https://doi.org/10.18593/ejjl.26686

CONCEITO JURISPRUDENCIAL DE MEIO AMBIENTE NO DIREITO BRASILEIRO À LUZ DE UMA ABORDAGEM SISTÊMICA

JURISPRUDENTIAL CONCEPT OF THE ENVIRONMENT IN BRAZILIAN LAW THROUHG A SYSTEMIC APPROACH

Alana Ramos Araujo1

Resumo: O artigo tem como objetivo analisar parâmetros interpretativos utilizados pela jurisprudência brasileira na conceituação de meio ambiente. Foram analisados Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, com apoio no pensamento complexo de Edgar Morin e na Teoria de Sistemas Sociais de Niklas Luhmann. Em síntese, verificou-se que a jurisprudência analisada realiza uma interpretação reducionista de meio ambiente, afastando-se de uma interpretação multicriterial capaz de lidar com a complexidade ambiental.

Palavras-chave: meio ambiente; interpretação jurisprudencial; teoria sistêmica.

Abstract: The article aims to analyze interpretative parameters used by Brazilian jurisprudence in conceptualizing the environment. Judgments of the Superior Court of Justice and the Federal Regional Courts were analyzed, supported by Edgar Morin’s complex thinking and Niklas Luhmann’s Theory of Social Systems. In summary, it was found that the analyzed jurisprudence carries out a reducionist interpretation of the environment, moving away from a multicriterial interpretation capable of dealing with environmental complexity.

Keywords: environment; jurisprudential interpretation; systemic theory.

Recebido em 20 de novembro de 2020

Avaliado em 21 de março de 2022 (AVALIADOR A)

Avaliado em 17 de março de 2022 (AVALIADOR A)

Aceito em 21 de março de 2022

Introdução

O sistema jurídico brasileiro estabelece conceitos de meio ambiente que servem de parâmetros interpretativos para a atividade judicial no julgamento de conflitos ambientais. Deste modo, tais conceitos, situados na norma abstrata e também na ciência jurídica, fornecem aos tribunais possibilidades hermenêuticas de interpretação do sentido de meio ambiente na empiria do direito, prestando auxílio metodológico para que estes possam decidir e contribuir para a justiça ambiental.

Os parâmetros hermenêuticos basilares do direito ambiental que orientam a atividade judicial na tutela jurídica de conflitos ambientais são a Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88).

A PNMA, no artigo 3°, inciso I, define meio ambiente como “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” (BRASIL, 1981). Por sua vez, a CF/88, no artigo 225, caput, estabelece que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988).

O conceito da PNMA é definido como conceito legal de meio ambiente e é interpretado pela ciência jurídica ambiental brasileira como um conceito biocêntrico, que restringe o significado de meio ambiente ao seu aspecto natural, excluindo outros aspectos que fazem parte do meio ambiente2. De outro lado, o conceito da CF/88 é tido como conceito constitucional e, a seu turno, é interpretado como um conceito antropocêntrico que prioriza o interesse humano na preservação do meio ambiente para atender às necessidades de uso econômico e de preservação da saúde humana3. Assim, o conceito legal se trata de um conceito natural de meio ambiente e o conceito constitucional se trata de um conceito humano de meio ambiente.

Disto resulta uma dialética do meio ambiente no campo do direito, desafiando os tribunais a julgar conflitos ambientais ante possibilidades normativas conflitivas na demarcação do significado de meio ambiente e, consequentemente, na gestão administrativa e na tutela judicial de demandas socioambientais.

Para sair desta dualidade entre conceito biocêntrico e conceito antropocêntrico de meio ambiente, a ciência jurídica ambiental brasileira aponta que o conceito jurídico de meio ambiente é um conceito indeterminado que necessita de interpretação judicial em casos concretos, deixando para os tribunais a tarefa de preencher o conteúdo do significado de meio ambiente na empiria dos casos apreciados pela jurisdição estatal (BELCHIOR, 2015). Dada esta indeterminação, através de uma metodologia sistêmica de interpretação, o artigo parte do problema de como os tribunais brasileiros interpretam o conceito de meio ambiente em conflitos ambientais levados à jurisdição estatal.

Tendo este problema como ponto de partida, o objetivo é analisar decisões judiciais de tribunais brasileiros em matéria ambiental que contenham em seu texto palavras, frases e/ou expressões conceituais de meio ambiente, de modo a demonstrar o conceito jurisprudencial de meio ambiente no Brasil o qual, por seu caráter impositivo e obrigatório, serve de baliza interpretativa para compreensão do significado jurídico de meio ambiente para a Administração Pública e para a sociedade.

Metodologicamente, foi adotada pesquisa documental através de coleta de Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs). O STJ tem função de uniformização da jurisprudência nacional e os TRFs são tribunais que estão situados em territórios próximos dos conflitos ambientais que julgam, por isso foram escolhidos para fazerem parte da pesquisa. Assim, foram analisados os votos dos relatores em ٦ (seis)4 Acórdãos nos quais os tribunais confirmaram os votos dos mesmos. Os dados coletados nestes Acórdãos foram tratados através do software para pesquisas qualitativas e métodos mistos Qualitative Data Analysis (MAXQDA), na versão 18.2.0, que permitiu análise multicriterial quantiqualitativa com obtenção de resultados que foram relatados através de gráficos, figuras, tabelas e quadros os quais foram analisados através de dois marcos teóricos sistêmicos: pensamento complexo (MORIN, 2005b) e teoria de sistemas sociais (LUHMANN, 2002).

1 Pensamento complexo no direito e no meio ambiente

Parte-se aqui do paradigma da complexidade (MORIN, 2005b) como base epistemológica e metodológica da pesquisa que auxilia na construção de uma nova forma de pensar o meio ambiente e o direito em relação ao pensamento analítico cartesiano que tem sido o modelo de pensamento jurídico-ambiental na modernidade. Na noção conceitual de complexidade esta é entendida como um “tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: que coloca o paradoxo do uno e do múltiplo.”5 (MORIN, 2005b, p. 21, tradução livre). É, pois, um “tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que constituem o nosso mundo fenomenal.”6 (MORIN, 2005b, p. 21, tradução livre).

O pensamento complexo pugna por substituir o paradigma cartesiano tradicional disjunção/redução/unidimensionalização pelo paradigma distinção/conjunção que implica distinguir sem separar; associar sem identificar ou reduzir (MORIN, 2005b, , tendo em vista que a marca da ciência moderna é o paradigma da simplicidade, que significa reduzir a complexidade do real, não porque o próprio real seja redutível, mas porque diante de objetos observáveis deve-se reduzir a sua complexidade para transformá-lo em objeto mais simples que possa ser apreendido de forma mais clara e determinada. Opondo-se metodologicamente a esta maneira de proceder, a complexidade, contudo, não elimina o esforço de simplificação, porém busca dialogar com ela, busca refletir que a simplificação não é suficiente para apreender os níveis de complexidade e emergência que compõem a natureza do real e que surgem da interação deste com o seu meio.

Neste sentido, a complexidade critica o pensamento simplificador e determinista argumentando que neste não há espaço para o acaso no interior de suas formulações teóricas, ainda que isto seja uma ilusão, posto que o acaso e o incerto são próprios do real, do mundo fenomenal. A consequência de tal determinismo, de tal simplificação, com seus matizes de disjunção e redução comportam, como consequência, a fragilização da ação, empobrecendo-a com programas rigidamente determinados que não permitem o florescimento da criatividade, da inventividade, do novo, da descoberta. Em termos de pensamento complexo, o programa metodológico dogmaticamente pré-determinado incita o atingimento de objetivos a partir de caminhos já estabelecidos, dificultando a abertura para criar durante o processo, para reinventar, para descobrir coisas novas.

Assim, o pensamento complexo denuncia o erro cometido pelas ciências sociais no século XX de acreditar que a sociedade é também regida por princípios gerais deterministas:

A realidade antropossocial é multidimensional; ela contém, sempre, uma dimensão individual, uma dimensão social e uma dimensão biológica. O econômico, o psicológico e o demográfico que correspondem às categorias disciplinares especializadas são as diferentes faces de uma mesma realidade; são aspectos que, evidentemente, é preciso distinguir e tratar como tais, mas não se deve isolá-los e torná-los não comunicantes. Esse é o apelo para o pensamento multidimensional. Finalmente e, sobretudo, é preciso encontrar o caminho de um pensamento dialógico. (MORIN, 2005a, p. 189).

Por esta razão é que, em termos de pensamento complexo, o estudo unidimensional do direito, sem considerar as dimensões que compõem um mesmo objeto ou fenômeno e sem considerar as interações deste com outros objetos, fenômenos e sistemas torna-se uma abordagem unilateral, unidimensional. É neste sentido que o pensamento complexo conclama à unitas multiplex: à unidade múltipla. O estudo ora empreendido buscou considerar esta multidimensionalidade no momento mesmo em que considerou o meio ambiente como complexidade e cuja internalização pelo sistema jurídico se dá em níveis emergentes e dialógicos.

Esta multicriterialidade viabiliza o campo da dialética de lógicas opostas, não no sentido de que as lógicas se opõem para que uma supere a outra e se sobressaia construindo uma verdade; diferentemente desta cosmovisão, uma interpretação baseada numa racionalidade ambiental (LEFF, 2006) utiliza a dialética das lógicas opostas no sentido de superar as contradições de ambas as lógicas e integrar as características das mesmas, no sentido de que “se o homem se refere à natureza, é que ele próprio é natureza; se, pelo contrário, a natureza se «cultivou», é que o desenvolvimento da vida produziu a hominização que, em compensação, a afecta.” (OST, 1997, p. 284).

Esta dialética de lógicas opostas fica evidente no quadro normativo. Quando a Lei n. 6.938/81 cuidou de conceituar o meio ambiente havia ali, em 1981, uma pré-história – no sentido de história anterior – entre direito e meio ambiente marcada por uma relação patrimonial e econômica dos bens da natureza. Ocorre que em 1981, num cenário real de mudança política com a redemocratização e fim do regime ditatorial, e econômica com o modelo nacionalista de desenvolvimento, cuidou o estado brasileiro de criar a PNMA. Com aquele conceito os juízes tinham que passar a trabalhar. Com a promulgação da CF/88 novo marco ambiental ocorreu no país com uma mudança de tratamento constitucional do meio ambiente que situou o meio ambiente no título Da Ordem Social, gerando nova linguagem jurídica de compreensão do meio ambiente. Contudo, há uma contradição entre o conceito expresso de meio ambiente no artigo 3°, I, da Lei n. 6.938/81 (conceito natural – biocêntrico) e o conceito implícito de meio ambiente no artigo 225 da CF/88 (conceito cultural/humano – antropocêntrico).

Essa contradição não precisa ser necessariamente expurgada. Ela pode ser mediada pelo magistrado no julgamento de casos concretos. Isto pode incorrer numa casuística. A casuística não implica necessariamente em prejuízo. Ela abre o leque para um jogo de vantagens e desvantagens. Como a sociedade brasileira irá lidar com este jogo antagônico e complementar é que vai determinar o curso das coisas. A casuística ataca o valor “segurança jurídica”, o qual demanda uma concepção geral de algo, de modo a reduzir a surpresa e o inesperado. É um valor importante, posto que confere estabilidade às relações sociais, porém contrasta com o inevitável acaso, inesperado e a desordem que podem surgir de conflitos ambientais concretos.

Pode o magistrado administrar a aparente contradição entre o conceito expresso de meio ambiente da PNMA e o conceito implícito de meio ambiente na CF/88, que dicotomiza visão biocêntrica e antropocêntrica, por meio da abordagem complexa multidimensional considerando o caso concreto apresentado e a multitude de relações envolvidas no conflito. É um caso típico em que há uma dificuldade em determinar aprioristicamente o conceito de meio ambiente, posto que determinar dedutivamente um conceito natural (biocentrico) é uma postura unidimensional, reducionista, multilante e simplificadora; de outro lado, determinar dedutivamente um conceito humano/cultural (antropocêntrico) é igualmente unidimensional, reducionista, multilante e simplificador. Há, para o magistrado, o desafio de enfrentar esta complexidade. Há, para ele, portanto, uma opção por revolucionar o pensamento e agir nem unidimensionalmente nem holisticamente, mas considerar a unitas multiplex a partir da complexidade.

Esta complexidade se dá no campo da abordagem da natureza-projeto (OST, 1997), para a qual o ser humano faz parte da complexidade de interações que existem no meio ambiente e que é incumbido da missão de construir uma ética da responsabilidade e da solidariedade intergeracional e isso fica evidente quando se trata de conflitos socioambientais, tal como num conflito ambiental do tipo ocupação de território por comunidade tradicional v. área de proteção permanente, nem a opção pelo conceito natural de meio ambiente com a consequente expulsão da comunidade tradicional nem a opção pelo conceito humano de meio ambiente com a consequente manutenção da comunidade tradicional em detrimento da preservação ambiental serão bem-sucedidas em termos de justiça ambiental.

O jogo de um ou outro é sempre perdedor. O jogo do ni l’un ni l’autre é mais fértil, pois permite a junção dos dois, no interior mesmo de suas próprias contradições: o conceito complexo de meio ambiente no direito implica buscar soluções, ainda que provisórias, para fazer dialogar a ocupação da comunidade tradicional com a preservação dos recursos naturais. Mas, como fazer isto no âmbito do sistema jurídico? Através de operações sistêmicas complexas capazes de considerar a complexidade do meio ambiente e das interações que surgem nos acoplamentos entre natureza e sociedade, tal como apontado por Luhmann (2002; 2016) na teoria de sistemas sociais.

2 A teoria sistêmica de Luhmann e a comunicação do direito ante a complexidade ambiental7

A teoria de sistemas sociais de Luhmann (2002) tem como categoria teórica fundante a diferença entre sistema e entorno e como operador comunicativo a linguagem. Para ele, o operador único que faz surgir a sociedade é a comunicação, de cuja operação “um sistema social surge quando a comunicação desenvolve mais comunicação, a partir da mesma comunicação.”8 (LUHMANN, 2002, p. 68, tradução livre). Assim:

A comunicação é a esperança de encontrar, para o social, um equivalente à operação bioquímica que aconteceu com as proteínas. Ou seja, a esperança de identificar o tipo de operador que possibilita todos os sistemas de comunicação, por mais complexos que tenham se tornado no curso da evolução: interações, organizações, sociedades. Tudo o que existe e que pode ser designado como social consiste, do ponto de vista de uma construção teórica que se baseia na operação, do mesmo impulso e do mesmo tipo de evento: comunicação.9 (LUHMANN, 2002, p. 68, tradução livre).

Desta forma, para a teoria sistêmica de Luhmann (2002) o que define o sistema é o operador que permite que o sistema, em sua autorreferencialidade, se produza e se mantenha. Este operador único é a comunicação – e não a ação como já pretendido em outras teorias sociais, tais como Weber e Habermas. Deste modo:

A comunicação é uma operação genuinamente social (e a única genuinamente social). É uma operação social porque pressupõe a participação de um grande número de sistemas de consciência, mas justamente por isso, como unidade, não pode ser atribuída a nenhuma consciência única. É social, porque de forma alguma uma consciência coletiva comum pode ser produzida, isto é, o consenso não pode ser alcançado no sentido de um acordo completo; e ainda, a comunicação funciona. Para resumir o que foi dito aqui, pode-se dizer: do ponto de vista da análise da forma, o sistema é uma diferença que é constantemente produzida a partir de um único tipo de operação. A operação realiza o fato de reproduzir a diferença sistema/ambiente na medida em que produz comunicação somente através de comunicação.10 (LUHMANN, 2002, p. 69, tradução livre).

Alerte-se que, para Luhmann, a comunicação precisa ter capacidade de auto-observação para que se possa diferenciar daquilo que não é comunicação, a qual opera o acoplamento entre autorreferência (observação de si mesmo) e heterorreferência (observação do entorno) por meio dos sistemas sociais e sistemas psíquicos. Esta é uma noção interessante do ponto de vista jurídico no que pertine ao acoplamento autorreferente que faz o direito (de si mesmo, de seus próprios códigos) com o heterorreferente (do entorno: política, economia, cultura, ecologia). Por exemplo: que referência fazem a CF/88, a PNMA, as decisões judiciais e a doutrina a outros sistemas na sua operação comunicativa?

Nesta operação comunicativa, realiza-se o fechamento operativo e a autopoiese, segundo a qual o sistema realiza operações próprias, internas ao sistema, que não se comunicam com o entorno, senão cairia, aqui, a noção de distinção sistema/entorno, tão cara à compreensão do sistema autopoiético. Referir, na linguagem da teoria dos sistemas de Luhmann quer dizer designar. A autorreferência do direito quer dizer auto-designação do direito. Há, portanto, o seu inverso: a heterorreferencia, que diz respeito a uma designação proveniente do ambiente do sistema (LUHMANN, 2016, p. 42).

É o que ocorre, por exemplo, com o corpo humano, conforme exemplificam Morin (2005a) e Folloni (2016): as células se reproduzem criando novas células vivas e passando pelo processo de morte celular sem que o corpo perceba que tudo isto está acontecendo. O corpo, sendo o entorno da célula, sofre as consequências destas operações, porém mantém-se vivo sem que o movimento das células ocasione a perda de um braço, por exemplo.

No direito, verifica-se isto no sentido de que, ao ocorrer um evento, uma situação, um fato, o direito fará seu sistema operar internamente a interpretação deste fato, definindo o que é lícito ou ilícito, o que justo ou o que é injusto, determinando direitos e obrigações a partir de operações próprias que somente ele pode realizar, posto que “qualquer observação do ambiente pressupõe a distinção entre auto-referência e heterorreferência, que só pode ser feita no sistema (...) Os sistemas operativamente fechados são constituídos apenas por operações internas.”11 (LUHMANN, 2002, p. 78, tradução livre).

É importante compreender com clareza que “com o fechamento não se entenda isolamento termodinâmico, mas apenas um bloqueio operacional, isto é, que as operações do sistema se tornam recursivamente possíveis devido aos resultados das próprias operações do sistema.”12 (LUHMANN, 2002, p. 78-79, tradução livre).

Neste sentido, o estudo de um sistema impende a uma descrição de como opera este sistema, tendo em vista que “quando se trata de descrever um sistema, as operações que o compõem devem ser determinadas com exatidão. Por exemplo (...) a operação comunicativa que é realizada com a linguagem.”13 (LUHMANN, 2002, p. 79, tradução livre), tal como foi feito na descrição da comunicação que é feita pelo sistema jurídico no tocante ao meio ambiente do ponto de vista da conceituação de meio ambiente.

Neste esforço de descrição do conceito de meio ambiente pode-se esperar do magistrado a sentença X porque ela já estava programada no sistema jurídico por meio da legislação já existente. Porém, não é como se dá – e nem deve ser – o sistema jurídico, posto que o juiz pode fazer uma reflexão nova, criativa, com fundamentos novos que podem conduzir a uma comunicação diversa (não contrária) da prevista no sistema (na legislação), configurando basicamente o fenômeno da juridificação, através dos fatores empíricos e sócio-históricos que interferem na decidibilidade, revelando o caráter profundamente reflexivo do direito (TEUBNER, 1996).

Por exemplo: a legislação determina que não pode haver ocupação e edificação em Área de Preservação Permanente (APP). Porém, é possível que uma comunidade ribeirinha esteja estabelecida naquela área de APP antes da promulgação do Código Florestal que define os limites desta área. O sistema prevê a desocupação da APP e a demolição das edificações. Porém, a CF/88 assegura o direito fundamental às terras tradicionalmente ocupadas. Do encontro destas duas regras jurídicas surge um conflito. O juiz é incumbido de resolver tal conflito14. Ele poderá: aplicar a CF/88 ou o Código Florestal ou confluir ambas regras ou aplicar outra regra ou criar uma solução não prevista ou ... ou ... as possibilidades são muitas e nisto consiste a complexidade.

Nesta aplicação do direito legislado, o magistrado está realizando um fechamento operacional do sistema jurídico, cuja operação é autopoiética, a qual se dá em relação ao entorno. Porém, como se dá esta relação? É através da noção de acoplamento estrutural que se pode compreender. Por exemplo: consciência (sistema psíquico) e comunicação (operador do sistema social) são sistemas autopoiéticos que se acoplam por meio da linguagem. No direito vê-se o acoplamento estrutural entre este e outros sistemas: economia, cultura, ecologia, ecossistema, política, religião, moral.

Na teoria sistêmica, o entrelaçamento entre tais sistemas, por exemplo, “é denominado acoplamento estrutural e decorre da Constituição Federal. A complexidade da sociedade contemporânea apresenta situações que põem à prova os limites operacionais dos sistemas envolvidos numa mesma questão.”15 (FRANÇA, 2015, p. 14).

Neste acoplamento entre consciência e comunicação se produz informação, a qual significa seleção de possibilidades que ocorre no fechamento operativo do sistema a partir de seu acoplamento estrutural com o entorno. A informação decorre de uma operação sistêmica de observação que é uma operação realizada pelo observador que “é um sistema que usa operações de observação recursivas como sequências para alcançar uma diferença em relação ao ambiente.”16 (LUHMANN, 2002, p. 116, tradução livre).

O observador, que é, ele mesmo, um sistema, observa o ponto cego da observação. Isto é o que (FOERSTER, 1979) chamou de observação de segunda ordem. Aquilo que o observador vê é o que a observação não está vendo. É como ocorre no sistema jurídico: o observador de primeira ordem, o legislador, observa, produzindo comunicação; os tribunais, observadores de segunda ordem, observam as observações feitas pelo observador de primeira ordem (legislador) produzindo comunicações a partir de informações que a primeira observação não viu. “A observação da segunda ordem não é o uso de uma lógica formal abstrata, mas o esforço para observar o que o observador não pode ver, por razões de posição.”17 (LUHMANN, 2002, p. 126, tradução livre). A observação foca no ponto cego do observador, em que “uma enorme redução de complexidade é realizada, devido ao fato de que se pode colocar de um lado a totalidade do mundo para se concentrar no que o outro observa: a especialização de observar a observação do outro.”18 (LUHMANN, 2002, p. 127, tradução livre).

Nesta operação sistêmica de seleção de possibilidades frente aos problemas ecológicos o sistema jurídico lida se acopla a outros sistemas mediado pela linguagem, que é o operador da comunicação que, como sistema social, acopla-se ao sistema de consciência, de modo a atribuir sentido às operações, às observações. Assim, a comunicação somente se realiza “quando a consciência está presente e presta atenção”19, posto que “no caso do acoplamento estrutural entre sistemas psíquicos e sociais, a tese fundamental é que os sistemas de comunicação (sociais) estão acoplados à consciência e a nada mais.”20 (LUHMANN, 2002, p. 202-203, tradução livre).

O direito, nesta perspectiva, é um sistema social de linguagem que processa sentido por meio de suas comunicações no enfrentamento dos conflitos ambientais, selecionando os significados de meio ambiente para poder realizar as operações jurídicas de interpretação dos problemas ecológicos. Assim, entenda-se que “somente se os sistemas psíquicos perceberem que as florestas estão se extinguindo, então a pressão pode ser exercida sobre a comunicação: pressão por decisões a serem tomadas no sistema político ou social...”21 (LUHMANN, 2002, p. 208, tradução livre).

Ato contínuo, para que se tomem decisões no sistema jurídico frente aos problemas ambientais é preciso uma nova percepção a partir de uma nova racionalidade. Com a mudança de percepção (da atual – antropocêntrica, capitalista, exploratória, depredatória, economicista; para uma nova – policêntrica, simbólica, substancial, cultural, policontextual) podem-se exercer novas pressões sobre as comunicações do sistema jurídico.

Como dito antes, o operador que faz acontecer este acoplamento entre sistemas psíquicos e sistemas de comunicação, como o jurídico, é a linguagem, que é “o meio fundamental de comunicação.”22 (LUHMANN; DE GIORGI, 2008, p. 68, tradução livre). Deste modo, sendo o operador da comunicação, “a linguagem possibilita, assim, a seleção de sentido e a redundância da repetição na comunicação”23, assim, sua função é servir de acoplamento estrutural entre consciência e comunicação (LUHMANN, 2002, p. 209-210, tradução livre).

Desta maneira, sendo o direito um sistema comunicativo, há que se investigar que sentido de meio ambiente o sistema de consciência introduziu na linguagem jurídica por meio da comunicação de leis e decisões. As seleções de possibilidades (informações) sobre conceito de meio ambiente são dadas através de sentidos atribuídos pelo sistema psíquico (consciência) acoplado ao sistema jurídico (comunicação) por meio da linguagem (direito/não direito).

Esta comunicação de que se vem reportando nesta breve descrição da teoria sistêmica de Luhmann, está implicada em operações que lidam com a complexidade, reduzindo-a quanto ao entorno e aumentando quanto ao interior do sistema. Na comunicação, o sistema atribui sentido aos fatos, aos objetos, às coisas, às pessoas, valorando, escolhendo, priorizando, cujo sentido “não é outra coisa senão uma maneira de experimentar e de perceber a inevitável seletividade.”24 (LUHMANN, 2002, p. 27, tradução livre). Estas operações sistêmicas de seleção de possibilidades estão constituídas por seleções de valor, de significado, de sentido, tal como é a seleção de possibilidades que o sistema jurídico faz na operação comunicativa de conceituação de meio ambiente.

Isto quer dizer que o direito tem uma função na sociedade que é participar na construção social da realidade, o que significa que “não apenas o sistema legal cumpre uma função para a sociedade - que ‘serve’ à sociedade - mas também que o sistema legal participa da construção da realidade na sociedade, de modo que na lei, como em toda a sociedade, os significados comuns das palavras podem e devem, ser pressupostos.”25 (LUHMANN, 1989, p. 138-139, tradução livre). Desta forma, palavras comuns adquirem sentidos e são pressupostas no sistema jurídico, assim como nos demais sistemas sociais. Para Luhmann, o direito se distingue do seu entorno/ambiente justamente em razão desta diferenciação funcional, pois:

A lei não é política e nem economia, nem religião e nem educação; não produz obras de arte, não cura doenças e não divulga notícias, embora não pudesse existir se tudo isso também não acontecesse. Assim, como todo sistema autopoiético, é e permanece em alto grau dependente de seu ambiente, e a artificialidade da diferenciação funcional do sistema social como um todo só aumenta essa dependência. E, no entanto, como um sistema fechado, a lei é completamente autônoma no nível de suas próprias operações. Somente a lei pode dizer o que é legal e o que é ilegal e, ao decidir essa questão, deve sempre se referir aos resultados de suas próprias operações e às consequências para as futuras operações do sistema. Em cada uma das suas próprias operações, tem que reproduzir a sua própria capacidade operacional. Alcança a sua estabilidade estrutural através desta recursividade.26 (LUHMANN, 1989, p. 139, tradução livre).

Nestas operações do sistema jurídico, a lei tem apontado insuficiências, por causa do déficit de racionalidade do próprio direito, para dar consistência ao sistema jurídico, o que encetou a necessidade de interpretação, a qual fez surgir métodos interpretativos que por sua vez não foram suficientes para alcançar aquela consistência; o que fez com que os tribunais passassem a fazer a interpretação com maior liberdade (abrandamento da dogmática jurídica, tolerância à ambiguidade, ponderação de valores, conceitos jurídicos indefinidos) (LUHMANN, 2016, e daí deriva a centralidade dos tribunais no funcionamento do sistema jurídico.

Isto implica em localizar a posição da lei, da decisão judicial, do legislador e da doutrina dentro do sistema. Esta é uma questão de diferenciação interna ao sistema que rejeita as clássicas proposições de diferenciação interna: lei/jurisprudência; direito público/direito privado; direito administrativo/direito constitucional; direito das obrigações/direito de família. “Essa distinção é determinada pela teoria do direito positivo que posiciona a discussão sobre se se deve partir de uma ou de mais fontes do direito.” (LUHMANN, 2016, p. 238). Na abordagem sistêmica, esta distinção não satisfaz a diferenciação interna ao direito.

Assim, “do ponto de vista da teoria da diferenciação, importa-nos, em primeiro lugar, o posicionamento dos tribunais como um sistema parcial diferenciado do direito”; a pergunta é: “qual a forma de diferenciação” para se diferenciar tribunais? (LUHMANN, 2016, p. 238, grifos do autor). Os juízes estão sempre em disposição da tarefa de interpretar leis. Eles o fazem mediante o esquema obrigatoriedade/liberdade/restrição que produz o direito (LUHMANN, 2016).

Ocorre que a evolução do direito se deu sob teorias jurídicas de diferenciação por hierarquia assimétrica e linear entre legislação/legislador e jurisprudência/juiz: primazia da legislação sobre o juiz que fica adstrito a diferenciar texto de lei de espírito da lei, descobrir a vontade do legislador e aplicar o direito. Em reação a estas teorias das fontes hierárquicas do direito vieram teorias realistas para reforçar que direito é o que os tribunais dizem que é direito. Em todo caso, cabe ao tribunal, na ocorrência de um caso concreto, tomar uma decisão. Mas, o que significa “tomar uma decisão?” (LUHMANN, 2016, p. 244). Em termos de conceito de meio ambiente, qual a decisão dos tribunais?

O critério de distinção dos tribunais no processo de diferenciação interna ao sistema do direito é a obrigatoriedade da decisão (a proibição do non liquet – não denegação da justiça), que não é imposta às leis nem aos contratos (LUHMANN, 2016, p. 254), que “devem, onde for necessário, transformar a indeterminação em determinação. Somente eles [os tribunais] estão coagidos a uma decisão e, por conseguinte, somente eles gozam do privilégio de poder transformar a coação em liberdade.”

Abstratamente, o conceito de meio ambiente da Lei n. 6.938/81 gera expectativas de conduta. O conceito de meio ambiente da doutrina gera informação / conhecimento / teoria / explicação. O conceito (significação / valoração / programa / semântica / seleção) dos tribunais é que gera decisão, é que lança comunicação no ambiente e nos outros sistemas, é que permite acoplamentos estruturais, é que viabiliza estabilização. Por isso, a questão do conceito jurídico de meio ambiente é relevante, já que os tribunais transformam indeterminação (o que é meio ambiente no sistema jurídico?) em determinação (no sistema jurídico meio ambiente é!).

Para situar os tribunais no sistema jurídico “impõe-se a necessidade de substituir o modelo hierárquico pelo de uma diferenciação entre centro e periferia.” (LUHMANN, 2016, p. 255). Nesse modelo de diferenciação, os tribunais se situam no centro do sistema do direito, pois a eles cabe decidir obrigatoriamente, e a lei e os contratos se situam na periferia, pois estão em maior contato com outros sistemas não jurídicos e com o ambiente, posto que àqueles não cabe decidir.

Esta é uma distinção que não se confunde com as noções de centro e periferia das teorias do desenvolvimento e “não formula nenhuma diferença de classe ou relevância social.” (LUHMANN, 2016, p. 257). Assim, do centro, os tribunais realizam observação de segunda ordem que é o modo de observação das decisões jurídicas interpretando “num sentido diferente, de maneira argumentativa: para demonstrar a ratio de sua própria decisão.” (LUHMANN, 2016, p. 260). Destaque-se que:

Quando a questão é submetida ao observador de segunda ordem (os Tribunais, por exemplo), ele observa a interpretação do direito que já foi realizada pelo observador de primeira ordem e ao realizar novo processo de argumentação, reconstrói os princípios e regras, num processo contínuo (...) A argumentação deve levar em conta, necessariamente, os princípios e regras jurídicas. (FRANÇA, 2015, p. 162-163).

Esta argumentação jurídica:

Tem de ser capaz de propor uma decisão acerca de lícito/ilícito, e de justificá-la. Decisões têm de ser tomadas no âmbito do sistema do direito, e os tribunais não podem se recursar a tomar uma decisão (e isso fundamenta a sua posição central no sistema). Toda e qualquer argumentação jurídica que apresente interpretações de textos faz referência a uma decisão e, na verdade, uma referência a decisões em questões de outrem. Por isso a argumentação jurídica tem de ser orientada pela comunicação. (LUHMANN, 2016, p. 259).

Esta comunicação, por meio da argumentação jurídica, é responsável pela constituição de conceitos jurídicos, tal como é o conceito de meio ambiente:

Os conceitos jurídicos só se desenvolvem durante os processos de argumentação e, acima de tudo, no curso de uma multiplicidade de repetições em situações de tomada de decisão. Os conceitos jurídicos surgem no trato com o texto, à medida que as distinções que o definem vão se tornando, por sua vez mais precisas, ou seja, quando elas próprias se distinguem. É isso o que acontece no argumentar (...) conceitos possibilitam a escolha de acesso a distinções já comprovadas, sem ter de remontar à sequência de sua geração, e também organizam novas e emergentes distinções neste nível. (LUHMANN, 2016, p. 304).

Tão relevantes são os conceitos formulados na argumentação jurídica que “com o auxílio de conceitos, as distinções podem ser armazenadas e tornadas disponíveis para um grande número de decisões. Em outras palavras, conceitos reúnem informações e, desse modo, produzem a redundância exigida no sistema” e “ao mesmo tempo fica claro que os conceitos jurídicos não têm a função primeira de possibilitar uma dedução lógica. São muito mais – e pelo menos desde a linguística de Saussure se pode formular assim – distinções.” (LUHMANN, 2016, p. 304-307).

Desta forma, o conceito jurídico de meio ambiente constitui uma distinção, uma seleção, uma informação, um sentido atribuído pelo sistema jurídico na tutela da questão ambiental. Saber qual a distinção que o sistema jurídico faz sobre meio ambiente importa na medida em que a depender da cosmovisão interpretativa adotada, a decisão jurídica em matéria de meio ambiente penderá para um lado ou para outro ou para um terceiro e assim sucessivamente, tendo em vista que “os conceitos constroem uma rede de segurança de caráter metatextual, que se faz disponível para a redundância do sistema.” (LUHMANN, 2016, p. 307). Isto posto, passa-se a apresentar o conceito jurídico de meio ambiente construído na jurisprudência analisada.

3 Atribuição de sentido ao meio ambiente nas cortes analisadas

Abaixo apresentam-se dados que revelam como os tribunais operaram comunicativamente o conceito de meio ambiente por meio de Acórdãos, que são o instrumento textual de manifestação dos mesmos. São 6 (seis) Acórdãos, sendo 1 (um) do STJ, 1 (um) do TRF 1ª Região, 1 (um) do TRF 2ª Região, 1 (um) do TRF 3ª Região, 1 (um) do TRF 4ª Região e 1 (um) do TRF 5ª Região. Os Acórdãos serão identificados da seguinte forma: Acórdão STJ; Acórdão TRF 1ª Região, Acórdão TRF 2ª Região, Acórdão TRF 3ª Região; Acórdão TRF 4ª Região; Acórdão TRF 5ª Região, de modo a individualizar os Acórdãos de cada tribunal. É relevante destacar o importante papel que tais comunicações geram no sistema jurídico e, consequentemente, no ambiente deste sistema, funcionando como balizas para lidar com os conflitos socioambientais. Os Acórdãos do STJ formam precedentes a serem seguidos pelas Cortes Inferiores e estas formam a jurisprudência que serve de parâmetro interpretativo para o movimento de decidibilidade sobre a natureza em sua relação interrelacional com o ser humano.

Cada Acórdão analisado foi lido de modo a identificar palavras, frases e expressões que indicassem explícita ou implicitamente noções conceituais de meio ambiente. Após esta primeira leitura, foram elaborados alguns códigos para categorizar segmentos de texto dos Acórdãos que continham tais conceitos. Estes códigos, que são assim chamados na linguagem do MAXQDA, foram elaborados à luz do marco teórico estudado e a partir dos próprios Acórdãos.

3.1 Codificação de trechos dos acórdãos no software para as análises

Com base na literatura de direito ambiental, foram elaborados os códigos: “conceito legal”, “conceito constitucional”, “meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho”, “meio ambiente como macrobem e microbem”, “meio ambiente natural” e “meio ambiente humano”; com base no pensamento complexo elaborou-se o código “dimensão de complexidade”; com base na teoria de sistemas sociais de Luhmann elaboraram-se os códigos “heterorreferência”, “autorreferência”, “pedagogia normativa”, “variação”, “redundância”, “acoplamento estrutural”, “outro fundamento jurídico”. Com base nos próprios Acórdãos, elaborou-se o código “interpretação social do conceito de meio ambiente”, que apareceu mais de uma vez e em mais de um Acórdão.

Os segmentos de texto dos Acórdãos que continham conceitos de meio ambiente e/ou construções argumentativas conceituais sobre meio ambiente receberam um ou mais dos códigos acima. Desta forma, os Acórdãos foram codificados para a realização da análise que agora se apresenta. Nesta análise, elaborou-se tabelas, gráficos e outras ferramentas para melhor visualização dos resultados. Para realizar esta codificação, analisou-se o voto do relator. Nos Acórdãos integrantes da amostra, o voto do relator foi seguido pelos demais ministros gerando acórdãos unânimes.

O código “conceito constitucional” foi atribuído aos segmentos de texto que conceituavam o meio ambiente com base no artigo 225 da CF/88. O código “dimensão de complexidade” foi atribuído a segmentos de texto que conceituavam o meio ambiente com base em uma construção argumentativa complexa, considerando o meio ambiente de maneira aglutinadora, interrelacional, contemplando natureza, ser humano, animais não humanos, seres vivos e não vivos e todo o plexo de relações que surgem a partir da interação entre estes, considerando-se valores econômicos, culturais, tradicionais, ecológicos, políticos, éticos.

O código “meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho” foi atribuído aos segmentos que conceituavam o meio ambiente com base nesta estrutura doutrinária quadrimensional. O código “conceito legal” foi atribuído aos segmentos de texto que continham conceito de meio ambiente com base no artigo 3°, I, da Lei n. 6.938/81.

O código “meio ambiente como macrobem e microbem” designa os seguimentos de texto que conceituam o meio ambiente desta forma. O código “Interpretação social do conceito de meio ambiente” foi atribuído aos segmentos de texto que conceituaram o meio ambiente a partir desta interpretação. Os segmentos de texto que receberam o código “meio ambiente natural” e “meio ambiente humano” designam, respectivamente, os seguimentos de texto que conceituam o meio ambiente através do conceito legal e do conceito constitucional, revelando-se aqui uma codificação simultânea de trechos com mais de um código. Fez-se desta forma com base na doutrina jusambiental que classifica o conceito do artigo 225 da CF/88 como um conceito antropocêntrico e o conceito do artigo 3°, I, da Lei n. 6.938/81 como um conceito biocêntrico, sendo que o primeiro é um conceito relativo ao ser humano e o segundo é um conceito relativo aos recursos naturais.

O código “heterorreferência” foi atribuído aos segmentos que, na argumentação, fazem referência a outros sistemas, tais como o sistema político, o sistema econômico e a outras fontes, tais como reportagem, literatura, arte e outras ciências. O código “autorreferência” foi atribuído aos segmentos que, na conceituação de meio ambiente, fundamentavam a argumentação em fundamentos jurídicos, tais como o conceito legal, o conceito constitucional e doutrina.

O código “variação” aparece nos segmentos de texto em que o tribunal inseriu informação nova no sistema, argumentando com novos elementos ou nova metodologia na conceituação de meio ambiente. O código “redundância” foi atribuído aos segmentos que reproduziram os conceitos autorreferentes do direito na conceituação de meio ambiente. O código “acoplamento estrutural” foi atribuído aos segmentos de texto em que se verificou mais de um sistema interessado no bem ambiental discutido, tal como nos Acórdãos em que os tribunais utilizaram argumentos econômicos ou políticos para fundamentar a decisão jurídica.

3.2 Meio ambiente no STJ e nos TRFs

Dos 6 (seis) Acórdãos analisados, verificou-se que o conceito constitucional de meio ambiente é mais presente do que o conceito legal e o conceito doutrinário. Na autorreferência sistêmica existem algumas possibilidades conceituais, como o conceito constitucional da CF/88 (bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida), o conceito legal da PNMA (conjunto de bens naturais) e o conceito doutrinário (natural, artificial, cultural e do trabalho). No seu operar comunicativo, o sistema jurídico selecionou como possibilidade mais frequente o conceito constitucional e isto implicou a produção de informação de que, para o direito, o meio ambiente é entendido como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que é um aspecto humano do meio ambiente. Vejam-se os dados do Gráfico 1 abaixo:

Gráfico 1 – Percentual de possibilidades sistêmicas do conceito de meio ambiente

Uma imagem contendo screenshot, texto

Descrição gerada automaticamente

Fonte: o autor (2019).

De acordo com este Gráfico 1, o sentido atribuído ao meio ambiente, e, portanto, a informação produzida no sistema jurídico, é a de que o meio ambiente é interpretado como um conceito humano, mais do que um conceito relativo aos recursos naturais e mais do que um conceito relacionado à complexidade ambiental, tendo em vista que nos Acórdãos analisados, 78,6% argumentam sobre o meio ambiente com base no conceito constitucional, ou seja, meio ambiente como satisfação de necessidades e interesses humanos. É como está posto na CF/88: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.” (BRASIL, 1988).

As três partes do conceito constitucional de meio ambiente estão referidas ao ser humano: a) a parte “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” está erigindo o meio ambiente à categoria de direitos. A ideia de direitos é referida ao ser humano, posto que somente ele é reconhecido como sujeito de direitos no sistema jurídico brasileiro27; b) a parte “bem de uso comum do povo”, cuja parte é entendida como a natureza difusa do meio ambiente, está referida à natureza patrimonial de “bem” e de “usufruto” de uma coletividade indivisa. Ora, bem e usufruto são vocábulos de uma linguagem jurídica patrimonialesca, seja ela atribuída ao particular, ao Estado ou à coletividade indeterminada; c) a parte “essencial à sadia qualidade de vida” é herança da compreensão de meio ambiente como objeto de garantir a saúde humana do sistema constitucional anterior ao de 1988.

A interpretação desta estrutura tripartite do art. 225 da CF/88 é toda voltada para o ser humano, o seu bem-estar, a sua saúde e o seu gozo. A jurisprudência analisada, ainda que tenha outras possibilidades sistêmicas e do ambiente, seleciona este conceito humano de meio ambiente como autodesignação, revelando as interações que surgem quando se relaciona trechos argumentativos dos Acórdãos com as possibilidades do conceito jurídico de meio ambiente.

Do ponto de vista do pensamento complexo, isto implica num reducionismo do conceito de meio ambiente. Do ponto de vista da teoria de sistemas sociais de Luhmann, implica alto grau de redundância sistêmica em relação à CF/88. Na observação de segunda ordem, os tribunais não têm realizado variação sistêmica, não têm introduzido informação nova em suas operações comunicativas de atribuição de sentido ao meio ambiente.

Evolutivamente, isto configura que o sistema jurídico está cumprindo sua função de estabilizar expectativas normativas por meio da segurança jurídica. Contudo, não demonstra abertura cognitiva para lidar com a surpresa, o acaso e o imprevisível em termos ambientais. O conceito constitucional, como é dirigido e centrado no ser humano, não está pronto para enfrentar a complexidade do meio ambiente. Consequentemente, a jurisprudência que interpreta o meio ambiente com este significado constitucional não está também suficientemente preparada para lidar com a complexidade ambiental.

Os dados anteriores podem ser visualizados numa nuvem de códigos em que quanto maior a presença do código nos Acórdãos analisados, maior ele será representado na nuvem.

Figura 1 – Nuvem de códigos relacionados ao conceito de meio ambiente

Tela de celular com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: o autor (2019).

A nuvem acima demonstra que o centro do sistema jurídico brasileiro, na realização de sua operação sistêmica de lidar com as irritações do meio ambiente, considera mais a CF/88 na argumentação do que a PNMA. Há menos referência a outros fundamentos jurídicos e não jurídicos. Há menos referência ao conceito doutrinário de meio ambiente. Há menos operações de complexidade no interior do sistema. Há maior redundância do que variação no sistema jurídico no tocante à informação do que é o meio ambiente.

Ante tais dados gerais, ato contínuo, passa-se a apresentar as particularidades de cada Acórdão quanto à construção conceitual de meio ambiente.

3.2.1 Construção argumentativa-jurisprudencial de meio ambiente

Na observação sistêmica, o Acórdão STJ28 fundamentou o conceito de meio ambiente na PNMA e na CF/88, citando os artigos 3° e 225, respectivamente. Assim, na autorreferência sistêmica, este Acórdão adota os conceitos legal e constitucional para definição do meio ambiente. Esta operação é de redundância em relação aos programas da Lei n. 6.938/81 e da CF/88. Abaixo, segue Quadro 1 com exposição de trechos extraídos do Acórdão STJ que revelam estas observações sistêmicas.

Quadro 1 – Observações sistêmicas do Acórdão STJ sobre meio ambiente

Nome do documento

Código

Segmento de texto do Acórdão

Acórdão STJ

Conflito

Incêndio, decorrente da prática de queimada em terreno que atingiu imóvel rural de vizinho, provocando a morte de alguns animais, bem como a degradação do solo e destruição de cercas e pastagens.

Observações sistêmicas

“Transcreve-se, pela pertinência, o disposto no artigo 3º da Lei n. 6.938/1, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente: Art ٣º- Para os fins previsto nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas.”

“Dos citados preceitos normativos, é possível extrair a dupla proteção conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro a bem em comento (meio ambiente), ou seja, em sua versão de macrobem e, ainda, em vista dos interesses pessoal e particular no microbem ambiental.”

“Neste ponto, cumpre ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, além de consolidar a ideia de que o meio ambiente saudável é um direto de toda coletividade – o que fez no caput do artigo 225 -, consagrou e consolidou o dever de indenizar os danos decorrentes de condutas lesivas ao meio ambiente, o qual já estava previsto no âmbito infraconstitucional (Lei n. 6.938/1). Art. 225. Todos têm direto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.”

Fonte: o autor (2019).

Além de fundamentar nos conceitos legal e constitucional, o Acórdão STJ insere as noções doutrinárias de macrobem e microbem ambiental. Esta noção é uma compreensão fragmentária de meio ambiente, que fraciona a totalidade que o meio ambiente é em pequenas partes que o compõem, tais como os recursos naturais. A doutrina aponta que o meio ambiente possui tais dimensões e afirma que esta é uma maneira de proceder que auxilia no trato das questões ambientais (FIORILLO, 2012). De outra perspectiva, porém, esta fragmentação do meio ambiente em macrobem e microbem é consequente natural da postura positivista e analítica do pensamento cartesiano que influenciou o direito e a ciência jurídica no século XIX e XX.

No Acórdão TRF 1ª Região29, este se caracteriza por contemplar o conceito constitucional, o conceito doutrinário, a atribuição do sentido humano ao meio ambiente, a dimensão de complexidade, outros fundamentos jurídicos e a heterorreferência a outros fundamentos não jurídicos, conforme Quadro 2 abaixo:

Quadro 2 – Observações sistêmicas do Acórdão TRF 1ª Região sobre meio ambiente

Nome do documento

Código

Segmento de texto do Acórdão

Acórdão TRF1ª Região

Conflito

Suspensão do licenciamento da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires, até que se realize a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, afetados pela referida obra.

Observações sistêmicas

“É importante ouvir o que as próprias comunidades indígenas afirmam sobre o licenciamento da UHE Teles Pires.”

“Aspecto espiritual e sociocultural.”

“Conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.’

“Sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas.”

“O Salto Sete Quedas do Rio Tapajós consagra exatamente um santuário ecológico onde todas as crenças, espíritos dos antepassados, esta sinergia dos ecossistemas intergeracionais dos povos indígenas ali se consagram, e que o olhar puramente empresarial financeiro não visualiza isso.”

“Como é que se obtêm licenças prévias de instalação e de operação de um mega projeto minerário sem a fiscalização rigorosa dos órgãos ambientais locais.”

“A questão está exatamente em atingir o que há de mais sagrado para a cultura indígena: o seu habitat natural, os seus meios de subsistência e o seu referencial espiritual no Salto de Sete Quedas.”

“Na descrição de Monteiro Lobato, o índio é andante e busca uma economia renovada pela natureza.”

“O art. 225 da Constituição diz: Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Sabemos muito bem que o poder econômico busca, nessas questões ambientais, ir vencendo etapas para poder chegar ao objetivo final.”

“A consulta aos grupos é requisito constitucional para qualquer empreendimento de exploração de recursos hídricos e de riqueza mineral. É preciso um olhar atento a este tipo de indivíduos e sua ligação simbiótica com a natureza. (...).”

“Existe o Avatar do intocável Mágico Criador da cultura ecológica desses Povos Indígenas (Kayabi, Munduruku e Apiaká), que serão atingidos gravemente em suas crenças, costumes e tradições, nascidas em suas terras imemoriais, tradicionalmente por eles ocupadas.”

Fonte: o autor (2019).

Neste Acórdão TRF 1ª Região chama atenção a seleção de possibilidades feita pelo sistema: estão contemplados o conceito constitucional, o conceito doutrinário e também uma construção complexa de meio ambiente em que foram considerados, na decisão jurídica, aspectos morais, éticos, antropológicos, históricos e simbólicos de uma comunidade indígena em detrimento do interesse econômico em construir uma usina hidrelétrica em local com significado simbólico desta comunidade tradicional.

Aqui, com autorreferência na CF/88 e em documentos jurídicos internacionais, com heterorreferência nos valores espirituais étnicos e em obra de literatura como a de Monteiro Lobato, o magistrado interpretou o meio ambiente a partir desta complexidade ambiental, adotando uma racionalidade jurídico-ambiental, erigindo valores ambientais culturais em categoria de maior importância do que valores econômicos. É um acórdão vanguardista no conjunto dos acórdãos analisados, posto que insere informações novas no sistema jurídico, ocasionando uma variação sistêmica por meio de fundamentos para além dos códigos do próprio sistema.

Por sua vez, o Acórdão TRF ٢ª Região30 utilizou o conceito constitucional e o conceito legal para definir o meio ambiente e atribuiu tanto o sentido de meio ambiente natural quanto de meio ambiente humano. O Quadro 3 abaixo indica as seleções feitas pelo Acórdão TRF 2ª Região na interpretação do conceito de meio ambiente.

Quadro 3 – Observações sistêmicas do Acórdão TRF 2ª Região sobre meio ambiente

Nome do documento

Código

Segmento de texto do Acórdão

Acórdão TRF 2ª Região

Conflito

Demolição de ponte existente em área ambiental.

Observações sistêmicas

“O conceito de meio ambiente foi trazido pela Lei 6.938/81, sendo inovador por estender a proteção jurídica a todos os elementos da natureza de forma interativa e integral.”

“Contudo, foi a Carta Magna de 1988 que consagrou em definitivo o meio ambiente enquanto direito difuso no artigo 225, caput, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.”

“É certo que a Constituição Federal de 1988 dimensionou de forma significativa o meio ambiente, ampliando sua conceituação ao trazer o ser humano ao centro da questão ambiental.”

“Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”

Fonte: o autor (2019).

Conforme Quadro 3 acima, o Acórdão TRF 2ª Região, na seleção de possibilidades, fundamentou o conceito de meio ambiente tanto no conceito legal quanto no conceito constitucional, dando ênfase ao conceito constitucional e à centralidade que a CF/88 confere ao ser humano no tocante ao meio ambiente. A interpretação deste Acórdão e, portanto, o preenchimento do conteúdo do meio ambiente, deu-se no sentido de entender que o conceito legal da PNMA não colocava o ser humano no centro do meio ambiente, cujo papel foi realizado pelo conceito constitucional, revelando, aqui, o reforço sistêmico quanto à antropocentrização do conceito de meio ambiente.

O conflito ambiental objeto deste Acórdão tratava-se de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) objetivando a demolição de estruturas e construções irregularmente efetivadas na Reserva Biológica do Tinguá por pessoa física que alega ter feito benfeitorias em construção já existente no local. O relator não constatou prova de que as construções já se encontravam no local da reserva ao tempo da transmissão da propriedade. Deste modo, manteve a sentença incluindo a condenação em demolir as construções realizadas nesta APP.

Neste caso, ainda que reforçando a centralidade do ser humano no conceito de meio ambiente, o relator votou pela demolição das edificações situadas na área de APP. Deste modo, a decisão judicial, ainda que argumentando pelo conceito antropocêntrico de meio ambiente, resultou em proteção da área de reserva conforme determina o código florestal. Aqui, o Acórdão TRF 2ª Região decidiu pela proteção e preservação dos recursos naturais integrantes da APP em prejuízo do interesse humano em manter edificações construídas, porém com argumentação dissonante em relação ao conteúdo da decisão.

Este é um caso em que a autorreferência e a informação produzida geraram uma comunicação confusa, do ponto de vista em que o argumento foi numa direção – antropocêntrica – e a decisão foi em outra – biocêntrica. Demonstra que o sistema jurídico possui um déficit de racionalidade no tocante à sua argumentação e seleção de possibilidades.

No Acórdão TRF 3ª Região31, o conceito constitucional e o sentido humano de meio ambiente estão largamente presentes no documento, conforme Quadro 4 abaixo:

Quadro 4 – Observações sistêmicas do Acórdão TRF 3ª Região sobre meio ambiente

Nome do documento

Código

Segmento de texto do Acórdão

Acórdão TRF 3ª Região

Conflito

Danos ambientais consistentes em derramamento de produto químico “Xileno Misto”, contido em navio, no mar.

Observações sistêmicas

“A Constituição define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.”

“O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é direito de todos, protegido pela própria Constituição Federal, cujo art. 225 o considera ‘bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’. É o que os autores chamam de direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano.”

Fonte: o autor (2019).

Este Acórdão aponta o conceito de meio ambiente com base no conceito constitucional. O destaque para este Acórdão dá-se na fundamentação feita em outro fundamento jurídico que não o conceito legal e o conceito constitucional, o qual selecionou a doutrina de direito ambiental como fundamento de decidir com base na ideia de meio ambiente como direito de terceira geração, que corresponde aos direitos difusos, transindividuais e transcoletivos.

O Acórdão TRF 4ª Região32 apresenta-se de modo diferente dos anteriores, contemplando outros aspectos em seu texto. Este utilizou o conceito doutrinário, o conceito complexo, o conceito constitucional, o conceito legal e outro fundamento jurídico para definir o meio ambiente. O Quadro 5 abaixo revela como o TRF 4ª Região construiu o conceito de meio ambiente na sua operação comunicativa:

Quadro 5 – Observações sistêmicas do Acórdão TRF 4ª Região sobre meio ambiente

Nome do documento

Código

Segmento de texto do Acórdão

TRF 4ª Região

Conflito

Danos causados ao meio ambiente, na localidade entre a margem da Lagoa do Capri e a Rua Blandina Steiner Beckhauser (Município de São Francisco do Sul/SC), além da decretação de nulidade de todas as licenças, alvarás e inscrições de ocupação das áreas localizadas afetadas.

Operações sistêmicas

“No que concerne ao meio ambiente, [...] o conteúdo dessa expressão não mais se resume ao aspecto naturalístico (= biota) antes referido, mas comporta uma conotação abrangente, “holística”, compreensiva de tudo o que cerca (e condiciona) o homem em sua existência e no seu desenvolvimento na comunidade a que pertence e ainda na integração com o ecossistema que o cerca.”

Fonte: o autor (2019).

Neste trecho, o TRF 4ª Região, por meio deste Acórdão, demonstrou que interpreta o meio ambiente como um conceito holístico, abrangedor da natureza, do espaço construído, da cultura e do trabalho e que o direito positivo brasileiro, nele inseridas a PNMA e a CF/88, com seus respectivos conceitos de meio ambiente, contempla este conceito amplo, abrangente e holístico de meio ambiente, destacando que este não se resume ao seu aspecto naturalístico.

O que chama a atenção neste Acórdão é, portanto, que há uma construção conceitual que procura superar a abordagem de meio ambiente como sinônimo de natureza. No esforço de preenchimento do conteúdo do conceito de meio ambiente, o Acórdão TRF 4ª Região, o interpreta como mais do que a soma de recursos naturais. Esta é uma perspectiva que constitui avanço na evolução do sistema jurídico no tocante ao entendimento de que o ser humano não se situa fora do meio ambiente, mas dentro dele. O que sobreleva refletir é sobre qual a posição do ser humano neste meio ambiente: é o centro ou é um dos centros? O acórdão TRF 4ª Região argumenta que o ser humano integra o meio ambiente que é o local de seu desenvolvimento em comunidade. O problema aqui não é o ser humano desenvolver-se no meio ambiente e interagir com os ecossistemas. O problema é: como o faz? Com que cosmovisão? Que valor atribui a este meio ambiente? Qual a ética deste meio ambiente para o ser humano que nele se desenvolve?

No caso do Acórdão TRF 5ª Região33, verifica-se a presença de dimensão de complexidade, interpretação social do conceito de meio ambiente, outro fundamento jurídico, heterorreferência, em que a dimensão de complexidade está mais presente do que as demais codificações. Abaixo, segue Quadro 6 com o conflito que ensejou o caso e as observações sistêmicas, cujos trechos são reproduzidos em razão da importância da argumentação para a análise.

Quadro 6 – Observações sistêmicas do Acórdão TRF 5ª Região sobre meio ambiente

Nome do documento

Código

Segmento de texto do Acórdão

Acórdão TRF 5ª Região

Conflito

Ocorrência de dano ambiental, o qual foi mitigado tendo em vista que a determinação da demolição das edificações no local, não faria retornar o meio ambiente ao seu estado originário antes das obras.

Observações sistêmicas

“Levando-se em consideração a condição da comunidade que ali habita, em sua maioria de pessoas de baixa renda.”

“Deve o Poder Judiciário analisar a questão ambiental em conjunto com a questão social envolvida, considerando que se formou uma comunidade na região em lide. Outrossim, é certo que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não obstante derivado de direito fundamental, não tem natureza absoluta. Pode, sim, ser excepcionado em ocasiões em que se mostre em colisão com outro direito de igual ou superior relevância, também previsto na Carta Constitucional.”

“Interpretação social do conceito de meio ambiente.”

Fonte: o autor (2019).

Neste Acórdão, verificam-se pistas para um pensamento complexo ambiental. Em sua argumentação, o magistrado leva em consideração a comunidade de baixa renda que habita a APP. Além disso, alerta que o Poder Judiciário deve orientar suas operações para a questão social envolvida no conflito e para o caráter não absoluto de nenhum direito, incluindo-se aí o meio ambiente natural. Esta é uma pista de que, para o magistrado acima, não se há que colocar no centro nem o ser humano nem a natureza, mas ambos. Esta é uma dimensão de complexidade ambiental. Em seu operar comunicativo, o sistema jurídico realizou heterorreferência no momento em que se designou a si mesmo, levando em consideração para sua decisão outros fundamentos, com base na baixa renda da população e com base na estrutura administrativa provida pelo município para esta população.

As ocupações em área de APP fazem sempre incidir a irritação interna ao sistema: demolir edificações, tendo em vista a preservação da APP e considerando-se que o meio ambiente é um conjunto de condições, leis, influências e interações, de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, adotando-se, portanto, o conceito legal biocêntrico preservacionista; não demolir as edificações, mesmo que tenham sido construídas em área de APP, tendo em vista que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, adotando-se, portanto, o conceito constitucional antropocêntrico utilitarista.

Aqui reside o conflito positivista ocidental de caráter dualista “ou ou” em que: ou faz a demolição para preservar os recursos naturais ou não faz a demolição para preservar as habitações e atividades humanas já em curso na localidade a ser protegida. O esquema binário “ou ou” não atende à complexidade da demanda. O esquema complexo “nem um nem outro, mas ambos”, ou seja, a unitas multiplex, fornece mais recursos e instrumentos para justiça ambiental.

Na avaliação, o magistrado, o tribunal, o direito, deve considerar: que edificações são estas? Estas pessoas sobrevivem do ecossistema desta área? Se elas forem retiradas e realocadas, qual será o seu destino? Terão novo trabalho? Terão nova renda? Conseguirão viver em outro ambiente com outros significados? As edificações importam algum benefício para o ecossistema e para as pessoas? Estas pessoas têm condições de serem treinadas a permanecer na área protegida adotando práticas interativas com o meio ambiente sem degradar negativamente? É possível construir um saber ambiental nestas comunidades? Existe aparelho estatal para dar conta de fiscalizar tais práticas? É possível uma convivência entre a comunidade e os recursos naturais sem depauperamento do ecossistema e dos seres humanos? Todo este questionamento faz parte de um caminho intelectual de pensamento complexo, de racionalidade ambiental, de ética ambiental, de uma dialética conciliadora e não dos contrários, de um pensamento não reducionista, não dualista, de uma cosmovisão pluricêntrica e multifacetária.

Não há como decidir previamente com base em uma abstração geral. O caso concreto é importante para que o magistrado possa considerar tais questões. Isto não implica em relativismo ou casuísmo nem em metodologia indutiva. Implica, outrossim, numa postura complexa em que as condições são particulares e devem receber tratamento conforme sua situação particular. Há, aqui, um grande desafio para o direito: a famigerada segurança jurídica. Ocorre que a segurança jurídica é uma ilusão sistêmica. Por mais que o sistema funcione e opere para estabilização de expectativas normativas, estará sempre diante do imprevisto e do acaso. Neste aspecto, a observação sistêmica caso a caso será de papel importante. O que poderá ser criado pelo sistema, em termos de segurança jurídica, será para as situações que se encontram em mesmas ou semelhantes circunstâncias.

Se uma área de APP é ocupada por condomínios luxuosos ou pela atividade econômica, por exemplo, na qual haverá degradação sem cuidados e preservação, naturalmente, o sistema jurídico deve pedagogicamente desencorajar por meio de seus códigos e programas preventivos e sancionatórios. Outrossim, em localidades que sobrevivem comunidades que lidam com a natureza preservando-a, o sistema jurídico deverá também, pedagogicamente, decidir casos futuros com base numa cosmovisão ambiental pluricêntrica em que o ser humano faz parte e não constitui o centro, podendo e devendo conviver com a natureza. Aqui, no entanto, se impõe um outro grande e relevante desafio: o problema da fiscalização e do controle. Uma tal postura do sistema jurídico, imporá, necessariamente, uma autovigilância sistêmica constante e séria. Ocorre que o acoplamento estrutural entre direito, política e economia, no Brasil, é estreito a tal ponto de o sistema jurídico se corromper e passar a decidir com base no código político e no código econômico.

No caso do Acórdão TRF 4ª Região é evidente a diferença circunstancial e fática em relação ao conflito entre direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de propriedade em que os interessados na propriedade são representantes de setores economicamente autossuficientes, sabedores e conscientes da instalação de seus empreendimentos em área de APP, cujas instalações são realizadas de livre escolha; no caso do Acórdão TRF 5ª Região, trata-se, a controvérsia, de comunidade de baixa renda, instalada na APP por força do próprio Município que as instalou e que lhes forneceu serviços públicos essenciais, cuja comunidade não possui livre escolha de transferir habitação para outra localidade.

A irritação jurídica é a mesma: ocupação irregular em área de APP, contudo, os ocupantes e as circunstâncias das ocupações diferem, sobretudo, em grau econômico. Fica demonstrado que em conflitos como estes, com mesma irritação sistêmica, subsiste a questão da confusão argumentativa no preenchimento do conteúdo do conceito de meio ambiente: a interpretação social de meio ambiente no primeiro caso serve a interesse econômico e no segundo caso serve a interesse legitimamente social, posto que cuida de direitos sociais básicos como habitação, tal como inscrito no artigo 6° da CF/88. Volta-se à pergunta anteriormente formulada: a questão central não é que a interpretação do meio ambiente seja uma interpretação social, a questão é quem é o social da interpretação social do meio ambiente?

Há, pelo menos, dois caminhos para uma interpretação social do meio ambiente: a) antropocêntrica, em que o centro da proteção ambiental será o ser humano e seus interesses econômicos na exploração dos recursos naturais; b) pluricêntrica, em que o ser humano faz parte do meio ambiente e com ele conviverá seguindo modelos e metodologias ambientais não depredatórias, mas conciliatórias, tal como fazem, por exemplo, comunidades tradicionais com os seus saberes ambientais.

4 Conclusão

A partir dos dados apresentados e analisados conclui-se que os tribunais brasileiros, nos Acórdãos analisados, restringem a sua atividade interpretativa do conceito de meio ambiente aos parâmetros hermenêuticos da PNMA e da CF/88, ocasionando uma redundância sistêmica no direito quanto ao sentido juridicamente atribuído ao meio ambiente. Conforme apontado nos resultados esta redundância é maior em relação ao conceito constitucional de meio ambiente. Isto implica dizer que os tribunais brasileiros observam o meio ambiente num viés antropocêntrico, patrimonial e utilitarista, tendo o ser humano no centro de consideração moral do meio ambiente, o que leva à abordagem privatista, ainda que de natureza difusa, segundo a qual o meio ambiente é fornecedor de recursos naturais para apropriação econômica e, no seu estado ecologicamente equilibrado, é provedor de boas condições de vida para a saúde humana.

Tal hermenêutica judicial-ambiental revela-se condizente com um modelo de racionalidade que não internaliza valores ambientais, posto que guiada por uma racionalidade econômica e instrumental conforme a qual natureza é meio para se atingirem fins. Além disso, no que diz respeito ao pensamento complexo, a interpretação de meio ambiente analisada nos tribunais demonstra a adoção de um pensamento simplificador e reducionista para o qual ou o meio ambiente é natureza ou é objeto.

Este modo de operar a comunicação sobre o sentido de meio ambiente não permite espaço para uma abordagem do meio ambiente como complexidade: nem natureza em objeto. O meio ambiente, sendo um sistema hipercomplexo, não se restringe a recursos naturais nem a aspectos culturais. Ele é, por essência, um conceito correlacional, por isto mesmo é complexo: se compõe de muitas partes e todas elas interagem entre si e com o próprio sistema.

Os dados analisados levam a concluir que o meio ambiente está sendo interpretado antropocentricamente, guiado pelo interesse humano de exploração econômica dos recursos naturais. Uma vez construído o empreendimento, o sistema jurídico não ordenará a demolição, porque irá considerar a questão econômica (atividade econômica) e a questão social (emprego da população) envolvidos. Esta postura abre caminho para se interpretar que para o setor econômico será sempre mais vantajoso construir e depois enfrentar a ação judicial do que regularizar sua situação antes de eventual ação judicial. Ou seja, o direito está agindo sempre repressivamente e não preventivamente para evitar que as construções comecem.

O movimento a ser realizado deveria ser o inverso. A lógica jurídica deveria ser outra: funcionar pedagogicamente para evitar que construções diversas sejam realizadas em área de APP de modo a desencorajar estas edificações irregulares. Porém, da forma como os conflitos estão acontecendo, as construções estão sendo feitas e após é que as demandas estão sendo formuladas no Poder Judiciário que, diante de uma obra construída, com empregos criados e famílias dependentes de tais empregos, não seleciona outra possibilidade que não seja manter o empreendimento de modo a interpretar o meio ambiente antropocentricamente.

Ainda que o conceito constitucional contemple a fundamentalidade do meio ambiente, esta seleção está mais relacionada à antropocentrização do meio ambiente e menos à biocentrização e à complexificação do meio ambiente. As menções feitas ao social e ao humano estão dirigidas ao viés antropocêntrico da concepção de meio ambiente. Isso põe em questão a justiça ambiental e a internalização de valores ambientais no sistema jurídico. A eficácia das normas ambientais fica, portanto, comprometida, posto que não há internalização de valores ambientais no nível jurisprudencial do sistema jurídico.

Há, outrossim, reforço do viés patrimonialista e status de propriedade da concepção de meio ambiente. No seu operar comunicativo, o sistema jurídico brasileiro, comunica que o meio ambiente é objeto de propriedade e, portanto, apartado do ser humano. Isto compromete a eficácia das normas ambientais e o atingimento da justiça ambiental cujo caminho estratégico está sendo delineado pelo pensamento complexo e não pelo pensamento simplificador: ou humano ou natureza. Esta dialética dualista, ou melhor, duelista, não atende à necessidade de mudança operativa no sistema jurídico sobre o que é meio ambiente e como lidar com ele juridicamente. Nem humano, nem natureza, mas humano e natureza.

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1 Doutora em Ciências Jurídicas pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/CCJ/UFPB). Doutorado sanduíche no Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Direito Ambiental, Planejamento e Urbanismo na Universidade de Limoges (França) com bolsa CAPES na vigência 2017/2018, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES). Professora da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UACS/CH/UFCG). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Saberes Ambientais e Culturais: Estudos em Homenagem a Enrique Leff (ESAEL/CNPq). Editora Adjunta da Revista Prim@ Facie. Vice-Diretora do Instituto o Direito por um Planeta Verde (IDPV). Rua Aprígio Veloso, 882, Bairro Universitário | Campina Grande - PB | CEP: 58492-900 – Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7443-0404. alana.ramos@ufcg.edu.br; ara.alanapb@gmail.com

2 Sobre interpretação do conceito legal de meio ambiente como um conceito biocêntrico, consultar BARBOSA, Erivaldo Moreira. Introdução ao direito ambiental. Campina Grande: EDUFCG, 2007; BRITO, Fernando de Azevedo Alves. O que é meio ambiente?: divagações sobre o seu conceito e a sua classificação. 1. ed. Curitiba: Honoris Causa, 2011; FARIAS, Talden. O conceito de meio ambiente na ordem jurídica brasileira. p. 59-74. In: BRAVO, Álvaro Sanchez. Justicia y medio ambiente. Espanha: Punto Rojo Libros, 2013; SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

3 Sobre interpretação do conceito constitucional de meio ambiente como um conceito antropocêntrico, consultar ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012; LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: RT, 2003; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Ambiental: introdução, fundamentos e teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2014.

4 É importante destacar que a pesquisa contemplou 16 Acórdãos na parte jurisprudencial, porém apresenta-se neste artigo uma parte destes documentos em virtude do limite máximo de páginas estabelecido pela revista. Para consulta da pesquisa completa, ver em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/16855. Acesso em: 28 mar. 2022.

5 “Tissu (complexus: ce qui est tissé ensemble) de constituants hétérogènes inséparablment associes: elle pose le paradoxe de l’um et du multiple.”

6 “Tissu d’événements, actions, interactions, rétroactions, déterminations, aléas, qui constuent notre monde phenomenal.”

7 Esta seção tem como objetivo expor conceitos básicos da teoria sistêmica de Luhmann quanto ao direito, os quais são relevantes para metodologicamente compreender como o direito se relaciona com a natureza a partir da abordagem escolhida na pesquisa que foi a análise de decisões judiciais. Aqui serão apresentados tais conceitos fundamentalmente embasados em trabalhos diferentes do teórico escolhido em diferentes momentos de sua construção teórica.

8 “un sistema social surge cuando la comunicación desarrolla más comunicación, a partir de la misma comunicación.”

9 “La comunicación se erige como la esperanza de encontrar para lo social, un equivalente a la operación bioquímica que aconteció con las proteínas. Es decir, la esperanza de identificar el tipo de operador que hace posible todos los sistemas de comunicación, por más complejos que se hayan vuelto en el transcurso de la evolución: interacciones, organizaciones, sociedades. Todo lo que existe y que se pueda designar como social consta, desde el punto de vista de una construcción teórica que se fundamenta en la operación, de un mismo impulso y un mismo tipo de acontecimiento: la comunicación.”

10 “La comunicación es una operación genuinamente social (y la única genuinamente tal). Es una operación social porque presupone el concurso de un gran número de sistemas de conciencia, pero precisamente por eso, como unidad, no puede ser atribuida a ninguna conciencia sola. Es social, porque de ningún modo puede ser producida una conciencia común colectiva, es decir, no se puede llegar al consenso en el sentido de un acuerdo completo; y sin embargo, la comunicación funciona. Para resumir lo hasta aquí expuesto se puede decir: desde el punto de vista del análisis de la forma, el sistema es una diferencia que se produce constantemente a partir de un sólo tipo de operación. La operación lleva a efecto el hecho de reproducir la diferencia sistema/entorno en la medida en que produce comunicación sólo mediante comunicación.”

11 “Toda observación del entorno presupone la distinción entre autorreferencia y heterorreferencia, la cual sólo puede hacerse en el sistema (...) Los sistemas clausurados operacionalmente se constituyen sólo mediante operaciones internas.”

12 “Con clausura no se entiende aislamiento termodinámico, sino solamente cerradura operacional, es decir, que las ope-raciones propias del sistema se vuelven recursivamente posibles por los resultados de las operaciones propias del sistema.”

13 “Cuando se trata de describir un sistema se deben determinar con exactitud las operaciones que lo conforman. Por ejemplo (...) la operación comunicativa que se efectúa con el linguaje.”

14 Ainda que não resolva, pois, no mundo dos fatos, dificilmente a resposta jurídica resolve conflitos. Ela resolve mais litígios (conflito de interesses em processos) do que conflitos (socioambientais, como no caso). O que se observa majoritariamente é que a resposta jurídica põe fim a um processo, determina direitos, obrigações e sanções, mas não resolve conflitos, posto que as partes envolvidas no conflito continuam, mantém o status quo conflitivo mesmo (e sobretudo) após a resposta jurídica. Isto levanta a questão do papel do direito na sociedade, na resolução de conflitos, na harmonização e paz sociais. Há uma clara ingenuidade em afirmar que o direito chega a isto. Ele pode até ter a intenção (posto que é um sistema de sentido), mas raramente chega a atingir este objetivo, o que é um paradoxo, pois o direito é criado para resolver conflitos e assegurar a harmonia na sociedade, mas dificilmente obtém este resultado, mesmo após dar respostas concretas a conflitos concretos. Nem no nível da abstração nem no nível da concretização o direito tem conseguido oferecer um clima de paz e harmonia na sociedade. Paradoxo e déficit de racionalidade do direito.

15 Em termos ambientais, a questão ambiental faz o acoplamento estrutural entre vários sistemas, inclusive este acoplamento decorre da CF/88 e põe à prova os limites operacionais dos sistemas. No caso da minha tese, cuido do estudo dos limites operacionais do sistema jurídico.

16 “es un sistema que utiliza las operaciones de observación de manera recursiva como secuencias para lograr una diferencia con respecto al entorno.”

17 “La observación de segundo orden no es el empleo de una lógica formal abstracta, sino el esfuerzo por observar aquello que el observador no puede ver, por razones de posición.”

18 “Se lleva a cabo una reducción de complejidad enorme, por el hecho de que se pueda hacer a un lado la totalidad del mundo, para concentrarse en lo que el otro observa: la especialización de observar la observación del otro”.

19 “Cuando está presente la conciencia y presta atención.”

20 “En el caso del acoplamiento estructural entre sistemas psíquicos y sociales, la tesis fundamental es que los sistemas de comunicación (sociales) están acoplados a la conciencia y a ninguna otra cosa más.”

21 “La naturaleza no puede influir directamente la comunicación; sólo si los sistemas psíquicos perciben que los bosques se están extinguiendo, entonces se puede ejercer presión sobre la comunicación: presión para que se tomen decisiones en el sistema político o social...”

22 “El medium fondamentale della comunicazione.”

23 “El lenguaje posibilita, así, la seleción del sentido y la redundancia de la repetición en la comunicación.”

24 “No es otra cosa que una forma de experimentar y de realizar la inevitable selectividad.”

25 “Not only that the legal system fulfills a function for society - that it “serves” society - but also that the legal system participates in society’s construction of reality, so that in the law, as everywhere in society, the ordinary meanings of words can, and must, be presupposed.”

26 “The law is not politics and not the economy, not religion and not education; it produces no works of art, cures no illnesses, and disseminates no news, although it could not exist if all of this did not go on too. Thus, like every autopoietic system, it is and remains to a high degree dependent on its environment, and the artificiality of the functional differentiation of the social system as a whole only increases this dependency. And yet, as a closed system, the law is completely autonomous at the level of its own operations. Only the law can say what is lawful and what is unlawful, and in deciding this question it must always refer to the results of its own operations and to the consequences for the system’s future operations. In each of its own operations it has to reproduce its own operational capacity. It achieves its structural stability through this recursivity.”

27 Salvo a personalidade das pessoas jurídicas e a discussão sobre a natureza e os animais não humanos como sujeito de direitos.

28 Referente ao Recurso Especial n. 1.381.21-TO (2012/0189128-9). Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ. Acesso em: 28 mar. 2022.

29 Este Acórdão se refere à Apelação 0003947 - 44.2012.4.01.3600/MT. Íntegra disponível em: https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/trf1. Acesso em: 28 mar. 2022.

30 Referente à Apelação cível 2016.51.18.064683-1. Disponível em: http://www10.trf2.jus.br/portal/. Acesso em: 28 mar. 2022.

31 Referente à Apelação cível n. 0002882-97.2001.4.03.6104/SP. Disponível em: http://www.trf3.jus.br. Acesso em: 28 mar. 2022.

32 Referente ao Agravo de instrumento N. 2009.04.00.042328-5/SC. Disponível em: https://www2.trf4.jus.br/trf4/. Acesso em: 28 mar. 2022.

33 Refere à Apelação cível n. 576658/CE. Disponível em: http://www.trf5.jus.br. Acesso em: 28 mar. 2022.