https://doi.org/10.18593/ejjl.16809

O DIREITO FUNDAMENTAL A TRATAMENTO NÃO DISCRIMINATÓRIO COMO LIMITE PARA A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE EMPREGO DA PESSOA COM DOENÇA GERADORA DE ESTIGMA OU PRECONCEITO

THE FUNDAMENTAL RIGHT TO NON-DISCRIMINATORY TREATMENT AS A LIMIT TO THE EXTINCTION OF EMPLOYMENT CONTRACT OF THE PERSON WITH DISEASE CAUSING STIGMA OR PREJUDICE

André Luiz Sienkievicz Machado1

Ana Virginia Moreira Gomes2

Resumo: Com desenvolvimento orientado pela perspectiva teórica do direito fundamental de receber tratamento não discriminatório, o presente artigo assume o objetivo de avaliar a justiça de decisão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu a presunção de prática de ato de discriminação na iniciativa do empregador de promover a extinção do contrato de emprego de trabalhadora acometida por tuberculose, considerada, pela decisão, como doença grave suscitadora de estigma ou preconceito. Para alcançar o objetivo proposto, adota como método a análise crítica dos argumentos de interpretação desenvolvidos ao longo do processo de tomada de decisão. Em seguida, confronta o conjunto de argumentos de interpretação com os três critérios de avaliação propostos pela teoria da argumentação de Neil MacCormick: consistência (ausência de contradição), coerência (acomodação sistêmica) e universalidade (possibilidade de replicação). Na sequência, sob a perspectiva teórica que orientou a realização da investigação, conclui-se pela justiça de decisão em razão da verificação da presença daqueles três elementos de avaliação.

Palavras-chave: Análise de caso. Teoria da argumentação de Neil MacCormick. Critérios interpretativos. Discriminação no emprego. Tuberculose como doença grave suscitadora de estigma ou preconceito.

Abstract: With development guided by the theoretical perspective of the fundamental right to receive non-discriminatory treatment, this article assumes the objective of evaluating the fairness of the Brazilian Superior Labor Court decision which recognized the presumption of practice of discrimination in the employer’s initiative to promote the extinction of the employment contract of a worker affected by tuberculosis, considered, by the decision, as a serious disease causing stigma or prejudice. To reach the proposed objective, it adopts as a method the critical analysis of the interpretation arguments developed throughout the decision making process. It then confronts the set of interpretation arguments with the three criteria of evaluation proposed by Neil MacCormick’s argumentation theory: consistency (contradiction absence), coherence (systemic accommodation) and universality (replication possibility). Following, from the theoretical perspective that guided the realization of the investigation, it concludes by the justice of decision by reason of the presence of those three evaluation elements.

Keywords: Case analysis. Neil MacCormick’s argumentation theory. Interpretative criteria. Employment discrimination. Tuberculosis as a serious disease causing stigma or prejudice.

Recebido em 1 de novembro de 2018

Avaliado em 5 de outubro de 2020 (AVALIADOR A)

Avaliado em 10 de outubro de 2020 (AVALIADOR B)

Aceito em 3 de novembro de 2020

Introdução

A ordem jurídica trabalhista brasileira, após longo processo de formação, emancipação e consolidação, ainda se ressente de maior sintonia com o Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição Federal de 1988. Esse modelo de organização exige a refundação dessa ordem a partir do Direito Constitucional do Trabalho, sem, no entanto, descartar os traços de identidade genética oriundos de seu processo formativo, que, em rigor, em grande medida acham-se impregnados na própria Constituição Federal. Esses traços identitários derivam do paulatino processo de conquistas de direitos como resultado de movimentos de pressão da classe trabalhadora no curso das primeiras décadas do Século XX. Essas marcas acompanharam a experiência histórica brasileira com notável resiliência e, aos trancos e barrancos, depois de percorrer muitos caminhos, nem sempre retilíneos, vieram a desaguar na atual Constituição. A refundação da ordem jurídica trabalhista brasileira deve realizar-se mediante a ressignificação de conceitos, institutos e categorias do Direito do Trabalho (desconstruir para ressignificar; ressignificar para refundar). E o vetor desse empreendimento de reconstrução reside no sistema constitucional de direitos e garantias fundamentais. A caminhada rumo à refundação da ordem jurídica trabalhista está longe de acabar: na verdade, mal começou, na verdade.3

Entre as tarefas por realizar, acha-se a consolidação teórica – e prática – do sistema de direitos e garantias fundamentais no âmbito das relações de trabalho. Também se acha pendente o desenvolvimento mais aprofundado de teorias da decisão voltadas especificamente para a realidade dos conflitos oriundos desse tipo de relação, em permanente estado de tensionamento em razão do antagonismo de interesses que marcam o mercado de trabalho e a oposição entre capital e trabalho, revestidos de ambivalência, vicissitudes e sutilezas.

No presente artigo, a discussão atravessa os campos, teoria e prática, em indissociável círculo dialógico e reflexivo: cuida da definição e da aplicação do direito fundamental à igualdade – ou, com maior grau de precisão, do direito fundamental a receber tratamento não discriminatório – sob a perspectiva teórica relacionada aos discursos de aplicação e efetivação do direito. O recorte da pesquisa envolve o estudo de caso da presunção da prática de discriminação no ato de empregador que tomou a iniciativa de extinguir o contrato de emprego de empregada com tuberculose. Nessa investigação, analisa-se criticamente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho. Avalia-se se a decisão mostra-se justa sob a perspectiva de teoria da argumentação, na forma da seção dedicada à descrição pormenorizada dos métodos empregados no empreendimento de pesquisa (subseção “a descrição dos métodos empregados na realização da pesquisa”).

Antes dessa descrição, porém, delimita-se o marco teórico de referência, com o estabelecimento de determinados pressupostos de trabalho (subseção “a contextualização do objeto da pesquisa em relação ao sistema de direitos e garantias fundamentais e a descrição do marco teórico a ela referente”). Revolvem-se, nesse campo, as seguintes questões: a) o direito fundamental de receber tratamento não discriminatório e a sua relação com a garantia fundamental contra a extinção do contrato de emprego por ato arbitrário do empregador; b) a aplicação do direito fundamental de receber tratamento não discriminatório no âmbito da relação contratual de emprego, c) o adensamento normativo e protetivo do direito fundamental de receber tratamento não discriminatório em matéria de trabalho e emprego no direito positivo infraconstitucional e, por fim, d) o exame do texto, do contexto e do subtexto do Enunciado 443 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

Na sequência, na discussão, descrevem-se e analisam-se, criticamente, os argumentos de interpretação de decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho em relação ao caráter discriminatório do ato de extinção do contrato de emprego de pessoa com tuberculose, bem como os resultados do desenvolvimento desses argumentos interpretativos. Em seguida, antes de ingressar no exame do acerto da decisão sob a perspectiva proposta, descreve-se, brevemente, a caracterização da tuberculose como doença suscitadora de estigma ou causadora de preconceito. Depois, analisam-se, criticamente, a consistência, a coerência e a universalidade da decisão estudada no curso do empreendimento de pesquisa.

1 O marco teórico de referência e a descrição dos métodos empregados na pesquisa

O ponto de partida da presente investigação consiste no exame crítico e analítico de decisões – a descreverem-se oportunamente – proferidas pela Subseção de Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho4 no julgamento de recursos relativos ao Processo nº 0065800-46.2009.5.02.0044, iniciado na 44ª Vara do Trabalho de São Paulo.

O estabelecimento de regras de competência Tribunal Superior do Trabalho opera-se por meio de lei ordinária, na forma do artigo 111–A, § 1º, da Constituição Federal. Há, porém, em relação a ele, na Constituição Federal, por força de inovação promovida pela Emenda nº 92, de 2016, a definição da competência originária para “processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões” (artigo 111–A, § 3º) (BRASIL, 1988a). No caso dos segmentos especializados do Judiciário, a competência dos respectivos tribunais superiores orienta-se pelas regras de competência material delineadas no próprio texto constitucional. Assim, ao definir que a Justiça do Trabalho reúne competência para processar e julgar as demandas derivadas das relações de trabalho, a Constituição Federal determina, ainda que de modo indireto, a especificação da competência do Tribunal Superior do Trabalho, no plano infraconstitucional, em consonância com esses limites de competência material, segundo – e seguindo – a vocação da Justiça do Trabalho: a solução de conflitos no âmbito das relações de trabalho. A composição e o funcionamento dos órgãos fracionários consistem em matérias definidas pelo regimento interno do TST (parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.701, de 1988) (BRASIL, 1988b).

Assim, internamente, no exercício de sua competência jurisdicional em matéria de conflitos individuais,5 o TST fraciona-se organicamente em oito turmas julgadoras, compostas por três ministros cada uma, e em duas subseções especializadas. A primeira dessas duas subseções, composta por catorze ministros, inclui “o Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal, o Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho e mais onze Ministros, preferencialmente os Presidentes de Turma” (artigo 65, § 2º, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho6) (BRASIL, 2008). O quórum mínimo de funcionamento e deliberação corresponde a oito ministros (artigo 65, § 2º, do RI/TST). Para o processo de tomada de decisão, em caso de empate, aplica-se a regra do voto de qualidade, com a prevalência do “voto proferido pelo Presidente do Tribunal ou pelo Ministro que o estiver substituindo” (artigo 124 do RI/TST).

A SDI-I encarrega-se de proceder à uniformização da jurisprudência do Tribunal do Superior do Trabalho e, mais do que isso, por consequência, uniformizar o entendimento acerca da interpretação–aplicação da ordem jurídica trabalhista em todo território nacional. Cuida-se, portanto, de tarefa revestida de elevada importância. Compete-lhe, mais especificamente, dirimir as divergências de entendimento entre as turmas do próprio TST e velar pela manutenção da integridade da jurisprudência do Tribunal, na forma detalhada pelo artigo 894 da Consolidação das Leis do Trabalho. O instrumento processual por meio do qual se efetiva essa missão institucional consiste no recurso de embargos, também denominado, na doutrina, de embargos de divergência, para diferenciá-los dos embargos infringentes (restritos aos dissídios coletivos) e dos antigos embargos de nulidade, extintos em 2007, por força da Lei nº 11.496 (BRASIL, 2007).

Disso, portanto, deriva a importância das decisões proferidas por esse órgão: dele provém a última palavra da Justiça do Trabalho sobre a solução de conflitos decorrentes das relações de trabalho. Consequentemente, a força dessa palavra derradeira opera efeitos de força centrífuga: alastram-se do centro à periferia. E esses efeitos se dão em planos diversos. Primeiramente, operam-se, por assim dizer, efeitos integrativos, “normogênicos”: o resultado obtido por meio desse qualificado tipo de julgamento passa a compor o sistema de regulação das relações de trabalho, quase que com efeitos normativos de alcance mais geral, como se esse sistema, por força de criação autopoiética, passasse a contar com um enxerto consistente em uma nova regra, mais específica, mais ou menos definida nos moldes das premissas de fato subjacentes ao caso decidido, de maneira algo semelhante com o sistema de precedentes. Nesse particular sentido, portanto, se, em outros casos, idênticas premissas fizerem-se presentes, então igual resultado deve prevalecer. Disse-se quase porque, formalmente, a ordem jurídica trabalhista não reconhece a força vinculativa de decisões proferidas pelos seus órgãos nem o sistema de produção e aplicação de precedentes.

Além disso, as decisões revestidas dessas particulares predicações apresentam dimensão simbólica – que pode, a princípio, sobrepor-se parcialmente à dimensão integrativa, mas com ela não se confunde – e servem de referencial múltiplo de orientação da atividade de diversificados atores: a) os demais órgãos da Justiça do Trabalho, mediante a invocação da decisão paradigma como razão de decidir em outros processos, ainda que à maneira de reforço argumentativo (argumento sistêmico de precedente, conforme se demonstrará oportunamente); b) do Legislativo, que pode avaliar a necessidade e a pertinência de incluir, formalmente, a “nova regra” no sistema de Direito Positivo, por meio da observância do ritual institucionalmente previsto (devido processo legislativo); c) a sociedade em geral, sobretudo os protagonistas das relações de trabalho, que podem adequar o seu comportamento ao conteúdo da decisão, como forma de equacionar ou prevenir possível conflito (compliance).

Esse tipo de decisão, ainda, com a criação da “nova regra”, pode apresentar potencial efeito expansivo e dar origem à criação de “outras novas regras” no sistema, vertical (especificação de circunstâncias ou de peculiaridades que orbitam em torno da questão discutida e decida no caso matriz) ou horizontalmente (expansão do resultado para casos dotados de semelhança material, pelo caminho da analogia), tudo, claro, a depender da construção de decisões amparadas em argumentação idônea. Por conseguinte, a escolha desse específico conjunto de decisões, examinadas no curso da presente investigação científica, justifica-se tanto pela acentuada relevância social da questão de mérito julgada pela SDI-I, conforme se explanará com maior detenção, quanto pelo interesse acadêmico em avaliar o acerto ou desacerto dessas decisões sob a perspectiva da integridade argumentativa pelos critérios de consistência, coerência e universalidade.

Exposto contexto orgânico da produção da decisão, com a descrição concisa da função da SDI-I e do procedimento de julgamento dos processos a ela submetidos, passa-se a demonstrar a inserção da questão debatida e decidida no campo do sistema proteção de direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal de 1988 e, na sequência, a indicar os métodos empregados na realização da pesquisa.

1.1 A contextualização do objeto da pesquisa em relação ao sistema de direitos e garantias fundamentais e a descrição do marco teórico a ela referente

O tema submetido ao exame da SDI-I, em grau de recurso, correspondia à definição da presença ou da ausência de presunção de discriminação em razão do estado de saúde de trabalhadora acometida por tuberculose e, por conseguinte, a avaliação da validade ou da nulidade do ato do empregador representado pela iniciativa de promover a extinção do contrato de trabalho diante desse conjunto de circunstâncias. A reunião desses elementos fornece indícios da riqueza da questão no plano teórico. Nesse ponto, de passagem, cabe, por oportuna, a seguinte advertência: ao longo do presente trabalho, a palavra “discriminação” e os termos que dela derivam empregam-se, exclusivamente, no sentido de discriminação odiosa, logo, ilícita: ambas as qualificações – odiosa e ilícita –, portanto, acham-se, sempre, subentendidas no curso do artigo, que, em momento algum, ingressa no exame da chamada discriminação positiva ou promocional.

1.1.1 O direito fundamental de receber tratamento não discriminatório e a sua relação com a garantia fundamental contra a extinção do contrato de emprego por ato arbitrário do empregador

Primeiramente, no plano teórico, verifica-se que a discussão perpassa o conteúdo material e o alcance subjetivo do direito fundamental à igualdade ou, com maior grau de especificação, ao direito fundamental de receber tratamento não discriminatório, com fundamento no Direito Constitucional Positivo decorrente, de forma mais direta e enfática, do artigo 5º, cabeça, e inciso I, da Constituição Federal.7 Entretanto, outros dispositivos normativos convergem para esse espaço normativo, reforçando ainda mais o âmbito de proteção desse direito fundamental, como, por exemplo, o artigo 3º, IV,8 e o artigo 5º, XLI,9 da Constituição.

Esse direito fundamental, ainda no plano constitucional, em relação à extinção do contrato de emprego, ampara-se, em parte (apenas em parte e em um especial e determinado sentido, como se demonstrará em pormenor), na garantia inscrita no artigo 7º, I, que, entretanto, em razão dos seus limites restritos, não confere proteção suficiente àquele direito. Com efeito, o artigo 7º, I, da Constituição Federal, reconhece à classe trabalhadora, como direito fundamental de dupla expressão (individual e social), a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa”. A plenitude protetiva dessa garantia, porém, com a previsão de “indenização compensatória, dentre outros direitos”, depende da edição de lei complementar pelo Congresso Nacional, tarefa que, até o presente momento, não se executou: subsiste, desde 1988, o estado de mora legislativa.

Dessa maneira, paliativamente, a regência da questão continua a seguir o parâmetro estabelecido no artigo 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: no caso de “despedida arbitrária ou sem justa causa”, impõe-se a seguinte obrigação ao empregador: o pagamento, a título de indenização, de importância equivalente a quarenta por cento do saldo dos depósitos referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, relativo ao tempo de perduração do contrato de trabalho extinto. No entanto, a produção das consequências jurídicas derivadas das situações de fato descritas no artigo 7º, I, da Constituição Federal, norma dotada de eficácia limitada em razão da ausência de lei complementar de regulamentação, destinam-se aos casos de extinção do contrato de emprego assinalados, por assim dizer, por elementos de relativa “normalidade”. Dito de outra forma: a proteção decorrente desse artigo dá abrigo normativo a situações de extinção dos contratos de trabalho, pela iniciativa do empregador, por meio de denúncia vazia (“sem justa causa”) ou de denúncia cheia com lastro em determinados motivos considerados ilegítimos (“arbitrária”).

E que motivos ilegítimos caracterizariam a arbitrariedade da extinção do contrato? A Constituição Federal não fornece, expressamente, elementos elucidativos suficientes. Precisamente em razão disso, determinou-se a edição de lei complementar para delimitar, com maior precisão, o campo de incidência da norma, que, como se apontou, ainda não veio a lume. De que maneira, então, interpretar adequadamente esse preceito constitucional? Todos os casos de extinção de contrato de emprego com fundamento em motivo configurador de violação a direito fundamental se enquadrariam como arbitrários e, por conseguinte, atrairiam a produção das consequências jurídicas prescritas pelo artigo 10, I, do ADCT?

Diante do estado de silêncio legislativo quanto à edição da lei complementar indicada no artigo 7º, I, o intérprete–aplicador da norma deve, pelo processo hermenêutico, construir o sentido normativo da expressão “despedida arbitrária”. Com efeito, como norte de interpretação, pode recorrer-se ao artigo 165 da Consolidação das Leis do Trabalho, que define, pela negativa, para o membro de representação dos empregados junto às comissões internas de prevenção de acidentes de trabalho, a “despedida arbitrária” como aquela que “não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”. Não se cuida, com isso, de subverter o regular processo hermenêutico de interpretação, com a indevida subordinação da Constituição Federal aos sentidos normativos construídos no âmbito do direito positivo ordinário. Trata-se, ao contrário, de conferir, pela interpretação, sentido normativamente razoável ao preceito constitucional, de modo a conferir-lhe efetividade protetiva.

Em face dessa construção interpretativa, poderia elaborar-se, a princípio, o seguinte raciocínio: considera-se arbitrária a iniciativa do empregador de promover a extinção do contrato de emprego por motivos que configurem ofensa a direito fundamental e, em razão disso, deve produzir-se a consequência jurídica indicada no artigo 10, I, do ADCT. Sim? Não. E por que não? A premissa mostra-se acertada: de fato, nesse tipo de caso, pode qualificar-se a extinção do contrato de emprego como arbitrária, pois, afinal, não se cuida de caso de motivo estritamente disciplinar, econômico, financeiro ou técnico. A definição das consequências jurídicas, porém, nesses moldes, não se harmoniza com a Constituição Federal. Com efeito, a ordem jurídica constitucional deve interpretar-se como sistema coeso, unitário, despido de contradições internas e de paradoxos hermenêuticos, e não aos pedaços, de forma fragmentada. Caso prevalecesse semelhante conclusão aligeirada, chancelar-se-ia o entendimento de que situações revestidas de particularidades antagônicas contam com a aptidão para produzir idênticas consequências jurídicas, o que, do ponto de vista da interpretação do Direito como sistema, revelar-se-ia como desmedido contrassenso: a ordem jurídica, como sistema, repele resultados contraditórios. Assim, devem descartar-se as interpretações que redundem na produção desse tipo conclusão.

Nesse sentido, portanto, a extinção do contrato de emprego decorrente de ato de discriminação corresponde, sim, à descrição da hipótese de “dispensa arbitrária” (pois não decorre, estritamente, de motivo de ordem disciplinar, econômica, financeira ou técnica), mas, ao mesmo tempo, por imperativos derivados do acervo de princípios de hermenêutica constitucional, vai além disso e não se confina às pouco anchas fronteiras normativas do direito previsto no artigo 7º, I, Constituição Federal: extrapola-as para encontrar abrigo em outro espaço normativo, mais sofisticado quanto ao âmbito de proteção. Trata-se, esse espaço, como acima se demonstrou, do direito fundamental à igualdade ou, de forma mais especificada, do direito fundamental de receber de tratamento não discriminatório, dotado de imediata aplicação, com a dispensa de maiores intermediações no plano da legislação ordinária, na forma do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal. Como consequência do reconhecimento da aplicação imediata desse direito, os seus titulares podem, como reflexo do princípio do direito fundamental à obtenção de adequada tutela jurisdicional, exigir, perante o Judiciário, a cessação de práticas de discriminação (tutela de remoção do ilícito) e, também, a reparação dos danos derivados desse tipo de ato (tutela reparatória).

Por conseguinte, os casos de discriminação que resultem na extinção do contrato de emprego não podem produzir consequências jurídicas idênticas àquelas que decorrem, por exemplo, da extinção do contrato por simples denúncia vazia. Dito de outro modo: a prescrição contida no artigo 10, I, do ADCT, de alcance modesto e suave, não pode servir como limite para a definição das consequências jurídicas produzidas pela extinção do contrato de emprego em razão de ato de discriminação. De semelhante maneira, a exigência de lei complementar não se estende à definição do conjunto de consequências jurídicas derivadas desse tipo de ato: a determinação de medidas como, por exemplo, a reintegração do trabalhador demitido nesse tipo de circunstância ao quadro funcional da empresa pode veicular-se por meio de lei ordinária, observado, logicamente, o devido processo legislativo.

A atribuição de solução diversa viria a acobertar atos de discriminação, sobretudo os realizados dissimuladamente. Assim, se todo ato de discriminação que redundasse na extinção do contrato de emprego encontrasse completo equacionamento jurídico no normativamente acanhado artigo 10, I, do ADCT, haveria, sem dúvida, proteção insuficiente ao acervo de direitos fundamentais. Além disso, essa proteção anêmica, no limite, representaria ofensa ao direito fundamental à igualdade e à proporcionalidade. À igualdade, por dispensar tratamento idêntico a situações revestidas de características díspares de singularização. À proporcionalidade, por consequência, em razão de adjudicar, no plano normativo, efeitos pouco calibrados para solucionar casos assinalados por esses elementos de distinção. De resto, a necessidade de adequado equacionamento das consequências jurídicas para os atos de discriminação consiste, em si mesma, direito fundamental, na forma do acima mencionado artigo 5º, XLI, da Constituição Federal: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

De mais a mais, como ponto de reforço argumentativo, a integração sistêmica e normativa entre os direitos descritos nos artigos 7º, I, e 5º, I, opera-se pela cláusula de abertura descrita na parte final do artigo 7º da Constituição Federal, com a aptidão para ampliar o acervo de direitos da classe trabalhadora e proscrever o retrocesso social: “além de outros [direitos] que visem à melhoria de sua condição social”. De qualquer maneira, a descrição pormenorizada das consequências jurídicas específicas da extinção de contrato de emprego decorrente de ato revelador de discriminação refoge às fronteiras da presente investigação.

1.1.2 A aplicação do direito fundamental de receber tratamento não discriminatório no âmbito da relação contratual de emprego

Na sequência, ainda no campo do referencial teórico, pode verificar-se, de um lado, que se cuida de relação contratual concluída e executada por particulares, submetida, portanto, ao regime jurídico de direito privado; de outro lado, porém, diante do caráter de centralidade do trabalho no âmbito da sociedade e, também, em face das peculiaridades desse tipo de relação, marcada pela verificação da desproporção das posições de fato e de direito dos sujeitos que a protagonizam, existe a marcante presença da intervenção do Estado no domínio econômico relativo ao mercado de trabalho, mediante o exercício de atividades de regulação e fiscalização dessas relações, com severa diminuição do campo de atuação da autonomia da privada.

Entretanto, o grau de detalhamento do marco de regulação das relações de trabalho não promove o deslocamento desse tipo de relação, que, a despeito desse conjunto de restrições normativas, não migra para o direito público: permanece no campo das relações privadas. Consequentemente, a análise da questão posta em discussão no presente artigo passa pela denominada eficácia das normas de direito fundamental sobre as relações privadas ou, como se queira, a chamada eficácia horizontal dessas normas, simplesmente. Particularmente, para esses específicos tipos de relação privada assinaladas pela acentuada assimetria de posições de fato e/ou de direito entre os sujeitos componentes da sua estrutura, como o são, por exemplo, em regra, as relações de trabalho e de consumo, prefere-se a expressão eficácia diagonal das normas de direito fundamental, conforme a proposta taxonômica do professor chileno Sérgio Gamonal Contreras (2009, p. 75). Nesse sentido, a eficácia propriamente horizontal pressuporia a igualdade de posições de fato e de direito que, no comum dos casos, não se verifica nas relações de trabalho. Todavia, a pertinência e a correção dessa distinção, dados os específicos e restritos propósitos da presente investigação, não constituem objeto de discussão.

No presente artigo, parte-se do pressuposto do reconhecimento da aplicabilidade – ou, mais do que isso, da aplicação – das normas reconhecedoras do direito fundamental à igualdade, sobretudo na dimensão relativa ao direito de receber tratamento não discriminatório, às relações contratuais de trabalho, desenvolvidas, portanto, em regra, entre particulares, com o consequente reconhecimento da eficácia diagonal – ou, como se queira, horizontal – dessas normas sobre esse tipo de relação jurídica. O âmbito de proteção do direito fundamental a receber tratamento não discriminatório no campo da relação de emprego abrange, por exemplo, o dever do empregador de não praticar atos de discriminação contra os trabalhadores em nenhuma das etapas do contrato e de impedir que os demais trabalhadores pratiquem atos dessa natureza contra os colegas de trabalho. Nesse último caso, incumbe ao empregador a adoção das medidas necessárias para a cessação da prática de atos de discriminação, como, por exemplo, a resolução do contrato de emprego do empregado que pratica atos dessa natureza.

1.1.3 O adensamento normativo e protetivo do direito fundamental de receber tratamento não discriminatório em matéria de trabalho e emprego no direito positivo infraconstitucional

Na sequência, ainda como referencial para a confecção do presente trabalho, tem-se, como marco de regulação elementar sobre a discriminação em matéria de emprego, com abrangência ampla, desde a etapa das tratativas que antecedem a conclusão do contrato de trabalho, passando pela sua execução, até o exaurimento dos efeitos decorrentes da extinção do contrato, a Lei nº 9.029, de 1995, que, a par de dar outras providências, “proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho [...]” (BRASIL, 1995).

Os específicos propósitos da investigação não recomendam a prolongada análise de cada disposição desse ato normativo. Para eles, basta dar conta dos elementos descritivos de tipificação dos atos de discriminação em matéria de trabalho e emprego, enunciados no artigo 1º. Em caráter geral, veda-se a “adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção [...]” (BRASIL, 1995). Nesse mesmo artigo, catalogam-se os motivos configuradores de discriminação. Expressamente, são os seguintes: sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional e idade. Na sequência, acertadamente, inseriu-se cláusula de abertura do catálogo de motivos de configuração de atos de discriminação. Para isso, empregou-se a expressão “entre outros [motivos]”. Consequentemente, o preenchimento desse espaço de normatividade fica a cargo do intérprete–aplicador, que, pela prudência (phrónesis), diante das situações concretas da vida, complexas e multifacetadas por essência e por definição, deve avaliar a presença ou a ausência de práticas de discriminação no ambiente das relações de trabalho.

Note-se que a lista de motivos acima descrita não contém, de modo expresso, a indicação de motivos propriamente relacionados a particulares condições de saúde ou ao acometimento por determinadas enfermidades. Com algum esforço interpretativo, semelhantes casos poderiam encontrar conforto na hipótese de “reabilitação profissional” ou, com um pouco mais de elasticidade hermenêutica, na descrição de “deficiência”. Diante desse estado de incerteza quanto ao enquadramento típico de determinados casos, avulta-se a utilidade prática da inserção da sobredita cláusula de abertura, que se coloca a serviço da ampliação da proteção ao direito fundamental em estudo no ambiente das relações contratuais de trabalho.

1.1.4 O Enunciado 443 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: o texto, o contexto e o subtexto

Para dar sequência à contextualização do objeto de investigação, deve registrar-se menção ao Enunciado 443 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho.10 Descreve-se, nele, o seguinte:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. (BRASIL, 2016).

Nesse enunciado, pode observar-se a reunião de diversificados elementos. Primeiramente, como elemento material e pessoal de caracterização da situação de fato, descreve-se a presença de extinção do contrato de emprego de “empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”. Tem-se, assim, em rigor, a descrição de três hipóteses, que se podem enunciar em forma de lógica distributiva da seguinte maneira: a) a primeira hipótese: empregado portador do vírus HIV; b) a segunda hipótese: empregado com doença grave que suscite estigma e, finalmente, c) a terceira hipótese: empregado com doença grave que suscite preconceito. Pela construção do enunciado, em razão, precisamente, da inclusão do pronome “outra”, verifica-se o reconhecimento da gravidade do acometimento pelo vírus HIV. Nessa mesma construção, pelo mesmo motivo, nota-se a presença de certa imprecisão técnica: dá-se a entender, incorretamente, o que o acometimento pelo vírus HIV consiste, em si, em doença (“portador do vírus HIV ou de outra doença grave”): em rigor, a contaminação por ele desencadeia a síndrome da imunodeficiência adquirida, ela, sim, tecnicamente, a doença. Além disso, no enunciado, não se inclui o simples acometimento por doença, ainda que grave. Nela, indica-se a presença de duplo requisito cumulativo. Além da gravidade (primeiro requisito), exige-se, a presença de geração de estigma ou, de forma disjuntiva, preconceito (segundo requisito).

Para a aferição da gravidade da doença, existem parâmetros hermenêuticos mais ou menos seguros, colhidos no próprio direito positivo. Em primeiro lugar, tem-se o catálogo de doenças graves ensejadoras do reconhecimento do direito de isenção do pagamento do imposto sobre a renda incidente sobre proventos de aposentadoria, reforma ou pensão, delineado no artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713, de 1988 (BRASIL, 1988c), sem menção, contudo, à geração de estigma ou de preconceito. Nela se acha inserida a tuberculose ativa.

Sem incluir adjetivo de espécie alguma, o artigo 151 da Lei nº 8.213, de 1991 (BRASIL, 1991b), com o propósito de regulamentar, a título provisório, o artigo 26, II, dessa mesma lei, descreve doenças que autorizam a concessão dos benefícios previdenciários de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez independentemente do cumprimento de carência de contribuições ao Regime Geral de Previdência Social, com a inclusão, nesse rol, da tuberculose ativa. O referido artigo 26, II, no entanto, apresenta elucidativos elementos de qualificação das doenças listadas no artigo 151, nelas incluída, como se mencionou, a tuberculose. Nesse inciso, apontam-se critérios justificadores para a concessão de “tratamento particularizado” perante o regime de previdência. Esses critérios são os seguintes: “estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade”. No regime próprio de previdência dos servidores públicos da União, também se prevê a tuberculose no catálogo de “doenças graves, contagiosas ou incuráveis” que propiciam a aposentação por invalidez permanente, na forma do artigo 186, I, e § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990 (BRASIL, 1991a). Essa lei, contudo, não menciona a geração de estigma ou de preconceito. Limita-se a descrever, como se apontou, a hipótese de doença grave, contagiosa ou incurável. Diante disso, pela interpretação conjugada de ambos os preceitos normativos, pode concluir-se de forma logicamente válida que, para a legislação previdenciária, a tuberculose se encarta em algum desses critérios. Consequentemente, sob a perspectiva do direito positivo, não se assomam dúvidas quanto à gravidade da tuberculose em sua modalidade ativa. Ela geraria preconceito? Produziria estigma? Ainda não é chegado o momento de indicar as respostas a essas perguntas, que, em rigor, orbitam em torno do núcleo da discussão posta no presente artigo, destinado a, precisamente, examinar o acerto ou o desacerto, pelo critério de justeza argumentativa, da decisão da SDI-I que, ao deparar-se, em concreto, com esse impasse, chegou à conclusão de que ele se enquadra, sim, na situação descrita no Enunciado 443. Os caminhos e descaminhos percorridos para chegar a esse resultado acham-se descritos em seção específica do presente trabalho.

Na sequência, para o referido estado de fato previsto no Enunciado 443, atribui-se a seguinte qualificação jurídica: a presunção de discriminação ou, de modo mais específico, a presunção de que a extinção do contrato de emprego decorre, como motivo determinante, de prática discriminatória. Em seguida, para a referida situação de fato juridicamente qualificada, prescrevem-se as consequências jurídicas: a) o reconhecimento da nulidade do ato de extinção do contrato de emprego e, por consequência lógica, b) o reconhecimento, em favor do empregado, do direito à reintegração ao quadro funcional do empregador (com a consequente e correlata obrigação deste de promover a reintegração daquele) ou, na forma do artigo 4º, II, da Lei nº 9.029, de 1995, a critério do empregado, o recebimento, pelo dobro, da remuneração correspondente ao período de afastamento.

A presunção, contudo, não se estabelece de modo absoluto. Nesse sentido, portanto, incumbe ao empregador demostrar que a iniciativa de promover a extinção do contrato de emprego de pessoa acometida por esse tipo de infecção ou doença não se deveu a esse particular estado de saúde do empregado. Nesses casos, de que maneira poderia o empregador demonstrar que a extinção do contrato não encontra lastro em prática discriminatória? Para isso, pode lançar-se mão, novamente, do critério previsto no acima referido artigo 165 da Consolidação das Leis do Trabalho: assim, a princípio, pode afastar-se a presunção de discriminação na iniciativa do empregador de promover a extinção do contrato de emprego no caso de demonstração da ocorrência de motivo de ordem disciplinar, econômica, financeira ou técnica. Nesse caso, porém, entram em cena outros elementos, como, por exemplo, a avaliação de eventual impacto desproporcional de medidas adotadas pelo empregador em relação a esse segmento de trabalhadores. A invocação desse tipo de critério não pode comparecer como pretexto para acobertar práticas discriminatórias dissimuladas. Assim, por exemplo, ao reduzir o quadro de pessoal em razão dos efeitos de crise econômica, ainda que de fato existente, o empregador não pode concentrar, desproporcionalmente, os atos de extinção sobre os contratos de empregados que se encontram nesse tipo de situação.

Em resumo, esses são os traços de estruturação do Enunciado 443 do TST, aprovado em setembro de 2012. E o que veio antes disso? De onde provém a sua identidade genética? Com efeito, subjacente a ele encontram-se, formalmente, 22 “precedentes” ou decisões-matrizes, proferidas pela SDI-I (cinco decisões) e por sete das oito Turmas do TST11 (dezessete decisões), no período de 27.4.1999 a 7.3.2012, em processo de maturação de jurisprudência que teve perduração de quase treze anos, portanto. No curso da pesquisa, para compreender de melhor maneira o percurso de construção do entendimento jurisprudencial que, posteriormente, viria servir de parâmetro para a solução do caso de extinção, por iniciativa do empregador, de contrato de emprego de empregado acometido por tuberculose, objeto específico da presente investigação, realizou-se, por assim dizer, a dissecação desse conjunto de decisões. Geograficamente, desse conjunto de decisões-matrizes, doze provieram do estado de São Paulo (54,55%), que conta com dois Tribunais Regionais do Trabalho, sendo dez do TRT da Segunda Região, com sede na capital, e dois do TRT da 15ª Região, com sede em Campinas. Com três processos cada, compareceram os estados do Rio Grande do Sul (TRT da Quarta Região) e do Paraná (TRT da Nona Região). Em seguida, com dois processos, o estado de Santa Catarina (TRT da 12ª Região). Para finalizar, houve um processo com origem no TRT da 11ª Região, com abrangência territorial sobre os estados do Amazonas e de Roraima.

Examinou-se o conteúdo de 21 dessas 22 decisões-matrizes, pois uma delas não se acha disponível para consulta no sítio do Tribunal Superior do Trabalho na rede mundial de computadores em razão da determinação de tramitação sob segredo de justiça12. Como resultado dessa incursão, pode verificar-se que dezesseis dessas decisões referem-se a casos de infecção pelo vírus HIV ou acometimento pela síndrome da imunodeficiência adquirida, com expressiva participação no total de decisões (76,19%), o que explica – e justifica – o registro expresso desse tipo de caso na própria descrição do Enunciado 443, a despeito do ligeiro equívoco de ordem técnica na construção do texto, conforme acima se apontou. Três outros casos correspondem ao acometimento por cânceres: a) neoplasia nodular epitelioide, b) câncer, neoplasia (com descrição genérica, sem menção quanto ao tipo ou à área do corpo atingida) e c) câncer de colo de útero. Os dois outros casos referem-se às seguintes enfermidades: a) cardiopatia grave e b) esquizofrenia.

Em todo esse conjunto, menciona-se a geração de estigma em apenas cinco decisões. Todos esses casos referem-se à situação de infecção pelo vírus HIV ou acometimento pela síndrome da imunodeficiência adquirida. Em nenhum deles, porém, houve o exame suficientemente aprofundado dessa questão. Em dois dos cinco casos, a decisão limitou-se a mencionar documentos internacionais: a) declaração conjunta da Organização Mundial de Saúde e da Organização Internacional do Trabalho, de junho de 1988 (Processo nº 0217791-22.1995.5.09.555513) e b) a Recomendação nº 200, de 2010, da Organização Internacional do Trabalho (Processo nº 0061600-92.2005.5.04.020114) (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2010).

Em outro caso, o enfrentamento da questão do estigma consta de anterior decisão proferida no curso do processo, pelo TRT de origem, com registro no acórdão proferido pelo TST (Processo nº 9951200-06.2006.5.09.002515). Outro julgado indica, como fundamento, decisão proferida em outro processo, que não compõe, formalmente, o catálogo de decisões-matrizes do enunciado: na ementa da decisão proferida nesse “outro processo” registra-se a geração de estigma de modo um pouco mais direto e fundamentado, mas, ainda assim, de forma não suficientemente esclarecedora (Processo nº 00317800-64.2008.5.12.0054, da Sexta Turma do TST, mencionado no Processo nº 1017500-36.2007.5.11.001816): esses fundamentos constam, também, da quinta e última decisão-matriz que mencionou a questão (Processo nº 0317800-64.2008.5.12.005417).

Nota-se que as decisões nem sequer se ocuparam de descrever, conceituar ou definir a geração de estigma: nelas, parte-se do pressuposto de que a infecção pelo vírus HIV ou o acometimento pela síndrome da imunodeficiência adquirida produz estigma e ponto final, sem nenhum tipo de consideração mais específica, de ordem técnica, científica, social ou cultural. O exame desse conjunto de decisões-matrizes aponta revela que, em muitos casos, o Tribunal Superior do Trabalho confunde preconceito com discriminação. Constantemente, toma um conceito pelo outro. Amiúde, trata-os como sinônimos: parece caracterizar situação de preconceito para determinar a produção de consequências jurídicas próprias de atos de discriminação.

Para fechar, nesse ponto, a definição do contexto do Enunciado 443 em relação ao objeto da pesquisa, convém consignar que a súmula do TST, em seu conjunto, reflete a soma de características complexas, diversificadas e ambivalentes do processo de formação, emancipação e consolidação da ordem jurídica trabalhista brasileira, permeada de fissuras de estruturação sistêmica, sob os signos de ordenação lógica e unitária, e também epistêmica. Esses defeitos formativos permitiram que, no campo da regulação das relações de trabalho, a jurisprudência obtivesse franco desenvolvimento. Mais do que isso: a identificação desses traços característicos, aliada à realidade multifacetada e permanentemente cambiante do mercado de trabalho, assinalada intrínseca e constitutivamente pela contraposição de forças sociais antagônicas (capital e trabalho), ainda que de modo latente em determinados períodos da experiência histórica, exigiu – e continua a exigir – dos intérpretes-aplicadores dessa ordem jurídica, como condição de possibilidade para o funcionamento operativo desse sistema, enorme esforço hermenêutico voltado à construção de respostas juridicamente adequadas para a solução de conflitos surgidos nesse tipo de relação.

1.2 A descrição dos métodos empregados na realização da pesquisa

A base material da análise crítica levada a efeito na presente investigação recai sobre o acórdão proferido pela SDI-I do TST em 9.3.2017, no julgamento do agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista em conjunto com os embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista, referentes ao Processo nº 0065800-46.2009.5.02.0044 (BRASIL, 2017). A decisão compõe-se de catorze páginas. A redação do acórdão coube ao Ministro Relator, Walmir Oliveira da Costa.

No julgamento do recurso de embargos, apuraram-se cinco votos vencidos. O Ministro João Oreste Dalazen apresentou, em 9.3.2017, por escrito, nos autos do processo, as justificativas de voto vencido (sete páginas). Em 16.3.2017, o Ministro Alexandre Agra Belmonte apresentou voto convergente com a maioria (doze páginas). Ao longo da fase de preparação da pesquisa, também se analisaram esses elementos, embora, formalmente, eles não integrem a decisão tomada no caso. Todavia, o resultado analítico desse exame não integra a discussão consignada no presente artigo.

Ainda no curso da fase de investigação, para compreender a questão de forma mais abrangente, examinaram-se, também, secundariamente, determinados aspectos de quatro outros acórdãos proferidos no curso desse mesmo processo, no julgamento dos seguintes recursos: a) o agravo de instrumento no primeiro recurso de revista conjuntamente com o primeiro recurso de revista, julgado em 3.9.2014 pela Sétima Turma do TST (dezoito páginas); b) o segundo recurso de revista, julgado em 25.11.2015, também pela Sétima Turma do TST (dezoito páginas); c) os embargos de declaração no segundo recurso de revista, igualmente julgado pela Sétima Turma, em 3.2.2016 (quatro páginas) e, finalmente, d) os embargos de declaração em agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de recurso de revista em conjunto com os embargos em embargos de declaração no segundo recurso de recurso de revista, julgados pela SDI-I do TST, em 18.5.2017 (cinco páginas). O resultado analítico desse exame, porém, também não integra a discussão delineada no presente artigo.

O exame não se limita ao produto resultante do julgamento do acima referido recurso (acórdão): a investigação vai além, para alcançar o próprio processo de julgamento que resultou no acórdão, com o exame dos debates oralmente estabelecidos no curso das sessões de julgamento. Esse exame, especificamente, recai sobre os vídeos relativos a essas sessões de julgamento, disponíveis na rede mundial de computadores, no canal do Tribunal Superior do Trabalho na plataforma de conteúdo audiovisual Youtube. Nesse canal, não se divulgam as sessões realizadas pelas Turmas do TST. Assim, do conjunto de cinco decisões examinadas, três não se acham disponíveis nessa plataforma. Sobram, portanto, as sessões referentes às duas decisões proferidas pela SDI-I.

A primeira dessas duas decisões, a mais importante para a finalidade proposta no presente artigo, resulta de alongado processo de julgamento: para a apreciação do recurso, incluiu-se o processo em seis sessões de julgamento. Essas sessões ocorreram nos seguintes dias: a) 10.11.2016, b) 1º.12.2016 (manhã e tarde), c) 15.12.2016, d) 2.2.2017 e, por fim, e) 9.3.2017 (SESSÃO TST, 2016; SDI 1..., 2016a, 2016b, 2016c, 2016d, 2016e, 2017a, 2017b). Na referida plataforma de conteúdo audiovisual, houve algum problema quanto à divulgação da íntegra da primeira dessas cinco sessões: nessa data, existem três vídeos, mas nenhum deles contém o início do julgamento do recurso analisado no presente artigo. Assim, examinaram-se os vídeos correspondentes às cinco outras sessões. Em 1º.12.2016, a discussão do recurso integrou tanto a sessão da manhã quanto a da tarde. No período matutino, os debates duraram por volta de 21’15”. No vespertino, 3’08”. Em ambas, a presidência da sessão coube ao Ministro Emmanoel Pereira. Na retomada do julgamento, em 15.12.2016, as discussões tomaram 3’09”. Na sessão de 2.2.2017, 6’58”. Por fim, em 9.3.2017, na conclusão do julgamento do recurso, houve o mais demorado debate, com duração de 23’29” (SDI 1..., 2017c).

A segunda decisão da SDI-I, relativa ao julgamento de embargos de declaração, tomada na sessão de 18.5.2017, não propicia nenhuma contribuição ao presente estudo, pois, ao que parece, o julgamento ocorreu na modalidade de “lista”, método de julgamento em que o órgão colegiado se limita a aprovar uma planilha de decisões apresentadas pelo julgador relator: nesses casos, em questão de minutos, ou mesmo de segundos, julgam-se dezenas ou até mesmo centenas de processos. Neles, instaura-se o debate somente se algum integrante do órgão colegiado solicitar o julgamento destacado, o que não ocorreu em relação ao processo em exame.

Nesse sentido, portanto, afora o elemento central da investigação, o acórdão proferido no julgamento do agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista em conjunto com os embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista, com catorze páginas, na etapa de investigação, examinaram-se, secundariamente, entre voto vencido, voto convergente e outras quatro decisões proferidas no âmbito do TST em relação ao mesmo processo, outras 64 páginas, perfazendo, portanto, no total, 78 páginas de material de pesquisa (além de cerca de uma hora de conteúdo audiovisual). No entanto, como acima se registrou, esse conjunto de “outras decisões” não integra a análise crítica desenvolvida ao longo do presente artigo. Sobre esse material, aplicou-se, como método de aferição da justiça – ou da justeza – da decisão analisada, a teoria da argumentação formulada pelo jurista e filósofo escocês Donald Neil Maccormick. Segundo essa teoria, a avaliação da justiça da decisão tomada pelo Judiciário deve orientar-se pela verificação da presença ou da ausência de três elementos, critérios ou requisitos.

Em primeiro lugar, afere-se a consistência, representada pela ausência de contradição interna na decisão: os seus elementos de estruturação devem compor um conjunto dotado de harmonia, coesão e congruência, sem a presença de conflitos que representem a recíproca infirmação desses próprios elementos formativos. A decisão não pode desdizer-se. A decisão não pode conter a semente da sua própria destruição. Exemplo de decisão inconsistente: decisão com conclusão que não decorre de desencadeamento lógico da exposição dos fundamentos (non sequitur).

Em seguida, a decisão justa deve apresentar coerência diante do sistema: como todo orgânico, ela deve revelar-se consentânea com a ordem jurídica. Não pode contrariá-la. A decisão dotada de coerência não pode apresentar-se como agente patológico causador da entropia do sistema. Não pode manifestar-se como excrescência sistêmica. Exemplo de decisão incoerente: decisão proferida conta disposição expressa de regra prevista na Constituição Federal.

Por fim, a decisão deve dotar-se de universalidade, representada pela possibilidade de replicar-se em casos revestidos de idênticas circunstâncias de fato e de direito: para idêntico caso, idêntica solução. A decisão não pode consubstanciar-se em episódica exceção. Esse requisito dialoga com diversos elementos de ordem jurídica e política, como, por exemplo, o direito fundamental a tratamento isonômico, que repele o estabelecimento de preferências normativamente desconectadas de justificados fundamentos de distinção. Representa, ainda, o adensamento de valores derivados da forma republicana de governo, avessa ao estabelecimento de privilégios, no sentido etimológico de “lei privada”, destinada a reger casos particulares de forma singularizada, com a previsão de efeitos jurídicos mais vantajosos em comparação com a solução prevista para os demais casos não privilegiados. Em certo sentido, a universalidade relaciona-se com a questão da coerência de uma forma mais abrangente. Com efeito, a ordem jurídica, como sistema, não pode conviver soluções discrepantes para casos revestidos de idênticas circunstâncias. Nesse particular sentido, portanto, a impossibilidade de universalização da decisão redunda, igualmente, em défice de coerência.

Por conseguinte, na presente investigação, avalia-se se o acórdão proferido pela SDI-I do TST reúne ou não reúne esses três elementos. Ele está ou não está isento de contradição interna? Vale dizer, apresenta-se, ou não, de forma consistente? Ele se acha ou não em harmonia com a ordem jurídica? Isto é, ele revela ou não revela coerência diante do sistema? A conclusão decorrente do acórdão comporta ou não comporta replicação em casos idênticos? Ou seja, essa conclusão dota-se, ou não, de universalidade? Dito de outra forma, resumidamente: o acórdão proferido pela SDI-I consubstancia-se em decisão justa? Com efeito, a decisão terá sido justa se, e somente se, passar incólume pelo acima descrito procedimento de verificação, com a concomitante reunião dos requisitos de consistência, coerência e universalidade.

De mais a mais, como se cuida de investigação realizada nos domínios do sistema de direitos fundamentais, como se assentou em seção própria do presente artigo, a análise do cumprimento desses critérios de justiça adota como ponto de orientação a argumentação relacionada a esse especial conjunto de direitos, com destaque, no presente caso, para o direito fundamental à igualdade ou, como maior grau de precisão, ao direito fundamental a receber tratamento não discriminatório. Com isso, quer-se dizer que a pesquisa envolve a análise do tratamento dado pela decisão sobre esses direitos. Para deixar mais claro esse ponto: avaliam-se, com maior ênfase, a consistência, a coerência e a universalidade da decisão sob a particular perspectiva dos acima mencionados direitos fundamentais.

No entanto, concretamente, de que maneira se confere operação prática a essa análise? De modo mais preciso: quais são os parâmetros que governam a avaliação da presença ou da ausência de consistência, coerência e universalização da decisão? De acordo com a proposta de Neil Maccormick, a avaliação desses elementos efetua-se por meio da argumentação desenvolvida na decisão. Poder-se-ia ir mais longe, para examinar não apenas o produto (a decisão em si), mas o seu processo de formação. No Brasil, na forma do artigo 93, IX, da Constituição Federal, eleva-se a fundamentação à condição de garantia fundamental relacionada à própria validade formativa da decisão. E não basta, para isso, a mera fundamentação existente no plano formal, como simples argumentos retóricos, semanticamente anêmicos e desprovidos de efetiva carga comunicativa. Ela deve congregar a descrição dos elementos que, em concatenada reunião, convergem para a conclusão. Mais do que isso: a descrição desses fundamentos deve refletir a efetiva análise dos argumentos levantados pelas partes do processo, como emanação decorrente do conteúdo material do direito fundamental ao devido processo legal. Como desdobramento lógico, o dever de fundamentar atribui responsabilidade ao Judiciário: decidir fundamentadamente consiste em ato de responsabilidade democrática, que, portanto, pressupõe a habilidade para apresentar respostas adequadas à sociedade.

Disso, aliás, deriva a legitimação democrática dos atos de jurisdição praticados pelo Judiciário. Dito de outro modo: as decisões do Judiciário são democraticamente legítimas precisamente porque são fundamentadas. E a construção dessa fundamentação não se pode reger por elementos idiossincráticos ou pelas preferências das pessoas que integram os órgãos de julgamento. Esse procedimento construtivo realiza-se necessariamente na intersubjetividade, por meio da linguagem, sujeitando-se, portanto, a diversificadas instâncias de controle, com grau variado de eficácia constrangedora. Como exemplos de formas de controle, podem mencionar-se: a) no plano formal e institucional, a possibilidade de interposição de recurso, com a consequente possibilidade anulação ou reforma da decisão, observado, logicamente, o conjunto de normas relativas ao processo; b) em ambiente mais difuso, o controle exercido no âmbito da sociedade civil, muitas vezes com eficácia meramente simbólica, mas nem por isso dotado de menor importância (ao contrário), como, por exemplo, no âmbito dos órgãos de comunicação social, da academia e dos órgãos de representação, como a Ordem dos Advogados do Brasil. Pela sua própria natureza difusa e em razão da sua eficácia eminentemente simbólica, é evidente que esse tipo de controle se sujeita a limites de variada ordem e, de mais a mais, deve exercer-se com responsabilidade. Para deixar esse ponto adequadamente esclarecido: não se quer dizer, com isso, que as decisões do Judiciário devem orientar-se pelos clamores da sociedade. A imposição do dever de fundamentação apresenta carga ainda mais acentuada no plano político, jurídico e filosófico: como o exercício da jurisdição não se acompanha pelo processo democrático de eleição popular, como se dá em relação ao processo de escolha dos representantes eleitos para o exercício de mandato no Legislativo e no Executivo, o dever de fundamentação das decisões tomadas pelo Judiciário relaciona-se com a própria cláusula democrática. Em resumo, à maneira de reforço argumentativo dessa importante questão: a efetiva fundamentação das decisões legitima democraticamente os atos do Judiciário.

De volta à operação prática da avaliação da justiça de decisão pela argumentação segundo os critérios de consistência, coerência e universalidade, Maccormick (2010, p. 70) descreve os elementos argumentativos a examinar na estruturação da decisão. Nesse processo de verificação avaliam-se, em ordenada sequência, os seguintes argumentos interpretativos-aplicativos: a) linguísticos, b) sistêmicos e c) teleológico-deontológicos. Conforme a conhecida frase de Ludwig Wittgenstein, síntese icônica do paradigma filosófico representado pela viragem ontológico-linguística, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”18. O processo hermenêutico de interpretação–aplicação do Direito encontra, na linguagem, a um só tempo, a condição de possibilidade e o limite da construção concreta da norma jurídica. A produção da norma jurídica opera-se como um especial processo de comunicação (SGARBI, 2005, p. 11). Esse processo parte dos elementos de descrição que integram o texto normativo. Isso, porém, não se confunde – muito longe disso! – com aquilo que, tradicionalmente, se denominou de interpretação literal. Nesse processo, tomam-se em conta todos os três planos da linguagem: sintático, semântico e pragmático. O exame dos argumentos linguísticos da decisão, portanto, também devem ingressar nesses três planos. Essa análise não pode contentar-se com a investigação do texto e deve ir além, para atingir, também, o contexto e o subtexto, pois o não dito também diz e produz significados relevantes.

Além disso, essa avalição deve passar pelos três corpos de linguagem: a) corrente (ou comum), b) científica e c) técnica, resultante da reunião de elementos das linguagens corrente e científica. É oportuno esclarecer que Maccormick (2010, p. 70-71) parece não traçar distinção precisa entre linguagem técnica e científica. Também convém apontar que o Direito pode manifestar-se tanto como prudência (sabedoria do caso concreto – phrónesis) quanto como Ciência, a Ciência do Direito. O Judiciário, ao julgar e decidir um caso, resolve, pelo critério de decidibilidade, um problema concreto triplamente referenciado pelos elementos espaço, tempo e pessoas. Essa atividade, portanto, insere-se no campo da prudência, e não da Ciência. De mais a mais, no processo de estruturação do sistema de Direito Positivo (atividade de legiferação), emprega-se linguagem eminentemente técnica, sujeita a defeitos como a ambiguidade, a vagueza, a ininteligibilidade, a redundância, a prolixidade, e a desordem (SGARBI, 2005, p. 21), e não propriamente a linguagem científica, com vocação para eliminar progressivamente as imprecisões e atingir a formulação de conceitos unívocos. E tal como ocorre no processo de produção de atos normativos, estruturados mediante o arranjo de signos linguísticos, os argumentos linguísticos da decisão podem apresentar semelhantes problemas de ambiguidade, vagueza, ininteligibilidade, redundância, prolixidade e desordem.

Na sequência, avaliam-se os argumentos sistêmicos, mais ou menos à maneira da denominada interpretação sistemática do Direito. Na formulação da teoria dos sistemas, descrevem-se como elementos de caracterização a unidade, a coerência, o fechamento operativo e a abertura cognitiva. No exame dos argumentos sistêmicos, investiga-se se a decisão, como conjunto, encaixa-se confortavelmente no sistema. De certo modo, a decisão passa a integrar o sistema, como norma do caso concreto. Integrada a ele, começa a irradiar efeitos. Esses efeitos centrífugos da decisão passam a interagir como os demais elementos componentes do sistema (reflexividade), em diversas dimensões, inclusive a simbólica, como acima se mencionou. Consequentemente, a decisão não pode desempenhar o papel de agente patológico a interferir no funcionamento homeostático do sistema e levá-lo à entropia. Esses argumentos consistem na presença de elementos dialógicos no campo da conformação sistêmica em sentido amplo, mediante a interpretação–aplicação da ordem jurídica como todo unitário, e não “em tiras” ou “aos pedaços”, como adverte Eros Roberto Grau (2005, p. 40), tomando em conta, ainda, não apenas o texto, mas, também o contexto, por meio da atividade de extração de sentidos normativos das camadas mais profundas do sistema, e não apenas das suas porções epidérmicas, visíveis a olho nu. Com esse tipo de argumento, promove-se a conformação da decisão ao sistema, como que em atividade de encaixe, de acomodação. Na definição apresentada por Maccormick (2010, p. 72), cuida-se de harmonização contextual.

Em seguida, como argumento sistêmico, avalia-se a invocação a precedente, palavra empregada, aqui, em sentido mais amplo, denotativo, e não propriamente naquele sentido técnico mais preciso, de linhagem conotativa do sistema de precedentes. Nesse tipo de argumento, o órgão julgador evoca, como razão de decidir, anteriores decisões proferidas: a) por ele mesmo, b) por outros órgãos do mesmo tribunal, c) por órgãos de outros tribunais, não necessariamente mais bem ranqueados na tábua de hierarquia funcional, e d) no curso do mesmo processo, por órgão integrante de outra instância, prática de corriqueira adoção no Brasil, na denominada fundamentação per relationem ou motivação aliunde, como na encontradiça frase presente em decisões de recursos: “mantém-se a decisão pelos seus próprios fundamentos”, expediente de duvidosa legitimidade democrática, naquele especial sentido do conteúdo do dever constitucional de fundamentação imposto ao Judiciário. O elemento de invocação a precedente comparece como concretização da universalidade da decisão anterior.

Depois, ainda como argumento sistêmico, comparece a analogia, mediante a aplicação da idêntica solução dada para caso possuidor de semelhantes características intrínsecas, pois onde há idêntica razão deve haver idêntica resposta (MACCORMICK, 2010, p. 72). Na sequência, nesse mesmo plano, o argumento relacionado a conceito construído no campo da Ciência do Direito (doutrina), com o reconhecimento da comunidade científica. Define-se pelo filósofo escocês como argumento lógico-conceitual. Seguem-se os argumentos relacionados à invocação de princípios gerais do Direito e, por derradeiro, o argumento histórico (MACCORMICK, 2010, p. 72).

Na terceira e última etapa, depois dos argumentos linguísticos e sistêmicos, analisam-se os argumentos relacionados às finalidades da ordem jurídica posta, correspondente a valores de justiça, nos denominados argumentos teleológicos–deontológicos, examinados, também, pelo critério de prudência do órgão produtor do ato normativo. Em estudo mais avançado, a recair sobre base mais abrangente do pensamento do filósofo escocês, seria o caso de perquirir se esses argumentos poderiam constituir categoria própria, como propõe Maccormick (2010, p. 73-75), ou se seria mais adequado encartá-los como espécie de argumento sistêmico, pois, a princípio, as finalidades relacionadas àqueles argumentos integram o sistema e, assim, estariam mais bem acomodados dentro dele, e não fora dele, conforme se pode verificar, em certo sentido, em Claus-Wilhelm Canaris (2002, p. 71).

Nesse processo de dissecação argumentativa, poderia propor-se o seguinte arranjo taxonômico elementar. De um lado, os argumentos que a decisão justa deve conter (dimensão deontológica). Com perdão da redundância: esses seriam os argumentos correspondentes aos requisitos necessários para a validade e para a justiça da decisão. De outro lado, os argumentos que a decisão examinada de fato contém (dimensão ontológica). Evidentemente, para que a decisão possa merecer a predicação de justa, estes últimos argumentos devem, ao menos, incluir aqueles primeiros. Os argumentos presentes na decisão para além daqueles que comparecem como requisitos de validade e de justiça são contingentes, secundários. Esses argumentos secundários não podem minar a estrutura da decisão. Caso contrário, a validade e justiça da decisão colapsam: a decisão torna-se inconsistente. Os argumentos desse tipo podem consistir em elementos causadores de ruído no processo de comunicação. Podem incluir, por exemplo, elementos, a) meramente retóricos e despidos de sentido prático para a solução do problema; b) correspondentes a argumentos de autoridade e c) excrescentes, não identificados com o caso em julgamento, sobretudo diante da escassez de recursos para o equacionamento satisfatório da imensa demanda de processos e também em razão dos perigos associados às facilidades decorrentes do uso de ferramentas eletrônicas de edição de texto. Esses argumentos podem cumprir finalidades diversificadas, não necessariamente nobres ou legítimas. Exemplos: a) a tentativa de blindagem da decisão em face de eventual recurso; b) a demonstração de erudição das pessoas integrantes do órgão julgador.

No sistema processual brasileiro em julgamentos por órgãos colegiados, outro aspecto de interessante repercussão consiste na oposição entre o processo polifônico de tomada de decisão, com a previsão de debate entre pares, e a estruturação formalmente monofônica do resultado do julgamento, consubstanciado no acórdão redigido por apenas um julgador. O processo de tomada de decisão é plural, coletivo. O resultado desse processo é singular, individual. Em que medida o produto, redigido por uma pessoa, incorpora ou não incorpora as outras vozes formativas da decisão? E o acórdão materialmente considerado, como documento: substancialmente, cuida-se de discurso estritamente monofônico ou presumidamente polifônico? A avaliação da justiça da decisão se contentaria com o discurso decisório monofônico de um julgador? A consistência, a coerência e a universalidade do produto convalidariam a inconsistência, a incoerência e a ausência de universalidade do processo formativo da decisão? O enfrentamento desse tipo de indagação merece reflexão teórica mais aprofundada, e, portanto, refoge aos propósitos estritos deste estudo, destinado à avaliação de caso específico.

2 A análise crítica dos argumentos de interpretação da decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho em relação ao caráter discriminatório do ato de extinção do contrato de emprego de pessoa com tuberculose

Como se demonstrou na descrição dos métodos empregados no curso da pesquisa, o acórdão proferido pela SDI-I do TST, em 9.3.2017, com redação a cargo do Ministro Walmir Oliveira da Costa, resultou de processo de tomada de decisão que ocupou seis sessões de julgamento. Na presente etapa, passa-se à descrição e, em seguida, ao exame dos argumentos diretamente relacionados: a) ao enquadramento da tuberculose como doença grave causadora de preconceito ou geradora de estigma e b) ao acervo de direitos e garantias fundamentais. Ou seja, de propósito, passa-se ao largo dos argumentos de ordem estritamente processual (discutidos amiúde ao longo das sessões de julgamento) e outros não diretamente atrelados ao núcleo do objeto investigado.

2.1 A descrição dos argumentos de interpretação utilizados nas sessões de julgamento do agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista

Na segunda das seis sessões de julgamento (não se obteve acesso à primeira, como se registrou em seção própria), realizada na manhã de 1º.12.2016, na retomada do julgamento do agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista, o Ministro Alexandre Agra Belmonte, o primeiro a manifestar-se naquela ocasião, com a devolução do processo após o pedido de vista, afirmou que o caso envolve “questão bastante interessante”. Relata os elementos de fato do caso e o correspondente pedido de reintegração, como base no Enunciado 443 da Súmula do TST. Reporta-se ao voto anteriormente proferido pelo ministro relator, com menção de que, para o relator, a doença é grave, “nos termos do artigo 186, I, § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990, e causa estigma social” (argumento sistêmico de analogia) (BRASIL, 1991a). Cuida da decisão anterior, proferida pela Sétima Turma do TST, que entendera não haver discriminação no ato de extinção do contrato de emprego em razão de que o rompimento da relação contratual ocorrera somente após seis anos de conhecimento, pelo empregador, da existência da doença. Esse alongado hiato temporal, para o órgão de origem, descaracterizaria a discriminação ou, ao menos, afastaria a presunção de prática discriminatória. Reforça o “enquadramento da tuberculose ativa como doença grave” com base no acima mencionado dispositivo normativo. Trata do Enunciado 443. Fala da presunção de discriminação. Em razão disso, fala que o ônus da prova, implicitamente, incumbe ao empregador (encargo de provar que não houve discriminação no ato de extinção do contrato de emprego), e não à empregada, como decidiram o TRT da Segunda Região e a Sétima Turma do TST. Essa prova, para o ministro, deve ser “robusta e cabal” no caso empregado “portador do vírus ou da Aids ou de outra doença qualquer reputada grave”. Diz, ainda, o seguinte: “note-se que a Constituição Federal, bom, colocou a pessoa humana no patamar, no centro das relações jurídicas... não vou.. cansá-los com.. esse tipo de informação [...]” e “evidentemente também protege a livre iniciativa” e “o artigo 170 [da Constituição Federal] tenta harmonizar, dentro do possível, esses interesses contrapostos”. Cita a Lei nº 9.029, de 1995, com menção aos elementos de ordem disciplinar, econômica, financeira e técnica que permitiriam a extinção do contrato de emprego nesse tipo de situação. Menciona, ainda:

[...] Por outro lado, a pessoa acometida de doença greve ou estigmatizante, não pode ser despedida em virtude de sua condição, pois isso é o que emana da Constituição e pode ser observado pelos princípios da valorização do trabalho e do emprego, justiça social, subordinação da propriedade à sua função socioambiental e bem-estar individual e social, entre tantos outros [...]

Como votou: nessa etapa (julgamento do agravo regimental), acompanhou o voto do ministro relator, com o reconhecimento da discriminação sem a análise mais demorada quanto ao enquadramento da tuberculose como doença causadora de preconceito ou como geradora de estigma (deu provimento ao agravo regimental). Tipos de argumento que utilizou: sobretudo sistêmicos, especialmente a harmonização contextual, o precedente e a analogia.

Na sequência, o Ministro João Oreste Dalazen abriu divergência. Afirmou o seguinte: “[...] conquanto não se negue que a doença em si seja estigmatizante e em tese possa ser passível de gerar discriminação [...]” Como votou: nessa etapa, no julgamento do agravo regimental, não conheceu do recurso de embargos com base na premissa de que o longo tempo transcorrido afastaria a presunção de prática de ato de discriminação. Tipo de argumento que utilizou: argumento linguístico relacionado à interpretação do subtexto da Súmula 443 do TST.

Em seguida, passou a votar o Ministro João Batista Brito Pereira. Como votou: nessa etapa, seguiu a divergência (negou provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: argumento linguístico relacionado à interpretação do subtexto da Súmula 443 do TST, pois, de acordo com o seu entendimento, o caso em discussão nela não se enquadraria. Na sequência, colheu-se o voto do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão. Mencionou o seguinte:

[...] principalmente pela circunstância de que a tuberculose só é tida como discriminatória quando a própria lei o diz, a lei do servidor público [Lei nº 8.112, de 1990], tuberculose ativa [com forte entonação nesse adjetivo], é aquela, inclusive, que importa no afastamento da pessoa portadora do convívio social por conta da transmissão que se encontra, portanto, ocorrida, e isso, senhor Presidente, eu falo com muita tranquilidade, que eu tive tuberculose ativa aos dezoito anos de idade, e até hoje não me sinto impossibilitado de executar qualquer atividade profissional, enfim, nem física [...]

O ministro reforçou o seu argumento: “pela circunstância de que a enfermidade foi diagnosticada sete anos antes e ela [empregada] permaneceu trabalhando sem nenhuma restrição [...]” Seguiu o ministro:

[...] ressaltando, presidente, que a lei só considerada discriminatória e doença incapacitante a tuberculose ativa, porque não permanece o vírus, no caso o bacilo de Koch, por tanto tempo ativo em uma pessoa, sob pena de ela própria, obviamente, estar impossibilitada de exercer sua atividade profissional, já que estaria afastada do convívio.

Como votou: nessa etapa, seguiu a divergência (negou provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: sobretudo linguísticos e sistêmicos, especialmente a harmonização contextual e a analogia. Empregou, também, argumento conceitual de outra área do conhecimento (medicina e infectologia), ainda que a partir do senso comum teórico.

Em seguida, manifestou-se o Ministro Augusto César Leite de Carvalho. Começou por pontuar a necessidade de aferir a existência de “enfermidade estigmatizante”. Registrou o seguinte:

[...] Não obstante a explicação científica que me traz o Ministro Cláudio, e não tenho dúvida da propriedade dos seus argumentos, me parece que essa distinção entre a tuberculose ativa e a tuberculose passiva, ela passa um pouco ao largo do que seria a compreensão mediana a respeito dos..., do que é a tuberculose; e essa compreensão mediana está bem retratada, aqui, no voto do Ministro Walmir, do ministro relator, quando se reporta àquilo que se tem, normalmente, como estigma a partir da..., desta enfermidade [...]

Como votou: nessa etapa, após certa hesitação, por enxergar, no caso, situação fronteiriça, seguiu o voto do ministro relator (deu provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: sobretudo linguísticos (a linguagem corrente e a compreensão dessa linguagem) e sistêmicos, especialmente o precedente “em construção” (voto do ministro relator).

Na sequência, votou o Ministro José Roberto Freire Pimenta. Mencionou o seguinte: “Quanto à possibilidade de inclusão dessa doença no conceito jurídico indeterminado estabelecido pela nossa súmula [443], me parece que não há dúvida: seria uma doença grave que suscita estigma ou preconceito.” Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (deu provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: sobretudo sistêmicos do tipo conceitual. De passagem, o pesquisador registra a adesão ao posicionamento de Eros Roberto Grau (2005, p. 231), para quem não existem, propriamente, conceitos indeterminados, pois a determinação consiste em elemento essencial à formulação de qualquer conceito. Existem, sim, conceitos construídos com termos indeterminados (ou “termos indeterminados de conceitos”), o que não se confunde com a indeterminação do próprio conceito, o que configuraria inaceitável contradição em termos.

Em seguida, passou a votar o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Como votou: nessa etapa, seguiu a divergência (negou provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: deu ênfase a fundamentos de natureza processual e, no mais, limitou-se a entender que não houve discriminação, na forma das decisões anteriormente proferidas ao longo do processo (argumento sistêmico de precedente).

Na sequência, o Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos pediu “vista em mesa” (procedimento em que o ministro devolve o processo, com o voto, na sessão de julgamento subsequente, diferente da “vista regimental”, com prazo mais longo de duração). Com isso, encerrou-se a sessão. Na retomada do julgamento, na tarde de 1º.12.2016, o ministro apresentou o seu voto. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (deu provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a registrar a “importância do tema” (argumento teleológico) e a encampar os votos anteriores (argumento sistêmico de precedente “em construção”, por assim dizer). Seguiu-se a manifestação do Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, que afirmou estar em dúvida quanto à existência de ofensa à Súmula 443 do TST e, por isso, pediu “vista regimental” do processo. Antes do encerramento da sessão, porém o Ministro Emmanoel Pereira antecipou o seu voto. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (deu provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a seguir o voto do ministro relator (argumento sistêmico de precedente “em formação”).

Na sessão seguinte, realizada em 15.12.2016, sob a presidência do Ministro Renato de Lacerda Paiva, colheu-se o voto do Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro. Como votou: nessa etapa, seguiu a divergência (negou provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a encampar os anteriores votos divergentes (argumento sistêmico de precedente “em formação”). Na sequência, votou o Ministro Hugo Carlos Scheuermann. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (deu provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a seguir o voto do ministro relator (argumento sistêmico de precedente “em formação”). Em seguida, votou o Ministro Renato de Lacerda Paiva, presidente dessa sessão de julgamento. Como votou: nessa etapa, seguiu a divergência (negou provimento ao agravo regimental). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a encampar os anteriores votos divergentes (argumento sistêmico de precedente “em construção”). Com isso, concluiu-se essa etapa do julgamento.

2.1.1 A descrição do resultado do julgamento do agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista

Na apuração do resultado do julgamento, colheram-se os votos de sete ministros que reconheceram a existência de contrariedade à Súmula 443 do TST e, em razão disso, deram provimento ao agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista. Determinaram, portanto, o regular processamento do próprio recurso de embargos: Alexandre Agra Belmonte, Augusto César Leite de Carvalho, Emmanoel Pereira, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Hugo Carlos Scheuermann, José Roberto Freire Pimenta e Walmir Oliveira da Costa (relator).

Computarem-se, também, os votos divergentes de seis ministros que negavam provimento ao agravo regimental: Aloysio Corrêa da Veiga, Cláudio Mascarenhas Brandão, João Batista Brito Pereira, João Oreste Dalazen, Márcio Eurico Vitral Amaro e Renato de Lacerda Paiva. Assim, nessa etapa, chegou-se ao apertado placar de votação de sete votos a seis.

2.2 A descrição dos argumentos de interpretação utilizados nas sessões de julgamento dos embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista

Na sessão realizada em 2.2.2017, sob a presidência do Ministro Renato de Lacerda Paiva, deu-se início ao julgamento dos embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista, destinado, especificamente, a avaliar a existência de contrariedade da decisão proferida pela Sétima Turma do TST à Súmula 443 do TST, mediante o exame da presença ou da ausência da presunção da prática de ato de discriminação na extinção do contrato de emprego trabalhadora com tuberculose, com base na análise da geração de preconceito ou estigma em razão do acometimento por essa doença.

De início, manifestou-se o ministro Walmir Oliveira da Costa, relator. O ministro reconheceu “o caráter discriminatório da dispensa”. Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a reconhecer a contrariedade à Súmula 443 com base no julgamento do agravo regimental (argumento sistêmico de precedente). O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: nada. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada.

Nesse passo, instaurou-se curioso impasse. À sessão, estavam presentes os seis ministros que negavam provimento ao agravo regimental e apenas cinco ministros que lhe deram provimento. No julgamento de embargos na SDI-I do TST, sói ocorrer o seguinte: o reconhecimento de contrariedade a súmula, em agravo regimental, redunda, quase que como consequência automática e necessária, no provimento do recurso de embargos, sem que se reabram as discussões e os debates realizados no julgamento do agravo regimental. Verifica-se similar situação quanto ao julgamento de agravos de instrumento em recurso de revista, no âmbito das Turmas do TST, mutatis mutandis.

Nesse caso, porém, por mera força de específica circunstância (ausência ocasional de três ministros na sessão de julgamento), isso não aconteceria: o resultado do julgamento corresponderia à negação de provimento aos embargos, o que tornaria a decisão inconsistente, pois, no julgamento do agravo regimental, muitos ministros assentaram, lateralmente, que a discussão da questão de mérito do recurso propriamente dita ficaria postergada para a etapa de julgamento dos embargos. Em razão dessa situação, o Ministro João Oreste Dalazen, em nome do prestígio e da respeitabilidade do órgão julgador e para evitar oportunismo, sugeriu o adiamento do julgamento, sob pena de criar-se “mais um precedente que não inspira confiabilidade” e gerar “mais celeuma do que segurança jurídica” (situação que comprometeria a universalidade da decisão). O ministro presidente da sessão registrou que a “a tese” em discussão “é importantíssima”, com o assentimento do Ministro Dalazen, que repetiu: “importantíssima” (argumento teleológico–deontológico). Assim, diante da relevância do caso, a SDI-I decidiu, como medida de prudência (aspecto ressaltado pelo Ministro João Batista Brito Pereira), adiar o julgamento para sessão oportuna, com “quórum mais expressivo”.

Assim, retomou-se o julgamento na sessão realizada em 9.3.2017, aberta sob a presidência do Ministro Emmanoel Pereira. Inicialmente, o Ministro Walmir Oliveira da Costa, relator, que votara na sessão anterior, esteve com a palavra. Em seguida, o Ministro João Oreste Dalazen destacou que se cuida de “matéria sobremodo relevante” e abriu divergência. Como votou: nessa etapa, não conheceu dos embargos. Tipo de argumento que utilizou: com apelo à coerência, reportou-se à decisão que proferira no julgamento do agravo regimental, por não vislumbrar contrariedade à Súmula 443 (argumento linguístico e argumento sistêmico de precedente). Posteriormente, apresentou justificativas escritas de voto vencido. O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: nada. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada. Em semelhante sentido, posteriormente, na mesma sessão, votaria o Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro.

Na sequência, pelos motivos acima expostos, voltou-se a discutir, vivamente, a possibilidade de produção de decisão inconsistente, diante de novas ausências de ministros à sessão. No curso da sessão, o Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho assumiu a presidência dos trabalhos. Dissipado o impasse quanto a esse ponto, passou-se ao voto do Ministro Augusto César Leite de Carvalho, que também fez apelos à coerência. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (conheceu dos embargos). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a encampar o voto do ministro relator (argumento sistêmico de precedente “em construção”). O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: nada. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada. De idêntica maneira votaram os Ministros José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Guilherme Augusto Caputo Bastos e Emmanoel Pereira, sem nenhum tipo de acréscimo argumentativo.

O voto do Ministro Alexandre Agra Belmonte. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (conheceu dos embargos). Tipo de argumento que utilizou: registrou que se trata de “doença grave, aquela doença a que alude a Súmula 443” (argumento linguístico). O que disse a respeito da geração de preconceito: nada além da referência genérica à Súmula 443. O que disse quanto à produção de estigma: idem. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada.

O voto do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto divergente (não conheceu dos embargos). Tipo de argumento que utilizou: limitou-se a seguir o voto divergente (argumento sistêmico de precedente “em construção”). O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: nada. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada.

O voto do Ministro João Batista Brito Pereira: foi o único ministro que, por assim dizer, por questões de ordem processual, “alterou” o voto proferido no julgamento do agravo regimental, pois entendeu que a questão da existência de contrariedade à Súmula 443 se resolvera, definitivamente, no julgamento daquele primitivo recurso. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto do ministro relator (conheceu dos embargos). Tipo de argumento que utilizou: deu ênfase a aspectos de ordem processual (argumentos linguísticos e sistêmicos do tipo harmonização contextual e analogia). O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: a despeito do resultado do seu voto, entende que, “nessa circunstância, a doença não é estigmatizante”. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada.

O voto do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto divergente (não conheceu dos embargos) com os seguintes argumentos:

[...] eu entendo, me perdoe, que não há essa doença estigmatizante a ponto de torná-la discriminatória. Se fosse no início do Século XX, eu não diria absolutamente nada com relação a isso, diante da epidemia, do surto de tuberculose, que, não é?, teria... atingido a população brasileira. Inclusive essa é uma das medidas que resultou ou que resultaram, né?, na... adoção da jornada de trabalho de seis horas do bancário... O surto de tuberculose no Brasil. Mas que essa doença não é... não é estigmatizante e também não é... em razão, discriminatória. Por isso que eu não..., no mérito, também não posso prover [o recurso] para dizer que teria essa incidência. [...]

Tipo de argumento que utilizou: linguísticos e sistêmicos de harmonização contextual e histórico. O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: afirmou que a tuberculose não mais gera estigma. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada.

O voto do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho. Como votou: nessa etapa, seguiu o voto divergente (não conheceu dos embargos) com os seguintes argumentos.

[...] Verificando aqui, primeiro, não me parece uma doença estigmatizante. Absolutamente. Tuberculose é uma doença... já vi até discussões em relação a câncer, se dá o mesmo tratamento de, da, de HIV. HIV pode ser estigmatizante. Tuberculose, câncer, não são. Então, primeiro, não é estigmatizante. Segundo, está registrado aqui, na própria ementa [do acórdão da Sétima Turma do TST]: mais de seis anos era conhecida doença do, da trabalhadora. Mais de seis anos reconhecida a doença. Nunca foi dispensada. Por esse motivo. Conhecida a doença, pelo empregador, e ao mesmo tempo nunca, nunca foi afastada. Simplesmente se dispensar por justa... por... sem justa causa, uma dispensa imotivada, e imediatamente nós presumirmos, presumirmos, que é estigmatizante, primeiro, dá o tratamento de estigmatizante. Segundo, presumir que foi discriminatória. [...] Não vislumbro, absolutamente, contrariedade à Súmula ٤٤٣. Nós estamos dando uma interpretação cada vez mais ampliativa, já, da Súmula ٤٤٣. [...]

Tipo de argumento que utilizou: linguísticos e sistêmicos de harmonização contextual. O que disse a respeito da geração de preconceito: nada. O que disse quanto à produção de estigma: afirmou, enfaticamente, que a tuberculose não gera estigma. O que disse acerca do sistema de direitos e garantias fundamentais: nada.

2.2.1 A descrição do resultado do julgamento dos embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista

Com isso, concluiu-se essa etapa do julgamento. Na apuração do resultado do julgamento, colheram-se os votos de oito ministros que conheceram dos embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista em razão do reconhecimento da existência de contrariedade à Súmula 443 do TST: Alexandre Agra Belmonte, Augusto César Leite de Carvalho, Emmanoel Pereira, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Hugo Carlos Scheuermann, João Batista Brito Pereira, José Roberto Freire Pimenta e Walmir Oliveira da Costa (relator).

Computarem-se, também, os votos divergentes de cinco ministros que não conheciam dos embargos: Aloysio Corrêa da Veiga, Cláudio Mascarenhas Brandão, Ives Gandra da Silva Martins Filho, João Oreste Dalazen e Márcio Eurico Vitral Amaro. Assim, chegou-se ao placar de votação de oito votos a cinco. No mérito propriamente dito, como consequência lógica e necessária do conhecimento dos embargos, de forma unânime, deu-se provimento ao recurso “para reconhecer o caráter discriminatório da dispensa sem justa causa de empregada portadora de tuberculose”.

2.3 A descrição dos argumentos de interpretação utilizados no acórdão proferido pela Primeira Subseção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho no julgamento dos recursos

Como apontado em seção própria, a redação do acórdão proferido pela SDI-I do TST no julgamento do agravo regimental em embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista em conjunto com os embargos em embargos de declaração no segundo recurso de revista, referentes ao Processo nº 0065800-46.2009.5.02.0044, com catorze páginas, coube ao Ministro Relator, Walmir Oliveira da Costa. Estruturalmente, a decisão contém as seguintes seções: a) ementa (p. 1), b) relatório (p. 1-2), c) voto fundamentado do julgamento do agravo regimental, subdividido em c1) exame de admissão (p. 2) e c2) exame de mérito (p. 2-13), d) voto fundamentado do julgamento do recurso de embargos, também subdividido em d1) exame de admissão (p. 13) e d2) exame de mérito (p. 12-13) e, finalmente, e) o dispositivo, com a conclusão (p. 14) (BRASIL, 2017).

A ementa representa a síntese da decisão. Os argumentos nela postos refletem os argumentos delineados na fundamentação. Nesse sentido, até mesmo em razão das características de redação dessa parte do acórdão, não se mostra conveniente, para os propósitos da presente investigação, examiná-la esmiuçadamente. Registre-se, apenas, a seguinte passagem: “[...] tratando-se de controvérsia envolvendo empregado acometido por doença grave, ou que cause estigma ou preconceito”. Observa-se, portanto, na ementa, que se interpretou o conteúdo da Súmula 443 do TST de maneira a incluir três diferentes hipóteses de aplicação, o que se confirma pelo emprego do seguinte recurso linguístico: o uso de dupla conjunção disjuntiva “ou” (argumento linguístico da linguagem corrente).

O relatório mostra-se extremamente pobre, anêmico: contém menos de cem palavras. De sua redação exígua, pode inferir-se que se cuidou, meramente, de cumprir formalidade prevista no direito positivo. Substancialmente, não se cuida de relatório, pois nele não se descreveram os elementos de fato e de direito relativos ao caso examinado (o que se levaria a efeito ao longo da própria fundamentação – p. 2-9), mas apenas registros burocráticos (argumento linguístico da linguagem técnica com baixa expressividade semântica). Empregou-se idêntico recurso técnico de redação na elaboração das seções relativas ao exame da presença dos requisitos de admissão do agravo regimental (p. 2) e dos embargos (p. 13), com cerca de trinta e cem palavras, respectivamente.

A seção alusiva aos fundamentos do agravo regimental toma a maior parte do documento, com a ocupação de cerca de onze páginas (p. 2-13). Dela constam os argumentos revestidos de centralidade para a solução do caso. Observa-se, no entanto, que se destinou amplo espaço da fundamentação para descrever elementos que, em rigor, encontrariam mais confortável acomodação no relatório (p. 2-9). De início, verifica-se que a decisão destina substancial porção do documento para o registro de argumento sistêmico de precedente (ainda que para, em seguida, desconstrui-lo), a) menciona, de início, decisão do ministro presidente da Sétima Turma do TST que negara seguimento ao recurso de embargos, que, por sua vez, transcrevera fundamentos do acórdão proferido no julgamento de revista (p. 2-4), à maneira de argumento “metassistêmico”, por assim dizer; b) transcreve trechos da ementa do mencionado acórdão de recurso de revista (p. 4-5) e dos seus fundamentos, que, por seu turno, contém a transcrição de fundamentos descritos nos acórdãos proferidos pelo TRT da Segunda Região (p. 5-8); c) também incorpora excertos do acórdão proferido pela Sétima Turma do TST no julgamento dos embargos de declaração em recurso de revista (p. 8-9). Em rigor, a transcrição desses trechos de anteriores decisões proferidas no curso do processo cumpre, de forma mais precisa, a função de relatório e, assim, corresponderiam a argumentos linguísticos. Não se cuida, propriamente, em sentido mais estrito, de argumento sistêmico de precedente. De todo modo, as longas transcrições desempenharam o seguinte papel: pavimentaram o caminho para a tomada de decisão do recurso. De todo modo, nota-se que o acórdão apresenta expressiva quantidade de falas alheias (discurso polifônico).

O exame da questão começa, em si, ao final da nona página. De saída, invoca-se genuíno argumento sistêmico de precedente (p. 9):

Este Tribunal Superior uniformizou o entendimento de que, inexistindo outra causa, e ciente o empregador do estado de saúde do trabalhador, presume-se discriminatória a dispensa imotivada de empregado portador de doença grave ou que cause estigma ou preconceito, consoante preconiza a Súmula nº 443 [...]

No caso, o mérito propriamente dito do recurso consistia na verificação de contrariedade a esse específico precedente. Diante de peculiaridades decorrentes do processo de formação, emancipação e consolidação da ordem jurídica trabalhista brasileira, as súmulas do TST, em muitos casos, cumprem função normativa e operam, em certo sentido, à maneira de atos de legislação, quase que no esquema de incidência próprio das regras. Nesse particular sentido, a invocação da Súmula 443 consubstancia-se em argumento bifronte: corresponde, a um só tempo, a argumento sistêmico de precedente e, de certo modo, a argumento sistêmico de harmonização contextual. No mais, assim como na ementa, verifica-se que se interpretou o conteúdo da Súmula 443 do TST de maneira a incluir três diferentes hipóteses de aplicação, o que se confirma pelo emprego do seguinte recurso linguístico: o uso de dupla conjunção disjuntiva “ou” (argumento linguístico da linguagem corrente).

Na sequência (p. 10), emprega-se argumento sistêmico de harmonização contextual relacionado ao estabelecimento de presunção de discriminação. Em seguida (p. 10), atesta a gravidade da tuberculose com o recurso à aplicação integrativa do artigo 186, § 1º, da Lei nº 8.112, de 1990, que define o catálogo de “doenças graves, contagiosas ou incuráveis” que ensejam a aposentação do servidor público por invalidez permanente (argumento sistêmico de harmonização contextual, também) (BRASIL, 1991a). Em rigor, aqui, ainda que de maneira latente, também se empregou argumento sistêmico de analogia, pois o caso em exame não corresponde a relação jurídica de servidor público (regime de direito público), mas de relação contratual de emprego (regime de direito privado). Diante disso, o órgão julgador poderia ter recorrido a regra de integração sistêmica mais próxima: no caso, o artigo 151 da Lei nº 8.212, de 1991, que permite a aposentação por invalidez de segurado do Regime Geral de Previdência Social, aplicável ao universo de empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, como no caso da trabalhadora em questão.

Em seguida (p. 10, ainda), o acórdão apela à notoriedade da geração de estigma no caso de tuberculose (argumento linguístico): “constitui fato notório que a tuberculose, anteriormente conhecida como ‘tísica’, enseja indesejado estigma social, o qual inclusive prejudica, atualmente, o tratamento da doença [...]” Esse trecho, de certo modo, traduz-se em argumento sistêmico de princípio geral do Direito, representado pelas seguintes parêmias (TOSI, 2000, p. 523): “as coisas evidentes não precisam de prova” (manifesta haud indiget probatione), “a causa evidente contém em si a sentença” (manifesta causa secum habet sententiam) e variações de conteúdo material semelhante.

Como reforço para o argumento da geração de estigma provocada pela tuberculose como fato notório, o acórdão transcreve trecho de artigo científico publicado, em 2014, por onze pesquisadores do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e um pesquisador do Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, na Revista Ciência & Saúde Coletiva (ISSN 1413-8123), com classificação B1 na categoria Enfermagem (área de pesquisa da ampla maioria dos autores do artigo),19 na qualificação de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior para o quadriênio 2013–2016 (Plataforma Sucupira). Conferida a fonte, nota-se que o acórdão não registrou que o trecho transcrito, na realidade, consiste em citação de outros autores, o que, em certo sentido, enfraquece a força persuasória do argumento. Trata-se, portanto, de argumento sistêmico lógico-conceitual externo (oriundo de outro campo do conhecimento humano).

Com a finalidade de reforçar o argumento da geração de preconceito provocada pela tuberculose como fato notório, o acórdão transcreve trecho de artigo jornalístico de divulgação científica publicado na Folha de São Paulo em 26.5.2010 (“Preconceito ainda prejudica tratamento de tuberculose”) (p. 11-12). Também se cuida, portanto, de argumento sistêmico lógico-conceitual externo, com a seguinte peculiaridade: os conceitos descritos no artigo passaram por processo de “tradução” da linguagem científica para a linguagem corrente, procedimento comum no âmbito desse tipo de material de divulgação. Esse mesmo trecho também se encaixa como argumento linguístico.

No ponto seguinte (p. 12), o redator do acórdão vale-se, sobretudo, de argumentos sistêmicos de harmonização contextual para descontruir a conclusão a que chegou a Sétima Turma do TST (afastamento da presunção de discriminação) e chegar a resultado diverso (afirmação da presunção de discriminação), com base na aplicação da Súmula 443 do TST:

Não há base legal para se exigir, como requisitos para a comprovação de dispensa discriminatória, a imediatidade da despedida, a redução da capacidade laboral, o afastamento para tratamento de saúde, a concessão de auxílio-doença, tampouco o eventual nexo causal entre a enfermidade e o trabalho realizado.

Afirma-se, na decisão, o seguinte (p. 12, ainda): “constata-se, portanto, que a fundamentação da Corte Regional de origem, expressamente ratificada pela Turma, filia-se ao entendimento diametralmente oposto ao da Súmula nº 443 do TST [...]” Na sequência, à guisa de arremate, consigna os seguintes argumentos, concentrados no plano sistêmico de harmonização textual (p. 12-13):

Assim, resultando incontroverso que a empresa estava ciente do estado de saúde da reclamante, forçoso é reconhecer que a recorrida abusou de seu direito ao despedir, sem justa causa, empregada acometida por doença grave, o que invalida o ato e, em consequência, autoriza a reintegração no emprego, como forma a assegurar a manutenção das condições dignas de sobrevivência pessoal e familiar, e ao mesmo tempo desestimular a despedida motivada apenas pelo preconceito, e não por motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.

Nesse trecho, ainda, observa-se a discreta presença de argumentos sistêmicos de ordem de lógico-conceitual, como, por exemplo, abuso de direito e extinção arbitrária do contrato de emprego por iniciativa do empregador. De certo modo, comparecem, também, argumentos teleológicos-deontológicos: “assegurar a manutenção das condições dignas de sobrevivência pessoal e familiar” e “desestimular a despedida motivada apenas pelo preconceito”.

Após o provimento do agravo regimental, passou-se ao julgamento do recurso de embargos (p. 13-14). Na fundamentação desse segundo recurso (p. 13), limitou-se a lançar mão de argumento sistêmico de precedente interno, consistente, precisamente, nos argumentos alinhavados na fundamentação do agravo regimental, reforçado por nova transcrição da Súmula 443 do TST (argumento sistêmico de harmonização contextual):

Conforme os fundamentos previamente adotados no exame do agravo regimental, em relação à ao direito à reintegração no emprego por dispensa discriminatória, aos quais me reporto, o embargante logrou demonstrar a contrariedade à Súmula nº 443 do TST. [...] Conhecido o recurso por contrariedade à Súmula nº 443 desta Corte Superior, DOU PROVIMENTO aos embargos para reconhecer o caráter discriminatório da dispensa sem justa causa da empregada portadora de tuberculose, determinando o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem, a fim de que prossiga no julgamento da demanda, conforme entender de direito.

Na parte dispositiva do acórdão (p. 14), na conclusão propriamente dita, reconheceu-se, em definitivo, “o caráter discriminatório da dispensa sem justa causa de empregada portadora de tuberculose”.

2.4 Os argumentos de interpretação para a caracterização da tuberculose como doença grave suscitadora de estigma ou preconceito

A tuberculose ou, simplesmente, TB, consiste em doença infectocontagiosa que atinge os pulmões (GLICKMAN; JACOBS JÚNIOR, 2001, p. 477), com possibilidade de alastramento “para qualquer outro órgão” (DICIONÁRIO MÉDICO, 2017b), como, por exemplo, os rins, ou parte do corpo, como a coluna vertebral (MERRIAM-WEBSTER MEDICAL DICTIONARY, 2016, p. 815), denominando-se, nesses casos, tuberculose extrapulmonar (REDE BRASILEIRA DE PESQUISAS EM TUBERCULOSE, 2017). Os seus mais frequentes sintomas são os seguintes: tosse, febre, expectoração, hemoptise20 (DICIONÁRIO MÉDICO, 2017a), suores noturnos, falta de apetite, emagrecimento, indisposição e mal-estar (REDE BRASILEIRA DE PESQUISAS EM TUBERCULOSE, 2017).

É causada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis – ZOPF, 1883), descoberta em 1882, pelo médico Heinrich Hermann Robert Koch (1843–1910) (GLOBAL BIODIVERSITY INFORMATION FACILITY, 1896). Transmite-se “exclusivamente pela via respiratória”, por meio das “gotículas eliminadas na respiração, pelos espirros ou pela tosse” (SINTOMAS..., 2015). Não se transmite “por apertos de mão ou uso de utensílios compartilhados, como talheres, lençóis ou toalhas” (SINTOMAS..., 2015). Diagnostica-se pela presença dos sintomas e confirma-se “pela radiografia do pulmão e pelo exame de escarro” (SINTOMAS..., 2015). Existe, também, outra enfermidade semelhante, a tuberculose bovina, com agente causador diverso (Mycobacterium bovis – Karlson & Lessel, 1970) que pode atingir animais e seres humanos (GLOBAL BIODIVERSITY INFORMATION FACILITY, 1970). Pode comparecer associada a outras infecções ou doenças, como, por exemplo, a infecção pelo vírus HIV e acometimento por Aids. Etimologicamente, a palavra que designa a doença deriva do termo latino tuberculum, com o sentido da presença de pequenos inchaços ou nódulos (“espinhas”), em alusão a esses tipos de formação nos pulmões dos enfermos, com a adição do sufixo “ose”, de origem grega (ONLINE ETYMOLOGY DICTIONARY, 2017; SONTAG, 1978, p. 10).

Em determinados períodos, a doença apresentou, no Brasil e em outras partes do mundo, surtos epidêmicos, como elevada letalidade. Ao longo do Século XX, os avanços técnicos e científicos de tratamento reduziram sobremaneira a mortandade. No curso da história, a doença vitimou, fatalmente, numerosas personalidades no campo das artes. Exemplos: o pintor francês Eugène Delacroix (1798–1863), os escritores britânicos Emily Brontë (1818–1848) e George Orwell (1903–1950) e o escritor tcheco Franz Kafka (1883–1924). No Brasil, apanhou, por exemplo, os escritores José de Alencar (1829–1877) e Casimiro de Abreu (1839-1860) e o músico e compositor Noel Rosa (1910–1937) (BERTOLLI FILHO, p. 2001, p. 169-170).

Nas artes, em outros tempos, a doença comparecia como tema recorrente, como na tela “T.B. Harlem”, da pintora norte-americana Alice Neel (1900–1984), de 1940 (SALDARRIAGA-CANTILLO, 2009, p. 136). Na música, encontra-se a referência da valsa crioula “El Tísico”, composta, ao que parece, em 1940, por Luis Molina (PAMO-REYNA, 2014, p. 152), gravada por diversos expoentes do ritmo, como, por exemplo, Lucho Barrios (1934–2010), Julio Jaramillo (1935–1978), o “rouxinol da América”, daniel santos (1916–1992) e Cholo Berrocal (1937–1983) (CRIOLLOSPERUANOS.COM, 2017).21 E também na literatura também, conforme o ilustrativo relato de Carbonetti (2000, p. 479-492).

Certas enfermidades ou determinadas condições da pessoa, por motivos de diversa ordem (psicológico, social, por exemplo), podem causar estranhamento nas pessoas à volta daquele que se acha nessa particular condição e desencadear o processo de exclusão dessa pessoa do regular convívio. A pessoa estigmatizada, tratada como diferente (em sentido particularmente negativo), passa a enfrentar limitações de acesso a exercício de direitos. Esse tipo de condição não deriva apenas de doenças reputadas graves pelo sistema de direito positivo, condição necessária para a coerente aplicação da Súmula nº 443 do TST.

Assim, por exemplo, reconhece-se, como fato social, a geração de estigma em pessoas com albinismo, condição que não se enquadra na descrição de doença grave e que, assim, por questão coerência sistêmica, não se encaixa na descrição do mencionado enunciado de súmula. Isso, porém, à evidência, não se significa que o sistema admita a dispensa de tratamento discriminatório a pessoas nessa condição em matéria de trabalho e emprego. Ao contrário. Como se demonstrou, o artigo 1º da Lei nº 9.029, de 1995, conta com estrutura suficientemente ancha para abrigar situação desse tipo. Determinadas doenças, ainda, diante certos elementos, assumem dimensão simbólica e passam a compor discursos mais amplos sob a forma de metáfora e envoltos por misticismo e tabus, como aponta Susan Sontag (1978, p. 6), especificamente sobre a tuberculose, aliás, como se a palavra designativa da doença contivesse, em si, evocasse poderes mágicos.

Pergunta-se, a essa altura, o seguinte: o acometimento por tuberculose gera estigma ou preconceito? Como critério de interpretação, de que maneira o órgão julgador deve examinar a presença ou a ausência de suscitação de estigma ou preconceito pelo acometimento por tuberculose ou por outra doença ou condição? Começa-se pela resposta da segunda indagação. Não pode o órgão julgador limitar-se a avaliação pessoal, de extração voluntarista, de decidir de matéria de ordem eminentemente técnica com base no seu senso comum teórico. O processo de tomada de decisões exige responsabilidade democrática e, nesse sentido, a aferição da presença dessa condição deve sujeitar-se a controle: a avaliação dessa condição, portanto, deve realizar no campo da intersubjetividade.

Por cuidar-se de matéria de ordem técnica, a análise da questão deve extrapolar os critérios de interpretação linguísticos e passar, necessariamente, pelos critérios de interpretação sistêmicos de ordem lógico-conceitual externa, com o ingresso, portanto, no campo técnico especializado na matéria. Em relação a esse ponto, vale assinalar que o Direito, compreendido como sistema, atua como abertura cognitiva e fechamento operativo, característica que permitem a realização desse tipo de percurso hermenêutico. O exame da efetiva suscitação de estigma ou geração de preconceito pela tuberculose integra a coerência fática da decisão. Ou seja, para o preenchimento do requisito de coerência, a narração dos fatos, na decisão, deve refletir a realidade. Caso contrário, a avaliação da coerência da decisão ocorreria no plano meramente formal da construção de narrativas.

Consequentemente, o enquadramento da tuberculose como doença grave suscitadora de estigma ou preconceito não pode derivar de simples da opinião ou impressão pessoal do julgador e, sim, provir de adequado diálogo com os elementos de natureza técnica e científica. Por estigma, deve compreender-se a marco ou sinal sobre determinada pessoa, com significação depreciativa (BACILA, 2015, p. 30). No caso da tuberculose, em particular, as fontes especializadas consultadas ao longo da pesquisa dão conta da presença da suscitação de estigma e preconceito. Assim, por exemplo, no período de 1900–1950, Cláudio Bertolli Filho (2001, p. 210 e 243) relata que a estigmatização não se confinava ao ambiente social mais amplo e chegava a atingir os espaços de tratamento, com alastramento para os filhos, ainda que sadios, dos enfermos (BERTOLLI FILHO, 2001, p. 295), mas, aos poucos, a situação amainou-se, em razão do recrudescimento do estigma sobre outras enfermidades, como os cânceres e, a partir da década de 1980, a Aids (BERTOLLI FILHO, 2001, p. 299). Atualmente, mesmo nos ambientes de tratamento, a doença continua a despertar a produção desse tipo de representação social (FERREIRA; MOTTA; RODRIGUES, 2016, p. 537). Evidentemente, a questão merece estudo mais amplo e meticuloso, incompatível, porém, com a delimitação do objeto da presente investigação.

2.5 A análise da consistência, da coerência e da universalidade da decisão proferida pela Primeira Subseção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho

Vencida a etapa de descrição analítica dos principais argumentos de interpretação expostos na fase de produção da decisão (argumentos levantados no curso das sessões de julgamento, durante os debates orais), bem como aqueles que se acham formalmente inscritos no resultado desse processo produtivo (argumentos registrados no acórdão), acompanhada de arranjo taxonômico desses elementos formativos, segundo os critérios propostos por Neil Maccormick (2010, p. 70-75), passa-se a examinar, sob essa perspectiva, a justiça da decisão proferida pela SDI-I do TST mediante a confrontação desse conjunto de argumentos de interpretação com os três critérios por ele propostos: a) a consistência, b) a coerência e c) a universalidade.

2.5.1 A análise da consistência da decisão

A análise da consistência recai sobre a dimensão estrutural formativa da decisão (coerência interna). Mediante a aplicação desse critério, afere-se se a decisão se sustenta, em seu conjunto, por meio da verificação da ausência de elementos contraditórios comprometedores da sua unidade. No caso em estudo, o recurso de embargos, julgado pela SDI-I do TST, destinava-se a avaliar se a decisão proferida pela Sétima Turma do TST incorria ou não incorria em contrariedade à Súmula 443 desse mesmo tribunal, que reputa presumidamente discriminatória – ou seja, violadora do direito fundamental à igualdade, considerado na sua dimensão material – a iniciativa do empregador de resilir o contrato de emprego de empregado enquadrado ao menos em uma das três seguintes situações: a) porte do vírus HIV, b) acometimento por doença grave suscitadora de estigma e c) acometimento por doença grave suscitadora de preconceito.

Nas decisões-matrizes que redundaram na aprovação da Súmula 443 do TST, divisa-se certa confusão entre preconceito e discriminação e certas claudicações quanto ao estabelecimento preciso do alcance conceitual da suscitação de estigma e de preconceito. A princípio, a simples existência de preconceito (elemento de dimensão interna), em si, desacompanhada de exteriorização (atos), não gera maiores consequências22 e, portanto, não se confunde com a discriminação (elemento de dimensão externa), consubstanciada na exteriorização de atos relacionados com a interdição de acesso ao exercício de direitos, como, no caso em estudo, a manutenção do curso da relação jurídica empregatícia. Esse detalhamento, porém, insere-se na análise da própria formação da identidade genética do “precedente” e reclama a verificação da consistência das próprias decisões-matrizes, questão que exorbita da pesquisa relatada no presente artigo. Consequentemente, ao menos por ora (neste estudo), o exame da consistência e da coerência da decisão tomada pela SDI-I do TST não pode deixar de ater-se ao resultado (ex)posto na Súmula 443 do TST.

Diante dos elementos de análise, pode verificar-se a presença da seguinte contradição interna, reveladora, a princípio, de inconsistência em argumento interpretativo linguístico: no início da nona página da decisão, consta a seguinte frase do ministro relator: “presume-se discriminatória a dispensa imotivada de empregado portador de doença grave ou que cause estigma ou preconceito, consoante preconiza a Súmula nº 443” (acrescentaram-se destaques em negrito). Na sequência, transcreve-se a própria súmula: “[...] Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito [...]” (idem).

Perceba-se a diferença entre ambos os textos. No texto de autoria do ministro relator, incluiu-se, depois da expressão “doença grave”, o trecho “ou que”, ausente na construção da Súmula 443, e que promove a alteração do alcance semântico do texto. Com a redação do ministro, para haver enquadramento na súmula, pode ter-se: a) doença grave, simplesmente, ou b) doença que causa estigma ou c) doença que causa preconceito. Na redação da súmula, porém, a geração de estigma ou preconceito deve provir de doença considerada grave. Ou seja, a situação de doença grave, por si só, para a súmula, não produz as consequências por ela prescritas ou não, ao menos, por força da sua aplicação.

Esse defeito presente em argumento interpretativo linguístico, porém, não chega a comprometer a justiça da decisão em relação ao critério de consistência, pois os demais elementos de argumentação conferem ossatura suficiente para estruturá-la. Com efeito, supera-se a deformidade apontada mediante a verificação de que a decisão contêm argumentos de interpretação demonstrativos dos seguintes elementos: a) a identificação da tuberculose como doença grave, por meio do registro de argumento interpretativo sistêmico de harmonização contextual e analogia, mediante a invocação do artigo 186, §1º, da Lei nº 8.112, de 1990 (p. 10); b) a demonstração da tuberculose como doença suscitadora de estigma, mediante a consignação de argumento sistêmico lógico-conceitual externo, consistente na transcrição de trechos de artigo científico em que se atesta essa condição (p. 11), reforçado pelo uso de argumento de interpretação sistêmico de princípio geral do Direito relacionado à notoriedade dessa condição, com a dispensa, portanto, de produção de prova nesse sentido (p. 10); c) a evidenciação da tuberculose como doença geradora de preconceito por meio da formulação de argumento sistêmico lógico-conceitual externo, consubstanciado na reprodução de trechos de artigo de divulgação científica (versão de linguagem científica para linguagem corrente) (p. 11-12) e, finalmente, d) a expressão da prática de ato de discriminação, com o reconhecimento, portanto, ainda que de modo discreto, da violação do direito fundamental do direito à igualdade ou, com maior grau de precisão, do direito fundamental de receber tratamento não discriminatório, representada, no caso, pelo emprego de argumentos sistêmicos de ordem de lógico-conceitual, mediante o estabelecimento de presunção da existência de discriminação no ato que resultou na resilição do contrato de emprego (p. 12).

Em rigor, para a aquisição de consistência, bastaria, na decisão, a demonstração ou da suscitação de estigma ou da geração de preconceito, alternativamente, portanto. Isso, porém, não compromete a higidez da decisão. Ao contrário. Reforça-a. Ora, se bastava a presença de uma dessas situações (ou estigma ou preconceito) para configurar, no caso, a prática de ato de discriminação, a identificação conjunta de ambos os elementos, por ainda mais forte razão, aponta para o acerto da conclusão quanto o caráter discriminatório do ato que redundou na extinção do contrato de emprego. De mais a mais, o conjunto de argumentos de interpretação delineado na decisão compõe arranjo harmônico, sem a identificação de colisões nem de invalidação lógica recíproca. E esse conjunto argumentativo converge de forma consistente para o resultado do julgamento do recurso, com o reconhecimento da presunção da prática de ato de discriminação na iniciativa do empregador de promover a extinção do contrato de emprego da trabalhadora com tuberculose.

O resultado da análise desse critério: positivo, a decisão proferida pela SDI-I pode qualificar-se como consistente, a despeito da presença de elemento contraditório, que, no entanto, não chega a abalar a estrutura da decisão.

2.5.2 A análise da coerência da decisão

A análise da consistência recai sobre a dimensão estrutural integrativa da decisão (coerência sistêmica). Por meio da aplicação desse critério, avaliam-se: a) a adequação do processo de produção da decisão diante dos princípios e das regras integrantes do sistema (coerência sistêmica procedimental ou de produção); b) a conformação do resultado desse processo produtivo (a decisão em si) em face da ordem jurídica, sem nela introduzir elemento entrópico (coerência sistêmica material ou de resultado, na sua dimensão de acomodação sistêmica estrutural) e, por conseguinte, c) a acomodação da decisão no sistema, sem provocar perturbações no equilíbrio homeostático do seu funcionamento (coerência sistêmica material ou de resultado, na sua dimensão de acomodação sistêmica funcional).

Diante dos elementos de análise, pode verificar-se, em relação à decisão tomada pela SDI-I do TST, o seguinte: de saída, não se observam defeitos comprometedores do processo de produção da decisão em relação ao cumprimento de normas de procedimento, inclusive em relação aos aspectos técnicos relacionados aos pressupostos de admissão do recurso de embargos de divergência. Esse ponto chegou a suscitar certas dúvidas em alguns ministros integrantes do órgão julgador. No curso do debate, chegou-se a instaurar discussão quanto à possibilidade ou à impossibilidade de revisitar a decisão da Sétima Turma do TST em relação à presença ou à ausência de suscitação de estigma ou de preconceito em decorrência do acometimento por tuberculose. Entretanto, como se assentou no acórdão, corretamente, aliás, o ponto principal da discussão não orbitava, propriamente, naquele momento, em “exumar” essa questão, mas, sim, consistia em examinar a possibilidade de afastamento da presunção da prática de ato de discriminação em razão da presença de fatores como o transcurso de certo período de tempo entre a data em que o empregador se inteirara da doença que acometia a empregada e a data em que ele tomou a iniciativa de resilir o contrato de emprego que mantinha com ela. Em relação a esse específico ponto, mostra-se apropriado mencionar que a Súmula 443 do TST congrega, nos seus elementos, e de forma expressa, a presunção da prática de discriminação (violador, portanto, de direito fundamental). Consequentemente, o exame da correção da decisão da Sétima Turma do TST, pela SDI-I, em relação à manutenção ou ao afastamento dessa presunção poderia ter sido – como de fato foi – objeto de julgamento em sede desse especial tipo de recurso.

Também não se divisam defeitos no resultado do julgamento em relação à ordem jurídica considerada como sistema dotado de ordem e unidade. Com efeito, a decisão tomada pela SDI-I acomoda-se adequadamente no sistema, sem causar-lhe importunações de ordem estrutural (a decisão não introduz elemento entrópico no sistema) ou funcional (a decisão não compromete o equilíbrio homeostático do sistema). Para ser mais específico quanto a esse tópico, a decisão afina-se, plenamente, com o sistema de Direito Constitucional do Trabalho próprio do Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição Federal de 1988, sobretudo em relação ao adensamento normativo do âmbito de proteção do direito fundamental à igualdade ou, mais especificamente, do direito fundamental a receber tratamento não discriminatório, com eficácia plena e aplicação imediata sobre as relações de trabalho estruturadas segundo o modelo contratual, com atuação como elemento de limitação do exercício da autonomia privada negocial, especialmente pela verificação da assimetria de posições fáticas e jurídicas entre os sujeitos protagonistas desse tipo de relação contratual (eficácia diagonal das normas de direito fundamental).

Além disso, a decisão da SDI-I do TST sintoniza-se com o sistema de direito positivo infraconstitucional, máxime em relação à aplicação da Lei nº 9.029, de 1995, que proscreve a prática de atos de discriminação em matéria de trabalho e emprego por qualquer motivo ilegítimo. Também acertou a decisão ao empregar argumentos sistêmicos de analogia para enquadrar a tuberculose como doença grave. Em razão da ausência de ato normativo específico a definir com clareza a suscitação de estigma ou a geração de preconceito em razão do acometimento por tuberculose (embora a interpretação conjugada dos artigos 26, II, e 151 da Lei nº 8.213, de 1991, possa fornecer indícios mais ou menos elucidativos quanto à produção de estigma), a decisão também acertou ao colher em outros sistemas de conhecimento os elementos técnicos especializados para aferir a presença desses efeitos.

Na decisão, negou-se, de modo expresso, a aptidão dos seguintes elementos para repelir, no caso, a aplicação da Súmula 443 do TST, sobretudo quanto ao estabelecimento da presunção de discriminação do ato de extinção do contrato de emprego, em razão da ausência de base legal (p. 12): a) a imediatidade da extinção do contrato de emprego em relação ao tempo da ciência, pelo empregador, do acometimento da doença (o acórdão registra, expressamente, a seguinte premissa de fato: “a tuberculose não impediu a manutenção do vínculo de emprego por mais de seis anos após a empresa ter ciência da doença”), b) a redução da capacidade para o trabalho, c) o afastamento para tratamento de saúde, d) a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença e e) a necessidade de existência de nexo de causalidade entre a doença e o trabalho realizado pela empregada.

A irrelevância desses fatores para o afastamento da presunção da prática de ato de discriminação decorre da aplicação, pelo caminho da analogia, do artigo 165 da Consolidação das Leis do Trabalho, na forma enunciada em seção própria do presente artigo, exigindo-se, portanto, do empregador, a demonstração objetiva de que o ato de extinção do contrato de emprego comparece com consequência de motivo de ordem disciplinar, econômica, financeira ou técnica, como, aliás, consta da própria decisão examinada, ainda que sem menção ao referido artigo: “[...] desestimular a despedida motivada apenas pelo preconceito, e não por motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.”

Como se evidenciou na seção dedicada à avaliação crítica da consistência, a decisão também se harmoniza com a Súmula 443 do TST, base, aliás, que serviu de parâmetro para o próprio julgamento do recurso de embargos. Nesse ponto, mostra-se oportuna a inclusão de algumas considerações quanto à estruturação dos argumentos de interpretação delineados na decisão. Em certo sentido, sente-se falta, na decisão, do desenvolvimento de argumentação de mais altaneira extração, com a aplicação mais explicitada do sistema de direitos e garantias fundamentais. Essa ausência, porém, encontra dupla explicação: a) o recurso de embargos de divergência cumpre a função de promover a uniformização de jurisprudência e de velar pela integridade dessa jurisprudência, na forma prevista no artigo 894, II, da Consolidação das Leis do Trabalho, e como consequência, b) o desenvolvimento desses argumentos de mais sofisticada estatura constam das decisões-matrizes que desembocaram na aprovação da Súmula mº 443 e que, assim, passaram impregná-la geneticamente (ou seja, aderidos ao conteúdo material da súmula, ainda que de forma velada, acham-se aqueles argumentos de magnitude constitucional). Assim, no julgamento dos embargos, a SDI-I, ao tomar como ponto de partida da análise do caso a própria Súmula 443, assume aqueles primitivos argumentos constitucionais como pressupostos, como dados. Além disso, as súmulas cumprem destacado papel no âmbito da ordem jurídica trabalhista e, em razão de determinadas fissuras de estruturação nela presentes, decorrentes das particularidades do seu processo de formação, emancipação e consolidação, assumem, por assim dizer, alguma “positividade” e passam, de certa maneira, em determinados casos, a operar à maneira de regras.

O resultado da análise desse critério: positivo, a decisão proferida pela SDI-I, na sua dimensão sistêmica integrativa, pode qualificar-se como coerente, nos três seguintes planos: a) sistêmico procedimental (ou de produção); b) sistêmico material (ou de resultado), na sua dimensão de acomodação sistêmica estrutural, e c) sistêmico material (ou de resultado), na sua dimensão de acomodação sistêmica funcional.

2.5.3 A análise da universalidade da decisão

A análise da universalidade recai sobre a dimensão funcional expansiva (ou replicativa). Mediante a aplicação desse critério, examina-se se a decisão apresenta aptidão replicativa para orientar a decisão de outros casos revestidos de idênticos elementos de fato e de direito. No caso, não se identificam elementos comprometedores ou dificultadores da replicação da decisão (ou, de modo mais especificado, da conclusão a que por meio dela se chegou, para reger casos identificados pela presença de idênticas premissas de fato e direito) ou dos argumentos de interpretação nela consignados. No caso investigado, a enunciação elementar dessas premissas pode efetuar-se da seguinte matéria: a) a primeira premissa: empregado com tuberculose; b) a segunda premissa: extinção do contrato de emprego desse empregado por iniciativa do empregador desacompanhada de prova, a cargo do empregador, da existência de motivo de ordem disciplinar, econômica, financeira ou técnica para justificar a resilição do contrato e c) a conclusão: a presunção da prática discriminatória no ato de extinção do contrato de emprego do empregado com tuberculose com o reconhecimento e a declaração da nulidade desse ato.

Com a decisão examinada, agregaram-se os seguintes elementos à identidade genética da Súmula 443 do TST como fatores despidos de relevância para o afastamento da presunção de discriminação: a) a imediatidade da extinção do contrato de emprego em relação ao tempo da ciência, pelo empregador, do acometimento da doença, b) a redução da capacidade do empregado para o trabalho, c) o afastamento do empregado para tratamento de saúde, d) a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ao empregado e e) a necessidade de existência de nexo de causalidade entre a doença e o trabalho realizado pelo empregado. Esses elementos passam a orientar a aplicação da Súmula 443 do TST em futuros casos revestidos de idênticas circunstâncias.

Nesse sentido, diante desses elementos, aliados à verificação da consistência e da coerência da decisão, pode afirmar-se que não concorrem empecilhos para a sua universalização em casos assinalados pela presença de idêntica base de fato e de direito. O resultado da análise desse critério: positivo, a decisão proferida pela SDI-I reveste-se de universalidade, com potencial de replicação, portanto.

A conclusão

Examinadas a consistência, a coerência e a universalidade da decisão proferida pela SDI-I do TST no julgamento do recurso de embargos em que se reconheceu a presunção de prática de discriminação na iniciativa do empregador de promover a extinção do contrato de emprego de empregada com tuberculose, com base na análise crítica dos principais argumentos de interpretação expostos no respectivo acórdão, com a verificação de que decisão estudada reveste-se, sim, dessa tríplice qualidade. É consistente, pois, internamente, não apresenta elementos contraditórios capazes de comprometer a coesão e a unidade de sua estruturação (dimensão estrutural formativa). É coerente, pois se instala adequadamente na ordem jurídica (dimensão estrutural integrativa) em três diferentes planos: a) sistêmico procedimental (ou de produção); b) sistêmico material (ou de resultado), na sua dimensão de acomodação sistêmica estrutural, e c) sistêmico material (ou de resultado), na sua dimensão de acomodação sistêmica funcional. É replicável para a solução de outros casos assinalados por idênticas características, dotando-se, portanto, de universalidade (dimensão funcional expansiva ou replicativa). Por conseguinte, pode concluir-se, validamente, pela justiça dessa decisão sob a perspectiva teórica que orientou a realização da presente investigação.

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1 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza; doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza; Procurador do estado na Procuradoria-Geral do Estado do Ceará; Avenida Dr. José Martins Rodrigues, 150, 60811-520, Edson Queiroz, Fortaleza, Ceará, Brasil; https://orcid.org/0000-0002-8053-9510; https://orcid.org/0000-0002-8053-9510; andreluizufpr@hotmail.com

2 Pós-doutora pela School of Industrial and Labor Relations da Cornell University; Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo; Professora no Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional e no Curso de Direito da Universidade de Fortaleza; https://orcid.org/0000-0001-6101-4965; avmgomes@gmail.com

3 O conhecido poema de Antonio Machado (2011) vem muito bem a calhar nessa passagem: “[...] Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace camino y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar [...]”

4 Deste ponto em diante, referida pela sua sigla SDI-I/TST ou, simplesmente, SDI-I.

5 Nos domínios da Justiça do Trabalho, o binômio individual-coletivo, no campo processual, apresenta-se de forma ambígua, pois designa duas realidades que não se confundem. Têm-se, de um lado, os processos individuais em sentido amplo (comumente referidos como “dissídios individuais” na Consolidação das Leis do Trabalho), que se subdividem em: a) processos individuais em sentido estrito (tutela individual em processos com partes simples ou em litisconsórcio ativo e/ou passivo) e b) o processo coletivo (tutela coletiva de direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos). De outro lado, têm-se a oposição entre: a) processo individual (“dissídio individual”, na forma acima enunciada), de caráter jurisdicional (solução definitiva de conflito concreto com substutividade e definitividade, nota singularizante da atividade jurisdicional, consubstanciada na aptidão para produzir coisa julgada material) e b) “dissídio coletivo”, com a atuação da Justiça do Trabalho na criação de normas para a regência das relações de trabalho, no exercício do chamado “poder normativo da Justiça do Trabalho”, na forma do artigo 114, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal.

6 Deste ponto em diante, referido pela sua sigla RI/TST ou, apenas, RI.

7 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]” (BRASIL, 1988a). Pode notar-se, portanto, a importância devotada ao direito à igualdade: em poucas linhas de texto normativo, a Constituição Federal reporta-se a ela quatro vezes. Essa persistência envia evidentes recomendações acerca da interpretação-aplicação dessa norma de direito fundamental. No processo hermenêutico, portanto, o intérprete-aplicador deve permanecer atento a essas indicações.

8 “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (BRASIL, 1988a).

9 “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; [...]” (BRASIL, 1988a).

10 Na prática, consagrou-se o uso da inadequada e desnecessária sinédoque que toma cada parte (os enunciados) pelo todo (a súmula da jurisprudência, no singular). O exame atento dos primórdios da inclusão da matéria no direito positivo dá conta de que, inicialmente, a palavra súmula, sempre empregada sem flexão de número, reportava-se ao conjunto das unidades que a integravam, denominados, no próprio direito positivo, de enunciados. Nesse sentido, por exemplo, pode consultar-se a Lei nº 7.701, de 1988. Isso, porém, no contexto deste artigo, consiste em detalhe de somenos relevância.

11 Da Oitava Turma do TST não se originou nenhuma decisão-matriz para a formação do enunciado.

12 A situação de indisponibilidade para consulta refere-se à decisão proferida em 18.10.2006, de forma unânime, pela Terceira Turma do TST no Recurso de Revista nº 0090600-77.2004.5.04.0006, sob a relatoria da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi.

13 Trecho da decisão proferida em 7.2.2000: “[...] Declaração Conjunta OMS/OIT, resultante da Reunião Consultiva sobre a SIDA, realizada em Genebra nos dias 27 e 28.06.88, que estabeleceu vários princípios de proteção à dignidade dos portadores do vírus HIV. De acordo com essa declaração, ficou pactuado que os Estados membros deveriam, entre outros princípios, observar: ‘[…]; 2) a que protejan los derechos humanos y la dignidade [sic] de las personas infectadas por el VIH y de las personas con el SIDA... y a que eviten toda medida discriminatoria o de estigmatización contra esas personas en la provisión de servicios, el empleo y los viajes; [...]’”.

14 Trecho da decisão proferida em 22.6.2011: “[...] A Recomendação n.º 200 veda a discriminação de trabalhadores portadores do vírus HIV ou acometidos da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, e estabelece, entre outras obrigações dos Estados Membros da OIT, a de assegurar que os trabalhadores não sejam discriminados ou estigmatizados com base no seu status – real ou suposto – de portadores do vírus HIV (artigo 3, c) [...]”

15 Trecho do acórdão proferido pelo TRT da Nona Região (Paraná), mencionado na decisão proferida em 10.3.2010: “[...] Vislumbro, nos depoimentos prestados ao juízo, fortes indícios de que a dispensa tenha ocorrido justamente em virtude da doença, que ainda se reveste de forte estigma [...]”

16 Trechos da decisão publicada em 10.6.2011, mencionada na decisão proferida em 7.3.2012: “[...] A AIDS ainda é uma doença que apresenta repercussões estigmatizantes na sociedade e, em particular, no mundo do trabalho. [...] É, portanto, papel do Judiciário Trabalhista, considerando a máxima eficiência que se deve extrair dos princípios constitucionais, a concretização dos direitos fundamentais relativamente à efetiva tutela antidiscriminatória do trabalhador portador de doença grave e estigmatizante, como a AIDS. [...]”

17 Trechos da decisão proferida em 1º.6.2011: “[...] A AIDS ainda é uma doença que apresenta repercussões estigmatizantes na sociedade e, em particular, no mundo do trabalho, em que a recolocação no mercado de trabalho ainda constitui um óbice quase intransponível ao trabalhador portador de tal doença. Por outro lado, a mantença da atividade laborativa e consequente afirmação social, em certos casos, é parte integrante do próprio tratamento médico dos trabalhadores portadores de doenças graves. [...] É, portanto, papel do Judiciário Trabalhista, considerando a máxima eficiência que se deve extrair dos princípios constitucionais, a concretização dos direitos fundamentais relativamente à efetiva tutela antidiscriminatória do trabalhador portador de doença grave e estigmatizante, como a AIDS [...]”

18 A frase original, no idioma alemão: “Die Grenzen meiner Sprache bedeuten die Grenzen meiner Welt”.

19 O artigo apresenta o seguinte título: Estigma social e as famílias de doentes com tuberculose: um estudo a partir das análises de agrupamento e de correspondência múltipla. Disponível em: http://bit.ly/2iBnTl4. Acesso em: 2 dez. 2017.

20 “Eliminação de sangue vivo, vermelho rutilante, procedente das vias aéreas juntamente com a tosse. Pode ser manifestação de um tumor de pulmão, bronquite necrotizante ou tuberculose pulmonar” (DICIONÁRIO MÉDICO, 2017a).

21 Segue a transcrição da letra da canção, que apresenta ligeiras variações conforme a versão: “No me beses, que estoy muy enfermo; no me beses, te pido por favor; hace tiempo no como ni duermo, de pensar en este cruel dolor. Mucho tiempo ya llevo postrado, en la cama de un hospital, ya la ciencia me ha desahuciado, contagioso y malo, dicen que es mi mal. Ser tísico es mi mal, horrible es mi dolor, la ciencia no puede salvarme; sin saber quién será la dueña de mi amor, para poder consolarme. No me beses, que estoy muy enfermo, hoy siento en el pecho un fuerte dolor; ya estoy frío, no puedo moverme; tápame la cara, hazme ese favor.” (CRIOLLOSPERUANOS.COM, 2017).

22 Evidentemente, o Direito preocupa-se com a questão. Na Constituição Federal, por exemplo, determinou-se, como objetivo fundamental do Estado brasileiro, a promoção do bem de todos, sem preconceitos (artigo 3º, IV).