampados. É a maneira de controlar a valoração desses bens em concreto – e não “em abstrato”, tarefa da filosofia – que precisa ser discutida. A sensibilidade moral do intérprete é crucial para buscar soluções alternativas que gerem menos consequências indesejáveis (AMAYA NAVARRO, 2009, p. 39-40), mas não para subverter a ordem vigente. Daí a necessidade de repensar o modo como a tarefa ponderativa vem sendo desempenhada, a fim de estabelecer balizas reais e efetivas a ela.

5 Reavaliando a conclusão do caso estudado

A partir dos elementos apresentados, é possível identificar algumas falhas interpretativas na argumentação desenvolvida pelos ministros no caso estudado. Houve, pelo menos, dois equívocos centrais contra a virtude da prudência: a falta de sagacidade na percepção de que os bens jurídicos tutelados pelo depósito judicial e pela alienação fiduciária são diversos; a ausência de circunspecção para distinguir as diferentes consequências advindas da equiparação de ambos os institutos. Por isso, chegou-se a uma solução inadequada, que igualou erroneamente situações distintas e retirou uma garantia constitucional de um direito fundamental. Um olhar mais apurado para a realidade teria evitado cair na ilusão de se estar defendendo a “dignidade humana” (em abstrato), quando, na verdade, a estava enfraquecendo.

Ainda, não tem sido incomum magistrados, inclusive na Corte Suprema, se referirem ao balanceamento – na tentativa de legitimar o uso do poder de império, próprio do cargo – para promover posições e posturas políticas, desbordando da atividade autenticamente judicante. Nota-se, em certos votos, a presença de discursos que escapam à verdadeira prudência jurídica (juris prudentia), porquanto se utilizam de institutos internos com forte impacto político, como a decisão monocrática em medida cautelar, sugerindo amplo poder individual dos ministros, os quais foram pouco comedidos em suas atuações nas duas últimas décadas (PAZ; FITTIPALDI, 2022, p. 24).

Na teoria aristotélica dos discursos, diferencia-se quatro espécies que constituem o panorama discursivo: poética, retórica, dialética e lógica. A distinção se apoia nos graus de certeza atribuídos a cada nível de confiabilidade e à pretensão de quem discursa (CARVALHO, 2013). No discurso judicial, deve preponderar a dialética e a lógica, mediante as quais se demonstraria, discursivamente, o rigor do iter decisório. No discurso político, prevalece o viés poético e o retórico, porque se busca antes persuadir a plateia, angariar simpatia e apoio, em vez de convencer racionalmente pela referência ao justo.

Embora próximo da política, sendo ambos ramos do conhecimento prático, o direito não pode ser instrumentalizado para promover impressões e interesses ideológicos ou políticos da autoridade judicial que, desse modo, desvia o poder que administra, indo muito além de um tolerável ativismo judicial (PEREIRA JÚNIOR; ALMEIDA; MACHADO; 2020). Em algumas decisões do STF, a tônica argumentativa dos ministros resvala mais para a poética e a retórica, em detrimento do autêntico juízo ponderativo, que demandaria maior apreço pela dialética e a lógica. Por esse parâmetro de análise se evidencia mais facilmente a fuga da racionalidade prática jurídica, própria de quem julga com a veste talar.

Pressupondo-se que os ministros do STF tenham “notável saber jurídico e reputação ilibada” (art. 101, CF/88), espera-se de suas decisões, para além do “poder de império” (autoridade formal impositiva), que sejam revestidas de autoridade técnico-científica (autoridade material). Contudo, o cenário judicial nem sempre é esse. Por vezes, evidencia-se um processo de disputa de vontades (voluntarismo judicial) mais do que um autêntico e correto confronto de razões (dialética). Nesse contexto, a decisão prudencial é dificilmente prolatada, como no julgado em análise.

Considerações finais

Em linhas gerais, percebe-se que a doutrina contemporânea quis privilegiar a sensação de segurança (estável e certa), em detrimento da Justiça (instável e incerta), em sua perspectiva clássica. Isso significa render o processo decisório ao poder da autoridade em vez de submetê-lo ao risco da razão prática, criando mecanismos de contenção da instabilidade por meio da atribuição de máxima obediência à autoridade decisora. No entanto, ainda assim haverá insuficiência, mesmo quando se pretenda privilegiar a segurança, pois a razão e a razoabilidade de quem decide atuam sobre a conformação da inteligência aos fatos e eventos, que são móveis e mutáveis, passíveis de erro e interpretações.

Nessa perspectiva, modelos analíticos criam a ilusão de segurança no imaginário (pós-) positivista, que se circunscreve a métodos abstratos de aplicação, pelo qual supõem atingir a perfeição derivada de modelos ideados, em detrimento do justo concreto. Enquanto isso, a prudência, que se estabelece por um método não positivista, demanda a capacidade de apreensão racional da própria realidade pelo magistrado, com as dificuldades que lhe são inerentes, mediante a arte de pensar desde a concretude do caso, e não a partir de regras formais pré-estabelecidas, distanciadas dos próprios fenômenos a serem julgados.

É possível vislumbrar um resgate intuitivo da noção clássica de prudência pelo pós-positivismo na própria ideia de ponderação de princípios, na técnica da proporcionalidade e no uso do postulado da razoabilidade nas decisões judiciais (art. 8º, Código de Processo Civil) – ainda que não se dê esse nome e nem seja feita de forma consciente. Todavia, tais procedimentos ainda estão sendo aplicados em uma perspectiva de “juiz voluntarista” ou de uma visão cientificista do direito como “lógica jurídica”, e não da sabedoria prática.

As teorias criadas pelos juristas inspirados na cultura procedimental pretenderam substituir a arte da razão prática, que se revela na prudência – segundo a qual o intérprete deve se submeter à percepção correta da realidade (recta ratio agibilium) –, pela submissão a procedimentos ou técnicas artificiais que se antepõem à valoração adequada dos acontecimentos, substituída pela opinião ou preferência ideológica da autoridade julgadora.

O caráter peculiar da prudência reside em que, antes de se situar diante da análise técnico-científica – por exemplo, acerca de eventual antinomia entre normas aplicáveis ao caso –, o intérprete deve apreender as circunstâncias particulares do próprio conflito, objeto primário do juízo prático-prudencial. Logo, a ponderação, enquanto manifestação de elementos prudenciais, não se confunde com o sopesamento abstrato, senão com o correto uso da razão prática, que se debruça sobre elementos do episódio concreto, resultando em soluções justas.

O anseio por resolver problemas judiciais apressadamente conduz a um balanceamento raso, o qual mistura fins e meios. Desse modo, é fundamental a cautela judicial no momento de decidir, para não redundar em confusão, tal qual demonstrada no julgado do depositário infiel, que resultou em uma decisão inapropriada aos bens jurídicos disputados, por falta de sagacidade e circunspecção dos magistrados. Se tivessem tido um pouco mais de cuidado no delineamento dos fatos, o resultado do acórdão certamente seria diverso, sem a redução desproporcional de uma garantia constitucional.

Conclui-se que, enquanto o ato de ponderar for entendido como um cálculo de princípios em abstrato, a correta compreensão da atividade prático-valorativa desempenhada pelo intérprete restará incompreendida e prejudicada, pois separada do seu indissociável contexto fático. A sabedoria prática, longe de ser um elemento estranho ao pós-positivismo, está na raiz mesma da técnica da proporcionalidade ou razoabilidade, da aparente colisão entre direitos fundamentais e do sopesamento ou ponderação de princípios, motivo pela qual merece ser integrada aos quadros de uma nova teoria da decisão judicial.

Referências

ACIOLI, José Adelmy da Silva. A possibilidade da prisão do depositário judicial infiel: revisitando a súmula vinculante n. 25 do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: LTr, 2011.

ALEXY, Robert. Constitutional rights, balancing, and rationality. Ratio Juris, v. 16, n. 2, p. 131-140, jun. 2003.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011.

AMAYA NAVARRO, María Amalia. Virtudes judiciales y argumentación: una aproximación a la ética jurídica. Ciudad de México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2009.

AQUINO, Tomás de. A Prudência: a virtude da decisão certa. 2. ed. Tradução: Jean Lauand. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.

ARELLANO, Joaquín Ferrer. Propuesta de una epistemología jurídica: los cinco tipos de conocimiento jurídico: distinción y nexo. Anuario jurídico y económico escurialense, Madrid, n. 36, p. 161-200, 2003.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 225, p. 5-37, jul./set. 2001.

BONALDO, Frederico. Prestação jurisdicional e caráter: a interdependência das virtudes do juiz. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Decreto-lei n. 911, de 01 de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 out. 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del0911.htm. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Lei n. 6.071, de 3 de julho de 1974. Adapta ao Código de Processo Civil as leis que menciona, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 jul. 1974. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6071.htm#:~:text=LEI%20No%206.071%2C%20DE,menciona%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico.,%2C%20entretanto%2C%20ser%20executada%20provisoriamente. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Lei n. 13.043, de 13 de novembro de 2014. Dispõe sobre os fundos de índice de renda fixa, sobre a responsabilidade tributária na integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de ativos financeiros, sobre a tributação das operações de empréstimos de ativos financeiros e sobre a isenção de imposto sobre a renda na alienação de ações de empresas pequenas e médias; prorroga o prazo de que trata a Lei n. 12.431, de 24 de junho de 2011; altera as Leis n.s 10.179, de 6 de fevereiro de 2001 [...]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 nov. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13043.htm. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2013.105%2C%20DE%2016%20DE%20MAR%C3%87O%20DE%202015.&text=C%C3%B3digo%20de%20Processo%20Civil.&text=Art.%201%C2%BA%20O%20processo%20civil,se%20as%20disposi%C3%A7%C3%B5es%20deste%20C%C3%B3digo. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 87.585-8-TO. Relator: Ministro Marco Aurélio, Brasília, DF, 3 dez. 2008. Paciente/Impetrante: Alberto de Ribamar Ramos Costa. Advogados: Júlio Solimar Rosa Cavalcanti e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Diário da Justiça Eletrônico, n. 118, f. 237-365, 26 jun. 2009c. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 349.703-1-RS. Relator originário: Ministro Carlos Britto; Relator p/ acórdão: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, DF, 3 dez. 2008. Recorrente: Banco Itaú S/A. Advogados: Maurílio Moreira Sampaio e outros. Recorrido: Armando Luiz Segabinazzi. Diário da Justiça Eletrônico, n. 104, f. 675-876, 05 jun. 2009a. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595406. Acesso em: 05 out. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 466.343-1-SP. Relator: Ministro Cezar Peluso, Brasília, DF, 3 dez. 2008. Recorrente: Banco Bradesco S/A. Advogados: Vera Lúcia B. de Albuquerque e outros. Recorrido: Luciano Cardoso Santos. Diário da Justiça Eletrônico, n. 104, f. 1106-1330, 05 jun. 2009b. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 28 abr. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante 25. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Sessão Plenária, Brasília, DF, 16 dez. 2009. Diário da Justiça Eletrônico, n. 238, p. 1, 23 dez. 2009d. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula774/false. Acesso em: 28 abr. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 619. A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito. (Revogada). Sessão Plenária, Brasília, DF, 17 out. 1984. Diário da Justiça, p. 18203, 31 out. 1984. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula619/false. Acesso em: 28 abr. 2021.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CARVALHO, Olavo de. Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatros discursos. Campinas: Vide Editorial, 2013.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2021. Brasília, DF: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf. Acesso em: 28 abr. 2021.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. Tradução: Nelson Boeira Faedrich. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FELICIANO, Guilherme G. A prisão civil do depositário judicial infiel economicamente capaz: um outro olhar. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 49, n. 79, p. 55-79, jan./jun. 2009.

GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

GUERRA, Marcelo Lima. Contempt of court: efetividade da jurisdição federal e meios de coerção no código de processo civil e prisão por dívida – tradição no sistema anglo-saxão e aplicabilidade no direito brasileiro. In: SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da (org.). Execução contra a fazenda pública. Brasília, DF: Centro de Estudos Judiciários – CJF, 2003. v. 23.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milénio. Lisboa: Almedina, 2002.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2. ed. Tradução: José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

LOPES, Ana Maria D’Ávila; CHAVES, Luciano Athayde. O Supremo Tribunal Federal e a vedação da prisão civil do depositário judicial infiel: uma questão ainda em aberto. Revista de informação legislativa, Brasília, DF, v. 55, n. 217, p. 35-63, jan./mar. 2018.

MAUÉS, Antonio Moreira. Supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos e interpretação constitucional. In: LOPES, Ana Maria D’Ávila; MAUÉS, Antonio Moreira (org.). Eficácia nacional e internacional dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2013. p. 27-50.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo: IOB – Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda, 1994. n. 23, p. 469-475.

OLLERO TASSARA, Andrés. La eterna polémica del derecho natural: bases para una superación. Persona y derecho: revista de fundamentación de las instituciones jurídicas y de derechos humanos, Pamplona, n. 40, p. 89-112, 1999.

PAZ, Anderson Barbosa; FITTIPALDI, Italo. Uma análise do padrão de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre ações diretas de inconstitucionalidade entre 2010 e 2019. Revista Direito GV, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 1-26, jan./abr. 2022.

PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; ALMEIDA, João Lucas de Oliveira; MACHADO, Lucas Silva. Ativismo judicial: o caminho da racionalidade jurídica ao argumento político. In: PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; BARBOSA, Milton Gustavo. Supremos Erros: decisões inconstitucionais do STF. Porto Alegre: Fundação Fênix, 2020. p. 161-190.

RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva filosofía de la interpretación del derecho. 2. ed. Ciudad de México: Porrúa, 1973.

RIVAS, Pedro. Notas sobre las dificultades de la doctrina de la ponderación de bienes. Persona y derecho: Revista de fundamentación de las Instituciones Jurídicas y de Derechos Humanos, n. 41, p. 105-120, 1999.

SOUZA, Thiago Guntzel de. Análise crítica da prisão civil do depositário infiel no âmbito da jurisprudência constitucional brasileira. Arcos, ago. 2013. Disponível em: https://www.arcos.org.br/artigos/analise-critica-da-prisao-civil-do-depositario-infiel-no-ambito-da-jurisprudencia-constitucional-brasileira. Acesso em: 05 out. 2021.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

VIGO, Rodolfo Luis. El iusnaturalismo clásico frente a las teorías de la interpretación y de la argumentación jurídica. Ars Iuris, Ciudad de México, n. 37, p. 99-118, 2007.

VIGO, Rodolfo Luis. Los principios jurídicos y su impacto en la teoria actual. Persona y derecho: revista de fundamentación de las instituciones jurídicas y de derechos humanos, Pamplona, n. 44, p. 65-102, 2001.


1 Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito - Díkaion (CNPq). R. Meton de Alencar, S/n - Centro, Fortaleza - CE, 60035-160. https://orcid.org/0000-0001-5726-2923. E-mail: danieldleitao@hotmail.com. Social: @danieldamascenol.

2 Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (PPGD-UNIFOR). Av. Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz, Fortaleza - CE, 60811-905. https://orcid.org/0000-0002-0611-2869. E-mail: antoniojorge2000@gmail.com. Social: @antoniojorgepereirajr.

3 Em consulta ao portal de jurisprudência do STF, com o termo “princípio da ponderação”, foram encontrados 12 resultados nos últimos anos, tendo sido citado por 8 ministros da Corte. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=decisoes&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=%22princ%C3%ADpio%20da%20pondera%C3%A7%C3%A3o%22&sort=_score&sortBy=desc. Acesso em: 19 ago. 2021.

4 Em consulta ao portal de jurisprudência do STF, com o termo “ponderação”, foram encontrados 445 resultados. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=pondera%C3%A7%C3%A3o&sort=_score&sortBy=desc. Acesso em: 21 dez. 2021.

5 Por uma questão de coerência, é no mínimo duvidoso alegar que um diploma infraconstitucional tenha o condão de paralisar (tornar ineficaz) um dispositivo constitucional explícito. Sobre o tema, cf. Maués (2013) e Feliciano (2009).

6 Art. 4º: “Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.” (Redação dada pela Lei n. 6.071, de 1974 e revogada pela Lei n. 13.043, de 2014) (BRASIL, 2014).

7 “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.” Data de publicação: DJ de ٣١/١٠/١٩٨٤. Data de revogação: DJe n. 104 de 05/06/2009 (BRASIL, 1984).

8 É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.” Data de publicação: DJe n. 238 de 23/12/2009 (BRASIL, 2009d).

9 Esse aspecto crítico merece ser contextualizado, dado o atual cenário de baixa efetividade das tutelas jurisdicionais, especificamente daquelas de índole executiva. Segundo dados do CNJ, a taxa de congestionamento na execução se manteve relativamente estável nos últimos anos, com leve incremento na taxa bruta e líquida. Porém, “em todos os segmentos de justiça, a taxa de congestionamento da fase de execução supera a da fase de conhecimento, com uma diferença que chega a 17 pontos percentuais no total.” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021, p. 189).

10 Ficou ultrapassada a proposta kelseniana de tribunais constitucionais que, a modo de um legislador negativo, se reduzam a um controle formal das leis; pelo contrário, o controle atualmente se dá basicamente por validade material ou substancial, e, para isso, apela-se a direito humanos, valores, princípios ou exigências de uma moral racional ou universal. Luigi Ferrajoli avança sem medo em uma transição do “débil” Estado de Direito Legal ao “forte” Estado de Direito Constitucional ou, postulando a conversão das democracias formais em democracias substanciais onde há limites indisponíveis para a maioria e até a unanimidade da vontade dos parlamentares. Afinal, se a lei formula seu direito por meio de regras, a Constituição o faz através de princípios ou valores (VIGO, 2007, p. 112-113).

11 O princípio da razoabilidade, cuja origem é norte-americana, está mais relacionado ao controle dos atos normativos, ao passo que o princípio da proporcionalidade, de origem alemã, vincula-se ao direito administrativo e ao controle dos atos dessa natureza. Em suas matrizes, razoabilidade era mecanismo de controle dos atos de criação do direito, enquanto proporcionalidade era critério de aferição dos atos de concretização (BARROSO, 2001, p. 29-30). Nesse contexto, seria ilegítimo o uso do princípio da proporcionalidade se aplicado como sinônimo de equidade, pois a violação seria a um preceito constitucional – como a proteção deficiente ou a vedação ao excesso (STRECK, 2014, p. 248).

12 Humberto Ávila (2009, p. 51-65) critica essa dimensão de peso dada aos princípios e supostamente inexistente nas regras, pois as regras podem ser alvos da ponderação. É que duas regras tomadas prima facie, antes do processo de concretização, poderiam entrar em colisão de tal maneira que o sopesamento pode ganhar peculiar relevância para que se determine qual regra deve prevalecer, sem que daí decorra a perda de validade de uma delas. Ademais, a determinação da prevalência entre regra e exceção depende também da atribuição de peso; não sendo, portanto, independente de ponderação de interesses. Na realidade, para ele, não são os princípios que possuem uma dimensão de peso (dimension of weight). Às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser atribuída uma certa relevância. A maioria dos princípios nada diz sobre o “peso” das suas razões. É a decisão que atribui a eles um peso específico em função das circunstâncias do caso concreto. Essa dimensão não é, então, atributo abstrato dos princípios, mas qualidade dos meios e fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é determinada, em última instância, pelo aplicador (ÁVILA, 2009, p. 69). Daí que regras e princípios podem desempenhar papéis bastante semelhantes dentro da ordem jurídica, reduzindo a diferença entre eles a uma questão formal, e não mais tipológico-estrutural. Palavras como razoável, negligente e injusto frequentemente têm essa função: “Quando uma regra inclui um desses termos, isso faz com que sua aplicação dependa, até certo ponto, de princípios e políticas que extrapolam a [própria] regra.” (DWORKIN, 2010, p. 45). Ambas podem assemelhar-se ao apresentarem um conteúdo aberto e vago.

13 Quando Habermas (1997, p. 322-323) afirma que “não há necessidade de uma decisão para saber em que medida valores concorrentes são realizados”, já que não caberia à jurisprudência “arbitrar sobre o equilíbrio de bens ou sobre o relacionamento entre os valores”, negligencia que a realização de um valor possa ser deonticamente qualificada como devida. É dizer, o valor, a partir do momento em que é positivado na forma de princípio, passa a ter uma dimensão deôntica que torna o seu conteúdo axiológico explícito dentro da ordem jurídica. Essa crítica também pode ser estendida a Streck (2014, p. 248), que nega a possibilidade de se ponderar valores em concreto ou abstrato, bem como a Grau (2016, p. 117-119), que acusa a ponderação de ser um “juízo de não legalidade” discricionário, cuja opção subjetiva se dá entre “indiferentes jurídicos”.

14 Os resultados obtidos por meio da aplicação da teoria da interdependência das virtudes – classicamente conhecida como connexio virtutum, desde o pensamento ético de Aristóteles até Tomás de Aquino – ao tema das virtudes judiciais conduzem à conclusão de que o incremento do caráter moral do magistrado leva a uma administração da justiça mais eficaz, atenta às necessidades humanas individuais e coletivas.