https://doi.org/10.18593/ejjl.28605

A CONTROVERSA RELAÇÃO ENTRE AS RESOLUÇÕES DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS EM MATÉRIA DE CONGELAMENTO DE ATIVOS FINANCEIROS DE INDIVÍDUOS ENVOLVIDOS COM TERRORISMO E A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

THE CONTROVERSIAL RELATIONSHIP BETWEEN THE UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL RESOLUTIONS ON THE FREEZING OF FINANCIAL ASSETS OF INDIVIDUALS INVOLVED WITH TERRORISM AND THE BRAZILIAN CONSTITUTIONAL ORDER

Alana Sonego Tartarotti1

Leonardo de Camargo Subtil2

Resumo: Após os ataques terroristas de setembro de 2001, o Conselho de Segurança das Nações Unidas determinou o imediato congelamento de ativos financeiros de indivíduos que tivessem praticado ou que, de alguma forma, estivessem ligados a atos de terrorismo, nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Em cumprimento às Resoluções expedidas pelo Conselho de Segurança, o Estado brasileiro encontra-se em posição delicada no sentido de cumprir, ao mesmo tempo, com as obrigações jurídicas impostas pelo Conselho de Segurança perante o Direito Internacional – no imediato congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo – e em dar efetividade ao devido processo legal no Brasil. A partir do método analítico-normativo e da técnica de pesquisa exploratório-bibliográfica, foi delimitado o seguinte problema de pesquisa: Em face da controvérsia jurídica aparente estabelecida entre a Constituição Federal brasileira e as Resoluções do Conselho de Segurança em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo, de que maneira o Brasil deverá posicionar-se juridicamente diante de tal problemática, considerando tanto as obrigações jurídicas assumidas constitucional quanto internacionalmente? Concluiu-se que o Estado brasileiro deve posicionar-se no sentido de cumprir imediatamente as obrigações internacionais decorrentes da Carta das Nações Unidas – materializadas nas Resoluções do Conselho de Segurança, expedidas sob o Capítulo VII da referida Carta, e nacionalmente impostas pela Lei nº 13.810/2019.

Palavras-chave: Terrorismo; Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas; Congelamento de ativos financeiros de indivíduos; Devido processo legal; Ordem constitucional brasileira.

Abstract: After the September 2001 terrorist attacks, the United Nations Security Council determined the immediate freezing of financial assets of individuals who had committed or were linked to acts of terrorism, according to Chapter VII of the United Nations Charter. In compliance with Security Council’s Resolutions, the Brazilian State finds itself in a delicate position to comply simultaneously with the legal obligations imposed by the Security Council under International Law – in the immediate freezing of assets of individuals involved in terrorism – and in giving effect to due process of law in Brazil. From the analytical-normative method and the exploratory-bibliographic research technique, the following research problem was outlined: Given the apparent legal controversy established between the Brazilian Federal Constitution and the Security Council Resolutions on the freezing of financial assets of individuals involved with terrorism, how should Brazil legally position itself on such controversy, considering both the legal obligations assumed constitutionally and internationally? It was argued that the Brazilian State must fulfill international obligations imposed on the United Nations Charter – materialized in Security Council Resolutions issued under Chapter VII of the Charter, and nationally imposed by Law No. 13.810/2019.

Keywords: Terrorism; United Nations Security Council Resolutions; Freezing of individuals’; financial assets; Due process of law; Brazilian constitutional order.

Recebido em 31 de agosto de 2021

Avaliado em 04 de março de 2022 (AVALIADOR A)

Avaliado em 21 de maio de 2022 (AVALIADOR B)

Aceito em 30 de maio de 2022

Introdução

Após os ataques terroristas de setembro de 2001, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)3 expediu Resoluções que impunham aos seus Estados-Membros o imediato congelamento de ativos financeiros de indivíduos que tivessem praticado ou que, de alguma forma, estivessem ligados a atos de terrorismo. Essas Resoluções expedidas são obrigatórias aos Estados-Membros, nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU, uma vez que tratam de paz e segurança internacionais.

Em cumprimento à Resolução expedida pelo CSNU, o Estado Brasileiro encontra-se em posição delicada no sentido de cumprir, ao mesmo tempo, com as obrigações jurídicas impostas pelo CSNU perante o Direito Internacional – no imediato congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo – e em dar efetividade ao devido processo legal no Brasil, envolvendo as determinações na matéria. Supõe-se o cenário em que um brasileiro nato ou naturalizado, ou mesmo estrangeiro com ativos financeiros no Brasil, esteja supostamente envolvido com terrorismo – presente na lista emitida pelo CSNU – e seja a ele imposta sanção administrativa de congelamento de ativos financeiros pela autoridade brasileira competente.

Diante dessa situação e considerando, de um lado, o dispositivo constitucional do artigo 5º, inciso LIV, segundo o qual ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal e, de outro, a Resolução do CSNU para o imediato congelamento dos bens de indivíduos nos Estados-Membros da ONU, problematiza-se cientificamente: Em face da controvérsia jurídica aparente estabelecida entre a Constituição Federal brasileira e as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo, de que maneira o Brasil deverá posicionar-se juridicamente diante de tal problemática, considerando tanto as obrigações jurídicas assumidas constitucional quanto internacionalmente?

Convém salientar que o tema objeto desse estudo revela-se substancial do ponto de vista acadêmico, tendo em vista que permite melhor conhecer a relação entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional, sobretudo no tocante às Resoluções do CSNU baseadas no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Outrossim, figura-se como socialmente relevante, pois engloba a proteção dos indivíduos em um contexto globalizado e multiconectado de relações privadas internacionais.

Por fim, no que toca ao método de pesquisa, adotou-se o método analítico-normativo, privilegiando uma análise pormenorizada e analítica de categorias jurídicas atreladas ao Direito Internacional e ao Direito Constitucional, e um exame concreto dos fenômenos normativos aplicados a situações particulares e reais da vida internacional, que atingem o Estado brasileiro. Em relação à técnica de pesquisa, esta será pautada pelo tipo exploratório e descritivo, por meio da exploração de sítios eletrônicos, da doutrina e da jurisprudência nacional e internacional.

De modo que esta contribuição científica analisará as relações entre a Constituição Federal Brasileira de 1988 e as Resoluções do CSNU em torno do imediato e controverso congelamento de ativos financeiros de indivíduos, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, problematizadas particularmente na realidade factual e normativa brasileira.

1 As Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo

Neste item inicial desta contribuição científica, serão analisadas a estrutura institucional da Organização das Nações Unidas (ONU)4, inclusos os seus Órgão decisórios principais, bem como as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo na sociedade internacional.

A crescente atuação das Organizações Internacionais vem sendo um dos fatores marcantes na evolução do Direito Internacional. Dentre elas, destaca-se a ONU, em razão da plenitude de sua esfera de ação (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 09-10). A ONU possui uma vocação universal no que tange à realização de seus propósitos, visto que na competência da ONU estão incluídas as questões mais importantes das relações internacionais, sobretudo, em relação à manutenção da paz e segurança internacionais (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 09-10).

Primeiramente, em relação à história institucional da ONU, salienta-se que as Organizações Internacionais são resultado de uma lenta evolução das relações internacionais, cuja origem pode ser encontrada no início do Século XIX (CRAWFORD, 2012, p. 166). No momento em que as relações bilaterais assentadas na existência de relações diplomáticas ou missões se mostraram insuficientes para lidar com situações mais complexas, decorrentes de problemas que atingiam não apenas dois, mas muitos Estados, uma solução era necessária para representar – no mesmo foro – os interesses comuns de todos os Estados (DAILLIER; FORTEAU; PELLET, 2009, p. 79).

Dessa maneira, a Carta da ONU exprime o anseio de paz, atribuindo um teor ético à futura organização (LAFER, 1995, p. 2). Assim, os problemas fundamentais do tempo são os problemas dos direitos do homem e o problema da paz, tendo em vista que a sobrevivência depende da solução do problema da paz e a solução do problema dos direitos do homem (BOBBIO, 2009, p. 111).

O ambiente de ruptura internacional pode ser verificado por meio do pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a vitória dos Aliados (Grã-Bretanha, Estados Unidos da América (EUA), França, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e República Popular da China) sobre os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) (SUBTIL, 2011, p. 66-67). Assim, os Aliados conquistam o pré-domínio sobre o mundo (SUBTIL, 2011, p. 66-67).

A conquista internacional dos Aliados na guerra de todos contra todos, estabelecida no pós Segunda Guerra Mundial, fundou uma ordem de dominação e de submissão internacional (SUBTIL, 2011, p. 67). No sistema político-mundial, a conquista progressiva dos Aliados permite observar, historicamente, o processo de idealização e de criação da ONU5 na Declaração do Palácio de Saint-James (1941), na Carta do Atlântico (1941) e nas Conferências de Washington (1942), Moscou (1943), Teerã (1943), Dumbarton Oaks (1944), Yalta (1945) e São Francisco (1945) (SUBTIL, 2011, p. 69-70).

Pode-se dizer que a catástrofe da Segunda Guerra Mundial foi determinante para que os Direitos Humanos passassem a receber, no sistema internacional, o direito novo criado pela Carta da ONU (LAFER, 1995, p. 2). Os Estados consolidaram a ideia de que os regimes democráticos apoiados nos Direitos Humanos eram mais propícios à manutenção da paz e da segurança internacionais (LAFER, 1995, p. 4). O Brasil, inclusive, foi um dos membros fundadores da ONU (GARCIA, 2011, p. 294).

A ONU, marco jurídico da construção de uma nova comunidade internacional, mostrou-se vocacionada à manutenção da paz e da segurança internacionais, por meio da adoção coletiva de medidas efetivas para evitar ameaças à paz, ou a sua ruptura, cercear atos de agressão, buscar a solução pacífica de controvérsias (GARCIA, 2011, p. 291). Além disso, estimular a cooperação internacional à solução dos problemas econômicos, sociais, culturais e humanitários e às liberdades fundamentais (AMORIM, 2015, p. 42).

A Carta das Nações Unidas anuncia, em um primeiro momento, a necessidade de “salvar as futuras gerações do flagelo da guerra que por duas vezes no curso desta geração trouxe inenarráveis aflições à humanidade”, afirmando também “a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade nos direitos dos homens e das mulheres e das nações grandes e pequenas.” (BOBBIO, 2009, p. 112).

A instauração de uma nova ordem mundial, delineada institucionalmente, ocorre por meio da fundação da ONU, e, consequentemente, do CSNU, Órgão máximo da instituição com poder decisório em matéria de paz e de segurança internacionais (SUBTIL, 2011, p. 71). O Capítulo VII foi originalmente pensado como uma ferramenta de imposição militar à disposição do CSNU a fim de reunir forças em caso de agressão (GARCIA, 2011, p. 293).

Na perspectiva institucional, a ONU compreende dois Órgãos principais, um deles geral e desprovido de poder real, a Assembleia Geral, em que todos Estados estarão representados de forma igual; o outro é restrito em sua composição, o CSNU, lugar em que as grandes potências vencedoras da guerra serão representadas permanentemente (SEITENFUS, 2008, p. 129).

Nessa sistemática, porém, havia o risco para as grandes potências de se sujeitarem a acatar iniciativas coletivas para a manutenção da paz, mesmo contra a sua vontade expressa, no caso de as decisões serem tomadas de acordo com qualquer cálculo majoritário ou proporcional, no âmbito do Órgão restrito (GARCIA, 2011, p. 293). Assim, pensou-se em diferenciar os países membros do Conselho em permanentes e temporários, a fim de que as potências pudessem controlar o rumo das decisões (SEITENFUS, 2008, p. 129). É criado, assim, o denominado poder de veto, direito de veto ou também chamado de “regra de unanimidades das grandes potências” (SEITENFUS, 2008, p. 129).

A segurança apresenta-se como o primeiro e principal propósito da nova organização (SEITENFUS, 2008, p. 132). O conceito de segurança coletiva pretende dissuadir qualquer Estado de utilizar a agressão, visto que todos se comprometem a reagir de forma coletiva em caso de ameaças à paz ou à segurança de qualquer Estado (HERZ; HOFFMANN, 2004, p. 21). Por essa razão, foi elaborado o Capítulo VII, com base na possibilidade de existirem ações preventivas por parte das Nações Unidas (SEITENFUS, 2008, p. 132). Logo, a ONU não pretendia agir somente de modo a restaurar a paz, mas de tomar medidas que impeçam a sua ruptura (SEITENFUS, 2008, p. 132).

São previstos, ainda, como propósitos fundamentais das Nações do globo, a promoção e a estimulação do respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, conforme artigo 1, parágrafo 3º, da Carta (DALLARI, 2003, p. 05).

Em relação às Resoluções do CSNU, em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos, pós ataques de 11 de setembro de 2001, algumas considerações merecem ser feitas tanto em relação ao CSNU quanto às Resoluções expedidas na matéria.

Buscando manter a segurança instituída pela dominação política da sociedade internacional, o CSNU detém o monopólio da produção normativa no que tange à paz e à segurança mundiais, por meio da outorga da ONU (SUBTIL, 2011, p. 115). Além disso, salienta-se que o sistema regional de segurança deve ser executado apenas pelos Estados, em sua dimensão individual, tendo como critério unificador e controlador o tratado multilateral da Carta das Nações Unidas, executado por meio do CSNU (SUBTIL, 2011, p. 69-70).

É necessário salientar que um dos propósitos da ONU é promover e estimular o respeito aos direitos humanos e das liberdades fundamentais, e que os Órgãos da ONU e os Estados-Membros são compelidos a agirem conforme esse propósito, conforme artigo ١º da Carta da ONU (ONU, 1945).

A tragédia humana ocorrida em 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque, Pennsylvania e Washington, e o atentado de 11 de março de 2004, em Madri, condenado veemente pelo governo brasileiro em nota oficial à época, definindo-o como “ato bárbaro”, em virtude da violação de princípios mínimos de respeito aos direitos humanos e de “convivência civilizada” (CASTRO, 2007, p. 227). Esses foram novos reflexos da assimetria e do caráter anárquico das relações internacionais, que fizeram o sistema internacional movimentar-se no sentido de um esforço global de forma a não permitir ou, pelo menos, dificultar a ação desses grupos (AGUILAR, 2011, p.12).

As medidas posteriormente apresentadas são apenas alguns exemplos do envolvimento de uma série de Organizações, Estados e governos, de maneira unilateral, bilateral ou coletiva, no intuito de levar os envolvidos com terrorismo aos tribunais, bem como diminuir a possibilidade de ação desses grupos e, caso ocorram, diminuir os efeitos dos atentados (AGUILAR, 2011, p.12). No Direito Internacional, é indubitável que são legítimas as medidas coercitivas decididas ou recomendadas pelos Órgãos competentes das Organizações Internacionais (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 551).

As Resoluções do CSNU acarretam impactos diretos nas relações internacionais pós 11 de setembro, na prática diplomática multilateral e no próprio regime da segurança coletiva (CASTRO, 2007, p. 90). Tal temática revela-se pouco estudada com grau de profundidade entre os cientistas políticos e internacionalistas brasileiros (CASTRO, 2007, p. 90).

No entanto, o cumprimento das Resoluções pelo Estados divide opiniões. Para alguns Estados, o cumprimento destas deveria se dar em harmonia aos padrões internacionalmente reconhecidos como de proteção aos Direitos Humanos, embora posição minoritária (DE CARLI, 2013, p. 106-107). Ainda tem gerado questionamentos em relação à compatibilidade com as normas internacionais de proteção de Direitos Humanos, sobretudo, aquelas relacionadas ao devido processo legal, à ampla defesa ao contraditório e ao acesso à justiça (DE CARLI, 2013, p. 106-107).

As Resoluções do CSNU constituem fontes de Direito Internacional (SUBTIL, 2011, p. 129). Empregam uma norma geral de Direito Internacional – consuetudinário ou convencional – a uma situação concreta, criando, assim, uma norma individual de Direito Internacional (SUBTIL, 2011, p. 129).

No plano internacional, as sanções são examinadas à luz de diferentes métodos de classificação (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 557-558). Tem-se distinguido as sanções econômicas seletivas e globais, bem como as voluntárias – que são as que são recomendadas por Órgãos internacionais –, e as mandatórias – a exemplo das ditadas pelo CSNU em virtude do Capítulo VII da Carta da ONU, para lidar com ameaça à paz, as quais dependem do concurso dos Estados (CANÇADO TRINDADE, 2003, p. 557-558).

As Resoluções do CSNU, quando são adotadas, quase sempre por unanimidade, indicam uma fabricação de consensos (SUBTIL, 2011, p. 84). As Resoluções contêm, em si, uma obrigação de resultado, havendo discricionariedade para os Estados-Membros na maneira e nas ferramentas a se adotar para atingir o resultado imposto (DROUBI, 2006, p. 259). Isso se deve ao fato de que, para dar cumprimento às Resoluções, os vários Estados-Membros podem fazer uso de diversos instrumentos legais, tendo em vista as suas respectivas legislações (DROUBI, 2006, p. 259).

O terrorismo constitui uma gravíssima violação aos Direitos Humanos e ao Direito Internacional (CANÇADO TRINDADE, 2006, p. 396). Entretanto, não há uma definição aceita uniformemente pela maioria dos Estados nacionais, o que acaba determinando a aplicação dessas sanções a condutas diferentes entre si (DE CARLI, 2013, p. 96). Torna-se muito difícil encontrar uma definição de terrorismo que englobe todas as suas possíveis manifestações, uma vez que não existe um fator para diferenciá-lo de crimes comuns, e também pode não haver violência ou motivo político, ou terror em atos isolados que despertem grande comoção na sociedade (DE CARLI, 2013, p. 96).

O terrorismo traz, por parte dos Estados, além de uma resposta penal, uma resposta administrativa, que tem como objetivo a prevenção de delitos, quais sejam, o bloqueio ou o congelamento de ativos financeiros que tenham alguma relação com pessoas ou organizações incluídas nas listas formuladas pelo CSNU (DE CARLI, 2013, p. 95).

Desse modo, o combate ao terrorismo observa as medidas do antiterrorismo, que são de caráter eminentemente defensivo e que visam a redução das vulnerabilidades aos atentados terroristas (AGUILAR, 2011, p. 4).

Dentro do chamado regime antiterrorista, as medidas mais contundentes são as dispostas na Resolução 1267 do CSNU, aprovada em 1999, que tem a prerrogativa de identificar e arrolar indivíduos e entidades suspeitos de envolvimento com o Talibã e Al-Qaeda, e a Resolução 1373, aprovada em 2001, dias depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América (DE CARLI, 2013, p. 102). De acordo com o regime de sanções, os Estados onde os indivíduos ou entidades listadas residiam deveriam congelar os seus fundos e ativos financeiros (DELGADO; GUEDES, 2017, p. 21-22).

Observa-se que as sanções contra o terrorismo priorizam, considerando especificamente o contexto dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, os interesses estratégicos do EUA no combate ao terrorismo (CASTRO, 2007, p. 231). Assim, naquela ocasião e contexto, o exercício dos poderes pelo CSNU não estava somente ligado diretamente à paz e à segurança internacionais, mas à própria discussão dos interesses hegemônicos dos EUA.

2 Revisitando competências e procedimentos em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil: entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário

Nesse segundo item desta contribuição científica, serão investigados as competências e os procedimentos em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil. Devido às recentes alterações legislativas na matéria, que perpassam a revogada Lei nº 13.170/2015 e a mais recente Lei nº 13.810/2019, entende-se devida uma análise que passa tanto pelas atividades do Poder Executivo quanto do Poder Judiciário no Brasil.

No que tange às Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos, passa-se a analisar a necessidade de edição de Lei para dar cumprimento à Resolução já introduzida no direito interno brasileiro (DROUBI, 2006, p. 258). As Resoluções não têm caráter self executing, dado que lhes faltaria requisitos materiais e formais para tanto (DROUBI, 2006, p. 262). Devem, por conseguinte, ser incorporadas ao direito dos Estados-Membros; porém, a simples incorporação não implica seu imediato cumprimento (DROUBI, 2006, p. 259).

A escolha, pelo respectivo Estado, do meio mais adequado ao cumprimento das Resoluções do CSNU pode constituir inovação da ordem jurídica, que pode ser veiculada somente por meio de Lei em seu sentido formal (DROUBI, 2006, p. 259). Assim, há uma significativa diferença entre trazer ao direito interno uma norma de Direito Internacional e criar uma norma, no direito interno, que lhe dá cumprimento (DROUBI, 2006, p. 251).

No plano internacional, o Brasil ratificou grande parte das Convenções sobre combate a crimes transnacionais conexos à lavagem de dinheiro, dentre os quais o financiamento do terrorismo.6 No plano interno, foram editadas inúmeras normas infraconstitucionais, que regulam a atuação dos diversos setores econômicos.7

Apesar de a Carta da ONU e as próprias Resoluções do CSNU indicarem a forma com que estas devem ser cumpridas, compete a cada Estado encontrar meios formais e materiais que lhe sejam permitidos legalmente, baseando-se nas suas respectivas Constituições, para materializar internamente a ordem contida nas Resoluções (DROUBI, 2006, p. 251).

Cada Estado deverá fazê-lo de forma a impossibilitar que o particular se esquive do cumprimento da Resolução, alegando a inconstitucionalidade dos meios formais ou materiais encontrados pelo Estado para lhe dar cumprimento no plano interno (DROUBI, 2006, p. 251). Essa situação deve-se ao fato de que tal hipótese colocaria o Estado na condição de violador do Direito Internacional, oriundo das Resoluções do CSNU, exaradas pelo CSNU (DROUBI, 2006, p. 251).

As dificuldades em relação à implantação das sanções por meio dos Estados acabam colocando em risco o sistema de aplicação das sanções (DROUBI, 2006, p. 244). Uma das maiores dificuldades jurídicas surge pelo fato de as sanções imporem o congelamento de ativos, sanção compreendida, nos diferentes sistemas jurídicos, como uma medida provisória, enquanto não se reúnem fortes indícios de que os recursos estejam realmente vinculados à atividade criminosa (CORRÊA, 2013, p. 65). Contudo, as sanções têm caráter permanente, pois vigorarão enquanto existirem as organizações terroristas em questão ou enquanto não renunciarem a práticas terroristas (CORRÊA, 2013, p. 65).

O CSNU tenta lidar com esse problema basicamente por meio dos Comitês de Sanções (Sanctions Comitees), que são comitês ad hoc, criados em vista da aplicação de sanções nesse ou naquele caso, com o intuito de acompanhar o cumprimento das sanções pelos Estados, apreciar os casos de violação e recomendar ações ao CSNU voltadas a enfrentar essas violações (DROUBI, 2006, p. 244). Esses Comitês, em seus Relatórios, acabam reconhecendo a dificuldade em monitorar o cumprimento das sanções (DROUBI, 2006, p. 244).

A forma pela qual se dá a introdução das Resoluções nos diversos países, inclusive no Brasil, pode variar (DROUBI, 2006, p. 245). Ainda que o artigo 49, I, da CF, determine ser da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem compromissos ou encargos gravosos ao patrimônio nacional, o artigo 84, VIII, estabelece ser da competência privativa do Presidente da República a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, todos sujeitos a referendo do Congresso Nacional (DROUBI, 2006, p. 257-258).

Desse modo, não há clareza jurídica dos pressupostos que tornariam necessária a intervenção do Congresso Nacional especificamente em relação às Resoluções do CSNU (DROUBI, 2006, p. 258). No entanto, como a matéria tratada pela Resolução que impõe o congelamento de ativos financeiros de indivíduos revela-se substancial e vincula juridicamente não somente ao Estado, dado que se trata de sanção econômica, mas também aos particulares, assim, seria inafastável a necessidade da participação do Congresso para a recepção dessas Resoluções obrigatórias (DROUBI, 2006, p. 258). Por fim, a interpretação da Constituição brasileira que vem prevalecendo é a de que não é permitida qualquer hipótese de incorporação ao direito interno de atos normativos internacionais de relevância sem a participação do Congresso Nacional (DROUBI, 2006, p. 258).

Em 8 de março de 2019, foi promulgada a Lei nº 13.810, que dispunha sobre o cumprimento de sanções impostas por Resoluções do CSNU, incluída a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados. Essa Lei revogou a Lei nº 13.170, de 16 de outubro de 2015, que disciplinava a ação de indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de Resolução do CSNU. Assim, a Lei nº 13.170/2015 exigia que a União ingressasse, obrigatoriamente, com uma Ação judicial de indisponibilidade de bens e ativos financeiros.

Contudo, com o advento da Lei nº 13.810/2019, as Resoluções sancionatórias do CSNU e as designações de seus Comitês de Sanções são dotadas de executoriedade imediata no Brasil, nos termos do artigo 6. Dito de outra forma, não se revela mais necessária, em regra, uma Ação judicial, para que sejam efetivadas sanções de indisponibilidade previstas pelas Resoluções do CSNU, bastando a comunicação às pessoas físicas e jurídicas pelo Ministério da Justiça.

De acordo com o artigo 2º, da Lei nº 13.810/2019, enquanto os ativos são bens, direitos, valores, fundos, recursos ou serviços, de qualquer natureza, financeiros ou não, a indisponibilidade de ativos consiste na proibição de transferir, converter, trasladar, disponibilizar ativos, ou deles dispor, direta ou indiretamente. Essa indisponibilidade, conforme artigo 3º, ocorrerá por execução de Resoluções do CSNU ou por designações de seus Comitês de Sanções ou a requerimento de autoridade central estrangeira, desde que o pedido de indisponibilidade esteja de acordo com os princípios legais aplicáveis e apresente fundamentos objetivos para exclusivamente atender aos critérios de designação estabelecidos em Resoluções do CSNU ou de seus Comitês de Sanções.

A indisponibilidade de ativos não constitui a perda do direito de propriedade, nos termos do artigo 4º. O artigo 9º menciona que indisponibilidade de ativos ocorrerá sem demora – que significa imediatamente ou dentro de algumas horas8 –, e sem aviso prévio aos sancionados. Ainda, ressalta que as entidades que darão cumprimento e efetividade às medidas impostas estão elencadas no artigo 9º da Lei nº 9.613/98 (BRASIL, 1998), precisamente: bancos, bolsa de valores, seguradoras, empresas de leasing, factoring, vendedores de joias, pedras preciosas, objetos de arte, antiguidades, juntas comerciais, registros públicos, empresas de transporte de valores.

Em síntese, as pessoas físicas e jurídicas mencionadas deverão tornar indisponíveis os bens e ativos da pessoa a ser sancionada, sem necessidade de aviso, tampouco de Ação judicial.

Fica vedado a todos os brasileiros, residentes ou não, ou a pessoas naturais, pessoas jurídicas ou entidades em território brasileiro, descumprir as sanções impostas pelas Resoluções do CSNU ou por designações de seus Comitês de Sanções, de acordo com o artigo 8. Essa vedação aplica-se também aos órgãos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e às entidades da administração pública indireta.

Igualmente, há a previsão na Lei nº 13.810/2019, em seu artigo 10, de que o Ministério da Justiça comunicará, sem demora, as sanções de indisponibilidade de ativos aos órgãos reguladores ou fiscalizadores, para que informem imediatamente às pessoas naturais ou jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 março de 1998:

II - restrições à entrada de pessoas no território nacional, ou à saída dele, à Polícia Federal, para que adote providências imediatas de comunicação às empresas de transporte internacional; e

III - restrições à importação ou à exportação de bens à Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Economia, à Polícia Federal e às Capitanias dos Portos, para que adotem providências imediatas de comunicação às administrações aeroportuárias, às empresas aéreas e às autoridades e operadores portuários. (BRASIL, 1998).

O Auxílio Direto Judicial, previsto pela Lei nº 13.810/2019, em seus artigos 12 a 17, consiste em uma Ação proposta pela União requerendo a indisponibilidade dos ativos financeiros que não se conseguiu na esfera administrativa, no caso de serem descobertos ativos da pessoa sancionada que não foram tornados indisponíveis pela via administrativa.

Ao receber esse pedido, conforme o artigo 14, o Juiz Federal verificará se atende aos pressupostos do artigo 129, da Lei e, se preenchidos, determinará as medidas pertinentes para cumprimento da sanção, no prazo de 24 horas e sem a prévia oitiva do requerido.

O requerido será citado para, querendo, impugnar, sendo que a impugnação deve versar sobre: (a) homonímia; (b) erro na identificação do requerido ou dos ativos que sejam objeto de sanção, (c) exclusão do requerido da lista de sanções, por força de resolução proferida pelo CSNU ou por designação de seus comitês de sanções; e (d) expiração do prazo de vigência do regime de sanções, conforme artigo 15.

Havendo ou não a referida impugnação, o magistrado proferirá sentença, consoante o artigo 16. Na hipótese de sobrevir a exclusão posterior do requerido da Ação originária da lista de pessoas sujeitas ao regime de sanções ou qualquer outra razão que, segundo o CSNU ou seus Comitês de Sanções, fundamente a revogação da sanção, as partes poderão ingressar com Ação revisional do que foi estatuído na sentença.

O Auxílio Direto também pode se dar a pedido de autoridade central estrangeira, conforme artigos 18 a 23, da Lei nº 13.810/2019. É possível que uma pessoa física ou jurídica esteja sendo investigada por atos de terrorismo sem que tenha sido sancionada. Como medida cautelar, é possível que seja aplicada a indisponibilidade dos ativos financeiros, mesmo sem a existência de sanção; contudo, para que isso aconteça, será necessário o auxílio direto judicial, sendo esta a leitura que se faz do artigo 18, da Lei nº 13.810/2019.

Além disso, no que tange às comunicações, medidas cautelares e provas necessárias à investigação ou ação estrangeira, o artigo 22 dispõe que se aplica, no que couber, o Auxílio Direto judicial para atender a requerimento de autoridade central estrangeira que tenha por objetivo promover comunicações de atos processuais e obter outras medidas cautelares ou provas necessárias à investigação criminal ou às ações criminais em curso em outro país relativas ao financiamento ou apoio a atos terroristas.

A Lei nº 13.810/2019 também traz a previsão de que o Ministério da Justiça manterá lista de pessoas naturais e jurídicas e entidades cujos ativos estejam sujeitos à indisponibilidade em decorrência de resoluções do CSNU ou de designação de seus Comitês de Sanções, de requerimento de outro país ou de designação nacional.

É permitido ao indivíduo que solicite sua exclusão da lista de sanções. Para isso, deverá formular pedido fundamentado, com vistas a atender aos critérios estabelecidos na resolução pertinente do CSNU ou de designação de seus comitês de sanções, e encaminhar ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Analisada a solicitação de exclusão, o Ministério da Justiça deverá encaminhá-la ao Ministério das Relações Exteriores, que a transmitirá ao CSNU ou ao Comitê de Sanções pertinente para sua deliberação.

Segundo o artigo 28 da referida Lei, os ativos indisponibilizados poderão ser parcialmente liberados, caso necessário, para o custeio de despesas ordinárias ou extraordinárias. Consideram-se despesas ordinárias, dentre outras: (I) despesas básicas com alimentos, aluguéis, hipotecas, medicamentos, tratamentos médicos, impostos, seguros e tarifas de serviços públicos; (II) pagamento de honorários profissionais de montante razoável e reembolso de gastos efetuados com a prestação de serviços jurídicos; e (III) pagamento de taxas ou encargos relacionados com a administração e a manutenção ordinárias de fundos ou de outros ativos ou recursos indisponíveis.

As medidas de Auxílio Direto judicial previstas na Lei nº 13.810/2019 tramitarão sob segredo de justiça, conforme artigo 29. Segundo artigo 30 da referida Lei, se os ativos estiverem sujeitos à deterioração ou depreciação ou, se houver dificuldade para sua manutenção, poderá ser requerida ao juízo competente a alienação antecipada dos ativos declarados indisponíveis para a preservação de seus valores. Por fim, será designada pessoa qualificada à administração, à guarda ou à custódia dos ativos indisponibilizados, caso necessário, em harmonia ao artigo 31.

O Ministério da Justiça comunicará: (I) ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal as medidas de indisponibilidade de ativos adotadas e as tentativas de transferência relacionadas às pessoas naturais, às pessoas jurídicas ou às entidades designadas, para avaliação de abertura ou não de investigação criminal; e (II) ao Ministério das Relações Exteriores as medidas de indisponibilidade de ativos adotadas em cumprimento das resoluções do CSNU ou de designações de seus comitês de sanções, para conhecimento e comunicação ao respectivo organismo internacional, em cumprimento ao artigo 32 da Lei nº 13.810/2019.

A determinação do congelamento de ativos compete ao magistrado no âmbito federal, de primeira instância, em observância ao artigo 109, III, da CF (BRASIL, 1988), que dispõe sobre a competência dos juízes federais em processar e julgar as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional, uma vez que baseada na Carta da ONU, ratificada pelo Estado brasileiro.

Em extensivas pesquisas no intuito de encontrar alguma jurisprudência em que tenha sido utilizada a Lei nº 13.810/2019, nos sites do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), nada tendo sido constatado a respeito da aplicação da referida Lei.

3 A controvérsia jurídica do cumprimento imediato pelo estado brasileiro das Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo perante a ordem constitucional brasileira

Analisando o problema jurídico do cumprimento imediato pelo Brasil das Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos, revela-se que, no caso de o Estado brasileiro dar o devido cumprimento a essas Resoluções do CSNU, teria observado integralmente o Direito Internacional.

Cabe analisar ainda alguns cenários hipotéticos em que o cumprimento das medidas impostas pelas Resoluções do CSNU poderia ser feito de maneira imediata pelo Brasil, considerando o período de 2001 até 2021.

Hipótese 1: No período de 2001 a 2015, não existia a Lei que regulamentasse o procedimento para o congelamento de ativos financeiros de indivíduos. Sendo assim, o Presidente da República poderia expedir Decreto Executivo Presidencial, ordenando diretamente aos Órgãos Executivos, como o Banco Central do Brasil (BACEN), a constrição dos bens de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil.

Nessa hipótese, o Presidente se valeria do artigo 84, inciso VIII, da CF10, para dar cumprimento imediato às Resoluções, visto que tem competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional (BRASIL, 1988).

A partir dessa primeira hipótese, a controvérsia que surge é em relação à aplicação do artigo 49, inciso I, da CF, nesse caso. Deveriam as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil, sujeitar-se à aprovação prévia pelo Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, I, da CF? Esse artigo refere-se a encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, objeto de Tratados, Acordos ou Atos internacionais, que teriam de passar pela aprovação obrigatória do Congresso Nacional brasileiro. Sendo assim, poder-se-ia dizer que o conteúdo das Resoluções do CSNU, em matéria de congelamento de bens de indivíduos, faria parte da expressão encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional?

Conforme mencionado, há uma aparente incerteza jurídica quanto aos pressupostos que tornariam necessária a intervenção do Congresso Nacional (DROUBI, 2006, p. 258). Entretanto, em razão de a matéria tratada pela Resolução, que impõe o congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo, ser relevante e afetar demasiadamente a vida dos particulares, o entendimento é de que seria necessária a participação do Congresso Nacional para a recepção dessas Resoluções obrigatórias (DROUBI, 2006, p. 258).

De qualquer modo, nessa primeira hipótese, em que ocorreria o imediato cumprimento das Resoluções que impõem o congelamento de ativos financeiros de indivíduos, verifica-se que há a violação ao princípio do devido processo legal, uma vez que não haveria um processo previsto em Lei e conduzido por um juiz para aplicar a sanção de congelamento de ativos financeiros. Tal entendimento dá-se em harmonia à doutrina jurídica nacional geral sobre o tema, como Nelson Nery Junior (2010, p. 81), Ingo Sarlet (2012, p. 46-47) e Alexandre de Moraes (2014, p. 110-111).

Nessa hipótese primeira, um indivíduo objeto destas medidas de congelamento teria seus bens bloqueados de forma arbitrária, sem que pudesse sequer se defender adequadamente em relação ao imediato congelamento de seus ativos financeiros. Desse modo, a restrição da liberdade, que compreende também a restrição ao direito de propriedade, somente pode ser efetuada por meio de processo e julgamento previamente definidos em Lei (CANOTILHO, 2013, p. 429).

Afinal, um ato que pode implicar a restrição de um direito deve ser realizado com a maior cautela para que se preencham as condições que o tornam juridicamente justificável (CANOTILHO, 2013, p. 429). Em outras palavras, esse princípio é caracterizado pela proteção do trinômio vida-liberdade-propriedade. Criar e manter os pressupostos básicos de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam (BONAVIDES, 2006, p. 560).

Hipótese 2: Uma segunda hipótese compreenderia o período de 16 de outubro de 2015 – entrada em vigor da Lei nº 13.170/2015 – até 7 de março de 2019 – data de sua revogação pela Lei nº 13.810/2019. Nesse período, a hipótese consistiria na observância de todos os procedimentos previstos na Lei nº 13.170/2015 (BRASIL, 2015) para o congelamento de ativos de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil.

Nesse caso, ainda que observado todo o procedimento previsto na Lei nº 13.170/2015, poderia o cumprimento ser considerado imediato ou sem demora, conforme o teor das Resoluções expedidas pelo CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos? Embora os prazos previstos na mencionada Lei fossem exíguos, poderiam estes, ainda assim, ser considerados imediatos ou sem demora?

A Lei nº 13.170/2015 trazia uma regulamentação em conformidade com o teor das Resoluções do CSNU, mas o procedimento, ainda que contivesse prazos exíguos para a AGU propor a ação de indisponibilidade de bens (I), para o juiz decidir a tutela provisória (II) e também para o interessado apresentar alegações (III), aparentemente não atendiam ao requisito da imediatidade, este contido no teor das Resoluções do CSNU.

Em razão de os prazos serem exíguos, haveria flagrante violação ao direito de defesa e, portanto, do devido processo legal, visto que o juiz determinaria o congelamento de bens e, posteriormente, o indivíduo alvo da medida seria intimado para apresentar razões de fato e de direito que pudessem levar ao convencimento de que o bloqueio fora efetivado irregularmente, de acordo com o artigo 5º, parágrafo 1º, da Lei nº 13.170/2015.

Hipótese 3. A terceira hipótese se daria com o advento da Lei nº 13.810, de 8 de março de 2019, que dispõe sobre o cumprimento de sanções impostas por Resoluções do CSNU, incluída a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados, revogando a Lei nº 13.170, de 16 de outubro de 2015.

Analisando-se o procedimento previsto pela Lei nº 13.810/2019 para o congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com o terrorismo, é possível afirmar que tal procedimento contempla o requisito da imediatidade do congelamento, contido no teor das Resoluções do CSNU?

Inicialmente, cumpre salientar que o termo sem demora aparece 12 (doze) vezes na Lei nº 13.810/2019, estando inclusive no seu glossário, significando imediatamente ou dentro de algumas horas. Esse termo é mencionado, por diversas vezes, no procedimento para o congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com o terrorismo. Assim, a Lei nº 13.810/2019 prevê que as Resoluções sancionatórias do CSNU, bem como as designações de seus Comitês de Sanções, são dotadas de executoriedade imediata na República Federativa do Brasil.

Já na Lei nº 13.170/2015 isso não ocorria, pois o termo sem demora sequer era mencionado, tampouco havia previsão específica de que as sanções teriam executoriedade imediata no território brasileiro. Apenas havia menção de que os órgãos e as entidades fiscalizadores ou reguladores poderiam adotar imediatamente as providências necessárias ao cumprimento das ordens judiciais relativas à indisponibilidade de bens, valores e direitos, isto é, referindo-se às ordens judiciais brasileiras e não às Resoluções do CSNU.

A Lei nº 13.810/2019 trouxe um procedimento bem diferente do previsto pela revogada Lei nº 13.170/2015. Enquanto esta Lei previa que o congelamento de ativos financeiros se efetivaria por meio de Ação judicial, aquela Lei dispensou o processo judicial, prevendo que o Ministério da Justiça comunicará, sem demora, as sanções de indisponibilidade de ativos aos órgãos reguladores ou fiscalizadores, para que comuniquem imediatamente às pessoas naturais ou jurídicas que serão objeto da respectiva sanção.

Assim, em termos gerais, a Lei nº 13.810/2019 atende integralmente requisito da imediatidade contido no teor das Resoluções do CSNU, gerando claros problemas em relação à efetividade da garantia do devido processo legal, prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

Em termos gerais, observa-se que o CSNU atua com ampla margem de discrição ao adotar uma decisão obrigatória que imponha sanções econômicas aos indivíduos (DROUBI, 2006, p. 243). Essa discricionariedade é acentuada pelo fato de que as Resoluções expedidas pelo CSNU não poderem ser limitadas pelos princípios de Direito Internacional, no momento em que o Conselho age para a manutenção ou restauração da paz e da segurança, conforme o Capítulo VII da Carta da ONU (DROUBI, 2006, p. 244). Dessa maneira, o Direito Internacional não poderia ser obstáculo à manutenção ou restauração da paz e da segurança internacionais (DROUBI, 2006, p. 243- 244).

Tais medidas adotadas pelo CSNU têm sido alvo de críticas devido à possibilidade de violação aos Direitos Humanos, bem como em razão da aparente violação de preceito constitucional que dispõe sobre o devido processo legal (DE CARLI, 2013, p. 116).

Especialmente desde 2001, essas sanções têm recebido inúmeras críticas devido à arbitrariedade no processo de inclusão nas listas (listing) e violação dos direitos fundamentais, além da violação ao devido processo legal, ao passo em que a regulamentação existente torna impossível questionar a inclusão dos nomes dos indivíduos e de como obter a retirada de um nome das listas (de-listing) (DE CARLI, 2013, p. 116).

Para o Estado, o direito do devido processo legal configura uma zona de não intervenção, ou seja, é um direito de cunho negativo, em que o Poder Público deve se abster, e não adotar uma conduta positiva (SARLET, 2012, p. 46-47). A ideia constante do princípio do devido processo legal, em linha gerais, é de que a coação estatal sobre os bens e a liberdade do indivíduo deve sempre ser seguida por um processo, devidamente conduzido por um juiz (CANOTILHO, 2013, p. 431). Assim, segundo GIACOMOLLI (2016, não paginado), o devido processo legal consiste em uma cláusula inserida em nosso ordenamento jurídico como guarda-chuva, em que se abrigam direitos, garantias, princípios, regras, valores, deveres e proibições, catalogadas e implícitas, abarcando tanto a esfera interna quanto internacional.

Nessa mesma linha argumentativa de violação aos direitos fundamentais, verifica-se uma relação entre o devido processo legal e a dignidade humana existente no Estado Democrático de Direito (NERY JUNIOR, 2010, p. 78). Assim, a noção de devido processo legal consubstancia-se em um processo justo, sendo este não apenas aquele previsto em lei, mas o processo previsto de forma adequada e razoável à consecução de sua finalidade precípua no Estado Democrático de Direito, qual seja, a garantia e proteção dos direitos fundamentais (CANOTILHO, 2013, p. 430).

Vale destacar que o devido processo consubstancia expressão que presta homenagem, legal e pragmaticamente, à segurança jurídica (NERY JUNIOR, 2010, p. 90). Pode-se dizer que o devido processo legal consiste em uma das mais relevantes garantias do direito constitucional, sendo justamente, no âmbito das garantias do processo, que o mencionado princípio assume “uma amplitude inigualável e um significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas” (CANOTILHO, 2013, p. 431).

Ressalte-se que a Magna Carta, de 1215, em seu artigo 39, previa que “nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da Lei ou exilado, ou de qualquer modo molestado - e nós não procederemos ou mandaremos proceder contra ele - se não mediante um julgamento regular pelos seus pares e de harmonia com a Lei do país” (MAGNA CARTA, 1215). Dessa maneira, o devido processo legal (due process of law), em sua origem histórica, está ligado à proteção da liberdade e à noção de legalidade (CANOTILHO, 2013, p. 431).

O artigo XI, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), estabelece que “[t]odo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” (DUDH, 1948). O devido processo legal também é um direito consagrado no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no seu artigo 14 (BRASIL, 1992), e nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA, 1969).

De outro lado, caso sejam colocadas lado a lado as obrigações internacionais decorrentes de quaisquer tratados internacionais de Direitos Humanos e da Carta da ONU, instrumentos jurídicos internacionais ratificados e cujas obrigações recaem sobre o Estado brasileiro, o artigo 103 da Carta da ONU determina, clara e expressamente, a prevalência das obrigações decorrentes das Resoluções do CSNU em relação à garantia do devido processo legal instituída por tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos e materializada na Constituição Federal de 1988. Segundo o artigo 103 da Carta da ONU11, “[n]o caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta.” (ONU, 1945).

Sendo assim, a compatibilidade dos procedimentos estabelecidos pela Lei nº 13.810/2019 às Resoluções expedidas pelo CSNU coloca o Estado brasileiro no dever de cumprir imediatamente as obrigações internacionais decorrentes da Carta da ONU – materializadas nas Resoluções expedidas com fundamento no seu Capítulo VII.

Caso sejam colocadas lado a lado as obrigações internacionais decorrentes de quaisquer tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro, na substancialização do due process of law, e as obrigações internacionais decorrentes das Resoluções do CSNU expedidas sob o Capítulo VII da Carta, deverão prevalecer as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante a Carta da ONU, conforme o artigo 103 da referida Carta.

Por conseguinte, esse dever do Estado brasileiro em cumprir imediatamente as Resoluções do CSNU, expedidas sob o Capítulo VII da Carta, implicará a mitigação parcial do dever constitucional de garantia do devido processo legal – contido no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal – na interface com as referidas Resoluções do CSNU, mitigação esta a ser devidamente justificada e criteriosamente descrita em termos processuais.

Por fim, observa-se que o imediato cumprimento das Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos, de acordo com o procedimento estabelecido pela Lei nº 13.810/2019, implica juridicamente a violação ao devido processo legal, ainda que de forma mitigada ou parcial, deixando o Estado brasileiro em situação controversa perante o Direito constitucional brasileiro na interface com o Direito Internacional.

Considerações finais

Após os ataques terroristas de setembro de 2001, o CSNU expediu Resoluções que impunham aos Estados-Membros da ONU o imediato congelamento de ativos financeiros de indivíduos que tivessem praticado ou que, de alguma forma, estivessem ligados a atos de terrorismo.

Em cumprimento à Resolução expedida pelo CSNU, o Estado Brasileiro encontra-se em posição delicada, haja vista o caráter mandatório das Resoluções impostas pelo CSNU, quando expedidas sob fundamento do Capítulo VII da Carta da ONU, e a regra constitucional do devido processo legal, prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, que preconiza que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal.

Utilizou-se o cenário envolvendo um brasileiro nato ou naturalizado, ou mesmo estrangeiro com ativos financeiros no Brasil, que estivesse supostamente envolvido com terrorismo e a ele fosse imposta sanção administrativa de congelamento de ativos financeiros pela autoridade brasileira competente.

Nesse cenário, estabeleceu-se o seguinte problema de pesquisa: Em decorrência da controvérsia jurídica aparente estabelecida entre a Constituição Federal brasileira e as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo, de que maneira o Brasil deverá posicionar-se juridicamente diante de tal problemática, considerando tanto as obrigações jurídicas assumidas constitucional quanto internacionalmente?

Para responder a esse problema de pesquisa, para além dos itens constitutivos dessa contribuição científica, foram construídas e analisadas três Hipóteses, colocando a problemática jurídica em movimento.

No primeiro item, foram analisados a estrutura institucional da ONU, seus Órgãos decisórios principais, bem como as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo na sociedade internacional. Por um lado, o CSNU constitui-se em um dos principais Órgãos da ONU, detendo o monopólio da produção normativa no que tange à paz e à segurança mundiais, em virtude do Capítulo VII da Carta da ONU. De outro, as Resoluções do CSNU constituem fontes de Direito Internacional e contêm, em sua substância, uma obrigação de resultado, havendo discricionariedade para os Estados-Membros na maneira e nas ferramentas a serem adotadas para atingirem o resultado devido. Assim, para dar cumprimento às Resoluções do CSNU, os Estados podem fazer uso de diversos instrumentos jurídicos, tendo em vista as suas respectivas legislações nacionais.

No que tange ao crime de terrorismo, este configura uma gravíssima violação aos direitos humanos e ao Direito Internacional. Traz, por parte dos Estados, uma resposta tanto penal, quanto administrativa: o bloqueio ou o congelamento de ativos financeiros que tenham alguma relação com pessoas ou organizações incluídas nas listas formuladas pelo CSNU.

No segundo item, revisitando competências e procedimentos em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil, houve uma recente mudança da legislação sobre o tema, tendo sido revogada a Lei nº 13.170/2015 e promulgada a Lei nº 13.810/2019. As Resoluções do CSNU não são executadas de forma automática e, em razão disso, torna-se necessário que sejam incorporadas pelo Direito nacional dos Estados.

No terceiro item, é abordada a controvérsia jurídica do cumprimento imediato pelo Estado Brasileiro das Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo perante a ordem constitucional brasileira. Nesse ponto, foram analisadas três Hipóteses em que o cumprimento poderia ser feito de maneira imediata pelo Brasil, considerando o período de 2001 até 2021.

A Hipótese 1 deu-se no período de 2001 a 2015, devido ao fato de que não existia a Lei que regulamentasse o procedimento para o congelamento de ativos financeiros de indivíduos, sendo que o Presidente da República poderia expedir Decreto Executivo Presidencial, ordenando diretamente aos Órgãos Executivos, como o BACEN, a constrição dos bens de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil. Verificou-se que haveria a violação ao princípio do devido processo legal, uma vez que não havia um processo previsto em Lei e conduzido por um juiz para aplicar a sanção de congelamento de ativos financeiros.

A Hipótese 2 compreendeu o período de 16 de outubro de 2015 – entrada em vigor da Lei nº 13.170/2015 – até 7 de março de 2019 – data de sua revogação pela Lei nº 13.810/2019. Nesse período, a hipótese consistiu na observância de todos os procedimentos previstos na Lei nº 13.170/2015 para o congelamento de ativos de indivíduos envolvidos com terrorismo no Brasil. Concluiu-se que, em razão de os prazos previstos pela Lei nº 13.170/2015 serem exíguos para o interessado apresentar alegações, haveria flagrante violação ao direito de defesa e, portanto, do devido processo legal, visto que o juiz determinaria o congelamento de bens e, posteriormente, o indivíduo alvo da medida seria intimado para apresentar razões de fato e de direito que pudessem levar ao convencimento de que o bloqueio fora efetivado irregularmente.

Além disso, as disposições da Lei nº 13.170/2015 poderiam não estar em conformidade com o teor das Resoluções do CSNU, haja vista que, embora preveja prazos exíguos, estes aparentemente não atendem ao requisito da imediatidade, este contido no teor das Resoluções.

A terceira Hipótese 3 deu-se com o advento da Lei nº 13.810, de 8 de março de 2019, que revogou a Lei nº 13.170, de 16 de outubro de 2015. Considerando que o procedimento previsto na Lei nº 13.810/2019 denota claramente a imediatidade da aplicação das Resoluções sancionatórias do CSNU, ou seja, atende integralmente o requisito da imediatidade contido no teor das Resoluções do CSNU, gerando claros problemas diante do dever de garantia do devido processo legal, estabelecido no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

O Estado brasileiro, ao adotar o procedimento estabelecido atualmente pela Lei nº 13.810/2019, cumpre imediatamente as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos envolvidos com terrorismo. Contudo, ao fazê-lo, resta clara a violação em tese do dever constitucional de garantia do devido processo legal, contido no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

Em resposta ao problema de pesquisa proposto neste artigo científico, o Estado brasileiro deve posicionar-se no sentido de cumprir imediatamente as obrigações internacionais decorrentes da Carta da ONU – materializadas nas Resoluções do CSNU, expedidas sob o Capítulo VII da referida Carta, e nacionalmente impostas pela Lei nº 13.810/2019.

Na hipótese de conflito, caso sejam colocadas lado a lado as obrigações internacionais decorrentes de quaisquer tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro, na substancialização do due process of law, e as obrigações internacionais decorrentes das Resoluções do CSNU expedidas sob o Capítulo VII da Carta, deverão prevalecer as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante a Carta da ONU, conforme o artigo 103 da referida Carta.

Em decorrência de tal cenário, esse dever do Estado brasileiro em cumprir imediatamente as Resoluções do CSNU em matéria de congelamento de ativos financeiros de indivíduos, expedidas sob o Capítulo VII da Carta e instrumentalizadas nacionalmente por meio da Lei nº 13.810/2019, implicará a mitigação parcial do dever constitucional de garantia do devido processo legal, mitigação esta a ser devidamente justificada e criteriosamente descrita em termos processuais.

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1 Mestra em Direito pela Universidade de Caxias do Sul/RS; Graduada pela Faculdade da Serra Gaúcha; Advogada; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8399-380X; E-mail: astadvogada@gmail.com.

2 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Coordenador e Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS); Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMar); ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2434-6212; E-mail: leonardodecamargosubtil@gmail.com.

3 Doravante, CSNU.

4 Doravante, ONU.

5 Daqui para frente, ONU.

6 Lavagem de Dinheiro: legislação brasileira / (organizado por Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Federação Brasileira de Bancos. 3. ed. rev. Brasília: COAF; São Paulo: FEBRABAN, 2014. Disponível em: http://coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/publicacoes/Livro%201_COAF_Legislacao%20-%20agosto2014.pdf. Acesso em: 15 out. 2017.

7 Lavagem de Dinheiro: legislação brasileira / (organizado por Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Federação Brasileira de Bancos. 3. ed. rev. Brasília: COAF; São Paulo: FEBRABAN, 2014. Disponível em: http://coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/publicacoes/Livro%201_COAF_Legislacao%20-%20agosto2014.pdf. Acesso em: 15 out. 2017.

8 Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: V - sem demora: imediatamente ou dentro de algumas horas.

9 Art. 12. Na hipótese de haver informações sobre a existência de ativos sujeitos à indisponibilidade ou de pessoas e bens sujeitos a outra espécie de sanção determinada em resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou em designações de seus comitês de sanções, sem que tenha ocorrido seu cumprimento na forma da Seção I deste Capítulo, a União ingressará, sem demora, com auxílio direto judicial para obtê-la. Parágrafo único. As pessoas naturais e as pessoas jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, na forma e nas condições definidas por seu órgão regulador ou fiscalizador, e os órgãos e as entidades referidos no art. 10 desta Lei informarão, sem demora, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a existência de pessoas e ativos sujeitos à sanção e as razões pelas quais deixaram de cumpri-la.

10 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

11 Em especial, ver o Curso magistral de Robert Kolb, na Academia de Direito Internacional da Haia (2013), sobre as implicações do artigo 103 da Carta da ONU no Direito Internacional (KOLB, 2014).