https://doi.org/10.18593/ejjl.29938

O CRITÉRIO DE CUSTO-EFICIÊNCIA NA ANÁLISE DOS PEDIDOS DE INCLUSÃO DE MEDICAMENTOS NA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE: NECESSIDADE DE INCLUÍ-LO NA MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

COST-EFFECTIVENESS AS A CRITERION FOR INCORPORATION OF MEDICINES BY PUBLIC HEALTHCARE POLICIES: THE NEED OF INCLUDING SUCH ANALYSIS IN ADMINISTRATIVE DECISIONS

Eduardo Rocha Dias1

André Studart Leitão2

Niliane Meira Lima3

Resumo: O presente artigo analisa a constitucionalização do direito à saúde e sua regulamentação pela Lei n. 8.080/90, destacando a necessidade de considerar o direito e seu custo diante da escassez de recursos. Ressalta a atuação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde na atividade de análise de incorporação de medicamentos na lista de fármacos custeados pela política pública de saúde. Adota uma metodologia crítica a partir da análise da atuação de referida comissão e de decisões judiciais. Aborda a necessidade, para evolução e qualificação dos serviços de saúde pelos entes federativos, de observância das competências estabelecidas em lei e dos critérios legais de análise dos pedidos de inclusão de novas tecnologias em saúde, apontando-os como necessários à composição da motivação do ato decisório de inclusão ou não inclusão de fármacos. O artigo chama atenção para a necessidade de evolução didática e melhor publicização sobre a compreensão da análise realizada pelo Ministério da Saúde, de forma a permitir a melhor qualificação do poder judiciário diante das demandas que lhe são apresentadas sobre o tema do fornecimento de medicamentos não pactuados no âmbito da política pública, inclusive no que se refere à necessidade de considerações sobre as capacidades institucionais dos entes legitimados para efetuar as prestações de saúde.

Palavras-chave: saúde; custo-eficiência; motivação do ato administrativo; judicialização; capacidades institucionais.

Abstract: This article assesses the constitutionalising of the right to health and its regulation by Law n. 8.080/90, highlighting the need to analyse the law and the costs it implies in light of the scarcity of resources. It highlights the role of the National Commission for the Incorporation of Technologies in the Unified Health System in the activity of analysing the incorporation of medicines in the list of drugs financed by the public health policy. The research is based upon a methodology of critic analysis of the decisions of the above mentioned commission as well of those issued by courts regarding the same subject. It addresses the need, for the evolution and qualification of health services by federative entities, of compliance with the competences established by law and the legal criteria for the analysis of requests for the inclusion of new health technologies, pointing them out as necessary to the composition of the motivation of the decision-making act regarding inclusion or non-inclusion of drugs. The article draws attention to the need for didactic evolution and better publicizing the understanding of the analysis carried out by the Ministry of Health, in order to allow for better qualification of the judiciary in view of the demands that are presented to it on the subject of the supply of non-agreed medicines within the scope of public policy, including with regard to the need to consider the institutional capacities of the entities legitimated for health services.

Keywords: health; cost-efficiency; motivation of the administrative act; judicialization; institutional capacities.

Recebido em 13 de dezembro de 2021

Avaliado em 26 de junho de 2022 (AVALIADOR A)

Avaliado em 24 de outubro de 2022 (AVALIADOR B)

Aceito em 15 de março de 2023

Introdução

É de indiscutível disparidade a importância quantitativa que a Constituição Federal de 1988 dá ao termo “saúde”, quando confrontada com as cartas anteriores, já desde a redação original do texto vigente.

Ainda que se compare a saúde com os demais direitos sociais abraçados pelo texto maior, é patente a atenção especial que o legislador constituinte deu a ela. Nem a educação houve para si o direcionamento de disciplina textual constitucional tão intensa.

O processo de reconhecimento de um direito à saúde concomitante a um prestígio consolidado ao princípio da igualdade não foi instantâneo e nem simples. Pode-se dizer que a identificação da consolidação dos frutos de duas lutas paralelas – a do direito à igualdade e a do direito à saúde – decorreu de longas conquistas. Outrossim, a conjugação desses frutos de tais lutas na percepção de se ter conquistado o direito a saúde por todos, de forma igualitária, somente é possível por meio do Estado de Direito, com a segurança e objetividade necessárias a garantir a qualquer cidadão o acesso aos serviços de prestação positiva.

A dificuldade de inserção do direito à saúde como direito social pode ser vista como harmônica ao difícil e paulatino processo de reconhecimento dos próprios direitos individuais. Ademais, os confrontos advindos desse processo são identificados em revoluções e revoltas não tão longínquas na história, as quais nada mais são que externalidades da dicotomia entre uma concepção privatista dos direitos e a socialização deles, com os custos que lhe são inerentes e que acabam por serem impostos às classes mais economicamente favorecidas.

No que se refere à origem do processo de reconhecimento do direito social à saúde, Holmes e Sustein (2019, p. 160) esclarecem que, ao contrário do que muitos pensam, sua embrionária institucionalização não se deu por questões humanitárias:

Uma documentação abundante comprova que a assistência social pública se originou por motivo de prudência e não por razões morais ou humanitárias. Os programas modernos de saneamento e saúde pública foram criados em cidades grandes porque os ricos, embora pudessem pagar os médicos mais caros do mundo, não conseguiam se proteger das doenças contagiosas que devastavam a população pobre. Do mesmo modo, a assistência médica oferecida aos empregados atende às necessidades dos empregadores. A disponibilidade de emprego e de meios para a aquisição da casa própria reduz os níveis de instabilidade social e crimes violentos. A proteção ao consumidor pode fazer aumentar a demanda de produtos de consumo.

Tais registros evidenciam que, se o reconhecimento do direito à saúde ocorre hoje também por questões humanitárias, tal se dá por razões consequenciais, e não causais. Outrossim, esse processo de reconhecimento do direito, inclusive com sua positivação, evidencia a importância da norma jurídica positivada como garantia de sua prestação, ainda que seu reconhecimento tenha surgido de interesses das classes mais ricas. Desse modo, deve-se reconhecer como grande elemento de conquista esse longo processo de institucionalização do direito à saúde, agora em patamar constitucional.

O contexto econômico da época próxima anterior à da promulgação da Carta de 1988 era distinto, e o Estado não assumia de forma tão ampla, à mingua de uma legislação expressa, a responsabilidade pela efetivação de uma gama tão extensa qualitativa e quantitativamente de direitos sociais que pudessem ser assegurados pela via da institucionalização de políticas públicas.

É importante que se faça uma análise lúcida para a porção inovadora e ampliativa da Constituição Federal de ١٩٨٨, cientes de que ela, dedicando-se a vários direitos sociais pouco contemplados no texto anterior, demandou um período seguinte de necessidade de dimensionamento, desenho e regulamentação das políticas públicas de execução e, com isso, disseminação de discussões jurídicas a respeito da natureza dos direitos nela encartados de forma expressa, com as nuances de execução, financiamento e critérios de acesso. Evidentemente, acompanharam e ainda se mostram presentes nessas discussões, a análise do custo social ao ser dimensionada cada nuance da política pública de prestação de serviços em torno dos direitos sociais, dentre eles do direito à saúde.

Passados pouco mais de 30 anos da promulgação do texto, aponta-se para a dificuldade (ainda atual) de implementação de diversos direitos por meio da busca de uma política pública ideal e equilibrada entre as necessidades sociais e as capacidades do Estado.

A primeira dificuldade é de ordem quantitativa e decorre da grande gama de previsões de direitos positivados no texto constitucional, os quais demandaram uma atuação do legislador na regulamentação em busca da compatibilização da previsão do direito com o princípio da legalidade que vincula a Administração. Nesse tocante, é importante lembrar que os direitos sociais são positivos, na medida em que dependem de medidas de execução pelo Estado4, seja por medidas promotoras do exercício do direito ou de medidas protetivas, a fim de que se proteja e respeite seu livre exercício.

Em segundo lugar, concomitantemente ou mesmo após disciplinada a forma de atuação do Estado frente ao exercício de novos direitos pelo cidadão, seja pela atuação com medidas promotoras ou protetivas, verificam-se as ações relacionadas às dificuldades de ordem qualitativa, as quais têm como ponto crucial e desafiador o relacionado à busca de dimensionamento de tais medidas frente à escassez de recursos do Estado. E como guia inexorável da busca desse dimensionamento, lembremos que, “independente de os direitos serem invioláveis, obrigatórios e de possuírem um valor simbólico inestimátvel, não há como escapar de duas realidades: 1ª) direitos custam dinheiro; 2ª) nada que custe dinheiro é absoluto.” (LEITÃO, 2020, p. 30).

A atual especialização das discussões sobre o direito à saúde e das demandas sociais em torno dele traz à tona a necessidade de que a atuação do Estado em sua execução seja didaticamente enquadrada no bojo dos serviços públicos comuns. Como tal, a atuação estatal é externalizada em atos administrativos controláveis e, por isso, com critérios legais para fixação dos limites das políticas públicas de saúde apontadas de forma clara na motivação das decisões que externam tais atos.

Portanto, propõe-se uma reflexão sobre a análise de custo social como elemento presente desde o próprio reconhecimento do direito à saúde na Constituição Federal vigente até às decisões judiciais sobre a matéria. Utiliza-se uma abordagem crítica, com fundamento em análise de decisões judiciais e na atuação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no Sistema único de Saúde (SUS), tratando-se de pesquisa documental e bibliográfica. No primeiro tópico do desenvolvimento, faz-se uma explanação da determinação constitucional de organização dos serviços de saúde pública em um sistema único organizado, chamando atenção para o fato de ter a Constituição Federal adotado o mecanismo da descentralização das ações na forma da lei, bem como a lei regulamentadora procedido à divisão de atribuições em serviços de saúde entre os entes da federação, embora reunidos em cooperação técnica. Em seguida, o ensaio destaca os critérios metodológicos determinados pela lei regulamentadora na inclusão de tecnologias a serem oferecidas à população, dentre eles o que abrange a análise do custo social de inclusão delas na política pública de saúde. Por fim, tece considerações quanto à necessidade de observância de tais critérios na análise judicial das demandas de saúde.

1 A política de saúde pública na constituição federal, sua regulamentação infraconstitucional e a divisão de atribuições entre os entes da federação como forma de otimização da análise do custo social e da aplicação dos recursos públicos

Ao tratar do direito à saúde, o texto constitucional prevê, no art. 196 (BRASIL, 1988), sua prestação por meio de políticas sociais e econômicas direcionadas: (a) à redução do risco de doença e outros agravos; e (b) ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde destinados à promoção, proteção e recuperação.

É expresso no texto constitucional que o exercício do direito à saúde se dá pelo acesso a políticas públicas. Embora essa ideia seja clara, assim como acolhida na jurisprudência pátria, ainda é conflituosa a análise de seu significado na órbita da discussão quanto à razoabilidade ou não das políticas implementadas, pois condições ou restrições regulamentares da prestação do serviço público respectivo são comumente utilizadas para acusação de negativa de acesso a ele.

A complexidade das relações entre o indivíduo e o Estado têm a cada dia elucidado anseios e limites que fazem surgir a discussão sobre a necessidade de implementar novas políticas ou não, inclusive no campo da saúde.5 Tanto no que se refere a procedimentos quanto a medicamentos fornecidos no âmbito da saúde pública, o desenho constitucional permite concluir que sua dimensão está a depender de previsão legal de inclusão no sistema organizado e estruturado que o Estado precisa ter para cumprir com eficiência a competência de que é incumbido.

Nessa determinação constitucional de que o sistema de prestação dos serviços públicos de saúde esteja organizado em um sistema único, deve ser reconhecida a análise, pelo legislador, também do custo de oportunidade, na medida em que a sistematização dos serviços permite uma maior eficiência na aplicação dos recursos através da divisão de competências entre os entes federativos.

O art. 196 (BRASIL, 1988) traz clara previsão de que o acesso à saúde pública se dá através da política pública criada para tal fim e a eficácia do dispositivo tem dimensão ditada na razoabilidade da política, eis que ela não pode impor restrições que impliquem excludentes do acesso à busca da promoção da saúde. É na busca dessa dimensão e, do lado reverso, do que pode implicar exclusão de acesso, que reside o grande desafio de estruturação e delimitação do sistema de saúde.

Por sua vez, o art. 198, inciso I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), expressa a diretriz constitucional da descentralização das ações públicas de saúde, o que, ao lado do art. 30, inciso VII, da mesma carta (que estabeleceu aos municípios a atribuição de atendimento da população quanto aos serviços de saúde), autorizou a disciplina infralegal voltada à promoção da descentralização dos serviços a partir dos municípios.

A lei geral que organiza a estruturação do SUS é a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990). Em razão da extensão do sistema público, obviamente ditado pela extensão territorial e populacional brasileiras, assim como em razão da dinamicidade necessária para que a prestação seja razoável e eficiente frente à velocidade das necessidades em saúde e dos avanços tecnológicos, o disciplinamento infralegal específico sobre os fluxos de atuação, entidades, procedimentos, fármacos e diversos outros equipamentos ocorre, também, através de intensa atuação regulatória do Ministério da Saúde.

Embora componham o sistema de saúde os três níveis de entes da federação e tenha a jurisprudência concluído que a dicção do art. 196 encarta uma solidariedade entre eles, a Lei n. 8.080/90, cumprindo a determinação constitucional de descentralização das ações, traz competências definidas para atuação das três esferas de entes. Determina a lei que a regulamentação da organização dos serviços seja feita de forma a evitar a duplicidade de meios para fins idênticos, conforme expressa determinação do art. 7º, em evidente cumprimento ao princípio da eficiência e da economicidade na aplicação de recursos públicos.

Não se olvide que, em termos de oferta do serviço específico à população, deve ele ser compatível coma as demandas, as quais são monitoradas pelos dados epidemiológicos colhidos. Porém, a determinação de que se evite a sobreposição de serviços tem nítida relação com a análise do custo social dos serviços em saúde, pois a promoção da especialização e atualização deles com utilização dos recursos públicos de estruturação, treinamento e capacitação se dá de forma muito melhor aproveitada pelo mecanismo da divisão de atribuições.

Quanto à divisão de competências entre os entes, no que se refere à execução das ações de saúde, a Lei n. 8.080 estabelece as seguintes obrigações: (a) União: promover a descentralização dos serviços de saúde para os âmbitos estadual e municipal; (b) Estado: promover a descentralização dos serviços de saúde para os municípios, prestando auxílio técnico a eles, bem como exercê-los em caráter supletivo; (c) municípios: executar os serviços de saúde.

Apesar de ser substancial a direção de municipalização dos serviços de saúde, em razão da diversidade de condições dos municípios brasileiros pode-se observar uma grande desigualdade de níveis de pactuação de serviços de saúde entre os Estados e municípios, havendo aqueles que possuem pactuados níveis diferentes de gestão em saúde6. O nível mais simplificado de gestão em saúde é o de Atenção Básica à Saúde, que é executado pelo Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), seguido dos sofisticados níveis de Assistência de Média e de Alta Complexidade.

Santos (2014) lembra que as competências atribuídas a cada ente federativo no que diz respeito à prestação de serviços de saúde refletem a complexidade de aludidos serviços, bem como o nível socioeconômico, demográfico e geográfico, devendo os entes públicos, em conjunto com a sociedade, definir diretrizes que guiem a escolha das terapias oferecidas.

A dificuldade de implantação do programa e de avanço dos municípios aos níveis mais avançados de gestão em saúde decorre primordialmente dos desafios relacionados aos recursos humanos necessários, financiamento e, principalmente, capacidade de gestão, que em muitos municípios se mostra insuficiente. Dos 5.861 municípios brasileiros, 89,82%, em 2002, já haviam implementado atendimento à atenção básica pela implantação do PSF ou PACS (CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE - CONASS, 2003), tendo esse percentual atual já atingido a totalidade dos municípios, os quais variam na atenção básica apenas no atendimento em relação aos programas de execução setorizada implementados pelo Ministério da Saúde.

Quanto à política de fornecimento de medicamentos pelo sistema público de saúde, a Lei n. 8.080/90 prevê que ela está inserida no âmbito da assistência terapêutica integral, a qual engloba a assistência farmacêutica, e estabelece duas formas de dispensação do medicamentos no âmbito do sistema único: (a) pela via do protocolo de tratamento a um agravo à saúde (PDCT) em que o medicamento é inserido em uma das fases de sua realização (e para tanto se exige que o paciente esteja inserido no protocolo), ou, quando não inserido em PDCT, (b) quando o medicamento está inserido na lista nacional de medicamentos (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais - RENAME7) ou ainda, em caráter suplementar, na listagem estadual ou municipal pactuada supletivamente pelo estado ou município.

Conforme se pode extrair do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 581.488 (BRASIL, 2015a)8, há quem defenda, com base no argumento da universalidade, o direito ao acesso ao medicamento prescrito por médico particular sem que tenha o paciente se submetido à análise clínica de profissional credenciado ao SUS e nem que esteja a prescrição inserida no protocolo de diretrizes clínicas para tratamento da doença (PDCT) desenhado pelo Ministério da Saúde.

Tal restrição de acesso aos fármacos de fornecimento pactuado no SUS pode parecer restritiva quanto ao acesso à política de saúde. Porém, considerando que a prescrição de fármacos é relacionada aos estágios dos agravos em saúde e às fases e tratamentos dispensados anteriormente a cada uma delas, a medida pode ser considerada pertinente à eficiência da política pública e à economicidade na aplicação de recursos, já que impede a utilização de fármacos custeados pelo poder público em fases inapropriadas para ação química dos medicamentos no tratamento da doença. Tal medida também deve ser relacionada à análise de custo que se faz na aplicação dos recursos públicos em saúde, tendo em vista que assegura a dispensação do fármaco adquirido com recursos públicos na busca da promoção da saúde segundo as fases dos protocolos estudados e fixados pelo Ministério da Saúde.

2 Os critérios metodológicos de incorporação de novas tecnologias em medicamentos no âmbito do SUS

A participação dos entes na prestação da saúde pública se dá, de regra, fundo a fundo, por repasses orçamentários. Em razão da necessidade de ajuste de repasses e a previsão de efetiva prestação que implicará em direito subjetivo do cidadão frente ao ente responsável pela sua execução, as inclusões de procedimentos e medicamentos custeados pelo SUS se dá por decisão das Comissões Interdisciplinares Tripartite – CIT (formada por representantes da União, Estados e Municípios) – e Comissões Interdisciplinares Bipartite – CIB (formadas por representantes de Estados e Municípios), conforme a Lei n. 8.080/90.

As decisões sobre as inclusões de medicamentos na RENAME ocorrem com apoio técnico da CONITEC do SUS, criada pela Lei n. 12.401/2011 (BRASIL, 2011a)9. Tais decisões são tomadas, no âmbito das comissões acima, de forma consensual entre os componentes, e não por votação, e são precedidas de procedimento de análise técnica pela viabilidade de inclusão ou não das novas tecnologias.

A Lei n. 8.080, quando trata da análise de inclusão de medicamentos na RENAME, expressamente estabelece que ela deve ser realizada com base em 4 critérios10: eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade. Tais critérios são analisados pelo corpo técnico do CONITEC, que deve levar em consideração:

(a) as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento11; e

(b) avaliação econômica dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas.

O procedimento de inclusão de novas tecnologias em fármacos pode ser iniciado por qualquer pessoa do povo, órgãos do próprio SUS ou pessoas jurídicas diversas e deve ser direcionado à CONITEC instruído com documentação mínima, incluindo a comprovação de registro do fármaco na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O pedido administrativo de inclusão de nova tecnologia é submetido a uma avaliação preliminar pelo corpo técnico da CONITEC da qual resulta um parecer preliminar e, em seguida, a demanda é enviada à fase de audiência pública (seja desfavorável ou não o parecer preliminar). Após a audiência preliminar é feita a análise técnica final e emitido o parecer respectivo, o qual é discutido em reuniões pelos membros da CONITEC12. No caso de o parecer final ser favorável à inclusão do fármaco na RENAME, ele é submetido à CIB ou CIT para discussão, a quem compete13 a decisão final pela inclusão ou não do fármaco na RENAME (no caso de decisão da CIT). O procedimento tem previsão de duração máxima de cento e oitenta dias.

A participação da sociedade no procedimento de análise se dá, também, pela prática de escuta ativa de pacientes, nas audiências públicas e demais fases decisórias sobre incorporação de novas tecnologias, a fim de que sejam melhor compreendidas as experiências dos pacientes diante da falta de medicamentos ou de medicamentos pactuados que vêm se mostrando ineficientes no tratamento de doenças (COLABORANDO COM A SAÚDE, 2019).

Considere-se, pois, o desenho desse fluxo para a análise técnica realizada para elaboração do parecer final da CONITEC, mais especificamente dos critérios que a orientam.

Apesar da previsão de que a pactuação pela inclusão do novo fármaco depende de consenso dentre uma das comissões bipartite ou tripartite, conclui-se que, diante da emissão de um parecer favorável pelo CONITEC, a depender dos critérios adotados para sua conclusão, pode ser ele fortemente influenciador da caracterização da falta de razoabilidade da decisão que eventualmente seja pela não inclusão do novo fármaco na lista de medicamentos do SUS.

Nesse sentido, merece registro a referência pela jurisprudência14 da importância de conhecimento da motivação do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento no âmbito da saúde pública, a fim de que assim se possa melhor delinear a demanda posta ao Poder Judiciário em que se pleiteia o fornecimento do fármaco. Afinal de contas, trata-se de ato administrativo relacionado à política pública de saúde, ao qual se aplicam todos os elementos relacionados ao clássico controle judicial dos atos administrativos, dentre os quais o da existência da motivação da decisão administrativa.

Os critérios de análise técnica utilizados pela CONITEC, classificam-se em: (i) critério técnico relacionado à eficácia e à segurança do fármaco (viabilidade farmacêutica e médica); (ii) critério econômico (viabilidade financeira).

Em relação aos aspectos farmacêuticos e médicos do fármaco, sua análise se pauta, basicamente, na eficácia e na segurança do medicamento, levando em consideração as doenças a serem tratadas. Assim, estudam-se os critérios de produção, a segurança e os testes realizados para conclusão quanto à sua eficácia.

No que se refere à análise do critério econômico para inclusão de novas tecnologias na política pública de saúde, existe um número considerável de metodologias de análise econômica em saúde. Dentre elas, merece destaque a análise do tipo custo-efetividade, adotada pelo Brasil nos termos da Lei n. 8.080/90.

As análises econômicas existentes dividem-se, inicialmente, em parciais e completas. As completas são aquelas que englobam uma comparação entre custos e desfechos (soluções) em saúde em relação a pelo menos duas alternativas concorrentes. Dentre as análises econômicas completas em saúde, há as seguintes subespécies: custo-minimização, custo-efetividade, custo-utilidade e custo-benefício (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014), as quais têm as seguintes características:

Quadro 1 – Critérios de análise econômica em saúde

Tipo de Análise

Medida de Custos

Medida de Desfecho

Medida de Resultado

Custo-Minimização

Vl. Monetário

Equivalência de desfechos para as intervenções comparadas

Apenas comparação de custos

(C1-C2)

Custo-Efetividade

Vl. Monetário

Medida Clínica (Q; anos de sobrevida, infartos evitados etc.)

R$/Medida de desfecho ganha

(C1-C2/Q1-Q2)

Custo-Utilidade

Vl. Monetário

Anos de vida ajustados para qualidade (QALY)

R$/QALY ganho

C1-C2/Q1/Q2

Custo-Benefício

Vl. Monetário

Convertida para valor monetário

R$ líquido

(B total – Q total), sendo o resultado valor negativo ou positivo

Fonte: Ministério da Saúde (2014).

Nas Diretrizes Metodológicas de Avaliação Econômica em Saúde do Ministério da Saúde (2014) encontram-se referências a outro critério de análise que consiste em combinação, em uma análise econômica completa, de custos intangíveis, como o dor e o sofrimento, mas de uso complexo em razão da necessidade de a análise precisar de parâmetros monetários para manifestação comparativa. Como tais custos são dificilmente quantificáveis, o critério acaba tendo pouca utilização no mundo.

O mesmo documento citado considera ideal a análise de custo-benefício por permitir a avaliação entre intervenções em áreas diversas como, por exemplo, entre uma medida na área de saúde e outra na área de segurança pública, embora reconheça a dificuldade de implementação pois, além do fato de nenhum critério ser isento, há também a necessidade de mensurar os eventos saúde, longevidade e qualidade de vida necessários para sua aferição.

A Lei n. 8.080/90 prevê expressamente, em seu art. 19-Q, que se deve adotar na análise econômica de adoção de novos fármacos o critério de custo-efetividade, o qual apresenta custo por medida de desfechos da prática clínica analisada, tais como anos de sobrevida ou eventos evitados com a adoção do fármaco analisado. Tal metodologia é amplamente utilizada no mundo em razão de permitir ser aferida com base em dados clínico-epidemiológicos.

Não há como dissociar do processo de delimitação da política de saúde pública o custo social, tanto sob o enfoque econômico quanto financeiro. Com efeito, é impossível pensar a política sem que se tenham em mente a escassez e a finitude de recursos.

É certo que, diante das limitações econômico-financeiras implementadas no dimensionamento da política de saúde pública, ganha relevo a discussão em torno da escassez, a qual pode ser utilizada como defesa pelo Estado quando argumenta acerca da impossibilidade de custear todas as pretensões relacionadas à prestação de saúde pública. Porém, o critério econômico de análise determinado por lei é objetivo e insere elementos (as reduções de agravos) que vão além da métrica fria, pelo que não é apenas a orientação financeira que deve ditar a razoabilidade da política em saúde.

Também no que se refere à política de saúde, é importante que se reconheça a necessidade de buscar objetividade na atuação estatal da instância decisória de incorporações de novas tecnologias, ainda que se considere imprescindível uma evolução permanente de fórmulas e balizamentos por meio da inserção de elementos interdisciplinares em seu teor. Tal fato não obnubila a necessidade de que tais critérios sejam claramente fixados, aplicados e externalizados em nome da segurança jurídica, da precisa análise de custos no dimensionamento da política de saúde pública e do planejamento de sua execução.15

3 O perfil das discussões jurídicas sobre o direito à concessão de medicamentos no âmbito do SUS

3.1 Os motivos de busca da tutela jurisdicional em matéria de saúde

Em 2019, foi publicado o relatório resultante da pesquisa realizada no âmbito do Programa Justiça Pesquisa, do Conselho Nacional de Justiça (2019a), executado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa. O estudo consolidou dados acerca da judicialização da saúde no Brasil como fruto da realização de pesquisa em três campos: (a) direta por amostragem de estados, cada um de uma região do País, escolhidos dentre aqueles representativos do perfil de cada uma delas; (b) coleta de dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) enviados pelos tribunais; e (c) consolidação dos números obtidos nos relatórios anuais do Programa Justiça em Números de 2008 a 2017. Segundo o referido relatório, em 10 anos, houve aumento de 130% no número de demandas da saúde em tramitação (ativos) na 1ª. instância judicial.

Considerando o número total de ações judiciais relativas à saúde pública, as demandas sobre fornecimento de medicamentos são as mais recorrentes16. Dentre elas, várias podem ser as causas de pedir, havendo locais em que se demanda mais buscando a prestação de políticas já incluídas no SUS e outras tendo por pedido prestações não pactuadas, sendo o interesse processual justificado basicamente em uma das seguintes causas:

1) medicamentos já pactuados para custeio pelo SUS para o agravo de que o interessado ou representado é portador:

a) atraso na resposta ao pedido de fornecimento do medicamento/realização do procedimento;

b) indeferimento do pedido de fornecimento/realização do procedimento (exemplos das causas específicas: i. prescrição por médico particular ou com indicação apenas do nome comercial; ii. falta de inscrição em programa de prevenção e acompanhamento para o agravo de saúde; iii. falta de aquisição/conclusão processo licitatório para aquisição do insumo; iv. atribuição de responsabilidade de execução da política a ente diverso).

2) medicamentos não contemplados no SUS ou contemplados para doenças/deficiências específicas diversas do agravo de que o interessado é portador:

a) atraso na resposta ao pedido de fornecimento do medicamento/realização do procedimento;

b) indeferimento ao pedido de fornecimento/realização do procedimento (i. por inexistência total de pactuação; ii. pactuação para doença/deficiência diversa).

Dentre os pedidos fundados nas causas do item 1 (prestação de medicamentos já custeados pelo SUS), observa-se que o motivo de não fornecimento comumente se baseia em falhas omissivas ou comissivas na gestão da política pública. Em razão disso, inclusive, seria despicienda a invocação da solidariedade entre os entes, já que a responsabilidade pelo fornecimento do fármaco se encontra prevista na regulamentação da política pública e já pactuada com o ente responsável por ela (União, estado ou município).

3.2 A divisão legal de competências entre os entes para a prestação da política de saúde e a solidariedade proclamada pela jurisprudência

A divisão legal das competências dos entes quanto às políticas de saúde poderia implicar numa discussão quanto a ela imprimir ou não uma divergência de sua premissa em relação à previsão de solidariedade entre eles na obrigação da prestação da política.

Apesar de permanecer inalterada a previsão legal de divisão de competências entre os entes, conforme Lei n. 8.080/90, o entendimento pela obrigação solidária persiste na jurisprudência firmada no âmbito do STF17, assim como o da inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre os entes nas ações judiciais, cabendo ao autor do processo escolher em relação a quem deve direcionar sua demanda judicial.

Porém, quando se trata de lide no tema da saúde pública já delineada e levada ao Poder Judiciário, a realidade demonstra que o abandono da situação fática pautada na divisão de competências feita pela Lei n. 8.080/90 leva a uma restrição casuística da utilidade do argumento da solidariedade e da inexistência de litisconsórcio passivo necessário no processo judicial.

A prática demonstra que a solidariedade e a opção pelo réu acabam por servir apenas para a escolha do foro de ajuizamento da ação, se o federal ou estadual, a depender ou não da inclusão da União no polo passivo. Essa liberdade, além de possibilitar a indesejada escolha do foro competente, enseja a pulverização de órgãos jurisdicionais decidindo sobre a mesma matéria, dificultando ainda mais a formação de precedentes e a detecção da coisa julgada ou litispendência, já que os sistemas processuais eletrônicos nacionais ainda não se encontram unificados.

Sob a perspectiva relacionada ao efeito da decisão judicial, essa pulverização pode implicar em um adiamento da compreensão do ente legalmente competente pela política pública quanto à necessidade de aperfeiçoamento dela, já que não é ele necessariamente o destinatário da decisão judicial e, portanto, sequer tem a oportunidade de verificar as condições de internalização da prestação buscada judicialmente nos fluxos permanentes de atendimento à população em geral.

Dessa forma, a disseminação de determinações judiciais a entes diversos, tratando da mesma prestação em saúde pública, pode atuar de forma contrária à diretriz de otimização de aplicação dos recursos públicos relacionada à análise de custos e à eficiência dos serviços de saúde.

Quanto ao proveito da previsão da solidariedade no cumprimento da decisão judicial, a existência de dois ou três réus no polo passivo, com a ideia de que todos têm a mesma competência e atribuição de cumprimento de eventual ordem judicial, pode muitas vezes prejudicar a busca da solução célere.

Ademais, como já mencionado, a Lei n. 8.080/90, em seu art. 7º, inciso XIII, prevê como um dos princípios do SUS “a organização de serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.” (BRASIL, 1990). Esse princípio ganha maior relevo quando conjugado aos princípios da legalidade e da eficiência dos atos da Administração Pública e da economicidade na aplicação de recursos públicos.18

Em relação a esse tema, a análise dos órgãos do Poder Judiciário, inclusive por meio da jurisprudência pátria, conduzem à necessidade de reflexão sobre um possível (in)eficácia de cumprimento da tutela jurisdicional no âmbito da execução em virtude da solidariedade irrestrita.

O Conselho Nacional de Justiça mantém em caráter permanente o Fórum da Saúde, que engloba medidas de acompanhamento das demandas de saúde e tem dentre suas ações a realização das Jornadas de Direito da Saúde com representantes de instituições diversas, os quais compõem uma comissão científica apta a propor e votar enunciados. Na III Jornada de Saúde19, foi aprovado o Enunciado n. 60, que proclama que a “responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme a regras administrativas de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019b).

A questão também mereceu especial atenção do STF, que fixou o tema em repercussão geral n. 793 (BRASIL, 2015b), no sentido de que os

entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.20

Desse modo, percebe-se uma louvável evolução do entendimento a respeito da solidariedade no sentido de serem observadas as competências delineadas na Lei n. 8.080/90. Isso possibilitará a um só tempo: (i) maior domínio sobre as atribuições de cada um dos entes no Sistema Único de Saúde; (ii) celeridade no cumprimento das medidas judiciais – que serão direcionadas ao ente detentor do aparato de logística de execução da política; iii) maior capacidade de o serviço público se adaptar aos entendimentos firmados pelo Poder Judiciário.

Em 19 de março de 2021, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.307.921-PR (BRASIL, 2021), pelo STF, houve novo avanço na análise judicial da solidariedade dos entes públicos na execução da política de saúde pública no âmbito do sistema único. O entendimento revelou novamente que a Corte tem direcionado sua atenção à especificidade de atuação dos entes na organização do cumprimento da política pública, embora ainda haja espaço para aperfeiçoamento dessa visão. No referido julgamento, o Tribunal concluiu que, nas demandas com pedido de fornecimento de prestação de saúde não incluídas no âmbito do SUS, a União deve figurar como litisconsorte passivo necessário. Esse entendimento tem esteio na previsão legal de que, sendo a União responsável pelo repasse fundo a fundo dos valores destinados às prestações de saúde, deve ela estar presente no polo passivo do feito.

Percebe-se então que a ideia de solidariedade novamente foi alterada pelo STF, em postura que rende cada vez maior consideração ao delineamento de competências específicas e reais de atuação dos entes no extremo prático da prestação de saúde. Afinal, se a previsão é de que, em nome de uma maior eficiência, deva ocorrer direcionamento de responsabilidade de cumprimento a um ente específico, e se o pedido implicar em novo item na política pública, a União precisa figurar no polo passivo, conclui-se que a solidariedade vem sendo cada vez mais escamoteada em prol de uma maior agilidade, organização institucional e paridade entre os comandos judiciais e a organização do sistema de saúde.

O cenário atual de avanço da jurisprudência do STF no sentido da flexibilização do entendimento sobre a solidariedade dos entes na prestação dos serviços de saúde pode ser assim sintetizado: (a) quando se trata de pedido por prestação já inserida no âmbito da política pública, solidariedade irrestrita (todos ou qualquer dos entes), podendo haver direcionamento de cumprimento da medida judicial; (b) se o pedido versar sobre prestações não incluídas na política pública, a União deve compor o polo passivo do feito (em litisconsórcio ou isoladamente), podendo haver direcionamento do cumprimento da medida.

Desse modo, seja nos casos de demandas em que se postula o fornecimento de prestação já prevista na política pública ou não, há ainda uma grande margem para o ajuizamento de demandas em mais de um foro e em relação a mais de um ente. Isso revela a abertura que o entendimento judicial em prol de uma solidariedade desapegada (ainda que parcialmente) à divisão legal de competências executórias da política de saúde pode dar à repetição de demandas e à ineficiência na aplicação de recursos públicos, inclusive no que se refere à necessidade de adaptação da estrutura de defesa judicial das procuradorias à realidade que não é própria do ente.

Se, por exemplo, uma política relativa à assistência básica em saúde (já pactuada e de competência do município) é direcionada ao estado, e a medida judicial é concedida com fundamento na solidariedade, isso significa que o estado deverá, para cumprir a decisão, aparelhar-se em torno de uma logística de prestação de assistência básica própria do ente municipal, pelo que deverá empreender esforço humano e financeiro para adequar-se à nova prestação em relação a qual outro ente já está organizado em sua estrutura.

É certo que há demandas em torno de prestações já previstas que revelam uma omissão estatal no cumprimento voluntário delas em razão de ineficiência de gestão ou orçamentária do ente legalmente responsável. Essa hipótese pode ensejar o socorro pelo direcionamento a ente diverso ainda que apenas através do aporte financeiro ao custeio suplementar da prestação. Porém, a hipótese é excepcional e justificaria o entendimento pela solidariedade apenas na fase de cumprimento, e não de forma inversa como vem sendo aplicada atualmente, ou seja, já no momento do ajuizamento da ação.

De todo modo, a evolução capitaneada pelo Tema 793 do STF demonstra a necessidade de prosseguir amadurecendo sobre a efetividade do processo judicial mediante a incorporação da ideia de divisão de competência dos entes públicos já desde a fase de conhecimento.

3.3 A divisão legal de competências e a consideração judicial das capacidades institucionais em política de saúde pública: uma necessidade de visão pragmática

Tratou-se da existência de critérios legais de balizamento da decisão sobre a inclusão ou não de fármacos na lista de fornecimento do SUS, bem como da existência de órgão competente para essa análise e procedimento específico. Ainda, citou-se o enquadramento do ato decisório de inclusão ou não inclusão como ato administrativo e, portanto, da necessidade de motivação da conclusão administrativa.

Há ainda que se ressaltar a necessidade urgente de qualificação da informação ao usuário e aos diversos atores que atuam no trato do direito à saúde quanto aos regramentos administrativos e motivação dos atos de apreciação aos pedidos de fornecimento de fármacos.

Embora a decisão relativa ao pedido de prestação de saúde seja nitidamente inserida no gênero de atos administrativos, os quais têm vinculação ao princípio da motivação das decisões, ainda existe uma falta de transparência quanto à obrigatoriedade dos entes decidirem expressa e motivadamente em relação a elas, propiciando a especializada vinculação de decisões à análise e ao controle judicial.

Sistematizando estratégias para redução da judicialização da saúde com maior foco no Poder Executivo, Vieira (2020, p. 42) cita, dentre elas:

iii) aprimoramento da juridicidade das políticas, com explicitação das responsabilidades, pelo Executivo e Legislativo; iv) regulamentação de protocolos de atendimento aos usuários do sistema de saúde pelo Executivo e Legislativo; e v) disseminação das listas do SUS e de seu caráter vinculante aos juízes pelo Executivo e Judiciário.

O que tem nítida relação com a necessidade de reconhecimento de que, para que a previsão constitucional de promoção do direito à saúde seja devidamente cumprida por meio da disposição legal regulamentar, urge que as particularidades da atuação do Estado na sua execução sejam claras, objetivas e publicizadas, assim como também devem ser as decisões em torno das pretensões formuladas pelos indivíduos.

Por sua vez, para que a atuação jurisdicional em torno do pedido de prestação à saúde seja qualificada, a pretensão judicial deve vir acompanhada do motivo do impedimento ao acesso à política pública e da demonstração da necessidade emergencial. Nesse sentido, já pacificou o STF que:

Consoante precedente do Supremo tribunal Federal nos autos da STA n. 175, há que ser considerada a motivação para a não promoção de determinada ação de saúde pelo SUS, pois há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender inexistirem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.21

Sustein e Vermeule (2003), no artigo Interpretation and Institutions, advertiram sobre a necessidade de reflexão em torno de considerações institucionais e efeitos dinâmicos das decisões como estruturantes de uma teoria das capacidades institucionais.

Como ponto de partida de orientação metodológica, essa teoria se coloca diante da pergunta sobre qual deve ser a atuação questionadora do interprete quando da interpretação das normas jurídicas. Para os autores, deve-se partir da análise da razoabilidade de interpretações concretas e não da busca inicial de uma interpretação ideal; em outras palavras, ao invés de tentar se guiar por interpretação ideal da norma, o intérprete deve empreender uma interpretação realista, pautada nas capacidades reais das instituições e nos efeitos concretos das sínteses que o processo de interpretação permite.

Ao estabelecer a importância do conhecimento quanto a uma específica capacidade institucional para a conclusão quanto a uma interpretação razoável e admissível, a qual engloba os poderes de atuação e a realidade fática que encerra o campo de concretude de decisões institucionais, a teoria das capacidades institucionais inexoravelmente desperta para a necessidade de a realidade se colocar à disposição do decisor. E, para perceber onde estão as informações necessárias a permitir uma válida atuação da teoria, é mister que se busque o lugar prático de sua inserção no cenário interpretativo dos elementos estruturantes.

Na senda crítica, a pretensão de Suntein e Vermeule (2003) é que as teorias interpretativas desloquem o norte interpretativo da pergunta “qual seria a interpretação ideal” para a pergunta sobre “qual teria sido a interpretação razoável e realista conferida pela instituição”. Evidentemente, a modificação da premissa investigativa promoverá alterações significativas no plano consequencial. Com efeito, em vez de julgar se a interpretação visou à solução ideal, assim considerada abstratamente, analisa-se a correção de atuação à luz da realidade.

De outro giro, embora o conceito de capacidade institucional envolva a análise de competências, elementos, condições e habilidades sobre a atuação material de instituições que têm lugar de investigação inclusive no âmbito administrativo22, os autores ressaltam a atuação do poder judiciário, ao criticarem a busca pela interpretação ideal sobre a controvérsia como parâmetro de checagem da correção da conduta vergastada, e não da razoabilidade (ou não) da interpretação conferida por aquela, diante de seus desafios a análises consequenciais próprios, inclusive os fatores impulsionados por sua postura político-institucional.

Nesse sentido, o art. 22 da Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro (LINDB) (BRASIL, 1942)23 tem nítida relação com a provocação da teoria das capacidades institucionais. Estabelece o dispositivo a necessidade de que sejam consideradas as interpretações realizadas pelas instituições de gestão, e que elas sejam avaliadas segundo seus desafios, realidades e percepção de que na atuação como gestor há dimensões diversas da manifestação política estatal consentâneas com o princípio democrático. O dispositivo é um exemplo de orientação interpretativa com base na teoria das capacidades institucionais como critério interpretativo qualificador das decisões que digam respeito ao desempenho de instituições, estando aí compreendidas as atuações no âmbito de saúde pública.

Portanto, para sua aplicação no âmbito judicial, operacionalização da teoria deve ocorrer com base elementos trazidos ao processo que sejam capazes de demonstrar a capacidade concreta de atuação da instituição, incluída aí a consideração dos fatores internos que podem importar em ocorrência de falha na tomada de decisões e comportamentos operacionais da instituição.

Referidos âmbitos demonstram que uma atuação judicial inclinada a considerações institucionais expõe que ela não se refere apenas a uma deferência cega a condutas de instituições submetidas ao controle judicial, mas um alerta à necessidade de chegar a um considerável grau de interação com dados empíricos considerados na atuação concreta da instituição.

Apenas com uma rica base de incidência da teoria sobre elementos angariados pelas manifestações das partes em contraditório, o órgão julgador inclusive poderá seguramente delimitar o nível de sindicância sobre os critérios técnicos de avaliação das atuações institucionais e definir se há nelas aspectos sujeitos às presunções ou criticáveis com grau de semelhança técnica por meio das provas admitidas em direito. Mas sem uma atuação das partes na construção do saber relacionado à efetiva posição institucional, perde-se oportunidade de uma produtiva atuação da teoria das capacidades institucionais.

Considerações das atuações institucionais na interpretação normativa não devem ser vistas apenas como fruto de uma inclinação interpretativa opcional. Sua obrigatoriedade deve ser vista como resultante de todo um processo prévio de transformação da linguagem que trouxe influência à hermenêutica na toada de que os sentidos da norma são plúrimos e resultantes de considerações empíricas que em conjunto devem construir a decisão judicial.

Por tal razão, os elementos relacionados à realidade da atuação dos entes na prestação de saúde devem ser considerados em primeiro plano na compreensão da razoabilidade e capacidade de atuação deles, inclusive no que se refere à condição de assunção de prestações em nome da solidariedade.

3.4 As demandas segundo o motivo do ato administrativo de indeferimento de fornecimento de fármaco não fornecido pelo SUS

No que se refere às demandas que trazem pretensão de fornecimento de fármacos não pactuados para fornecimento pelo SUS, quando se trata de pedido previamente formulado na via administrativa e indeferido pelo Poder Executivo, as causas de pedir quase uniformemente informam a falta de inclusão do fármaco na lista de medicamentos custeados pela saúde pública (seja na RENAME ou nas listas suplementares estadual ou municipal). Em adição a esse dado, podem as partes revelar ter havido prévia decisão da CONITEC pela não incorporação do fármaco em razão do não atendimento a um ou mais critérios metodológicos citados acima. Podem existir, ainda, pedidos de análise incorporação formulados ao CONITEC já protocolados e ainda não apreciados.

Conforme já salientado, o pedido de análise inclusão de nova tecnologia no custeio público apresentado pelo CONITEC é acessível a todas as pessoas, físicas ou jurídicas24. Quando se trata de indeferimento administrativo diante de manifestação da CONITEC no âmbito do procedimento administrativo de análise ao pedido de incorporação no sentido do fármaco não obedecer aos critérios relacionados à falta de evidência de segurança, eficácia e efetividade, a análise judicial de revisão deve se pautar em critérios técnicos médicos, comumente socorrendo-se de perícia judicial e estudos científicos referentes à atuação do fármaco no agravo à saúde relacionado à pretensão judicial, centrando-se no motivo que levou à decisão de não incorporação.

As decisões finais da CONITEC – denominadas recomendações - lastreiam-se em relatórios submetidos à análise das comissões nas reuniões de análise. A decisão de incorporação ou não, adotada após análise do relatório, é divulgada em portarias publicadas no Diário Oficial da União, passando a súmula da decisão a fazer parte do relatório divulgado pela referida comissão. Dos referidos relatórios25, percebe-se a existência de evidências científicas quanto à segurança e à eficácia do fármaco servem como critério inicial para a decisão acerca da incorporação. De outro lado, a ausência de estudos científicos isoladamente pode determinar a pronta decisão da CONITEC e das comissões no sentido da não incorporação dele.

Quando existe a manifestação prévia do CONITEC, em que se pode verificar a pontuação da conclusão pela ausência de eficácia ou segurança do fármaco, a investigação pericial judicial é abreviada, podendo o órgão julgador concentrar suas atenções especificamente no fator que conduziu aquele órgão à sua conclusão e na decisão judicial sobre o acerto ou não dela.

Porém, na análise de incorporação pela comissão, não é incomum haver casos de fármacos com poucos registros de eficácia. Essa escassez de registros pode decorrer de fatores diversos, de ordem quantitativa (p. ex.: o fato de ser pequeno grupo de portadores do agravo e, assim, insuficiente para que possa ter possibilitados testes randomizados) ou qualitativa (p. ex.: eficácia desuniforme nos pacientes analisados nos testes ou com pequena dimensão nos desfechos quanto aos sintomas do agravo). Nesses casos, desde que observado o critério da segurança, a análise da comissão pode avançar, mesmo diante de poucos (embora incontestes) registros, para a análise do critério econômico (custo-efetividade), que é realizada de forma não isolada, mas sim conjugada com aqueles. Nesse processo, propicia-se à instância decisória a avaliação da possibilidade de eventual compensação da escassa demonstração de eficiência do fármaco com o reduzido custo de implementação ou, não sendo tão reduzido em termos orçamentários, na economia obtida com a potencial redução de atendimentos pelo SUS diante de sintomas que poderiam levar o paciente a precisar de atendimento.

Além de tais hipóteses, há os casos de análise de medicamentos de alto custo26, em que a análise do critério do custo-eficiência ganha impacto inconteste. Por lógico, comumente as doenças que demandam tratamento por medicamentos de alto custo sem similares na listagem pactuada no SUS acometem pequenos grupos de pessoas, e em razão disso, os estudos randomizados se mostram muitas vezes dificultosos e lentos. Por isso, os registros quanto à eficácia dos medicamentos por vezes são deficitários, impondo uma criticável competição, na análise de incorporação, entre a demonstração de eficácia e a análise de custo-eficiência, fazendo com que este prepondere sobre aquele.

Porém, justamente pelo fato de ser um critério legal e ostentar impacto primordial no alcance do sistema público de saúde, a atenção ao critério do custo-eficiência determinado pela Lei n. 8.080/90 não pode ser minimizado. Exatamente por isso, são primordiais a publicização e a incorporação dos mecanismos de análise adotados pelo Poder Executivo nas decisões de incorporação de fármacos, como forma de externalização e abertura à consideração dos aspectos pragmáticos da capacidade institucional do ente na política de saúde.

É prudente atentar para o fato de que, em grande parte dos pedidos de concessão judicial de medicamentos não pactuados, a negativa de fornecimento ocorre apenas pelo gestor da política pública de fornecimento (segundo as competências da Lei n. ٨.٠٨٠/٩٠), e ela se baseia na ausência genérica de pactuação (o que não se confunde com a expressa negativa de pactuação), sem que para tanto tenha havido necessariamente um pedido prévio de análise específica pelo CONITEC quanto à incorporação. Isso faz com que ao Poder Judiciário seja atribuída a obrigação de análise de todos os critérios de incorporação na estreita via da prova pericial, pois comumente ela é realizada pela atuação de um perito único, enquanto a CONITEC analisa a inclusão de novas tecnologias com base em análise técnica de 13 membros técnicos e diversificados.

Ainda que se trate de pedido judicial individual, imprescindível que a decisão pondere o custo social decorrente da universalidade do sistema. Se o sistema é único e o fornecimento de fármaco se dá pela via da respectiva inclusão em lista de pactuação entre os entes, é salutar que a análise dos pedidos individuais leve em consideração o efeito multiplicador da demanda e a oportunidade de inclusão definitiva do fármaco nas listas de pactuação, ainda que por conciliatória internalização do entendimento judicial na atuação extrajudicial da prestação da política pública de saúde.

Outrossim, mesmo quando há análise administrativa pelo CONITEC, quando se trata de fármaco que cumpre o requisito da segurança, seria necessária uma parametrização clara dos graus mínimos de eficácia clínica que autorizam o avanço da análise de incorporação para a análise de custo-eficiência, bem como em qual grau poderia este compensar a deficiência dos registros daquele critério.

Nesse processo, é inevitável reconhecer que ainda é primária a análise judicial que se faz quanto às decisões de não incorporação de fármacos dentre aqueles que devem ser custeados pelo Poder Público, mesmo quando já há atuação do CONITEC. Se as análises médico-científicas forem objetivas e claras (e assim permitirem um controle simplificado), não se poderá dizer o mesmo da análise do critério de custo-eficiência e de impacto orçamentário das incorporações, em razão da falta de clareza no dimensionamento da influência dele quando se trata de fármaco com algum registro de grau de eficiência e considerável segurança.

Os achados nos relatórios da CONITEC indicam uma análise qualificada, ampla e dinâmica27 dos pedidos de incorporação. Porém, é imprescindível que o trabalho da comissão de incorporação continue se desenvolvendo e propiciando que sua externalidade através da motivação das decisões administrativas atinja, na elucidação da análise econômica de tais pedidos, critérios técnicos assim como aqueles de ordem médica e farmacológica que de forma tão criteriosa constam de seus relatórios. A indicação sobre a existência ou não de alternativa terapêutica tão eficiente e mais barata deve também constar da análise, sendo decorrente do princípio da proporcionalidade (ALMEIDA, 2020).

Uma possível solução para os casos de negativa de fornecimento sem análise prévia do CONITEC seria a exigência do pedido administrativo prévio ao ajuizamento da ação coletiva ou da individual com perfil repetitivo (quando não se tratar de caso emergencial), a fim de propiciar a efetiva atuação institucional pelo órgão capacitado originariamente para a análise técnica de incorporação, pois apenas através da atuação administrativa o poder judiciário tem acesso aos dados empíricos relacionados ao mérito da pretensão. Essa medida se adequa aos princípios da eficiência e da economicidade e evita a atuação do poder judiciário em questões técnicas não relacionadas a controvérsias delimitadas que demandam a atuação em forma de controle que lhe é própria.

Apenas diante da análise específica dos critérios de inclusão de novas tecnologias no SUS pode-se promover a qualificada análise judicial nas demandas saúde, inclusive no que se refere à atenção ao inegável custo social relacionado a elas e às considerações sobre capacidades institucionais.

Considerações finais

O direito à saúde é um direito social e já se encontra inserido em política pública em constante aperfeiçoamento, sendo imprescindível que se reconheça o órgão responsável por sua prestação e que sejam a ação omissiva ou comissiva administrativa relacionadas a ela reconhecidas como ato administrativo passível de análise judicial.

Porém, é imprescindível que se rememore a necessidade de que seja delimitada a discussão judicial em torno do ato administrativo.

Para tanto, os critérios de análise administrativa da decisão de incorporação ou não de um medicamento na relação de medicamentos custeados pelo poder público não podem se desprender dos critérios que determinam sua motivação e, como tal, estão expressamente elencados na Lei n. 8.080/90 como eficácia, eficiência, segurança e custo-eficiência.

Como política pública de atribuição positiva do Estado, a decisão acerca do não fornecimento de fármaco pela ausência de sua incorporação na listagem de medicamentos custeados pelos cofres públicos deve apresentar motivação expressa, de acordo com as análises técnicas necessárias à checagem de cumprimento dos requisitos legais, bem como permitir a compreensão pelo destinatário da decisão a fim de possibilitar sua criteriosa análise diante da necessidade de controle pelo poder judiciário inclusive no que se refere às capacidades institucionais dos entes legitimados à prestação de saúde.

Se os critérios da eficiência, eficácia e segurança podem ser aferidos pelas pesquisas médico-científicas, é mister que sejam parametrizados e objetivados os elementos de análise econômica e financeira do impacto da incorporação, sob pena de subjetivar a análise de revisão judicial do ato administrativo e arriscar nas decisões que possam oscilar entre a desconsideração ou falta de controle do critério econômico necessário à implementação da política de saúde pública.

Assim, é necessário explicitar tanto os argumentos científicos que levaram à conclusão sobre a incorporação ou não do fármaco ou da tecnologia examinada, como também do juízo sobre o balanço custo-eficiência de sua incorporação, indicando, por exemplo, se há outras alternativas disponíveis mais baratas e igualmente eficazes já incorporadas.

A partir da introdução de tais critérios, revela-se nova faceta da judicialização da saúde, não apenas pelo reconhecimento de maior flexibilização da solidariedade entre os entes federados – ante a necessidade de presença da União na lide – como pela delimitação dos argumentos que devem ser examinados pelo julgador, envolvendo tanto aspectos científicos como de custo e economicidade, colaborando, inclusive, para definição sobre os limites da capacidade institucional do Judiciário para apreciá-los.

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PEREIRA, Adriano José; MARIN, Solange. Lei da escassez e comportamento econômico: uma leitura institucional. Revista Econômica, v. 18, p. 2, dez. 2016. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwjTvsaRjfbtAhUAGbkGHTZlCq8QFjACegQIBBAC&url=https%3A%2F%2Fperiodicos.uff.br%2Frevistaeconomica%2Farticle%2Fdownload%2F35006%2F20260&usg=AOvVaw2RIj-tn5L7EiVKJtI63a5F. Acesso em: 11 nov. 2021.

SANTOS, Lenir. A judicialização da saúde e a incompreensão do SUS. Judicialização da saúde no Brasil. Campinas: Saberes Editora, 2014. p. 125-160.

SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions. Michigan Law Review, Chicago, v. 101, n. 4, p. 885-951, 2003.

VIEIRA, Fabíola S. Texto Para Discussão 2547 - Direito à Saúde no Brasil: seus contornos, judicialização e a necessidade da macrojustiça. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2020. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9714. Acesso em 11 nov. 2021.


1 Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Avenida Washington Soares, 1321, Sala E1, CEP 60811-905, Fortaleza-CE. http://orcid.org/0000-0003-0972-354X. E-mail: eduardorochadias@unifor.

2 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Christus (Unichristus). Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Avenida Washington Soares, 1321, Sala E1, CEP 60811-905, Fortaleza-CE. https://orcid.org/0000-0001-9681-943X. E-mail: andrestudart@hotmail.com.

3 Juíza Federal. Praça Murilo Borges, n. 1, 10º Andar, CEP 60.035-210, Fortaleza-CE. http://orcid.org/0000-0002-6813-1782. E-mail: niliane.meira.lima@gmail.com.

4 Aqui, faz-se referência à dicotomia analisada por Holmes e Sunstein (2019, p. 35-36), os quais apontam a utilidade na indicação de que, quando se trata de direitos positivos, estão abrangidos aí aqueles se são exercidos por meio de prestação do Estado em favor do indivíduo: “Os direitos negativos excluem e afastam o Estado; os positivos o incluem e o exigem. Para que existam os primeiros, as autoridades públicas devem se abster de agir; para que existam os segundos, devem intervir ativamente. Os direitos negativos, em regra, protegem a liberdade; os positivos promovem a igualdade. Os primeiros protegem a esfera privada, ao passo que os segundos redistribuem os dólares dos contribuintes. Os primeiros são privativos ou obstrutivos, ao passo que os segundos são caritativos e contributivos. Se os direitos negativos nos protegem do Estado, os positivos nos concedem serviços do Estado.”

5 A complexidade de relações que trazem aspectos correspondentes no direito à saúde e que eventualmente elucidam a omissão do Estado na disciplina de políticas públicas em saúde pode ser exemplificada no quadro fático objeto do julgamento ocorrido nos autos do Recurso Extraordinário n. 684.612 (BRASIL, 2011b), objeto do Tema 698 do STF (“Limites do Poder Judiciário para determinar obrigações de fazer ao Estado, consistentes na realização de concursos públicos, contratação de servidores e execução de obras que atendam o direito social da saúde, ao qual a Constituição da República garante especial proteção.”), em que se discute, mesmo existindo a política pública específica, se o número de servidores alocados na execução é suficiente e se o Poder Judiciário poderia determinar a realização de concurso público para aumento do número de servidores para atendimento daquela política institucionalizada.

6 A Portaria/GM/MS 373 de 27 de fevereiro de 2002 regula os critérios de acesso dos municípios aos níveis de gestão em saúde.

7 A Política Nacional de Medicamentos foi inicialmente aprovada pela Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001), a qual passou a prever a relação de medicamentos essenciais – RENAME. O Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, regulamenta a formação da RENAME e das listagens estaduais e municipais de medicamentos.

8 No julgamento do Recurso Extraordinário n. 581.488, em 03 de dezembro de 2015, o STF adotou relevante entendimento no sentido de dar maior eficiência aos fluxos de atendimento do Sistema Único de Saúde, quando proclamou que é válida a portaria que condiciona a triagem prévia por médico do SUS para deferimento de internamento no âmbito do sistema, em julgamento com a seguinte ementa: “Direito Constitucional e Administrativo. Ação civil pública. Acesso de paciente à internação pelo sistema único de saúde (SUS) coma possibilidade de melhoria do tipo de acomodação recebida e de atendimento por médico de sua confiança mediante o pagamento da diferença entre os valores correspondentes. Inconstitucionalidade. Validade de portaria que exige triagem prévia para a internação pelo sistema público de saúde. Alcance da norma do art. 196 da Constituição Federal. Recurso extraordinário a que se nega provimento. 1. É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a internação em acomodações superiores, bem como o atendimento diferenciado por médico do próprio Sistema Único de Saúde (SUS) ou por conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores correspondentes. 2. O procedimento da “diferença de classes”, tal qual o atendimento médico diferenciado, quando praticados no âmbito da rede pública, não apenas subverte a lógica que rege o sistema de seguridade social brasileiro, como também afronta o acesso equânime e universal às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, violando, ainda, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Inteligência dos arts. 1º, inciso III; 5º, inciso I; e 196 da Constituição Federal. 3. Não fere o direito à saúde, tampouco a autonomia profissional do médico, o normativo que veda, no âmbito do SUS, a assistência diferenciada mediante pagamento ou que impõe a necessidade de triagem dos pacientes em postos de saúde previamente à internação. 4. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”

9 Antes da criação da CONITEC, a inclusão de novas tecnologias no SUS era realizada pela Comissão de Incorporação de Tecnologias (CITEC).

10 Lei n. 8.080/90, art. 19-Q.

11 Acolheu a lei brasileira, conforme Dias e Silva Júnior (2016), a abordagem denominada de medicina baseada em evidências.

12 A pauta das reuniões da CONITEC pode ser encontrada em www.conitec.gov.br, assim como o vídeo de gravação das reuniões já ocorridas, assim como o conteúdo de cada uma delas acompanhado da indicação do teor do parecer preliminar e do parecer conclusivo.

13 O art. 14-A da Lei n. 8.080/90 traz a expressa declaração de que as CITs e as CIBs são reconhecidas como os foros competentes para negociação e pactuação entre gestores.

14 No julgamento do Recurso Extraordinário n. 657.718/MG (BRASIL, 2019a), o STF já firmou o entendimento de que decisão judicial não pode deferir o fornecimento de medicamento sem registro na ANVISA, ressalvada: (a) a ocorrência de mora excessiva da agência no cumprimento dos prazos previstos na Lei n. ١٣.٤١١/٢٠٠٦ (٩٠ a ٣٦٥ dias, prorrogáveis até ١/٣ do prazo original; e (b) o caso dos medicamentos denominados “órfãos’, indicados para doenças raras (conforme critérios de enquadramento da Resolução de Diretoria Colegiada da ANVISA n. ٢٠٥/٢٠١٧), que em razão da falta de viabilidade econômica não são submetidos a registro pelos fabricantes. Mesmo assim, caso haja indicação para mesma doença de outra opção de fármaco considerada “satisfatória” para o tratamento, não poderá ser deferida a medida pelo Poder Judiciário. Em todos os casos, o fármaco buscado deve ter registro em agências reguladoras estrangeiras. A decisão evidencia importante diretriz jurisprudencial também no que se refere à necessidade de inserção da prestação do fármaco na análise do Poder Executivo, de forma prévia à via judicial.

15 Fazendo alusão à definição de instituições (como podem ser classificadas as regras da política pública de saúde) de Douglas North, Adriano José Pereira e Solange Marin (2016, p. 2) sintetizam que “A ‘lei da escassez’ é corroborada pela necessidade do uso de instituições mais eficientes, supostamente aquelas que levariam aos melhores resultados; as instituições menos eficientes acabariam sendo substituídas (reformadas ou abandonadas). Se os recursos são escassos e as necessidades ilimitadas, utilizar instituições eficientes e adotar um comportamento oportunista passaria a ser considerada a melhor estratégia, corroborando as ações oportunistas adotadas pelos indivíduos. Por sua vez, a redução das possibilidades de ações oportunistas, fato que reduz a incerteza, seria uma das formas de verificar a eficiência das instituições vigentes.”

16 “Do total de acórdãos publicados por tribunais de justiça no período de 2008 a 2017 e classificados como de judicialização de saúde, (164.587), 69% tinham os medicamentos por objeto.” (VIEIRA, 2020, p. 28).

17 Recurso Extraordinário n. 855.178 (Leading Case para o Tema 793) (BRASIL, 2015b): a tese firmada em 23.05.2019 já era adotada pelo STF há alguns anos, embora tenha avançado no julgamento desse representativo pela inclusão, na análise da Corte, de elementos nitidamente relacionados ao desenho normativo da política de saúde, e não apenas à abstração do conceito de direito e acesso à saúde.

18 Arts. 37 e 70 da Constituição Federal de 1988.

19 A III Jornada da Saúde foi realizada nos dias 18 e 19 de março de 2019 em São Paulo-SP.

20 A Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013, é um importante instrumento de divisão das competências entre os entes quanto ao Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, pois traz nominal divisão entre os entes das competências de financiamento e/ou aquisição dos fármacos segundo divisão deles em 3 grupos. A depender do fármaco buscado na ação judicial, pode-se pleitear o direcionamento da obrigação de fornecimento ao ente respectivo, aproveitando o conhecimento especializado segundo a divisão legal de competência e o fato de que a existência da competência de aquisição e/ou fornecimento necessariamente implica na existência da farmácia de dispensação com conhecimento para operar o fluxo e periodicidade de entrega do medicamento ao usuário.

21 Decisão proferida pelo STF nos autos da Suspensão de Liminar n. 1019 (terceiro agravo regimental na suspensão de liminar), Plenário do STF, em 03/10/2019 (BRASIL, 2019b).

22 A utilização de análise dos elementos da capacidade institucional pode incidir como elemento interpretativo desde muito antes de um litígio e mesmo que ele nunca exista. No estado mais puro do texto normativo prescritivo, pode o intérprete vir ser chamado a interpreta-lo cogitando consequências de sua incidência, como, por exemplo, ao planejar atuação para evitar incidência de sanções administrativas.

23 Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.  (Regulamento). § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.  (Incluído pela Lei n. 13.655, de 2018) § ٢º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.  (Incluído pela Lei n. ١٣.٦٥٥, de ٢٠١٨) § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei n. 13.655, de 2018).

24 Desde o ano de criação do CONITEC, foram concluídos procedimentos com a decisão de inclusão ou não inclusão em diversos procedimentos, além das decisões de revisão de pactuação e exclusão da lista do SUS de vários medicamentos, bem como aprovação de protocolos e diretrizes de tratamentos de agravos específicos à saúde. Quanto às inclusões e não inclusões de novos insumos, tem-se os seguintes números: 2012: 15 inclusões e 10 não inclusões; 2013: 24 inclusões e 27 não inclusões; 2014: 26 inclusões e 15 não inclusões; 2015: 22 inclusões + uma ampliação de uso e 15 não inclusões + 1 não ampliação de uso; 2016: 13 inclusões + 3 ampliações de uso + 13 não inclusões; 2017: 26 inclusões + 3 ampliações de uso e 7 não inclusões; 2018: 34 inclusões + 4 ampliações de uso e 32 não inclusões; 2019: 28 inclusões + 3 ampliações de uso e 19 não inclusões; e 2020: 23 inclusões + 10 ampliações de uso e 19 não inclusões.

25 Os relatórios, com a respectiva decisão da comissão e portaria de divulgação, podem ser encontrados no site da CONITEC, no link: http://conitec.gov.br/decisoes-sobre-incorporacoes.

26 Encontra-se em votação do Tema de Repercussão Geral n. 6, do STF, o qual analisa a existência de obrigação do estado a custear medicamento de alto custo diante de hipossuficiência do paciente. O caso está em tempo de vista ao Ministro Gilmar Mendes, mas dos votos dos 3 Ministros que já se manifestaram consta o entendimento pela necessidade de comprovação de hipossuficiência da família do paciente (dentre outros requisitos), sendo que dois deles já se manifestaram pela condição, ainda, de que não tenha havido manifestação expressa do órgão de incorporação no sentido da negativa de inclusão na lista de medicamentos pactuados, evidenciando inegável prestígio às manifestações técnicas do Ministério da Saúde.

27 Quanto a esse aspecto, é importante registrar que o procedimento é marcado pelo dinamismo do diálogo entre os atores envolvidos nos pleitos de incorporação de novas tecnologias analisados pela CONITEC. Quando é verificado o cumprimento do critério da segurança e são registrados achados de eficiência do fármaco, mas a análise de custo-efetividade demonstra baixo rendimento com alto impacto orçamentário, durante o mesmo procedimento os fabricantes podem apresentar revisões de custo como forma de buscar minimizar tal impacto e propiciar a incorporação e, em outros casos, a incorporação estar condicionada à oferta com preço revisado e em limite fixado pela comissão.