https://doi.org/10.18593/ejjl.19265

Desenvolvimento econômico, democracia e críticas aos fundamentos ideológico-estruturais do capitalismo: uma análise através dos direitos humanos e da hipótese comunista de Alain Badiou

Economic development, democracy and criticism to the ideological-structural foundations of capitalism: an analysis through human rights and the communist hypothesis of Alain Badiou

Thiago Lopes Matsushita1

Rodrigo de Camargo Cavalcanti2

Resumo: Através de uma metodologia dedutiva, o presente artigo analisa os fundamentos ideológico-estruturais do capitalismo em relação à democracia e aos direitos humanos. Para isso, estuda-se o capitalismo e a democracia em cotejo com os direitos humanos sobre o enfoque da teoria de Thomas Piketty. Em seguida, aborda-se o vínculo dos direitos humanos com a “hipótese comunista” de Alain Badiou, com subcapítulos. Posteriormente, faz-se análise de crítica de Badiou aos direitos humanos, para, por fim, concluir-se pela necessidade de fomentar rupturas no sistema capitalista que conduzam a uma promoção dos direitos humanos ao alcance da dignidade da pessoa humana a todos.

Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico. Capitalismo. Hipótese Comunista.

Abstract: Through a deductive methodology, the present article analyzes the ideological-structural foundations of capitalism in relation to democracy and human rights. For this, global capitalism and democracy are analyzed in comparison with human rights, specifically in the perspective of Thomas Piketty. Next, the link between human rights and the “communist hypothesis” of Alain Badiou, with subchapters, is discussed. Then a brief analysis is made of Badiou’s main criticism of human rights, in order to conclude this investigation by the need to foment ruptures in the capitalist system that lead to a promotion of human rights within the reach of the human dignity to all.

Keywords: Economic Development. Capitalism. Communist Hypothesis.

Recebido em 20 de setembro de 2018

Avaliado em 16 de setembro de 2019 (AVALIADOR A)

Avaliado em 09 de setembro de 2019 (AVALIADOR B)

Aceito em 22 de setembro de 2019

Introdução

A presente fase do capitalismo global demanda análise consoante a necessidade de aplicação dos direitos humanos e fundamentais. E isso se faz urgente na medida em que a proposta de inclusão das democracias do globo a esses direitos é fato desde especialmente a Declaração Universal após a segunda guerra mundial.

Da mesma maneira, diversos doutrinadores das mais diversas searas das Ciências humanas e sociais têm fomentado o debate dos caminhos a serem seguidos pelo capitalismo em âmbito mundial, com alguns importantes cientistas readequando as bases do pensamento denominado de esquerda – em muitos momentos radicados no contraponto às ideologias estruturais do capitalismo – para um paradigma difuso, global, sustentando-se em ditames essenciais para desde a redução da desigualdade social até à exigência de reordenação e exclusão da propriedade privada enquanto base do poder social, político e econômico.

Neste sentido, o presente artigo se embasa especialmente nas doutrinas de Thomas Piketty e Alain Badiou, a fim de analisar os fundamentos ideológico-estruturais do capitalismo em relação à democracia e aos direitos humanos. E isso considerando que o desenvolvimento econômico, enquanto vinculado diretamente àqueles direitos, deve consolidar-se na sustentação autônoma e emancipadora dos sujeitos e da coletividade, fomentando programas institucionais – inclusive no questionamento sobre o mercado – que reverberem positivamente na dignidade da pessoa humana a todos.

Para isso, primeiramente analisa-se o capitalismo e a democracia globais em cotejo com os direitos humanos, dando ênfase ao pensamento de Thomas Piketty. Em seguida, aborda-se o vínculo dos direitos humanos com a ideia da “hipótese comunista” de Alain Badiou, com subcapítulos cotejando separadamente os tópicos dessa proposta, quais sejam: a não subordinação do trabalho a uma classe dominante; uma organização coletiva que elimine a desigualdade na distribuição de riquezas e a divisão do trabalho; o desaparecimento da apropriação privada enquanto forma de organização social; e a superação do Estado coercitivo separado da sociedade civil. Depois, faz-se uma breve análise da principal crítica de Badiou aos direitos humanos, na esteira de sua “ética da verdade”, para, por fim, concluir-se essa investigação.

Este trabalho é conduzido através de uma metodologia dedutiva, por meio de pesquisa bibliográfica atinente ao tema, especialmente doutrinária, em documentos e obras desenvolvidos no Brasil e no exterior.

1 Capitalismo e democracia globais, direitos humanos e o pensamento de Thomas Piketty

O historiador americano Russel Jacoby, ao analisar o trabalho do economista francês Thomas Piketty intitulado “O Capital no Século XXI”, comparando à obra “O Capital” de Karl Marx, conclui que os estudos de Piketty sobre o capital podem parecer, em princípio, cair em argumentos reducionistas: enquanto Marx preocupa-se com a questão da produção (mercadoria – trabalho – alienação), Piketty concentra-se na questão da distribuição (salário – renda – riqueza). Como diz Jacoby (2014, p. 101), “não se trata de saber qual deles está certo sobre o funcionamento do capitalismo, mas de apreender o vetor de suas respectivas análises: a distribuição para Piketty, a produção para Marx.”

Piketty lança seus argumentos face, sobretudo, aos economistas americanos ortodoxos que justificam as desigualdades sociais (mormente as diferenças de remuneração) pelas ditas “forças racionais do mercado”.

Para Piketty, as desigualdades decorrem principalmente do fato de que há uma disparidade entre o crescimento da taxa de rendimento do capital e a taxa de crescimento econômico. Como o rendimento do capital é mais rápido e maior que o crescimento econômico real, há um inevitável favorecimento da riqueza existente em detrimento do trabalho existente. Essa desconformidade é que leva à desigualdade na distribuição da riqueza.

Vale salientar que, no sistema capitalista, o critério sobre as qualificações e o status profissional que são “merecedores” de uma maior quantia de ganhos monetários se alteram de tempos em tempos. A desigualdade sistêmica intrínseca ao capitalismo arbitra determinadas condições de justiça econômica, as quais preservam o próprio sistema. Desta observação, Piketty, diferentemente de Marx, como bem salienta Jacoby (2014, p. 98), inscreve suas observações no campo dos salários, da renda e da riqueza, enquanto que Marx se colocou no campo da mercadoria, do trabalho e da alienação, pretendendo este abolir essas relações e transformar a sociedade. Piketty, ainda em Jacoby (2014, p. 108), “aceita a sociedade tal como é, visando apenas a reequilibrar a distribuição de bens e privilégios.” Neste sentido, “o capital impõe os parâmetros, o ritmo e a própria definição do trabalho, do que é rentável e do que não é.” Porém, Jacoby mesmo salienta que, em Marx, seu questionamento, “embora mais profundo e mais amplo, não oferece nenhuma solução prática. Poderíamos qualificá-lo de utópico antiutópico. No posfácio à segunda edição alemã de O capital, ele zomba daqueles que tentam escrever ‘receitas para as cozinhas do futuro’.” (JACOBY, 2014, p. 108). Sendo assim, as premissas de Thomas Piketty partem da possibilidade de indução do capitalismo à sua mutação estrutural, inclusive, entre outras medidas, através da pragmática de ajustes no desequilíbrio da distribuição de renda, a fim de adequação a um humanismo que atenda as demandas inclusive constitucionais que levem os homens a permanecerem efetivamente livres e iguais em direitos, para referir-se à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Dessa maneira, o reconhecimento mundial da política dos direitos humanos, junto ao capitalismo, é parte relevante do que Santos (1997, p. 13) chama de erosão seletiva do Estado-nação, a qual, imputável à “intensificação da globalização, coloca a questão de saber se, quer a regulação social, quer a emancipação social, deverão ser deslocadas para o nível global. É nesse sentido que já se começou a falar em sociedade civil global, governo global e equidade global.”

Um exemplo disso é a proposta de um Tribunal Constitucional Internacional, a qual adquiriu grande repercussão com Moncef Marzouki, presidente da Tunísia desde 2011, que, na 67ª Assembleia Geral da ONU em setembro de 2012, sugeriu sua criação, afirmando que dito órgão seria capaz de acabar com regimes autoritários, além de ter competência para julgar casos em que a Constituição fosse utilizada para violação da democracia e analisar suspeitas de fraudes em eleições. Em 2013, a 20ª Sessão Ordinária da Assembleia da União Africana, reconheceu a importância da criação deste Tribunal “como um órgão consultivo e jurisdicional responsável por garantir o respeito e a promoção dos princípios democráticos, dos direitos humanos e do Estado de Direito.” (UNIÃO AFRICANA, 2013, p. 458).

A criação desse Tribunal se fundamenta também no argumento de que em diversos países do globo há um déficit democrático, ou seja, uma ausência de aberturas para resolver problemas de estrangulamento antidemocrático. Essa ausência se localiza principalmente em países de regimes autoritários, onde os direitos humanos básicos, incluso o direio subjetivo de propriedade e a própria submissão das diretrizes fundamentais de Estado ao princípio da democracia, está em jogo; e nessa situação, não restaria à sociedade outra opção a não ser apelar para uma instância superior, papel esse que seria então assumido pelo Tribunal Constitucional Internacional. E, mesmo em países de base democrática vigente, as disfunções de governança e de respeito aos direitos fundamentais, na seara constitucional nacional, poderiam ser questionadas.

Sendo assim, este é um dos movimentos que pretende fomentar, entre outros, a adoção da promoção de políticas públicas na ordem econômica para uma compatibilização do Estado com as premissas do direito à democracia como uma consideração premente, no sentido de garantir que o capital e as relações capitalistas intrínsecas carreguem consigo pressupostos de justiça e de equidade, em cotejo com os direitos humanos – justificado e legitimado, inclusive por conta da proteção ao direito subjetivo de propriedade na imensa maioria das Constituições contemporâneas.

Como se verifica, atualmente se coloca em curso na globalização a ideologização de pressupostos relativos exclusivamente ao sistema capitalista, que, de uma forma ou de outra, inclusive mediante determinada linha de interpretação normativa – restrita, literal... -, introduzem princípios desse sistema econômico à interpretação dos direitos humanos. Assim, vale salientar os dizeres de Douzinas (2011, p. 7-8):

Sistemas sociais e políticos tornam-se homogêneos ao transformarem suas prioridades ideológicas em valores e princípios universais. Na nova ordem mundial, o candidato perfeito para este papel são os direitos humanos. Seus princípios essenciais, negativa e economicamente interpretados, promovem a penetração capitalista e neoliberal. Sob uma construção diferente, suas provisões abstratas poderiam sujeitar as desigualdades e indignidades a um ataque contundente. Mas isso não pode acontecer enquanto eles forem usados pelos poderes dominantes para disseminar ‘valores’ de uma ideologia niilista.

Neste sentido, o capitalismo “tende a projetar no sistema político seus próprios mecanismos estruturais e principiológicos.” (CAVALCANTI, 2014, p. 1). E isso se junta à abstração dos conceitos utilizados para definição dos contornos dos direitos humanos e, ainda, à baixa cogência internacional dessas normas, especialmente em países em desenvolvimento e aqueles que não colaboram, e. g., na observância das decisões judiciais a eles relativas.

2 Os direitos humanos e a hipótese comunista de Alain Badiou

Nesta esteira dos mecanismos do capitalismo em face dos direitos humanos, há uma indução também a uma hermenêutica específica de definição do conceito de dignidade da pessoa humana. Esse conceito se altera conforme o contexto histórico de acordo com as premissas do que seria o mínimo existencial e da possibilidade também histórica do sujeito de se conduzir autonomamente e emancipadamente dentro de sua própria concepção de vida e de felicidade, certamente condicionado à estrutura econômica, o que evidentemente fornece instrumentos para certa interpretação dos direitos humano e da democracia.

Há um movimento realizado especialmente pela evolução das tecnologias de informação e comunicação que está alterando a concepção política de democracia para uma noção mais difusa, inclusive em relação à própria mídia, à aquisição de conhecimento e à possibilidade de reunião de interesses em prol da luta pelos desejos e reclames populares, contando com alguns exemplos como: a Primavera Árabe, onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África a partir de 18 de dezembro de 2010; o Occupy Wall Street, OWS, movimento iniciado em setembro de 2011 de protesto contra a desigualdade econômica e social, a corrupção e a indevida influência das empresas – sobretudo do setor financeiro – no governo dos Estados Unidos; as manifestações de junho de 2013 no Brasil, que tiveram como estopim o aumento das tarifas de transporte público no Estado de São Paulo mas que abordou diversas temáticas, principalmente a corrupção no governo, abrangendo também diversos outros Estados brasileiros.

Todos esses movimentos têm em comum o grande número de pessoas envolvidas, a luta pela democracia e terem sido organizados pela própria sociedade civil especialmente através das redes sociais da internet.

Manifestações como essas difundidas pelo mundo nessa segunda década do século XXI expuseram, afinal, um descontentamento geral com o sistema capitalista vigente, este o qual obstaculiza coerência no sistema democrático ao mesmo tempo em que corrompe o espaço público em prol do privado. Diz-se isso especialmente por conta dos mecanismos de influência e controle das corporações sobre os mais variados setores da governança pública. Não é novidade que os grandes agentes econômicos buscam constantemente garantir seus interesses de capital “através de um aumento na influência sobre os governos, como uma maneira de salvaguardar seu poder, mediante lobbying, contribuições políticas, revolving door mechanisms3 (teoria da captura) etc.” (CAVALCANTI, 2016, p. 339, grifo do autor). Assim, como afirma Suarez-Villa (2015, p. 203), maior controle sobre o governo significa que os regulamentos, leis e instituições devem ser amplamente alinhados com, e subservientes aos interesses dos oligopólios. O objetivo final deste jogo de influência é fazer a sociedade “segura” para o poder corporativo oligopolista.

Ademais todas essas lutas acima referidas, em Slavoj Žižek, são com base em problemas para os quais paira uma necessidade de redefinição das noções de mercado, o que só terá impacto positivo a partir do momento em que a tarefa seja redefinida através de um processo cujo desdobramento é imprevisível (ŽIŽEK, 2014, p. 35) e que combate, enfim, a grande questão da ausência de coerência que envolve o capitalismo em face principalmente dos movimentos sociais e dos interesses de liberdade, igualdade e fraternidade, na esteira dos direitos humanos universais e inalienáveis. Assim, ainda em Žižek (2014, p. 32, grifo nosso):

Essa inconsistência [do capitalismo] abre um espaço para a intervenção política: onde o capitalista global é forçado a violar suas próprias regras, ali há uma oportunidade para insistir em que ele obedeça àquelas regras. Exigir coerência e consistência em pontos estrategicamente selecionados nos quais o sistema não pode pagar para ser coerente e consistente é pressionar todo o sistema. A arte da política está em impor demandas específicas as quais, ao mesmo tempo em que são perfeitamente realistas, ferem o coração da ideologia hegemônica e implicam mudança muito mais radical. Essas demandas, por mais que sejam viáveis e legítimas, são, de fato, impossíveis.

A incoerência sistêmica que leva à relação paradoxal entre capitalismo e direitos humanos universais pós-Segunda Guerra Mundial marca a contemporaneidade e a crise da emancipação humana, inclusive pelo viés do interculturalismo intrínseco à globalização. Nesse sentido, entendendo a proposta dos direitos humanos como efetivamente ocidental, Santos (1997, p. 113) salienta que em certos aspectos há uma construção gradual de diálogos interculturais, esses os quais podem conduzir em nosso tempo uma “transformação da conceitualização e prática dos direitos humanos de um localismo globalizado num projeto cosmopolita.”

Essa proposta, se considerarmos o já anteriormente assinalado processo de recoordenação do capitalismo formulado por Piketty – diferentemente, portanto, de propostas como a do Manifesto Comunista –, não desconstitui os propósitos iniciais de um comunismo, que, ao mesmo tempo em que não explora uma revolução imediata de desconstrução do capitalismo, é sim atrelado à consideração de ditames que, conforme afirma o filósofo Alain Badiou, formam a estrutura do que chama de “a hipótese comunista”. Esse termo foi exposto pelo autor pela primeira vez em 2007, e mais popularizado nacionalmente em sua obra homônima lançada no Brasil em 2012. Badiou (2012b, p. 81) entende a trajetória do comunismo no mundo até hoje como fracassada, mas enquanto experiência histórica, defende a possibilidade de sua manifestação da mesma forma que entende a trajetória do Teorema matemático de Fermat:

Entre Fermat, que formulou a hipótese (ele afirmava que a havia demonstrado, mas isso é outra história), e Wiles, o matemático inglês que realmente demonstrou o teorema alguns anos atrás, houve inúmeras tentativas de justificação. Muitas serviram de ponto de partida para desenvolvimentos matemáticos de longuíssimo alcance, embora não tenham conseguido resolver o problema em si. Mas foi fundamental que a hipótese não tenha sido abandonada durante os três séculos em que foi impossível demonstrá-la. A fecundidade desses fracassos, de sua análise, de suas consequências, estimulou a vida matemática. Nesse sentido, o fracasso, desde que não provoque o abandono da hipótese, é apenas a história da justificação dessa hipótese.

Assim, para Badiou, há uma hipótese comunista geral que envolve seus processos políticos efetivos. Dessa maneira, para ele o que importa é a existência da Ideia “e os termos de sua formulação. Ou seja, em primeiro lugar, é preciso dar uma sólida existência subjetiva à hipótese comunista.” (BADIOU, 2012a). Como descreve Bianchi (2012), para o filósofo francês, conforme assertivas da obra de Badiou de 2007 intitulada De quoi Sarkozy est-il le nom?, a “hipótese comunista” afirmaria as seguintes ideias chaves:

[...] que é possível superar a subordinação do trabalho a uma classe dominante; que é possível uma organização coletiva que elimine a desigualdade na distribuição de riquezas e a divisão do trabalho; que é possível que a apropriação privada desapareça como forma de organização social; que é possível superar a existência de um Estado coercitivo separado da sociedade civil.

Alain Badiou, então, ao invés de definir aquilo que o comunismo é, “apresentou uma segunda estratégia: definir o comunismo como aquilo que deveria ser. Para tal, recorreu a uma ideia reguladora: o comunismo é uma hipótese.” (BIANCHI, 2012).

O filósofo acaba por ausentar o comunismo de toda a experiência dita como tal ocorrida até hoje, mesmo nos próprios movimentos que intentaram serem revolucionários.

Formula, por fim, “imperativos categóricos”, bem no que se parece ser a esteira de Kant, para definir o comunismo, e recusa vinculá-lo a qualquer manifestação histórica advinda inclusive através do Estado. E faz isso observando a ideia do Estado moderno e contemporâneo basicamente atrelada à noção de representatividade, esta que se encontra em negativa com diversas teorias avançadas do Estado regido democraticamente – diversas dessas teorias embasadas na perspectiva da luta de classes, como por exemplo a seminal colaboração nacional ao debate do brasileiro Marcelo Lopes de Souza, em sua obra “A Prisão e a Ágora”, construída com base no pensamento de Marx, Castoriadis, Habermas, entre outros, conforme este autor será referido abaixo.

Portanto, nos ditames afirmativos da hipótese comunista de Alain Badiou, têm-se imperativos que podem ser condensados na esteira do debate sobre a lógica democrática, a igualdade material e uma desconstrução da propriedade privada em contraponto à concepção moderna ainda vigente. Vale, portanto, avaliar sob esse aspecto cada um dos já citados enunciados dessa hipótese.

2.1 Democracia, subordinação do trabalho e estado apartado

Em primeiro plano, “superar a subordinação do trabalho a uma classe dominante” e “superar a existência de um Estado coercitivo separado da sociedade civil”, podem ser adensados no conceito mais abrangente de democracia, não só enquanto uma formulação específica para o direito público, mas também, de forma mais radical – ou seja, ir à raiz –, na correlação de forças e grupos sociais na ótica do direito privado e assim na tratativa própria da horizontalidade dos direitos humanos fundamentais (pode-se referir aqui também, ainda sob a égide do capitalismo, a uma consolidação a aplicações mais rígidas e direcionadas de compliance corporativo e de transparência de gestão). Nesse sentido, a gestão, privada ou pública, deve estar fundada nos pressupostos de autonomia do sujeito e do coletivo. E isso porque “a liberdade e a qualidade de vida privadas do indivíduo são inseparáveis da liberdade de que se pode gozar na esfera pública: a liberdade para se informar confiavelmente, atuar e decidir sobre os negócios de interesse coletivo.” (SOUSA, 2006, p. 71).

Essa liberdade, por outro lado, só pode ser alcançada através de um procedimento que não dispense o caráter autônomo. Sousa (2006, p. 72), após conceituar “poder explícito” como sendo o que se refere às instituições da esfera pública em sentido amplo, salienta que:

Em uma sociedade heterônoma o poder explícito terá a ver, em primeiro lugar, com o aparelho de Estado, situação em que apenas uma minoria governa efetivamente. [...] Em uma sociedade basicamente autônoma o exercício do “poder explícito” não se traduziria como o governo de uma minoria sobre uma maioria, mas como autogoverno, em que todos os cidadãos seriam, a um só tempo, governantes (partícipes, em condições de igualdade, da elaboração do nomos) e governados (submetidos ao nomos por eles mesmos instituído).

Ademais, ao tomar-se como referência a teoria da horizontalidade dos direitos humanos, já amplamente aceita na doutrina e com relativo e importante reflexo na jurisprudência, ainda que de forma incipiente, para se manter uma coerência democrática, essa noção de liberdade na autonomia pouco difere quando aplicada às relações privadas. E diz-se isso especialmente no tocante à insistente condição estrutural do capitalismo contemporâneo de subordinação do trabalho a determinada classe dominante e consequente ausência de parâmetros difusos e também democráticos de gestão do próprio sistema de produção.

Por esse caminho, deve-se estar ciente que tal perspectiva da incorporação dos ditames de democracia participativa sobre a atuação dos agentes econômicos privados altera drasticamente a relação com o próprio direito de propriedade, relativizando-o e efetivamente, nesse sentido, inclusive fomentando as noções de democracia de Rosa Luxemburgo, essas constantemente vinculadas às ideias de ação autônoma e de experiência das massas, associando diretamente as reivindicações econômicas às reivindicações políticas.

O pensamento de Luxemburgo aproxima-se ao de Badiou ao identificar no partido um papel secundário na consecução dos objetivos proletários – apesar de uma maior radicalidade deste último sobre o tema –, e também ao não buscar descrever propostas de procedimento na conquista dos objetivos do socialismo. Em seus termos:

Não há esquema prévio, válido de uma vez por todas, não há guia infalível para lhe [proletariado] mostrar o caminho a percorrer. A experiência histórica é seu único mestre. O caminho espinhoso da sua autoliberação não só está juncado de sofrimentos sem limites, mas também de inúmeros erros. [...] A moderna classe operária paga caro toda compreensão da sua missão histórica. (LUXEMBURGO, 1981, p. 62).

E, ainda em Luxemburgo (1991, p. 92), sua perspectiva sobre a democracia como instituição inerente ao processo de constituição socialista foi evidenciado em diversos de seus textos, especialmente numa passagem do seu famoso opúsculo “A Revolução Russa”, em que apresenta seu pensamento em face da necessária conscientização, através do modelo democrático, em prol do avanço do socialismo:

O sistema social socialista não deve e nem pode ser senão um produto histórico, nascido da própria escola da experiência, nascido na hora da sua realização, resultando do fazer-se da história viva que, exatamente como a natureza orgânica, da qual faz parte em última análise, tem o belo hábito de produzir sempre, junto com uma necessidade social real, os meios de satisfazê-la, ao mesmo tempo que a tarefa a realizar, a sua solução. E assim sendo, é claro que o socialismo, por sua própria natureza, não pode ser outorgado nem introduzido por decreto. [...] Só a experiência é capaz de corrigir e de abrir novos caminhos. Apenas uma vida fervilhante e sem entraves chega a mil formas novas, improvisações, mantém a força criadora, corrige ela mesma todos os seus erros. Se a vida pública dos Estados de liberdade limitada é tão medíocre, tão miserável, tão esquemática, tão infecunda é justamente porque, excluindo a democracia, ela obstrui a fonte viva de toda riqueza e de todo progresso intelectual.

Importante ainda salientar o vínculo intrínseco da noção de uma democracia efetivamente autônoma com a dimensão da liberdade. Isso porque, conforme Christman (2015):

Generally, one can distinguish autonomy from freedom in that the later concerns the ability to act, without external or internal constraints and also (on some conceptions) with sufficient resources and power to make one’s desire effective […]. Autonomy concerns the independence and authenticity of the desires (values, emotions, etc.) that move one to act in the first place.

E essa concepção de autonomia evidentemente se enquadra na conhecida proposta kantiana com a qual, de acordo com sua lei fundamental da razão prática (“age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”), é proposto que os indivíduos são autônomos a partir do momento em que derem a si mesmos o conteúdo da ação moral, e, ainda, que a prática siga os princípios que possam ser tomados como princípios de aplicação universal.

Nessa esteira, Marcelo Lopes de Souza vai salientar que a concepção de autonomia traçada atualmente é diversas vezes através não só da influência do pensamento de Kant, mas também – paradoxalmente, vale dizer – em face das tradições liberais e utilitaristas de que o status quo formado pela democracia representativa e pelo capitalismo é uma estrutura bastante aceitável. E isso se verifica subliminarmente como um dogma resquício da modernidade, especialmente por conta de reduzidas críticas – e práticas – explícitas às instituições sociais, públicas e privadas, as quais, seguindo Sousa (2006, p. 74-75), “na ordem social vigente, sabotam, a todo momento, dita autonomia individual, sobretudo de uma parcela da população (maior ou menos conforme o país e o momento histórico).”

Além disso, vale salientar que, na atual dimensão da democracia representativa, mesmo com divisões entre direita e esquerda, essa última, se se propõe comunista, para Badiou “um partido comunista é uma contradição nos termos, pois o partido tende, por uma necessidade estrutural, a reintroduzir uma orientação rígida para um centro transcendente destacado” (RIBEIRO, 2016, p. 159). E continua o referido filósofo ao afirmar que o “um” “é meu principal adversário, tanto do ponto de vista metafísico quanto político. O que não significa endossar a desorganização anarquista [...] É preciso formas de intervenção ao mesmo tempo coerentes e eficazes.” (RIBEIRO, 2016, p. 159).

Assim, por um lado, a dissociação do Estado com a sociedade civil é muito bem explorada por Roth (2010, p. 26-27), para quem vivemos atualmente num modelo neofeudal, o qual não condiz com o Direito moderno atualmente em vigência, demandando desse Direito uma atualização para uma deontologia reflexiva e aberta às diversas esferas sociais fragmentadas. Assim, em seus termos:

A interpenetração entre privado e público, bem como a emergência de uma infinidade de instâncias de decisões, entram em concorrência com o Estado, aumentando a distância entre a lei estatal e a realidade dos fatos. Instâncias essas que são suscetíveis de se transformar tanto em lugares e momentos de emancipação e de participação popular, quanto em feudos. Nessa situação, o direito ‘tradicional’ tem perdido sua previsibilidade.

Sobre essas “instâncias de decisões”, tanto as estatais quanto as paralelas a ele, conforme será referido mais adiante com maiores detalhes, Ferraz Junior (2009, p. 62) esclarece que os seus poderes intrínsecos, enquanto código, são reconhecidos como legítimos à medida que desconhecidos como violência (simbólica). E essa assertiva esclarece igualmente a relação de forças que se estabelece entre os agentes privados e seus subordinados (numa perspectiva inevitavelmente marxista), especificamente no que neste momento merece ser salientado sobre o controle das estruturas e das condições do sistema de subordinação ao trabalho, estrategicamente como forma de consecução do lucro dos agentes que comandam e operam a coordenação da produção e do fornecimento de serviços.

Vale salientar, neste sentido, que nada tem a ver com uma dicotomia clara, no sentido individual dos atores econômicos – e de certo aspecto moral entre bom e mau, ético e antiético, até porque essas classificações – apesar de determinantes socialmente – podem levar a conclusões precipitadas sobre os próprios sujeitos, em suas singularidades, pertencentes às suas condições sociologicamente – inclusive num sentido marxista – estabelecidas, sem consideração de aspectos pessoais, históricos e culturalmente determinados. Por outro lado, essa forma de se observar as relações socioeconômicas, de fato, serve para esclarecer as estruturas do sistema capitalista, e igualmente fornecer subsídios para novas formas de condução da sociedade em prol da liberdade e da dignidade o mais integrais quanto possível. Por isso inclusive cabe essa análise realizada neste trabalho de indicações deste processo.

2.2 Igualdade material

Seguindo os ditames da hipótese comunista de Badiou, no que diz respeito à eliminação da desigualdade na distribuição de riquezas e da divisão do trabalho, esse é um processo que igualmente merece ser analisado sobre o enfoque das alterações estruturais no capitalismo contemporâneo.

Conforme estudo da organização não-governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro de 2015, a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial está equivalente à riqueza dos 99% restantes (REUBEN, 2016).

É justamente nesse ponto que há a possibilidade da demanda realizada por Thomas Piketty de um tributo global para a redução da desigualdade social. Sob esse aspecto, o que merece atenção especial neste momento é a difundida noção de meritocracia, justamente um dos argumentos mais utilizados, se não o mais, para a manutenção do sistema e para criticar os defensores da redução da desigualdade social.

Meritocracia, como bem desenvolve Piketty (2014, p. 323), é, na verdade, a projeção de certas características em face de desequiparações absolutamente arbitrárias e que são permeadas pelas respostas exigidas do próprio capital. Assim, é como diz o autor:

Em todo caso, tendo em vista a impossibilidade de estimar precisamente a contribuição de cada um para a produção das empresas, é inevitável que as decisões advindas de tal processo sejam em grande parte arbitrárias e dependam das relações de força e do poder de negociação entre os agentes.

Alguns modelos teóricos desenvolvidos a partir da década de 1970 – salienta-se aqui aqueles relativos aos trabalhos desenvolvidos no âmbito do “capital humano” – chegaram à seguinte conclusão:

A hipótese geral apresentada é a de que, com o processo de industrialização e urbanização experimentados com a modernização das sociedades capitalistas, passa-se de uma estrutura social dominada pela atuação de atributos herdados da família (ascription) para uma outra definida a partir das próprias realizações dos indivíduos (achievement). Desta forma, estes teóricos acreditam que os fenômenos sócio-econômicos (industrialização e urbanização) associados à “modernização” das sociedades capitalistas geram uma profunda transformação dos processos de estratificação social, em especial aqueles ligados à determinação das oportunidades ocupacionais, bem como a outros aspectos do mercado de trabalho, tais como os salários dos indivíduos. Em outras palavras, de acordo com esta abordagem teórica, deve-se esperar que com a “modernização” das sociedades, as variáveis de background familiar (ascription) – ou outras associadas a características natas de significado social, tais como raça e gênero – passem por uma redução da sua importância no processo de estratificação social, ao passo que variáveis associadas a conquistas (achievement) individuais (em particular, a escolaridade) tornem-se mais relevantes. Portanto, sociedades “modernas” são sociedades “meritocráticas”. (HELAL, 2007, p. 394).

Essa abordagem, como é de se observar, apesar de ampliar significativamente o estudo de Piketty, é merecedora críticas. Explica-se:

Piketty chega a avaliar a questão educacional como um requisito para a competência na admissão de certas responsabilidades, o que tem absoluta relação com a questão meritocrática, ou seja: a busca por uma formação educacional vai levar à realização do objetivo proposto. É o caminho definido pelo sistema capitalista. Educação formal para a conquista do trabalho e da sua eficiência máxima. Assim, primeiramente, é observável, conforme salienta dito autor, que “a correlação intergeracional entre diplomas e rendas do trabalho, que mede a reprodução das hierarquias no tempo, não parece manifestar uma tendência de baixa no longo prazo e parece até mesmo manifestar uma tendência de aumento mais recente.” (PIKETTY, 2014, p. 471).

Isso quer dizer que a meritocracia se mostra falaciosa desde o início, já que a possibilidade de se realizar as tarefas mais bem pagas depende dos “altíssimos custos de matrícula para as universidades privadas de maior prestígio.” (PIKETTY, 2014, p. 472) e também porque “as decisões de admissão dependem claramente da capacidade financeira dos pais de fazer doações às universidades.” (PIKETTY, 2014, p. 472). Desta forma, bem salienta Piketty (2014, p. 472-473):

[...] podemos estimar que a renda média dos pais dos alunos de Harvard hoje é da ordem de 450.000 dólares, ou seja, mais ou menos a renda média dos 2% mais ricos dos lares americanos. Isso parece pouco compatível com a ideia de uma seleção baseada apenas no mérito. O contraste entre o discurso meritocrático oficial e a realidade parece, aqui, particularmente acentuado. É necessário também destacar a ausência completa de transparência nos procedimentos de seleção.

Piketty (2014, p. 473), como se pode observar, baseia-se no exemplo norte-americano, porém, considera também que a questão da igualdade no acesso da educação de qualidade é “uma das questões mais importantes que o Estado social deve enfrentar no século XXI. Não houve um único país que tivesse conseguido dar uma resposta de fato satisfatória a essa questão.”

Por outro lado, na já referida linha dos estudos sobre capital humano, importante citar aquele instituído nos trabalhos de Brink Lindsey. Sua abordagem vai além da educação formal para salientar a relevância do contexto cultural – incluído o familiar – das classes menos abastadas, o que por si só desfavorece um pensamento abstrato e complexo necessário à formação do sujeito para a atuação profissional no sistema igualmente complexo do capitalismo contemporâneo, o qual ele denomina “capitalismo humano”. Chega a afirmar o autor que os tipos de informação “stored in one’s head that are considered useful, and the kinds of mental operations whose swift and effective completion brings social status and other advantages, are deeply dependent on the nature of the society into which one is born.” (LINDSEY, 2013, p. 45). Ademais:

We should therefore expect to find an association between the relative complexity of the social environment in which people are raised as children and live as adults and the degree of cultural adaptation tht they exhibit. And that is precisely what we do find in American society today. Specifically, working-class families and communities have a culture different from that of managerial and professional families and communities – one tha is much less oriented toward encouraging and reinforcing the abstract thinking needed to master complexity. (LINDSEY, 2013, p. 32).

No que Lindsey (2013, p. 24) chama de capitalismo humano, neste sentido, é a atual demanda por capacidades humanas de abstração intelectual, social e pessoal que nos possibilita lidar com o nosso ambiente social complexo contemporâneo.

Assim, a crítica suprarreferida que merece ser feita é exposta inicialmente ao relacionar esse trabalho com a interessante assertiva de Slavoj Žižek, para o qual por natureza a meritocracia conduz à premissa de um esforço exclusivamente individual do sujeito, sem que lhe sejam apresentadas as desigualdades de obstáculos de ordem econômica e social permanentes. Assim, Žižek (2010, p. 15-16) afirma que:

Se a flexibilização do trabalho significa que você tem que mudar de emprego todos os anos, por que não ver isto como uma liberação dos constrangimentos de uma carreira permanente, uma chance de se reinventar e de desenvolver o potencial oculto de sua personalidade? Se existe uma redução de seu seguro de saúde padrão e de seu plano de aposentadoria, o que significa que você tem que optar por uma cobertura extra? Por que não perceber isto como uma oportunidade adicional para escolher entre um melhor estilo de vida agora ou a seguridade em longo prazo? Se este apuro lhe causa ansiedade, os ideólogos da “segunda modernidade” irão diagnosticar que você deseja “escapar da liberdade”, de que está apegado imaturamente a velhas formas estáveis. Melhor ainda, quando isto está inscrito na ideologia do sujeito enquanto indivíduo “psicológico”, prenhe de habilidades individuais, a pessoa tenderá automaticamente a interpretar todas essas mudanças como resultado de sua personalidade, e não como resultado de ter sido sacudida pelas forças do mercado.

Dessa maneira, Žižek desconstrói de forma radical as soluções capitalistas e paliativas que tomem a meritocracia, direta ou indiretamente, como requisito, negando, portanto, essa que é uma das principais justificativas liberais-capitalista da desigualdade social, seja enquanto um problema relacionado à ausência de educação formal para todos, o que para alguns de fato resolveria a questão da chamada “oportunidade igual para todos”, ou seja enquanto um problema relacionado ao aspecto cultural intrínseco às classes mais baixas, as quais, para certos autores, como Lindsey – e majoritariamente para seus predecessores da Escola de Chicago –, por esse motivo não teriam condições de alçar um patamar socioeconômico mais alto. Não que a proposta de Piketty, assim como o estudo de Brink Lindsey, não mereçam ser observados com atenção em prol da resolução de demais problemas do capitalismo vigente, como a redução (não eliminação, como propõe Badiou) da desigualdade social e a emancipação através da realização pessoal em trabalhos criativos e menos mecânicos e repetitivos (também não eliminação da divisão do trabalho, igualmente na proposta de Badiou).

Nesse sentido, focando nos argumentos de Lindsey, o autor intenta em certo momento de seu livro contradizer aqueles que entendem sua perspectiva como “blaming the victim”. E seu argumento é no sentido de contrapor sua teoria às daqueles que fomentam a ideia de que, garantindo um bom rendimento às classes mais baixas, o problema do capital humano estaria resolvido: não teriam que se preocupar com questões mais imediatas, poderiam pagar por uma melhor educação para seus filhos e estariam mais possibilitados ao pensamento abstrato e complexo exigido pelo capitalismo contemporâneo.

Porém, de fato a culpa que Lindsey impõe às classes mais baixas – em seus aspectos culturais intrínsecos, para ser mais específico –, não se opõe à ideia acima exposta que pretende criticar, ideia essa que, infelizmente, dito autor desenvolve de forma pouco substantiva – talvez por não ser o foco do seu estudo, conforme explicaremos mais detalhadamente em capítulo posterior. Mesmo assim, uma coisa são as soluções relativamente paliativas (mais não por isso menos importantes), pois ainda introduzidas no sistema capitalista, de redução – não eliminação – da desigualdade social. Outra é a análise realizada por Lindsey, a qual escapa a esses questionamentos.

Diz-se isso pois ele mesmo admite sobre seu enfoque que

[...] in my view, that emphasis on the superrich is misplaced: the fact that people in the 99.9th percentile of the income distribution are pulling away from those in the 90th percentile just isn’t that important. A hedge fund manager in a good year may make five hundred times more than, say, a college professor, who in turn ay make only five times more than a telemarketer. (LINDSEY, 2013, p. 56-57).

Desta maneira, mesmo Piketty (2014, p. 258) admite que “o caráter mais ou menos sustentável de uma desigualdade tão extrema depende não só da eficácia do aparato repressivo mas também – e talvez sobretudo – da eficácia das diversas justificativas para ela.” Assim, conforme Piketty (2014, p. 258), a desigualdade pode ser percebida como justificada, por exemplo, no argumento de que “os mais ricos resolveram trabalhar mais – ou de maneira mais competente – do que os mais pobres ou mesmo porque impedi-los de ganhar mais inevitavelmente prejudicaria os mais pobres.”

Essa justificativa é convertida em pressuposto ideológico pelos defensores do livre capitalismo, e, assim, radicada no simbólico da coletividade para sustentar o próprio sistema.

A meritocracia, portanto, entrou nesse ambiente de significação, enquanto que, no caso dos direitos humanos, o objetivo é “de resistir à dominação e à opressão pública e privada. Eles perdem este objetivo quando se transformam em ideologia política, ou em idolatria do capitalismo neoliberal ou na versão contemporânea da missão civilizatória.” (DOUZINAS, 2011).

Assim, cabe salientar, como nos alerta Žižek (1996, p. 12) que “a ideologia nada tem a ver com a ‘ilusão’, com uma representação equivocada e distorcida de seu conteúdo social”, mas sim com o “modo como esse conteúdo se relaciona com a postura subjetiva envolvida em seu próprio processo de enunciação.” (Žižek, 1996, p. 13):

Estamos dentro do espaço ideológico propriamente dito no momento em que esse conteúdo – “verdadeiro” ou “falso” (se verdadeiro, tanto melhor para o efeito ideológico) – é funcional com respeito a alguma relação de dominação social (“poder”, “exploração”) de maneira intrinsecamente não transparente: para ser eficaz, a lógica de legitimação da relação de dominação tem que permanecer oculta. (ŽIŽEK, 1996, p.13-14).

Dessa maneira, mesmo não sendo uma proposta imediata de eliminação das desigualdades sociais – o que nem se espera, pois é pressuposto um processo para isso, ainda na esteira de Alain Badiou – a redução das mazelas do sistema capitalista vigente está presente em Piketty. Conforme já referido por Castanhato e Cavalcanti (2015), “Piketty levanta em âmbito global a questão da importância das políticas fiscais impostas de cima para baixo, ressaltando a necessidade da intervenção do Estado na economia por via de políticas fiscais que visem reduzir as desigualdades sociais.”

Assim, o estudo de Piketty para a instituição de um imposto global, progressivo e anual sobre o capital é fundado igualmente na ideia de que, “com ele, é possível evitar a espiral desigualadora sem fim e ao mesmo tempo preservar as forças da concorrência e os incentivos para que novas acumulações primitivas se produzam sem cessar.” (PIKETTY, 2014, p. 556).

Essa é a grande diferença entre Piketty e Marx, novamente como bem indicou Jacoby (2014, p. 101): “o primeiro quer redistribuir os frutos do capitalismo, a fim de reduzir o fosso entre os rendimentos mais altos e os mais baixos, enquanto o segundo quer transformar o capitalismo e colocar um fim ao seu domínio.”

Nesse sentido, para Marx, como bem afirma Coser (1964, p. 115), “a luta de classes é para ser ‘despersonalizada’, assim os antagonistas dos dois lados aparecem no papel representativo deles em campos antagônicos. Só assim a luta pode atingir a intensidade e intransigência que advoga Marx.” Nos termos de Marx (1906, p. 15):

I paint the capitalist and the landlord in no sense “couleur rose”. But here individuals are dealt with only in so far as they are the personifications of economic categories, embodiments of particular class relations and class interests. My stand-point can less than any other make the individual responsible for relations whose creature he socially remains, however much he may subjectively raise himself above them.

Nessa via, percebe-se que, diferentemente de Piketty, Marx entendia que a mudança do capitalismo seria revolucionária, condicionada, assim, a um empreendimento de luta da classe trabalhadora, enquanto movimento unido e despersonificado. Por outro lado, a proposta de Piketty apresenta-se no sentido de inclusão global – no próprio capitalismo – de uma proposta regulatória e impositiva de distribuição de renda, igualmente ideológica mas, por sua vez, inserida no sistema econômico do capital.

A proposta de Piketty é relevante, primeiro porque poderia acarretar em mais um aspecto a dar consistência prática e globalmente compartilhada da afirmação de que o capitalismo não está sendo capaz sozinho de conduzir a sociedade global a um estado de eficiência e de completo enforcement dos direitos humanos, e, afinal, da dignidade da pessoa humana a todos. Além disso, comprometeria todo o planeta ao debate sobre diferentes formas de se conduzir a própria democracia, já que uma tributação global seria necessariamente realizada através de centros decisórios de distribuição da arrecadação, o que envolveria grandes questões relativas a uma governança global – inclusive questões relativas ao possível e necessário cunho radicalmente democrático dessa governança, na esteira da fragmentação do poder em Badiou – em prol da distribuição de renda e da redução da desigualdade social e econômica.

Seria, assim, mais uma possibilidade de se aprofundar sobre o real fundamento das decisões nas instâncias de poder. Como bem já referiu Ferraz Junior (2009, p. 62, grifo nosso):

[...] o poder, enquanto código, é reconhecido como legítimo à medida que é desconhecido como violência (simbólica). Assim, dizer que os sujeitos reconhecem uma instância do poder como legítima significa que faz parte da definição completa das relações de força, na qual os sujeitos estão colocados, a interdição posta a estes sujeitos de aprenderem o fundamento dessas relações; isso é obtido quando se consegue dos sujeitos certas práticas que levam em conta a “necessidade” das relações de força. [...] Em outras palavras, o poder-código se revela legítimo como relação entre a combinação dos esquematismos força/direito e das práticas dissimuladoras que eles engendram. Ou seja, um código-poder que desvendasse, em sua própria constituição, a força que está em seu fundamento, seria autodestrutivo. Nesse sentido, o exercício do poder nunca é crítico, pois sempre pressupõe o desconhecimento social de sua constituição objetiva como condição do exercício.

Dessa maneira, de fato a instituição de um imposto global sobre o capital levantaria ainda mais a questão da desigualdade e promoveria debates e outras propostas de soluções em prol da redução do discrímen – do próprio mercado e com anuência do Estado – relativo a quem tem mais privilégios e quem tem menos. Ou seja, pressupõe-se a possibilidade de que envolveria toda uma problemática de debate em torno da própria ideia de meritocracia, base do capitalismo tal qual o conhecemos, – debate esse já realizado por parte da academia –, e poderia renovaria as questões em torno de ultrapassar esse sistema econômico, através da busca de sua coerência com próprio desenvolvimento dos direitos humanos de igualdade e fraternidade, já que esses direitos, juntos à liberdade, foram o grande mote teórico e ideológico da burguesia para a criação do Estado moderno desde o século XVIII – o que, por si só, é um paradoxo, dadas as condições atuais de desigualdade em âmbito mundial. Assim, importante salientar que:

Cabe, portanto, e esse é o caminho que pretendemos demonstrar, ao indivíduo e à coletividade, produzirem comunicações claras e producentes no sentido de proclamarem as significações ocultas [...], pois, senão, continuaremos a viver sob o domínio de uma linguagem reprodutora de um duplo vínculo psicossocial excludente e, portanto, marginalizador, em que, no fundo, a intenção que se revela é a de manutenção de um status quo de relação de poder econômico, político, social e cultural estabelecido há muito na configuração de diversos Estados ditos democráticos, também o brasileiro, mas cujo edifício simbólico construído no imaginário social [...] carrega significações, em evidente paradoxo, de valores humanistas e de cunho fraternal supostamente inspirados nos Direitos Humanos. (CAVALCANTI, 2014, p. 6).

Dessa maneira, o pensamento marxista de luta de classes, envolvendo os trabalhadores em uma ideologia da classe trabalhadora, abstrata e ao mesmo tempo comprometedora, transformou grupos de interesse em movimentos ideológicos, ratificando a ideia de que a efetivação de mudanças somente ocorre em relação às lutas entre os substratos da sociedade. E isso requer urgência.

Piketty, por outro lado, absorve as mazelas do capitalismo em seu estudo, cotejando-as, mesmo sem absolve-las, não fomentando a luta de classes, mas sim fornecendo dados científicos a grupos sociais que de uma forma ou de outra se encontram carentes de estudos aprofundados para a defesa de interesses harmônicos entre si – inclusive em face de propostas relativas ao direito humano subjetivo de propriedade. A urgência é a mesma, só que, no caso de Piketty, a proposta carrega o sistema capitalista de suas incoerências internas, condicionando-o a mudanças sociais, econômicas, políticas e jurídicas que inclusive ultrapassem o conceito moderno de soberania e regulem a distribuição de renda de forma global: mudança essa sem o radicalismo da despersonificação ideológica marxista – apesar de, ao fim e ao cabo, conduzir a este cenário marxista - e que deve ser realizada internamente, no conflito inserido no próprio capitalismo entre o que efetivamente gera e o que garante gerar.

Assim, apesar de não haver como negar o antagonismo de classes, especialmente no ambiente globalizado, salienta-se aqui a importância de propostas de alteração das dinâmicas vigentes do próprio sistema, o que, afinal, pode se sustentar na própria ideia de desenvolvimento humano com dignidade pelos direitos humanos, num processo de ruptura do capitalismo mediante sua própria incoerência argumentativa especialmente em face das construções hermenêuticas que atrelam aqueles direitos à sua suposta condição de legitimidade, tendo em vista a evidente e crescente desigualdade que se vincula a esse sistema em âmbito global.

Na Finlândia, desde o 1 dia de janeiro de 2017, passou-se a “distribuir dinheiro para desempregados, sem questionar o beneficiário e nem mesmo exigir que ele busque um trabalho. A ideia de uma renda básica universal vem sendo debatida em diversos países.” (CHADE, 2017). Mas, pela primeira vez, um governo nacional decide fazer o experimento em nível nacional.

Num primeiro momento, 2 mil finlandeses receberão cerca de 560 euros por mês de forma incondicional. Até hoje, para receber um seguro-desemprego, o cidadão era obrigado a demonstrar que estava buscando trabalho. A nova ajuda ainda ocorrerá independente da fortuna acumulada pela pessoa. Não será perguntado de que forma o cidadão irá gastar os recursos e nem se ele pretende economizar. (CHADE, 2017).

Outro exemplo nesse sentido é a Suíça, que, em junho de 2016, votou a criação de uma renda básica para todos no país. Essa iniciativa popular, chamada de “por uma Renda de Base Incondicional”, “apresentada por um grupo sem vínculos partidários, pretendia pagar uma remuneração ou salário a todos os suíços ou estrangeiros que moram no país há pelo menos cinco anos, com ou sem trabalho.” (SUÍÇOS..., 2016).

Afinal, a proposta foi rejeitada por 76,9% dos eleitores, sendo que o índice de participação eleitoral foi de 46% (SUÍÇOS..., 2016) – demonstração clara também do déficit democrático inclusive em países considerados altamente desenvolvidos. Apesar da rejeição, saliente-se que aproximadamente 25% dos votantes a aprovaram, uma pessoa em cada cinco, o que fomentou o debate, como bem afirmou Sergio Rossi, integrante do comitê de apoio à proposta, destacando “que o importante é que os cidadãos comecem a refletir sobre a ideia” (SUÍÇOS..., 2016).

2.3 Propriedade privada: apontamentos sobre a alteração do sistema capitalista monetário e o exemplo do Bitcoin

Igualmente, ainda na proposta da hipótese comunista de Alain Badiou, no que diz respeito ao desaparecimento da apropriação privada como forma de organização social, a propriedade privada, conforme se conceitua desde a modernidade, tem se alterado drasticamente. É isso o que acontece, por exemplo, com os conhecidos Open Source Iniciative, Software Livre e Copyleft. Esses são termos que dizem respeito:

[...] à promoção de produtos e de bens intangíveis, inicialmente na forma de softwares mas atualmente já incorporados nos mais variados setores da economia, com livre distribuição e contribuição ao aprimoramento, e alheios aos ditames do copyright, das patentes e do instituto da propriedade intelectual, o que permite, por muitas vezes, um inovação acelerada, uma vez que a reprodução pode se dar de forma colaborativa e ampla, potencializada através das diferentes formas de trabalho proporcionadas pelas tecnologias da informação e comunicação. É uma nova forma de se lidar com o direito de propriedade, além de constituir em perigoso ambiente para os oligopólios, os quais tem em conta a propriedade sobre os bens intangíveis como um dos grandes fatores estruturais de manutenção do poderio econômico. (CAVALCANTI, 2016, p. 344).

Assim, com a difusão das tecnologias de informação e comunicação, boa parte do globo está inserida em processos constantes de mudança sobre a própria propriedade privada, e isso se observa em vários espectros, como a dificuldade em se regular: a distribuição de conteúdo, atualmente aberto a todos o acesso a ferramentas colaborativas cada vez mais difusas; a estrutura de patentes em face da internet, entre outros.

Dentro dessa ideia, tem-se evoluído de forma consistente também as chamadas “propriedades compartilhadas”, e, inclusive, diferentes propostas de troca de bens entre interessados sem qualquer relação monetária.

Por isso, quando Alain Badiou afirma como hipótese comunista que é possível que a apropriação privada desapareça como forma de organização social, necessariamente tem-se que cotejar com as alterações contemporâneas sobre o direito de propriedade. Essas mudanças demonstram uma flexibilização desse direito que pelo menos intenta para um caminho fluido e um tanto flexibilizado da ordem pública e da ordem privada.

Esses componentes da hipótese comunista de Badiou, aqui separados para fins didáticos e de cotejo de suas especificidades, de fato se encontram absolutamente imbricados. Como bem salienta Fernando Fagundes Ribeiro, há momentos de tensão entre o direito à propriedade privada, conforme incorporado desde a modernidade, e as transformações sociais em jogo, o consenso democrático, que nada mais é do que o acordo tácito ainda atual “que suporta uma triste realidade: a de que, seja quem estiver no poder, o capitalismo permanecerá intocado. Pois, em sua generalidade, os partidos convocados ao poder concordam que a propriedade privada deve prevalecer sobre o bem público.” (RIBEIRO, 2016, p. 161).

A internet, por outro lado, abriu possibilidades caminhos de realização democrática, compartilhada e coletiva de novas alternativas ao sistema vigente. O surgimento, na década de 1990, dos chamados Cypherpunks foi um dos precursores na tentativa de trazer, pela internet, novos caminhos opostos ao capitalismo vigente. A criptografia passou a ser um instrumento auxiliar a esse processo, influenciando diversos projetos, como o Bitcoin.

Em curso desde o início de 2009, ou seja, logo em seguida ao estouro da crise de 2008 (poucas semanas após a falência do Banco Lehman Brothers), o surgimento do Bitcoin é associado ao nome de Satoshi Nakamoto – nome esse que ainda é um mistério, pois não se sabe se diz respeito a um indivíduo especificamente ou um grupo de pessoas, criando diversas especulações ao seu redor. O Bitcoin é reconhecido por intentar de forma ambiciosa alterar mundialmente as relações monetárias mediante a criação de unidades digitais de moeda que podem ser utilizadas para compra bens e serviços; e é já de relativa grande popularidade (no Japão, por exemplo, está previsto que, em 2017, até 300 mil estabelecimentos aceitem os bitcoins como forma de pagamento). Além de garantir anonimato no processo de compra e venda pela internet, o que é “genuinamente novo e único sobre os bitcoins é que nenhuma instituição ou companhia faz a guarda do chamado ledger: o arquivo das transações que garante que, quando você gastar uma unidade da moeda, haverá uma unidade a menos em sua carteira digital” (VAROUFAKIS, 2015) – o site oficial do Bitcoin denomina esse sistema de “shared public ledger.” (BITCOIN, 2017).

Isso significa que as transferências monetárias, ao invés de balizadas por instituições financeiras e qualquer tipo de Banco Central, são garantidas por um algoritmo que compartilha a supervisão sobre as transações em diversos computadores voluntários espalhados pelo mundo, os quais rastreiam a transferência e verificam que a quantidade de bitcoins negociada deixou o aparelho do comprador antes de se mover para o do vendedor. Essa que é uma das tecnologias centrais desse sistema – denominada blockchain – busca livrar as transações das taxas bancárias, da ineficiência e da burocracia institucional, e igualmente reduzir a possibilidade de corrupção ao descentralizar e, portanto, fragmentar a base de dados, isso tanto em face das instituições públicas quanto privadas. Também, o economista e ex-ministro grego Yanis Varoufakis (2015) esclarece que:

[...] o algoritmo garantiu que o número dessas sequências — ou bitcoins — poderia crescer, no máximo (dada a estrutura do algoritmo) até atingir 21 milhões de unidades, por volta do ano de 2040. Uma vez alcançada essa quantidade, sua produção cessaria e os usuários de bitcoins teriam que lidar com essas 21 milhões de unidades.

Chamada de “ouro digital”, por conta de ser planejada como uma moeda finita em quantidade (mais especificamente, de escassez planejada), apesar dos seus interessantes aspectos de tentativa de ser uma moeda alheia ao controle político e ao poderio das instituições financeiras, um argumento satisfatório de Varoufakis (2015) e que desafia as expectativas positivas que veem nessa moeda uma possibilidade de ocasionar uma suposta revolução positiva no sistema capitalista é o de que o setor financeiro, inevitavelmente, assim como já foi feito anteriormente, inclusive no período de lastro de moeda no ouro,

[...] encontrará caminhos para criar papéis especulativos baseados em bitcoins, no estilo anos dos 20, o que causará a formação de bolhas. Ou então, a economia política bitcoin irá despencar em uma espiral deflacionária que tanto causa cobiça entre alguns seus usuários quando leva outros, mais numerosos, a abandonar a moeda.

Dessa forma, ainda com base no economista grego, partilha-se de seu entendimento quando ele conclui que:

[...] como este controle está fadado a ser político, no sentido de que diferentes políticas monetárias afetarão de modo desigual diferentes grupos de pessoas, a única maneira decente de exercer tal controle é por meio de uma agência coletiva, democrática. Em resumo, se dinheiro apolítico é uma perigosa ilusão, um Banco Central que seja democraticamente controlado (e oposto, portanto, à noção de um Banco Central “independente”) ainda é nossa maior esperança de uma forma de dinheiro que seja manejada para o povo pelo povo. (VAROUFAKIS, 2015, grifo nosso).

O que é fato, assim, é que, pela sua própria estrutura, o bitcoin já nasce com um pressuposto político de descentralização e ausência de controle institucional público e corporativo.

Mesmo assim, em janeiro de 2014, Benjamin Lawsky, Superintendente de Serviços Financeiros do Estado estadunidense de Nova York, realizou audiências púbicas a fim de regular a moeda criando uma licença para os serviços de Bitcoin neste Estado, intitulada de BitLicense, sendo lançada efetivamente na primavera de 2015. Pouco depois, Lawski e muitos de sua anterior equipe deixaram o departamento público e entraram em empresas privadas de consultoria de regulação em bitcoins para outras empresas privadas – exemplo do já anteriormente citado revolving door mechanism.

As instituições financeiras passaram, principalmente a partir de 2014, a introjetar em seus negócios pesquisas e inovações trazidas pelo sistema do Bitcoin, percebendo chances de, assim, aumentar eficiência e reduzir custos. Rakesh Mowani, ex-Diretor-Geral do JPMorgan Chase, já declarou à época ter se reunido com grandes bancos e que “todos tem um especialista em Bitcoin, pelo menos um grupo de trabalho. Como equipes de pessoas tentando descobrir como incorporar a tecnologia nas operações já existentes.” (BANKING, 2017). A tecnologia que especialmente atrai é o já citado blockchain, nas mais variadas formas de transferência monetária.

Blythe Masters, ex-executiva também do JPMorgan Chase e atualmente CEO do Digital Asset Holdings, empresa de tecnologia financeira, declarou no mesmo sentido que a tecnologia de blockchain “elimina uma quantidade significativa de ineficiência do sistema, e reduz custos” (BANKING, 2017). Masters é também creditada pela criação do contrato de credit default swap, negócio jurídico esse que é vinculado aos compromissos de emissão de CDOs, o qual está no centro da crise financeira de 2008.

Neste sentido, certamente o interesse primário dos bancos é em utilizar essa tecnologia de forma privada, ou seja, em seus próprios computadores – ao invés de um sistema fragmentado, anônimo de descentralizado – claramente a fim de garantir a manutenção do controle sobre o sistema financeiro.

Por outro lado, o Bitcoin – apesar de passível de diversas críticas - iniciou um processo disruptivo em face do sistema financeiro mundial e sua regulação intrínseca. O Bitcoin é um open source, e assim sendo, permite igualmente a promoção livre por sujeitos interessados da construção de perspectivas diversas sobre possibilidades de alteração do sistema capitalista monetário, habilitando a permanência de elementos democráticos que alimentam desejos utópicos – inclusive no sentido de Badiou. O processo, portanto, não é antecipadamente determinável, mas claramente abre caminhos para críticas em torno da coerência do capital.

3 Críticas de Alain Badiou aos direitos humanos: os direitos humanos como ética da verdade

Não há uma voz uníssona no que diz respeito à interpretação do conteúdo material dos direitos humanos. Muitos intérpretes do Direito mostram os direitos humanos como um “reconhecimento do outro”, como uma “ética das diferenças”, um “multiculturalismo” e uma “tolerância”, e acabam por nos remeter a Lévinas. Como salienta Maria Camila Gabriele Moura, Badiou afirma a inconsistência desses nomes, pois podem se opor a: “fanatismo”, “racismo” e “crispação identitária”. Ele nos fala que “essa ideologia ‘do direito à diferença’, esse catecismo contemporâneo da boa vontade com respeito a ‘outras culturas’ está singularmente distanciada das concepções verdadeiras de Lévinas.” (BADIOU, 1995, p. 35). Nos direitos humanos, associados à ética atual pelo próprio processo hermenêutico,

[...] e combatida por Badiou, onde estaria a diferença entre eu e o Outro que Lévinas nos traz se todos possuem os mesmos direitos? Se todos se opõem, ou devem se opor, igualmente aos mesmos maus? O Outro deve, em Lévinas, ser conduzido por um princípio de alteridade. Há um devotamento ao Outro, que difere de mim. (MOURA, 2017).

Dessa forma, Badiou remete a uma ética das verdades: “não há ética senão das verdades. Ou, mais precisamente: não há ética senão dos processos de verdade, do trabalho que faz advir a este mundo algumas verdades.” (BADIOU, 1995, p. 42). Ainda em Moura (2017):

Isso nos mostra a inexistência de uma ética usualmente conhecida por nós, mas a existência de uma “ética-de”, que há a ética da política, do amor, da boa convivência, etc. E não há um sujeito único, universal e pertencente a uma ética tal qual conhecemos, mas há tantos sujeitos quantas verdades existirem.

Esses diferentes sujeitos coexistem, mas não são necessariamente unificados em um molde de sujeito, já que a “verdade, em sua invenção, é a única coisa que será para todos e não se efetua realmente senão contra as opiniões dominantes, aquelas que sempre trabalham não para todos, mas para alguns.” (BADIOU, 1995, p. 45). Nestes moldes, está inserido um debate em face da possibilidade de garantia do sentimento de pertencimento à cultura mais localizada no eixo do sujeito, inclusive territorialmente falando, aspecto esse pouco considerado nos discursos de globalização e universalização do Homem, de seus desejos, direitos e deveres. Então, consoante Badiou, o que viria regular esse mesmo sujeito não seria a ética dos Direitos Humanos, mas a ética das verdades. Verifica-se, dessa maneira, que a interpretação dos Direitos Humanos, para o filósofo, só pode nos preencher na maioria dos modelos contemporâneos pelo sentido negativo da norma, ou até, por outro lado, pelo abstracionismo desses direitos; há uma fenda por demais aberta entre aqueles direitos e o processo das verdades, processo esse que decorre de um tratamento próprio do sujeito, sem o suposto enquadramento relativista e por demais abrangente dos direitos humanos.

Vê-se, assim, que Badiou não empreende uma interpretação dos direitos humanos enquanto realmente universais e abstratos, o que por sua vez, por um lado positivo, pode servir de adaptação às diversas realidades de cada sujeito ou grupo social singularmente falando. Ora, não há, efetivamente, como vê-los de outra forma, já que a normatização dos direitos humanos, gerais e abstratos, é condicionada de fato a uma interpretação caso a caso, bem fundamentada e, essa sim, não generalista.

Dentro disso, percebe-se a possibilidade de enquadrar as verdades, conforme referidas por Badiou seguindo Lévinas, no plano de aplicação da norma, partindo daquelas como valores essenciais para o cotejo dos direitos humanos, mas igualmente desde que inseridos em processos jurídico-hermenêuticos que adequem efetivamente a norma aos sujeitos singularmente reconhecidos.

Dessa forma, tem-se que a conjuntura internacional contemporânea atravessa a necessidade de uma postura deontológica e afirmativa em face dos direitos humanos, em todas as suas dimensões, incluindo os ditames de democracia e de paz, como um interesse global, justamente na tentativa de se garantir uma função efetivamente ordenadora e que, envolta não só na teoria, como também na ação concreta desses ditames, demanda como providencial a emancipação de instituições garantistas e da autonomia individual e coletiva no sentido da dignidade da pessoa humana.

Agora, algumas questões que se abrem por essa análise de Badiou ao sustentar sua crítica em face da posição generalista dos direitos humanos são: de qual democracia está-se falando? E essa paz, seria a partir de quais custos e interesses e à revelia de quais valores?

Interessante observar, nesse sentido, que, ao mesmo tempo em que há essa abertura a tais questionamentos sobre a finalidade e a concretização caso a caso dos conceitos abstratos dos direitos humanos, Badiou, de forma aparentemente paradoxal, deixa em aberto tanto o processo de desconstrução do sistema capitalista quanto os próprios fundamentos do que seria uma sociedade comunista, mesmo que ele sustente alguns pressupostos de sua “hipótese comunista”, pois deixa de avançar – propositalmente – em seus aspectos procedimentais de forma mais detalhada.

Assim, somente é possível se compreender esse aparente paradoxo a partir do momento em que se entende que Badiou combate os direitos humanos em sua abstração e generalidade enquanto intrinsicamente inseridos na lógica do capitalismo, ou seja, enquanto projeto ideológico e político, revestido de juridicidade e, ao mesmo tempo, manobrável para múltiplos caminhos pelos detentores do poder de decisão na intenção de manutenção do próprio sistema do capital, explicitamente num projeto universalista.

Conclusão

Na maior parte do globo, o sistema capitalista contemporâneo se apoia em alguns pressupostos para garantir que a interpretação e aplicação dos direitos humanos seja fomentada pela ideologia liberal, a fim de se justificar a questão da desigualdade social.

Nessa via, tem-se a questão meritocrática, enquanto enraizada na lógica capitalista, que deve ser trazida à tona na forma de críticas ao seu real fundamento e submetida ao escrutínio social, para que possam ser renovados os questionamentos sobre como alterar esse modelo econômico e social que tantas desigualdades produz.

Tudo isso faz pensar que ainda há muito que desenvolver a dimensão da igualdade no capitalismo contemporâneo, apesar da evolução realizada a partir das lutas de esquerda que se desenvolveram durante o século XIX e também aquelas noções de direitos sociais advindas do pós-Segunda Guerra Mundial, aí já num sentido mais globalizado.

A proposta de Piketty de um imposto global condiz com essa premência de transformações em âmbito mundial. Piketty, em suma, evoca a assunção das bases do capitalismo como insuficientes para a garantia dos pressupostos dos direitos humanos.

Nessa esteira, a hipótese comunista de Alain Badiou merece ser interpretada enquanto processo, ou seja, associada à necessidade de intervenção na estrutura do mercado, da cultura, e do Estado, conduzindo mediante rupturas no sistema que evoquem a sua própria incoerência.

Os direitos humanos, por sua vez, exigem um comprometimento deontológico em prol da limitação do próprio capitalismo, limitação essa que não permite que este sistema econômico abra sentidos em prol da não desconsideração daqueles que pouco possuem e da regulação do poder sobre aqueles que tanto possuem bens materiais, evitando uma proposta democrática efetivamente participativa e dialógica.

Nessa perspectiva, os direitos humanos devem incorporar o sentido de uma ética da verdade que almeje análises mais criteriosas do sujeito e da sociedade aos quais se dirige, sempre na esteira da satisfação do compromisso com a dignidade da pessoa humana.

Referências

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1 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor de Graduação e de Pós-graduação em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; https://orcid.org/0000-0003-4277-8227; thiagomatsushita@uol.com.br

2 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor e Pesquisador em Direito no Centro Universitário Alves Faria (Alfa); Rua Roger Zmekhol, 212, Jardim Colombo, 05622-050, São Paulo, São Paulo, Brasil; https://orcid.org/0000-0001-8633-4922; rodrigoccavalcanti@gmail.com

3 “Revolving door mechanisms” são movimentos de pessoal entre funções como legisladores e/ou reguladores e funções nas indústrias afetadas pela mesma legislação e/ou regulação.