https://doi.org/10.18593/ejjl.12940

A convenção internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado e seus impactos no Brasil

The international convention for the protection of all persons against forced disappearance and its impacts in Brazil

Luciano Meneguetti Pereira1

Resumo: No presente texto teve-se como objetivo analisar os principais impactos que a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (2006), ratificada e recentemente internalizada pelo Brasil no ano 2016, pode produzir no País. A discussão do tema justifica-se pela relevância da temática no plano internacional (global e regional) e também em razão das obrigações que esse tratado internacional de direitos humanos impõe aos seus Estados-Partes, entre eles o Brasil. Primeiramente no trabalho analisa-se brevemente o processo de elaboração da Convenção, sua estrutura e principais aspectos; em seguida aborda-se a definição de desaparecimento forçado por ela trazida; trata do desaparecimento forçado de pessoas como múltiplas e contínuas violações de direitos humanos e como um crime internacional que, em determinadas circunstâncias, será configurado como crime de lesa-humanidade. Por fim, o texto aborda as implicações internacionais e domésticas desse tratado para o Estado brasileiro. Para o alcance dos resultados pretendidos, na presente pesquisa é empregado o método dedutivo, lançando-se mão de sólida fundamentação teórica, pautada em pesquisa à doutrina autorizada, tanto de índole nacional quanto internacional, bem como em consultas às jurisprudências brasileira e internacional sobre o tema analisado e outros correlatos, visando a uma adequada formulação, desenvolvimento e conclusão dos pontos a serem desenvolvidos.

Palavras-chave: Convenção Internacional. Desaparecimento forçado. Direitos humanos. Impactos. Brasil.

Abstract: The present text aimed to analyze the main impacts that the International Convention for the Protection of All Persons from Forced Disappearance (2006), ratified and recently internalized by Brazil in 2016, can produce in the country. The discussion of the theme is justified by the relevance of the theme at the international level (global and regional) and also because of the obligations that this international human rights treaty imposes on its States Parties, among them Brazil. First, the work briefly analyzes the process of elaboration of the Convention, its structure and main aspects; and then addresses the definition of enforced disappearance brought by it; addresses the forced disappearance of persons as multiple and continuing violations of human rights and as an international crime which, in certain circumstances, will be construed as a crime against humanity; and, finally, it addresses the international and domestic implications of this treaty for the Brazilian state. In order to reach the desired results, in the present research it is used the deductive method, using a solid theoretical foundation, based on research to the authorized doctrine, both national and international, as well as in consultations to the Brazilian and the international jurisprudences on the theme analyzed and other correlates, aiming at an adequate formulation, development and conclusion of the points to be developed.

Keywords: International treaties. Enforced disappearance. Human rights. Impacts. Brazil.

Introdução

Em maio de 2016 o Brasil internalizou um importante tratado internacional de direitos humanos concernente à proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado, que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com o status de norma supralegal, conforme entendimento atual do Supremo Tribunal Federal.2 Trata-se da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (CIPPTPCDF), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 20 de dezembro de 2006, por ocasião da sua 61ª Sessão, por meio da Resolução n. 61/177.

Com a ratificação e recente internalização desse instrumento internacional, o Brasil aderiu aos esforços internacionais no sentido de prevenir e combater o desaparecimento forçado de pessoas, um fenômeno que constitui uma preocupação mundial manifestada há décadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), notadamente a partir da Declaração Sobre a Proteção de Todas as Pessoas Contra os Desaparecimentos Forçados (DSPTPCDF), adotada por consenso por sua Assembleia Geral, em 18 de dezembro de 1992, por meio da Resolução n. 47/133 (UNITED NATIONS, 2017c).

No preâmbulo da Declaração a ONU externou sua profunda preocupação com a persistente e frequente ocorrência dos desaparecimentos forçados em muitos países do globo, situações em que pessoas são presas, detidas ou raptadas contra a sua vontade, ou de outra forma privadas de liberdade por agentes governamentais de qualquer setor ou hierarquia que, por sua vez, recusam-se a revelar o destino ou paradeiro dessas pessoas, ou se recusam a reconhecer a privação da liberdade, subtraindo, assim, tais pessoas da proteção da lei. A organização também considerou que os desaparecimentos forçados atentam contra os mais profundos valores de qualquer sociedade empenhada em respeitar o Estado de Direito, os direitos humanos e as liberdades fundamentais, e que a prática sistemática de tais atos configura um crime de lesa-humanidade.

Constituindo uma das mais graves e odiosas violações de direitos humanos ao redor do globo, o desaparecimento forçado de pessoas se mostrou, ao longo do tempo, ser um fenômeno de difícil combate em diversos continentes, notadamente em razão da relutância dos Estados em compartilhar informações sobre os casos, admiti-los em seus respectivos territórios, bem como em punir seus órgãos e agentes envolvidos nos casos dessa natureza. Estas são algumas das razões pelas quais não houve, durante muito tempo, qualquer marco jurídico internacionalmente vinculante no tocante ao trato específico da questão, salvo apenas alguns esforços regionais fragmentados. Além disso, a complexidade dos desaparecimentos também se transformou em um fator de retardo para a resposta legal ao fenômeno no âmbito internacional.

Contudo, desde a Declaração da ONU se intensificou a preocupação com os desaparecimentos forçados em escala global, notadamente em razão do grande número de vítimas dessa horrenda prática. A partir de então o tema passou a integrar definitivamente a agenda dos direitos humanos no âmbito da organização, sendo possível a verificação de uma ampla mobilização de seus órgãos, agências especializadas, grupos de trabalhos e peritos que, com a sociedade civil organizada, acabou por originar a Convenção que é analisada no presente texto.

Como resultado do trabalho empreendido, nasce então a CIPPTPCDF, que consolida internacionalmente o desaparecimento forçado de pessoas como uma grave violação de direitos humanos e, em determinadas circunstâncias, como um crime internacional contra a humanidade, dada a particular relevância das transgressões que implica, bem como a natureza e multiplicidade dos direitos que lesiona. Surge, assim, o primeiro instrumento de amplitude global juridicamente vinculante, com a principal finalidade de prevenir e combater o desaparecimento forçado ao redor do globo. Não há dúvida de que esse tratado internacional constitui um importante e valioso marco normativo de abrangência internacional na proteção dos direitos humanos, refletindo o tratamento holístico da questão por parte da sociedade internacional.

A ratificação3 da CIPPTPCDF por parte do Brasil implica consequências internacionais para o Estado brasileiro, que poderá ser responsabilizado internacionalmente pela violação dos direitos nela consagrados e pelo não cumprimento das disposições convencionais nela inscritas, devendo-se lembrar, inclusive, que o País, por ser Parte na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT),4 de 1969, não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento desse tratado (art. 27).

Além disso, a recente internalização desse instrumento internacional, que passou a compor o arcabouço normativo brasileiro por meio de sua promulgação executiva em 2016, também implica diversas consequências domésticas para o Brasil, conforme se verá ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, já que o País deverá adotar diversas medidas com vistas à implementação dos preceitos convencionais em seu território.

Com a ratificação e internalização desse tratado internacional pelo Brasil, algumas questões precisarão ser enfrentadas pelo País, no sentido de promover a necessária adequação de comportamentos domésticos aos padrões estabelecidos convencionalmente e a plena efetivação dos direitos humanos nele consagrados.

Entre as implicações trazidas pela Convenção para o Estado brasileiro é possível citar, v.g., o dever de o País envidar seus maiores esforços para efetivar o direito humano de não ser submetido ao desaparecimento forçado (art. 1º), não praticando e não permitindo a prática em seu território, fato que demanda do País determinados comportamentos, bem como a adoção de medidas específicas, conforme se verá. Surge também para o País um dever de adequação de sua legislação doméstica às disposições da Convenção, o que implica a necessidade de uma revisão de normas componentes do ordenamento jurídico pátrio, fato que precisa ser analisado ao longo do texto, a fim de que se possa constatar pontualmente quais seriam as principais e reais implicações nesse sentido.

Dentre outros deveres oriundos da Convenção e que também trazem implicações domésticas para o Brasil, carecendo igualmente de análises e considerações específicas no desenvolvimento do trabalho, citam-se: o dever de investigar, processar e punir os casos de desaparecimento forçado no País; o dever de estabelecimento da jurisdição brasileira sobre as causas que envolvam o crime de desaparecimento forçado, conforme o disposto na Convenção; o dever de o Estado brasileiro estar engajado em uma cooperação internacional eficiente para o combate do delito em questão; o dever de formação e educação do quadro de servidores públicos para lidar com o desaparecimento forçado; e o dever de cooperar com os órgãos de monitoramento da Convenção.

Nesse contexto, no presente texto inicialmente aborda-se o processo de elaboração da Convenção, sua estrutura e principais aspectos. Em seguida é analisada a definição de desaparecimento forçado por ela estabelecida, em cotejo com as definições consagradas na Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (CISDFP) e no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (ERTPI). Na sequência se analisa o desaparecimento forçado de pessoas como múltiplas, contínuas ou permanentes violações de direitos humanos e como um crime internacional que, em determinados casos, configurará crime de lesa-humanidade. Por fim, são analisadas critica e fundamentadamente algumas das principais implicações domésticas desse tratado de direitos humanos para o Estado brasileiro, visando-se demonstrar quais seriam os seus reais impactos para o País.

Para o alcance dos resultados pretendidos, na presente pesquisa é empregado o método dedutivo, lançando-se mão de uma sólida fundamentação teórica, pautada notadamente em extensa pesquisa à doutrina autorizada de índole nacional e internacional, bem como em consultas às jurisprudências brasileira e internacional sobre o tema analisado e outros correlatos, visando a uma adequada formulação, desenvolvimento e conclusão dos pontos a serem desenvolvidos no trabalho.

1 A Convenção Internacional Para a Proteção de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado (CIPPTPCDF)

O processo de gestação da CIPPTPCDF foi lento e dificultoso. De fato, foram necessárias algumas décadas e muitos esforços internacionais para que o primeiro instrumento vinculante de amplitude global pudesse ser concebido e posteriormente vir à luz.5

Em dezembro de 1978 a Assembleia Geral da ONU, durante sua 33ª Sessão, pela primeira vez fez referência à questão das pessoas desaparecidas. Em sua Resolução de n. 33/173, a ONU se manifestou no sentido de estar profundamente preocupada com relatórios de várias partes do mundo, relativos a desaparecimentos forçados ou involuntários, solicitando à extinta Comissão de Direitos Humanos (atualmente Conselho de Direitos Humanos)6 considerar, inter alia, a questão visando à formulação de recomendações adequadas.

No ano 1979, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), por meio da Resolução n. 38/1979, requereu à Comissão de Direitos Humanos que considerasse a questão dos desaparecimentos forçados como prioridade, bem como solicitou à então Subcomissão Sobre a Prevenção de Discriminação e Proteção de Minorias (atualmente Subcomissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos)7 que procedesse à formulação das recomendações solicitadas. Essa Subcomissão examinou o tema pela primeira vez em sua 32ª Sessão, realizada em 1979 (E/CN.4/1350), bem como nas sessões subsequentes (33ª a 35ª), que ocorreram em 1980, 1981 e 1982, respectivamente.

A Comissão de Direitos Humanos, por meio da Resolução n. 20 (XXXVI), de 29 de fevereiro de 1980, instituiu um grupo de trabalho composto por peritos para examinar as questões relacionadas aos desaparecimentos forçados ou involuntários, denominado Grupo de Trabalho Sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários.8 No referido documento ficou estabelecido que o grupo deveria remeter o relatório de suas atividades à Comissão, com suas conclusões e recomendações.9

Em 05 de setembro de 1983, em sua 36ª Sessão, a Subcomissão aprovou a Resolução n. 1983/23, por meio da qual solicitou ao Grupo de Trabalho Sobre a Detenção que preparasse o primeiro esboço de uma “Declaração Contra a Detenção não Reconhecida de Pessoas, Qualquer que Seja sua Condição” (E/CN.4/1984/3), tarefa sobre a qual o grupo se debruçou nos anos 1984 e 1985.10

Foi durante os anos 1987 e 1990 que o primeiro projeto de uma Declaração Sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas foi preparado pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção, sob a liderança do especialista francês Louis Joinet. Em agosto de 1990 o grupo enviou o texto à Subcomissão, recomendando a sua aprovação (E/CN.4/1991/2). Na sequência o texto foi adotado pela Subcomissão (Resolução n. 1990/33) e transmitido à Comissão de Direitos Humanos, quando foi discutido por um Grupo de Trabalho de Composição Aberta da Comissão (E/CN.4/1991/91/Add.1 e Resolução n. 1991/27 do ECOSOC), sendo posteriormente enviado à Comissão (E/CN.4/1992/19/Rev.1) que, por sua vez, remeteu-o ao Conselho Econômico e Social (E/CN.4/1992/84).

Em 20 de julho de 1992, o Conselho aprovou a Resolução n. 1992/5, por recomendação da Comissão (E/CN.4/1992/84), mediante a qual apresentou o relatório do grupo de trabalho à consideração da Assembleia Geral da ONU, tendo em vista a adoção da Declaração. Em 18 dezembro de 1992 a Assembleia Geral aprovou a Resolução n. 47/133, intitulada Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, constituindo a primeira atividade normativa de uma organização internacional sobre os desaparecimentos forçados em nível mundial (SCOVAZZI; CITRONI, 2007, p. 96).11

Em 1995 cogita-se pela primeira vez no âmbito da ONU a preparação do rascunho de um instrumento juridicamente vinculante sobre o desaparecimento forçado ou involuntário de pessoas (E/CN.4/Sub.2/1995/16). Depois da realização de muitos trabalhos, a Subcomissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos (principal órgão de assessoria técnica da Comissão de Direitos Humanos), em 1998, adotou durante a sua 50ª Sessão um “Projeto de Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados” (SCOVAZZI; CITRONI, 2007, p. 97), que foi redigido no âmbito de um de seus grupos temáticos, o Grupo de Trabalho Sobre Administração da Justiça, presidido por Louis Joinet, sendo posteriormente transmitido à Comissão de Direitos Humanos.

Depois de várias discussões e considerações sobre o assunto, em 2001, a Comissão dos Direitos Humanos nomeou o perito independente Manfred Nowak para examinar o quadro internacional vigente à época em matéria penal e de direitos humanos para a proteção das pessoas contra o desaparecimento forçado. Em seu relatório, Nowak identificou várias lacunas na proteção e prevenção internacionais do desaparecimento forçado ou involuntário e afirmou que elas “indicavam claramente a necessidade de um instrumento normativo juridicamente vinculativo” sobre o tema.12

Simultaneamente foi criado um Grupo de Trabalho de Composição Aberta entre as sessões da Comissão, com a incumbência de preparar, à luz das conclusões do perito independente, da Declaração adotada e do rascunho anteriormente elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Administração da Justiça, o projeto de um instrumento juridicamente vinculante sobre o tema. O grupo de trabalho criado, presidido pelo embaixador francês Bernard Kessedjian e que contou com a participação de Manfred Nowak e Louis Joinet, reuniu-se pela primeira vez em janeiro de 2003 e realizou posteriormente outras quatro sessões durante os anos 2004 e 2005. Após três anos de discussões e debates, em 23 de setembro de 2005 foram aprovadas todas as disposições do projeto de Convenção e não houve objeções quanto à transmissão do texto à Comissão para aprovação pela Assembleia Geral da ONU. Em 29 de junho de 2006, o Conselho de Direitos Humanos aprovou a Resolução n. 1/1, mediante a qual adotou o texto elaborado e recomendou a adoção da Convenção pela Assembleia Geral.

A CIPPTPCDF foi adotada em Nova Iorque em 20 de dezembro de 2006, por ocasião da 61ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, por meio da Resolução n. 61/177, sendo aberta à assinatura em Paris, em 06 de fevereiro de 2007. Entrou em vigor no plano internacional em 23 de dezembro de 2010, no trigésimo dia após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação/adesão ao Secretário-Geral das Nações Unidas, conforme estabelecido pelo seu art. 39 (1). Conta até o presente momento (jan. 2017) com 53 Estados-Partes, havendo, ainda, outros 51 Estados que apenas assinaram o documento sem, contudo, ratificá-lo.13

O Brasil assinou a CIPPTPCDF em 06 de fevereiro de 2007, que foi posteriormente aprovada pelo Congresso Nacional, conforme dispõe o art. 49, I, da CRFB, por meio do Decreto Legislativo n. 661, de 01 de setembro de 2010. O Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação à CIPPTPCDF ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 2010, sem a realização de qualquer reserva14 ou declaração interpretativa,15 visto que no trigésimo dia após a data do depósito, ou seja, a partir de 29 de dezembro desse mesmo ano, ela passou a ser vinculante para o Estado brasileiro no âmbito internacional (art. 39, 2). Por meio do Decreto n. 8.767, de 11 de maio de 2016, conforme a prática brasileira,16 a CIPPTPCDF passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 2016).17

Já em seu preâmbulo a CIPPTPCDF deixa clara a importância conferida ao tema pelos Estados, bem como a preocupação com a “necessidade de prevenir o desaparecimento forçado e de combater a impunidade nesses casos, afirmando o direito à verdade das vítimas sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado e o destino da pessoa desaparecida”, além da necessidade de se resguardar “o direito à liberdade de buscar, receber e difundir informação com este fim.”

Além do preâmbulo, a CIPPTPCDF conta com 45 artigos, divididos em três partes, que podem ser esquematizadas do seguinte modo: Parte I: definições, obrigações estatais que deverão ser implementadas no âmbito doméstico dos Estados (notadamente quanto à prevenção, incriminação e punição dos crimes de desaparecimento forçado), direitos e garantias, cooperação internacional para a prevenção e o combate do desaparecimento forçado (arts. 1º a 25); Parte II: criação, estruturação e modo de funcionamento de um organismo de controle e monitoramento, denominado Comitê contra Desaparecimentos Forçados (arts. 26 a 36); e Parte III: disposições finais que contêm os requisitos formais para a ratificação ou adesão e para a sua entrada em vigor, bem como para esclarecer a relação entre ela e o Direito Internacional Humanitário (arts. 37 a 45).

A primeira parte da CIPPTPCDF contém as principais obrigações endereçadas aos Estados-Partes, bem como as disposições normativas nucleares que exigem implementação no âmbito da legislação doméstica dos Estados, que incluem a previsão de novos direitos (arts. 1º e 2º); medidas relativas à criminalização, ao processo e às penas (arts. 3º a 8º); disposições relativas à competência e à investigação dos crimes de desaparecimento forçado (arts. 9º a 12º); estipulações relativas à extradição e à cooperação internacional judiciária (arts. 13 a 16); medidas de prevenção (arts. 17 e 23); e os requisitos para assegurar a reparação das vítimas, incluindo disposições específicas relativas às crianças (arts. 24 a 25).

Em geral, os principais pontos da CIPPTPCDF são os seguintes:

  1. a consagração de um novo direito humano inderrogável, consistente na proibição expressa de qualquer pessoa ser submetida ao desaparecimento forçado;
  2. o estabelecimento de garantias quanto à proibição da detenção ilegal de qualquer pessoa em qualquer lugar;
  3. a confirmação de que a prática generalizada e sistemática do desaparecimento forçado constitui um crime contra a humanidade;
  4. a inclusão de um conceito amplo de vítima, que pode ser estendido às famílias das pessoas desaparecidas, bem como o reconhecimento de seu direito à justiça, para que possam:
  1. saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento;
  2. saber o destino da pessoa desaparecida;
  3. obter a devida reparação nas suas múltiplas dimensões, e (iv) recuperar os restos mortais dos familiares desaparecidos;
  1. a permissão do uso da jurisdição universal para investigar, processar e punir os responsáveis por desaparecimentos forçados;
  2. o estabelecimento de um organismo de controle independente (Comitê sobre Desaparecimentos Forçados).

2 O conceito convencional do desaparecimento forçado

Triffterer e Ambos (2016, p. 226) afirmam que o desaparecimento forçado de pessoas foi concebido por Adolf Hitler em seu Nacht und Nebel Erlass (Decreto Noite e Nevoeiro), emitido em 07 de dezembro de 1941.18 A partir de então, uma análise histórica é capaz de demonstrar a ocorrência de uma ampla proliferação dessa odiosa prática por vários continentes do globo que se estendeu pelas décadas seguintes.19 De acordo com a Anistia Internacional (2015), “o uso de desaparecimento forçado pelos governos para silenciar seus críticos e amedrontar grupos-alvo continua inabalável em todas as regiões do mundo.”

Na atualidade jurisprudencial e legislativa internacional o desaparecimento forçado de pessoas constitui uma forma gravíssima de violação de direitos humanos (ROJAS, 2006, p. 43; PERRONE-MOISÉS, 2002, p. 288)20 e também um crime internacional.21 Em razão disso, a sua prática em determinado Estado poderá ensejar (de modo simultâneo) a responsabilidade internacional do Estado por grave violação de direitos humanos (conforme previsto no Direito Internacional dos Direitos Humanos), bem como a responsabilidade internacional penal do indivíduo (na forma estabelecida pelo Direito Internacional Penal).

Trata-se de um fenômeno bastante complexo, que envolve uma pluralidade de condutas e agentes e que, não raras vezes, culmina na violação de diversos bens juridicamente tutelados por tratados internacionais e pelo direito doméstico dos países, notadamente por meio de prisões ilegais, sequestros, torturas, mortes e ocultação de cadáveres. Toda essa complexidade resultou em uma série de dificuldades na elaboração de uma definição de desaparecimento forçado como uma violação dos direitos humanos e, mais ainda, como crime internacional (TRIFFTERER; AMBOS, 2016, p. 286).

Passando-se à análise das disposições convencionais, nos termos do art. 2º da CIPPTPCDF,

entende-se por “desaparecimento forçado” a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei.

A CIPPTPCDF, em seu art. 1º, instituiu um novo e inderrogável direito humano de não ser submetido a desaparecimento forçado (conforme analisado adiante), e em seu art. 4º, estabeleceu a obrigação de os Estados incriminarem a prática em seus territórios. Por isso, para McCrory (2007, p. 549), o art. 2º da Convenção constitui a sua disposição mais importante, pois “tanto o conteúdo do novo direito, como o crime que deve ser constituído como resultado dele, dependem dos elementos que ela contém.”

Anteriormente, a CISDFP, primeiro instrumento internacional juridicamente vinculante que contemplou uma definição de desaparecimento forçado de pessoas, ainda que limitada territorialmente ao contexto regional interamericano, com uma redação semelhante definiu o desaparecimento forçado, em seu art. 2º, como

a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais pertinentes.

Já no âmbito do Direito Internacional Penal, o art. 7º, (1), (i) c/c art. 7º, (2), (i), do ERTPI, tipificando o desaparecimento forçado enquanto crime de lesa-humanidade, definiu o delito como

a detenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

Ambos (2014, p. 108) afirma que esse dispositivo convencional pela primeira vez oferece uma definição do crime de desaparecimento forçado que respeita normas mínimas de segurança jurídica. Cassese (2003, p. 80), comentando o referido dispositivo, explica que

no que se refere a este crime, o Estatuto do TPI não codificou o direito consuetudinário existente, mas contribuiu para a cristalização de uma regra nascente, evoluída principalmente pelo direito convencional (isto é, pelos numerosos tratados sobre direitos humanos que proíbem vários atos incluídos nesta rubrica), assim como pela jurisprudência da Comissão Interamericana e da Corte de Direitos Humanos, além de várias resoluções da Assembléia Geral da ONU. Estas várias vertentes contribuíram gradualmente para a formação de uma regra costumeira de proibição do desaparecimento forçado de pessoas. O Estatuto do TPI confirmou e codificou a criminalização desta conduta.

Embora os termos precisos utilizados sejam distintos, as definições apresentadas contêm elementos essencialmente semelhantes e comuns, os quais, inclusive, têm sido confirmados pela jurisprudência internacional. Pelas disposições transcritas torna-se possível identificar quais são os elementos constitutivos do desaparecimento forçado nos termos convencionais:22 (i) prisão, detenção, sequestro ou qualquer outra forma de privação da liberdade; (ii) realizadas diretamente por agentes do Estado ou com a autorização, apoio ou aquiescência estatal; (iii) seguidas de uma recusa de reconhecimento da privação da liberdade ou da dissimulação do destino do desaparecido;23 e (iv) a colocação do desaparecido fora da proteção da lei24 (SOLLA, 2006, p. 12-20; BASSIOUNI, 2011, p. 451-452).

Embora cada um desses elementos possa estar sujeito às peculiaridades das disposições legislativas nacionais de cada Estado, pelas disposições transcritas anteriormente verifica-se que todos eles devem estar presentes simultaneamente para que seja possível a configuração de um desaparecimento forçado (MCCRORY, 2007, p. 550).

A distinção fundamental existente entre a definição trazida pelo ERTPI e aquelas estabelecidas pela CIPPTPCDF e pela CISDFP é que a primeira aborda o desaparecimento forçado apenas como um crime contra a humanidade e, portanto, somente quando for cometido “como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil”; por sua vez, as definições trazidas pelas Convenções aplicam-se a qualquer caso de desaparecimento forçado que ocorra no território dos respectivos Estados-Partes (MCCRORY, 2007, p. 551).25

Consequentemente, os mecanismos do direito nacional e de cooperação internacional são diferentes para esses tratados internacionais e, embora um tribunal nacional possa ter jurisdição sobre o desaparecimento forçado sob todas as definições (do Estatuto e das Convenções de Direitos Humanos), em razão do princípio da complementaridade, o TPI terá jurisdição apenas nas condições estritamente limitadas que constam do seu Estatuto (MCCRORY, 2007, p. 551; GIL, 2016, p. 168).

Conforme destacam Triffterer e Ambos (2016, p. 286), a definição jurisdicional do art. 7º (2) (i), contida no ERTPI, também difere das definições de direitos humanos em razão de acrescentar três elementos em relação às definições da CIPPTPCDF e da CISDFP, a saber: (i) um propósito específico (o ato deve ser cometido com a intenção de remover a pessoa da proteção da lei), (ii) um elemento temporal (por um período de tempo prolongado) e um novo ator (organização política). No entendimento dos autores, tais adições tornam mais complicada qualquer discussão sobre o potencial caráter consuetudinário do desaparecimento forçado como um crime contra a humanidade. Por fim, ressaltam a importância de se diferenciar a proibição do desaparecimento forçado dirigida aos Estados, nos termos do Direito Internacional dos Direitos Humanos e potencialmente geradora da responsabilidade internacional, do crime internacional dirigido aos indivíduos, nos termos do Direito Internacional Penal e que conduz à responsabilidade internacional individual.

3 O desaparecimento forçado como múltiplas, contínuas ou permanentes violações de direitos humanos e a sua caracterização como crime de lesa-humanidade

O desaparecimento forçado de pessoas constitui uma afronta à dignidade humana e viola (muitas vezes simultaneamente) uma multiplicidade de direitos reconhecidos em diversos tratados internacionais de direitos humanos de amplitude global e regional26 e também na grande maioria das Constituições contemporâneas, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica de cada ser humano, o direito à segurança pessoal, o direito a não ser arbitrariamente privado da liberdade, o direito à proteção nos termos da lei, o direito a uma representação legal, o direito a um julgamento justo, o direito a condições humanas de detenção e o direito de não ser sujeito à tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

O desaparecimento também viola, em geral, o direito ao convívio familiar e o direito a um nível de vida suficiente. O art. 1º, (2) da DSPTPCDF estabeleceu que “todo o ato de desaparecimento forçado subtrai as pessoas que a ele são sujeitas à proteção da lei e provoca grandes sofrimentos a essas pessoas e às suas famílias.” Em verdade, não é difícil a constatação de que o desaparecimento do principal provedor econômico da família, sobretudo em sociedades e famílias desprovidas de maiores recursos, as deixam, muitas vezes, em uma situação socioeconômica de desamparo e desespero. As crianças também são fortemente afetadas pelos desaparecimentos, direta ou indiretamente, v.g., com a violação do seu direito a uma identidade pessoal. A perda de um dos pais em razão de um desaparecimento também viola gravemente vários direitos humanos da criança.

Em muitos casos o desaparecimento também está relacionado com a violação da liberdade de pensamento, de expressão, de religião e de associação, bem como da proibição geral de discriminação de qualquer natureza.27

O art. 1º, (2) da DSPTPCDF estabeleceu ainda que o desaparecimento forçado de pessoas

constitui uma violação das normas de direito internacional que garantem, nomeadamente, o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, o direito à liberdade e segurança pessoal e o direito a não ser sujeito à tortura ou a outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Também viola ou constitui uma grave ameaça ao direito à vida.

No preâmbulo da CISDFP os Estados Americanos afirmaram que o desaparecimento forçado “viola múltiplos direitos essenciais da pessoa humana, de caráter irrevogável.” Na jurisprudência internacional, a Corte IDH, mesmo antes da adoção da CISDFP pela OEA no ano 1994, já havia firmado sua jurisprudência relativamente à caracterização pluriofensiva quanto aos direitos afetados em razão do desaparecimento forçado.28

Na legislação, doutrina e jurisprudência internacional, o desaparecimento forçado de pessoas também constitui um crime permanente ou uma violação contínua ou permanente de direitos humanos que somente chega ao fim quando o destino ou o paradeiro da pessoa desaparecida se tornam conhecidos (AMBOS, 2009; TRIFFTERER, AMBOS, 2016, p. 286). Por outras palavras, a execução do desaparecimento forçado tem início com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente ausência de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não for conhecido o paradeiro da pessoa desaparecida ou identificados, com certeza, os seus restos mortais.

Nesse sentido, a CIPPTPCDF, ao tratar do regime de prescrição da ação penal nos casos de desaparecimentos forçados, prevê que o Estado deverá tomar as medidas necessárias para assegurar que o prazo “seja de longa duração e proporcional à extrema seriedade desse crime” e que tenha como marco inicial o “momento em que cessar o desaparecimento forçado, considerando-se a natureza contínua desse crime.” (art. 8º, 1, “b”).

Na doutrina há críticas no sentido de que, sob uma perspectiva dogmática, haveria uma impropriedade na terminologia empregada pela CIPPTPCDF (SILVA, 2009, p. 48-49), uma vez que o crime permanente (aquele cuja execução se prolonga, perpetua-se no tempo) não deve ser confundido com o crime continuado (aquele em que o agente, mediante mais de uma conduta – ação ou omissão –, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os subsequentes, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como continuação do primeiro). Contudo, embora na legislação doméstica de vários Estados realmente pareça haver essa distinção, elas não foram consideradas pela CIPPTPCDF, que utiliza a expressão “natureza contínua” para fazer referência a uma situação específica e muito clara, isto é, a um estado de permanência ou continuação do delito de desaparecimento forçado, que não cessará enquanto não for conhecido o paradeiro das pessoas desaparecidas ou identificados, com certeza, os seus restos mortais.

A jurisprudência internacional também tem caminhado nesse sentido desde longa data, a exemplo da Corte IDH29 e, mais recentemente, da Corte Europeia de Direitos Humanos (Corte EDH).30

Além de uma grave violação de direitos humanos, o desaparecimento forçado é também um delito internacional que, em determinadas circunstâncias, constituirá um crime contra a humanidade. Conforme prevê o art. 5º da CIPPTPCDF, “a prática generalizada ou sistemática de desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade, tal como define o direito internacional aplicável, e estará sujeito às consequências previstas no direito internacional aplicável.”31

A primeira observação que se deve fazer em relação a esse dispositivo convencional é que não são todos os casos de desaparecimento forçado que configuram crime contra a humanidade. A Convenção, em consonância com outros diplomas normativos internacionais, exige a prática generalizada ou sistemática do desaparecimento para sua configuração como um crime contra a humanidade, nos termos previstos pelo Direito Internacional. A exigência “generalizada ou sistemática” do desaparecimento forçado “é o elemento internacional mais amplamente aceito para distinguir os crimes contra a humanidade dos crimes comuns, que não chegam ao nível dos crimes de Direito Internacional.” (TRIFFTERER; AMBOS, 2016, p. 167).

Esse ponto requer algumas considerações. A CIPPTPCDF fala em uma prática generalizada ou sistemática, deixando claro que se tratam de requisitos alternativos. O “primeiro faz referência [...] a uma dimensão quantitativa, enquanto o segundo é um requisito qualitativo.” (GIL, 2016, p. 168). A prática generalizada do desaparecimento forçado implica o atingimento de um grande número, de uma multiplicidade de vítimas, seja em uma extensa área geográfica, seja em espaços menores,32 excluindo, desse modo, “um ato desumano isolado, cometido por um autor, agindo por sua própria iniciativa e dirigido contra uma única vítima.” (TRIFFTERER; AMBOS, 2016, p. 169). Por outro lado, o caráter sistemático do desaparecimento forçado supõe a prática repetida ou contínua dos atos, seguindo uma política, um padrão ou plano pré-concebido,33 não constituindo, portanto, eventos isolados ou esporádicos, mas que fazem parte de uma política de governo ou que consistem em uma prática estendida ou sistemática de atrocidades toleradas, perdoadas ou reconhecidas por um governo ou por uma autoridade de fato (CASSESE, 2005, p. 79). Nesse sentido, o Tribunal Penal Internacional (INTERNATIONAL CRIMINAL COURT, 2008, p. 394, grifo do autor, tradução nossa), interpretando o art. 7º (1) do Estatuto de Roma, afirma que

a expressão “generalizada ou sistemática”, constante do artigo 7º, nº 1, do Estatuto, exclui os atos de violência aleatórios ou isolados. Além disso, o adjetivo “generalizado” refere-se à natureza em grande escala do ataque e ao número de pessoas alvejadas, ao passo que o adjetivo “sistemático”, refere-se à natureza organizada dos atos de violência e à improbabilidade de sua ocorrência aleatória.

Uma segunda observação a ser feita é que, conforme prevê o art. 5º da CIPPTPCDF, a definição de crime contra a humanidade é aquela encontrada no Direito Internacional. Apesar de a categoria dos crimes contra a humanidade, tal como se desenvolveu nos processos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, ser uma extensão do jus in bello, o atual conceito de crime contra a humanidade é independente da situação de guerra (METTRAUX, 2005, p. 156-161; CASSESE, 2005, p. 79),34 sendo produto de uma larga evolução histórica, influenciada pela normativa e jurisprudência relativa aos crimes cometidos durante a Segunda Guerra, pelos Projetos de Código de Crimes contra a Paz e Segurança da Humanidade (1996) e pelos Estatutos dos Tribunais Penais Internacionais para a antiga Iugoslávia e Ruanda, assim como pelas decisões desses tribunais (GIL, 2016, p. 161-163). De fato, desde a Segunda Guerra tais crimes foram “repetidamente reconhecidos nos instrumentos internacionais como parte do Direito Internacional, mas sua definição é vaga e, em muitos aspectos, inconsistente.” (TRIFFTERER; AMBOS, 2016, p. 154-155).

Atualmente a definição internacional dos crimes contra a humanidade encontra-se no art. 7º do ERTPI, que estabelece ser crime contra a humanidade uma diversidade de crimes,35 sempre que cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque. Foge aos propósitos deste estudo a análise pormenorizada dos crimes contra a humanidade, como previstos no referido dispositivo convencional,36 contudo, a síntese de Cassese (2005, p. 79-80, tradução nossa) é precisa, razão pela qual se pede vênia para transcrevê-la:

No direito internacional geral, a categoria dos crimes contra a humanidade, embora ampla, é, no entanto, suficientemente bem definida. Ela inclui atos que compartilham as seguintes características: 1. são atos que constituem crimes particularmente abomináveis, uma vez que representam grave lesão à dignidade humana ou uma grave humilhação contra um ou mais seres humanos; 2. não são eventos isolados ou esporádicos, mas fazem parte de uma política do governo, ou uma prática estendida ou sistemática das atrocidades toleradas, perdoadas ou reconhecidas por um governo ou por uma autoridade de fato. [...] 3. os atos são proibidos e podem, portanto, ser punidos independentemente de serem eles cometidos ou não em tempo de paz ou de guerra. Ao contrário do que aconteceu em 1945, na verdade, o direito consuetudinário não atribui qualquer importância hoje à existência de uma ligação ou conexão entre esses atos e os conflitos armados; 4. a vítima do crime pode ser civil ou, no caso de crimes cometidos durante um conflito armado, aquelas pessoas que não tomam (ou deixaram de tomar) parte em conflitos armados, mas também, de acordo com as normas internacionais consuetudinárias (mas, note-se, não conforme as disposições dos Estatutos do TPIJ, TPIR e da CPI), combatentes inimigos.

Pela análise doutrinária e jurisprudencial verifica-se que a figura dos crimes contra a humanidade nasce, ao longo da história, visando à proteção de bens jurídicos personalíssimos fundamentais (GIL, 2016, p. 164), diante dos ataques massivos ou sistemáticos realizados com a participação ou tolerância daqueles que exercem o poder político. Nesse contexto, a opinião doutrinária majoritária sustenta tratar-se de crimes pluriofensivos, no sentido de que atentam não apenas contra bens jurídicos individuais, mas também contra um bem jurídico coletivo, de titularidade da comunidade internacional em seu conjunto. Conforme Gil (2016, p. 165),

este bem jurídico se identifica com a noção de humanidade, entendida como um valor, bem ligada ao conceito de dignidade humana, ou como uma qualidade intrínseca do ser humano, sua essência íntima, que caracteriza a todos os seres humanos como animais políticos. Ao mesmo tempo, a prática destes crimes supõe uma ameaça à paz internacional.

Torna-se possível concluir que o desaparecimento forçado de pessoas constituirá crime contra a humanidade, sempre que presentes os seus elementos constitutivos, analisados anteriormente na Seção 2 deste trabalho, somados à condição de os atos configuradores do desaparecimento terem sido cometidos em um quadro de ataque generalizado ou sistemático contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas.

4 Os impactos da Convenção Internacional Para Proteção de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado no Brasil

A ratificação e a recente internalização da CIPPTPCDF implica consequências internacionais e domésticas para o Brasil, pois com tais atos o País se obrigou internacionalmente a adotar diversas medidas com o fim de implementar e efetivar os direitos e as garantias convencionais em seu território, fato que demanda uma atuação conjunta e articulada dos poderes, órgãos e agentes do Governo brasileiro nesse sentido.

No âmbito do Direito Internacional, mais especificamente no campo do Direito dos Tratados, o art. 26 da CVDT estabeleceu que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé.” Referido dispositivo convencional consagra o princípio do pacta sunt servanda, a “pedra angular” das relações e do Direito Internacional (VILLIGER, 2009, p. 363). O princípio assenta-se no dever de cumprimento de todas as obrigações assumidas por um Estado em decorrência da ratificação de um tratado internacional, devendo ser aplicado a “todos os estágios da vida de um tratado, por exemplo, em relação à sua entrada em vigor, interpretação, aplicação e término.” (VILLIGER, 2009, p. 365).

Portanto, por força desse princípio, que atua impositivamente sobre o comportamento dos Estados pactuantes, condicionando-os a tudo aquilo que livremente acordaram no texto convencional, surge para o Estado brasileiro o dever de atuar no sentido de efetivar as disposições normativas da CIPPTPCDF, implementando-as e concretizando-as em seu território,37 sob pena de sua responsabilização internacional.

4.1 O dever de concretizar os direitos humanos previstos na CIPPTPCDF

O art. 1º da CIPPTPCDF estabelece que “1. Nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado. 2. Nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado.”

O ponto de partida da CIPPTPCDF radica no reconhecimento da liberdade negativa de qualquer pessoa de não ser submetida a desaparecimento forçado (art. 1º, 1), bem como na exclusão de qualquer circunstância excepcional que tenha por objetivo justificar o delito (art. 1, 2). Trata-se de um direito humano inderrogável, pois como grave violação de direitos humanos que é, o desaparecimento forçado foi terminantemente vedado pela CIPPTPCDF em todo e qualquer tempo e contexto, de modo que nem a guerra (ou sua ameaça), nem razões imperativas de segurança nacional, estado de emergência, instabilidade política interna ou qualquer outra circunstância excepcional podem justificar sua restrição ou suspensão.

Em razão desse novel direito consagrado, fica vedado ao Estado brasileiro invocar quaisquer circunstâncias excepcionais no intuito de justificar o desaparecimento forçado de pessoas em seu território. E como uma decorrência do direito humano de não ser submetido ao desaparecimento forçado, outros direitos humanos deverão ser efetivados pelo País nos termos estabelecidos pela Convenção.

A CIPPTPCDF prevê que cada Estado-Parte deverá tomar “todas as medidas cabíveis para procurar, localizar e libertar pessoas desaparecidas e, no caso de morte, localizar, respeitar e devolver seus restos mortais” aos seus familiares (art. 24, 3). Sobre esse ponto específico, cumpre lembrar que no ano 2010, em razão da violação de diversos direitos consagrados na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, no julgamento do Caso Gomes Lund e outros v. Brasil, a Corte IDH condenou o País, entre outras coisas, a intensificar os esforços que já vinha realizando no sentido de encontrar as vítimas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, identificá-las e devolver os seus restos mortais para seus familiares,38 como uma decorrência de suas obrigações internacionais.

Em sua sentença, a Corte IDH estabeleceu que “o direito dos familiares das vítimas de identificar o paradeiro dos desaparecidos e, se for o caso, saber onde se encontram seus restos
constitui uma medida de reparação [e como tal] gera o dever correspondente, para o
Estado, de atender a essa expectativa.” Com fundamento nesse entendimento, a Corte decidiu que o Brasil tem o dever de empreender buscas de “maneira sistemática e rigorosa, dispor dos recursos humanos e técnicos adequados e empregar, levando em conta as normas pertinentes na matéria, todos os meios necessários para localizar e identificar os restos das vítimas desaparecidas e entregá-los a seus familiares.” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010).39

A CIPPTPCDF, de forma inovadora, estabelece pela primeira vez em um tratado de direitos humanos o direito à verdade, dispondo que cada “vítima tem o direito de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado, o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida” (art. 24, 2), cabendo ao Estado, portanto, tomar as medidas necessárias para a efetivação desse direito. Quanto a essa obrigação internacional, vale lembrar que o Brasil também foi condenado pela Corte IDH no julgamento do citado caso Gomes Lund e outros a criar uma “Comissão da Verdade” com o fim de apurar graves violações de direitos humanos ocorridas durante o Regime Ditatorial brasileiro, esclarecendo os fatos e revelando a verdade sobre os acontecimentos desse período.40

Também como uma de suas inovações, a CIPPTPCDF estabeleceu o conceito de vítima. Sob a ótica da Convenção, vítima do desaparecimento forçado será a “pessoa desaparecida e [...] todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado.” (art. 24, 1). Trata-se de uma definição abrangente que abarca tanto as vítimas diretas quanto as indiretas do desaparecimento, ou seja, a pessoa desaparecida e também os membros da família que ignoram o seu paradeiro.

Com base nesse conceito convencional, o Estado brasileiro também deverá garantir, por meio de seu sistema jurídico, que todas as vítimas envolvidas nos casos de desaparecimento forçado tenham o direito à devida reparação, a uma compensação rápida, justa e adequada (art. 24, 4), que deverá abranger os danos materiais e morais e, quando cabível, outras formas de reparação, tais como a restituição, a reabilitação, a satisfação, inclusive o restabelecimento da dignidade e da reputação, e garantias de não repetição (art. 24, 5).

Observe-se que dentre as formas de reparação estabelecidas, a CIPPTPCDF inclui a possibilidade de reabilitação, que deve incluir tratamentos médicos físicos e psicológicos, bem como serviços jurídicos e sociais. Embora outras formas de reparação por violações de direitos humanos estejam previstas em todos os principais tratados da ONU sobre direitos humanos, essa forma de reparação é uma novidade nos tratados dessa natureza, sendo praticada atualmente por mecanismos internacionais de monitoramento, como o Comitê Contra a Tortura,41 responsável pelo monitoramento da prevenção da tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, e também por Cortes Internacionais, tais como a Corte IDH, em âmbito regional.42

O dever de cumprimento das obrigações convencionais assumidas e de efetivação dos direitos previstos na CIPPTPCDF é respaldado, ainda, pelo art. 27 da CVDT, segundo o qual, como regra, “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.” Villiger (2009) explica que esse dispositivo convencional veda ao Estado a possibilidade de “invocar as disposições do seu direito interno para evitar a responsabilidade pelo cumprimento das suas obrigações decorrentes dos tratados e, em particular, para justificar a sua falha em cumpri-las.” Atuando ao lado do art. 26 da CVDT, que consagra os princípios pacta sunt servanda e boa-fé no âmbito das relações internacionais, o dispositivo reforça o dever de cumprimento da Convenção pelo Brasil.

Portanto, além de o Estado brasileiro não poder lançar mão de quaisquer circunstâncias excepcionais para justificar os desaparecimentos forçados em seu território, também não poderá invocar quaisquer disposições de seu direito doméstico para se esquivar das responsabilidades pelo não cumprimento de suas obrigações, ao abrigo da Convenção, especialmente no tocante a uma eventual falha sua em efetivar os direitos nelas previstos, conforme previamente delineado. O dever do País é de todo o contrário, isto é, adequar seu direito doméstico às disposições convencionais, conforme se verá a seguir.

4.2 O dever de legislar para a adequação do ordenamento doméstico à CIPPTPCDF

Uma das medidas mais comuns previstas nos tratados em geral é a realização de modificações legislativas no ordenamento jurídico doméstico dos países no intuito de adequá-lo à normativa e aos padrões internacionais (PEREIRA, 2016, p. 59-65; OLIVEIRA, 2016, p. 226-264). Portanto, uma das principais obrigações que surge para o Brasil em decorrência da CIPPTPCDF é a de legislar, criando ou modificando as leis domésticas já existentes, para que atendam às disposições normativas convencionais.

Nesse contexto, sob uma perspectiva jus-internacional é correto afirmar que cumpre ao Estado brasileiro legislar, tipificando a conduta para fazer com que o desaparecimento forçado constitua um crime autônomo no País. Nesse sentido, o art. 4º da CIPPTPCDF dispõe claramente que “cada Estado Parte tomará as medidas necessárias para assegurar que o desaparecimento forçado constitua crime em conformidade com o seu direito penal.”

Esse dispositivo convencional consagra um mandado internacional de criminalização (RAMOS, 2016, p. 235), que pode ser entendido como um dispositivo expresso (mandado de criminalização direto) ou implícito (mandado de criminalização indireto) contido em determinado tratado internacional, que cria para o País a obrigação internacional de exercer sua jurisdição prescritiva (prescriptive jurisdiction),43 fazendo com que o comportamento internacionalmente proibido seja tipificado na ordem jurídica nacional, segundo os princípios constitucionais do País, caso se trate de uma conduta atípica no âmbito doméstico (OLIVEIRA, 2016, p. 227-228).

O mandado de criminalização expresso contido na CIPPTPCDF é de cunho genérico, veiculando apenas uma obrigação geral de tipificação, sem detalhar as características que individualizam o comportamento incriminado, embora a reprovabilidade do desaparecimento forçado esteja expressa no preâmbulo da Convenção, em que os Estados afirmam estar “conscientes da extrema gravidade do desaparecimento forçado, que constitui um crime e, em certas circunstâncias definidas pelo direito internacional, crime contra a humanidade.”

Embora a CIPPTPCDF, por meio de uma cláusula geral, assegure a liberdade de conformação do legislador nacional em cumprir a obrigação “em conformidade com o seu direito penal” e, por óbvio, também de acordo com seus princípios constitucionais e cultura jurídica internos, no ato da tipificação doméstica do desaparecimento, haverá para o legislativo brasileiro o dever de observância das diretrizes fixadas pela Convenção, v.g., considerar o desaparecimento como um crime permanente ou continuado (art. 8º, 1, “b”),44 comum (art. 11º),45 pluriofensivo,46 imprescritível (art. 7º),47 de extrema seriedade (art. 8º, 1, “a”),48 passível de extradição (art. 13º, 2), não político ou de motivação política e não conexo a um crime político (art. 13, 1º), atentando-se, ainda, para todas as diretrizes previstas nos arts. 6º, 7º, 8º e 13 da Convenção, de modo que a tipificação doméstica possa estar uniformizada (quanto ao tipo e pena) aos parâmetros internacionais.49

Ressalte-se que no momento da ratificação da CIPPTPCDF, o Estado brasileiro não apresentou nenhuma reserva ou declaração unilateral interpretativa em face de suas disposições normativas, razão pela qual se comprometeu integralmente perante as obrigações decorrentes da Convenção onusiana, em especial no que se refere à obrigação de tipificar o desaparecimento forçado de pessoas no ordenamento jurídico nacional, conforme expressamente previsto nos dispositivos citados. Portanto, sob a ótica do Direito Internacional, evidencia-se que uma das obrigações assumidas pelo Brasil foi tipificar como crime autônomo o desaparecimento forçado em seu ordenamento jurídico doméstico.

Sob uma perspectiva interna político-criminal, considerando-se as disposições constitucionais pertinentes ao relacionamento entre o direito doméstico brasileiro, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Penal, uma interpretação conjunta do art. 1º, inc. III, do art. 4º, inc. II, e do art. 5º, §§ 2º, 3º e 4º, da Constituição, permite, a toda evidência, a criminalização interna de comportamentos que, de conformidade com o Direito Internacional dos Diretos Humanos e o Direito Internacional Penal, sejam efetivamente lesíveis aos bens tutelados por esses campos do Direito Internacional.

Nesse ponto poder-se-ia se argumentar a existência, no ordenamento jurídico brasileiro, de uma série de tipificações criminais que, em tese, estariam aptas a englobar o desaparecimento forçado, nos termos conceituais analisados anteriormente,50 como os crimes de sequestro e cárcere privado (CP, art. 148;51 CPM, art. 225), a extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), a forma agravada de tortura, em razão de ser praticada por servidor público e precedida de sequestro (art. 1º, § 4º, inc. I e II, da Lei n. 9.455/1997)52 e o abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65). No entanto, esse argumento parece não se sustentar, pelo menos por duas razões específicas, sendo uma de cunho internacional e outra de índole doméstica.

Primeiramente torna-se importante a compreensão de que a CIPPTPCDF não estabeleceu apenas a “prevenção e a cooperação internacional entre os Estados em relação a fatos que, da perspectiva do direito interno, ensejariam a persecução penal ou a cooperação penal na forma de crimes já existentes em seus ordenamentos jurídicos” (OLIVEIRA, 2016, p. 394-395), mas sendo bastante específica, previu um mandado internacional expresso de criminalização do comportamento. A criminalização do desaparecimento forçado nos sistemas penais domésticos como um crime autônomo é uma das pedras angulares da Convenção, uma medida essencial para o efetivo combate a esse delito. Conforme esclarece Oliveira (2016, p. 395, grifo do autor),

essa obrigação [de tipificação] decorre do fato de a proscrição do desaparecimento forçado de pessoas ter adquirido o status de um direito humano autônomo [na CIPPTPCDF] e, assim como se deu com a tortura, as convenções internacionais passaram a estipular formas específicas de prevenção e repressão de referido comportamento.

Em segundo lugar, quanto ao argumento de índole doméstica, destaca-se primeiramente que a CRFB, em seu art. 5º, inc. XXXIX, previu o princípio da legalidade dos crimes e das penas, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (“nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”), previsão que também se encontra insculpida de forma idêntica no art. 1º do Código Penal brasileiro. Portanto, de acordo com a Constituição de 1988, não se fala na existência de crime se não houver uma lei o definindo como tal, do mesmo modo que não se cogita aplicar uma pena se esta não houver sido estabelecida por lei. Conforme esclarece Greco (2015, p. 145), por meio “da lei existe a segurança jurídica do cidadão de não ser punido se não houver uma previsão legal criando o tipo incriminador, ou seja, definindo as condutas proibitivas (comissivas ou omissivas), sob ameaça de sansão.”

O princípio da legalidade, “que não admite desvios nem exceções” (BITENCOURT, 2016, p. 50), conforme explica Santos (2017, p. 22), constitui “o mais importante instrumento constitucional de proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito”; isso porque, segundo o autor, ele proíbe (i) a retroatividade da lei penal para criminalização de condutas e agravamento de penas, (ii) a aplicação do costume para criar, fundamentar ou agravar crimes e penas, (iii) a utilização da analogia como método de criminalização ou de punição de condutas, e (iv) a existência de incriminações vagas e indeterminadas, isto é, a indeterminação dos tipos legais e das sanções penais.

Nesse sentido, no contexto brasileiro parece soar claramente inadmissível a incriminação das condutas que compõem o conceito convencional do desaparecimento forçado, bem como a imposição de qualquer sanção como uma decorrência de tais comportamentos, sem que haja uma lei em sentido formal e material emanada da autoridade competente brasileira, não bastando, portanto, a definição trazida pela CIPPTPCDF ou a existência de outros tipos penais já previstos no País, mas que dizem respeito apenas a determinados aspectos do desaparecimento. Nesse último caso, a tipificação autônoma do desaparecimento forçado justifica-se notadamente em razão da dessemelhança entre os seus elementos componentes e os tipos existentes no Brasil. Uma análise mais detida é capaz de demonstrar que os tipos existentes no Direito brasileiro não criminalizam todos os comportamentos que conformam o delito de desaparecimento forçado.53

Ademais, cumpre ressaltar que foi nessa linha que entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 96.007/SP, em que se invocava o crime de organização criminosa, previsto pelo art. 2º, “a”, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional para fins de incriminação da conduta.54 Embora a Convenção já houvesse sido ratificada e internalizada pelo Brasil, naquela ocasião a Corte entendeu que até aquele momento o crime não contava com uma definição na legislação pátria, em razão da ausência de lei formal e material nesse sentido (BRASIL, 2012).55

Portanto, diante das considerações feitas até o presente momento, parece ser correto afirmar a necessidade de que o Brasil, diante do mandado de criminalização expresso trazido pela CIPPTPCDF, bem como em face das disposições constitucionais e da tradição jurídico-jurisprudencial brasileira, legisle no sentido de tipificar como crime autônomo o desaparecimento forçado no País.

Alguns trabalhos no âmbito do Poder Legislativo brasileiro já podem ser verificados. No Anteprojeto do Novo Código Penal, atualmente em trâmite pelo Senado Federal, a Comissão de Juristas encarregada pela sua elaboração se manifestou no sentido de criminalizar a conduta, conforme estabelecido no art. 466 do Anteprojeto (PLS n. 236/2012). No Senado Federal também tramitou um Projeto de Lei (PLS n. 245/2011), atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados em regime de prioridade (PL n. 6240/2013), visando acrescentar no Código Penal Brasileiro em vigor (Decreto-Lei n. 2.848/1940), o art. 149-A, tipificando a conduta de desaparecimento forçado de pessoas como crime (hediondo) no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, vale citar também o PLS n. 280/2016, que define os crimes de abuso de autoridade cometidos por membro de Poder ou agente da Administração Pública, servidor público ou não, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que, no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe foi conferido, praticando condutas que poderiam ensejar o desaparecimento forçado de pessoas.

A jurisprudência internacional também caminha nesse sentido. A tipificação da conduta caracterizadora do desaparecimento forçado de pessoas foi uma das imposições da Corte IDH ao Brasil, por ocasião do julgamento do caso Gomes Lund e outros. Em sua sentença, a Corte condenou o País a adotar, dentro de um prazo razoável, as medidas necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas, em conformidade com os parâmetros interamericanos, nos termos estabelecidos no parágrafo 287 de sua decisão.56 Ainda que de modo mais tímido, essa linha pode ser verificada na jurisprudência da Corte EHD. No julgamento do caso Aslakhanova e Outros v. Rússia (2013), o Tribunal enfatizou a necessidade do desenvolvimento doméstico da definição do desaparecimento forçado e de seus elementos componentes como ponto de partida para a criação de um plano de ação apto a abordar o problema dos desaparecimentos nos respectivos Estados-Partes da Convenção Europeia. Nas palavras da Corte, os Estados têm o dever de proceder a “uma avaliação e adequação das definições jurídicas existentes dos atos criminosos que conduzem ao fenômeno específico e generalizado dos desaparecimentos.” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1993, tradução nossa).57

4.3 O dever de investigar, processar e punir

Com a tipificação e criminalização do desaparecimento forçado na legislação penal doméstica brasileira, outra obrigação que surge para o País é a de realizar a persecução penal e conduzir à justiça para que sejam responsabilizados todos os indivíduos envolvidos nos casos de desaparecimento forçado.58 Nesse sentido dispõem os arts. 3º e 6º da Convenção.

Essas disposições convencionais impõem ao Estado brasileiro o dever de movimentar seu aparelhamento estatal, notadamente os seus órgãos de investigação (Polícias e Ministério Público) e judiciais, com o fim de investigar, processar e punir os atos caracterizadores do desaparecimento forçado e todos os responsáveis por tais atos, inclusive na forma tentada.

Além da previsão normativa, trata-se de uma obrigação internacional que de longa data vem sendo confirmada e praticada por tribunais internacionais. A Corte IDH, nos diversos casos de desaparecimentos forçados que julgou, condenou os países envolvidos à realização da efetiva persecução penal e responsabilização dos agentes envolvidos.59 Nesse sentido, no julgamento do citado caso Gomes Lund e outros v. Brasil, a Corte condenou o Estado brasileiro a conduzir eficazmente no âmbito da jurisdição doméstica brasileira a investigação penal dos fatos relativos ao caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências previstas na lei brasileira, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 de sua sentença.60

A jurisprudência da Corte EDH também tem se cristalizado nesse sentido. No julgamento do caso Sayğı v. Turkey, ocorrido em 2015, a Corte ressaltou que o dever de investigar diligentemente os desaparecimentos forçados constitui um aspecto essencial do art. 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), que protege o direito à vida,61 deixando claro o dever de os Estados-Partes na Convenção realizarem a efetiva investigação dos casos de desaparecimentos ocorridos em seus territórios. Embora a Corte EDH entenda que a obrigação de investigar constitua uma obrigação de meio (e não de resultado), ressalta que ela deve ser capaz de conduzir ao estabelecimento dos fatos e, se as alegações se revelarem verdadeiras, à identificação e à punição dos responsáveis.62

No âmbito da persecução penal (e mesmo após ela), que no Brasil envolve a investigação criminal (inquérito penal) e o processo penal (ação penal), a Convenção incumbe, ainda, o Estado do dever de proteção dos denunciantes, testemunhas, defensores, familiares ou pessoas próximas das vítimas, conforme disposto em seu art. 12.63

No Brasil, a Lei n. 9.807/99 prevê as normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas. Embora essa lei possa ser aplicada no cumprimento do dever de proteção estabelecido pela CIPPTPCDF, ela deverá passar por algumas adaptações (textuais ou interpretativas), notadamente no que diz respeito à ampliação do rol de pessoas protegidas, para que possa se adequar às diretrizes internacionais, uma vez que, de acordo com sua redação atual, a proteção somente poderá ser “dirigida ou estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso.” (art. 2º, § 1º). No entanto, de acordo com a Convenção, a proteção deverá ser estendida ao denunciante, aos familiares das vítimas (ainda que não sejam ascendentes ou descendentes), aos defensores ou a qualquer pessoa que tenha participado das investigações.

A CIPPTPCDF impõe, ainda, ao Estado o dever de outorga de garantias para a investigação, de modo a conceder às autoridades responsáveis pelas investigações todos os meios necessários para realizá-las, além de punir os obstáculos ao seu desenvolvimento. Caberá ao País, portanto, conferir aos órgãos e autoridades competentes os poderes e recursos necessários para a eficaz condução das investigações dos casos de desaparecimentos forçados, inclusive facilitando-lhes o acesso à documentação e a outras informações que sejam relevantes, bem como, mediante autorização judicial prévia, proporcionar-lhes o acesso a qualquer local de detenção ou qualquer outro local onde existem motivos razoáveis que levem a crer que a pessoa desaparecida se encontre (art. 12, 3).

Além disso, caberá também ao Brasil adotar as medidas necessárias para prevenir e sancionar atos que tenham por objetivo obstruir o desenvolvimento das investigações, inclusive assegurando que pessoas suspeitas de haverem praticado o desaparecimento forçado não estejam em posição que possa influenciar o andamento das investigações por meio de pressão ou atos de intimidação ou represália dirigidos contra denunciantes, testemunhas, familiares da pessoa desaparecida ou seus defensores, ou contra quaisquer pessoas que participarem das investigações (art. 12, 4).

4.4 O dever de estabelecimento da jurisdição

De acordo com a CIPPTPCDF, os atos constitutivos do desaparecimento forçado de pessoas serão considerados delitos em qualquer Estado que delas sejam parte (art. 9º, 1). Como consequência, cada Estado deverá adotar as medidas necessárias para estabelecer a sua jurisdição sobre as causas que envolvam o crime de desaparecimento forçado: a) quando o crime (ou qualquer de seus atos constitutivos) for cometido em qualquer território sob a jurisdição do Estado ou a bordo de um navio ou aeronave que estiver registrado no referido Estado (art. 9º, 1, “a”); b) quando o acusado, suposto autor do crime, for um nacional do Estado (art. 9º, 1, “b”); e c) quando a pessoa desaparecida ou outra vítima for um nacional do Estado, e este assim considerar apropriado (art. 9º, 1, “c”).

Nota-se que a CIPPTPCDF confia o primado da responsabilização dos indivíduos por atos de desaparecimento forçado à jurisdição doméstica de cada Estado. Impõe-se, portanto, ao Estado brasileiro, não apenas a obrigação de criminalizar o desaparecimento forçado no seu direito interno, conforme visto, mas também o dever de fazer atuar de maneira efetiva a sua jurisdição sobre os atos configuradores do crime em análise.

No entanto, a história mostra que os Estados geralmente não estão dispostos a investigar, processar e punir os indivíduos responsáveis por desaparecimentos forçados, principalmente quando se trata de seus nacionais. Diante desse fato, a CIPPTPCDF prevê também que cada Estado-Parte deverá tomar as medidas necessárias para estabelecer a sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o acusado for um estrangeiro que se encontre em território sob sua jurisdição, salvo se decidir extraditá-lo a outro Estado, de acordo com suas obrigações internacionais, ou entregá-lo a uma Corte Penal Internacional, cuja competência o Estado-Parte tenha reconhecido (art. 9º, 2).

Nesse ponto a CIPPTPCDF prevê a competência universal obrigatória, um princípio de Direito Internacional segundo o qual “todo e qualquer Estado tem jurisdição para julgar determinadas infrações” (SHAW, 2010, p. 488), perseguindo seus autores, coautores e partícipes, mesmo que elas não tenham nenhuma ligação com o Estado em questão, seja por não terem sido cometidas em território sob sua jurisdição (extraterritorialidade), seja pelo fato de nenhum de seus nacionais estarem envolvidos na condição de autor ou vítima.64

Essa disposição da Convenção é de absoluta relevância, uma vez que conforme o Direito Internacional consuetudinário relativo à criminalização dos desaparecimentos forçados como um crime contra a humanidade, a jurisdição universal é permissiva e não obrigatória (ANDERSON, 2006). Manfred Nowak, ao examinar o quadro internacional vigente em matéria penal e de direitos humanos para a proteção das pessoas contra o desaparecimento forçado, comentou que a jurisdição universal “em casos individuais claramente definidos de desaparecimento forçado, com punição apropriada, constituirá a medida mais efetiva para dissuadir a prática do desaparecimento forçado no futuro.” (ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2002).

Surge, assim, para o Brasil o dever de realizar a persecução penal de estrangeiros que se encontrem em território brasileiro, suspeitos de terem cometido o crime de desaparecimento forçado, caso não venha a extraditá-los para outros Estados ou entregá-los ao Tribunal Penal Internacional, uma vez que o País é parte no ERTPI e reconheceu a competência dessa Corte internacional.65 Com isso, o Estado brasileiro garantirá que os crimes de desaparecimento forçado não fiquem impunes.

4.5 O dever de cooperação internacional

No contexto de um mundo globalizado, que se encontra profundamente interconectado fisica e eletronicamente, em que o fluxo de pessoas e capitais entre as fronteiras nacionais é cada vez mais intenso, a cooperação internacional assume importância ímpar e se torna absolutamente necessária para o alcance da plena efetivação dos direitos humanos.66

Atenta a essa necessidade, a CIPPTPCDF instituiu o dever de os Estados-Partes prestarem mutuamente “toda a assistência judicial possível no que diz respeito a processos penais relativos a um crime de desaparecimento forçado, inclusive disponibilizando toda evidência em seu poder que for necessária ao processo” (art. 14, 1), assistência esta que “estará sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou nos tratados de cooperação judicial aplicáveis” (art. 14, 2), bem como poderá ser motivadamente recusada ou sujeita a determinadas condições.

Dispôs também sobre o dever de os Estados cooperarem entre si e prestarem “a máxima assistência recíproca para assistir as vítimas de desaparecimento forçado e para a busca, localização e libertação de pessoas desaparecidas e, na eventualidade de sua morte, exumá-las, identificá-las e restituir seus restos mortais” (art. 15) e cooperar na procura, identificação e localização das crianças “submetidas a desaparecimento forçado, de filhos cujo pai, mãe, ou guardião legal for submetido(a) a desaparecimento forçado, ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado.” (art. 25, 1, “a” e 3).

A cooperação internacional é um requisito vital para tornar a CIPPTPCDF eficaz, já que muitas vezes os casos de desaparecimentos forçados envolvem mais de um Estado. Nesse sentido, nota-se que a Convenção estabelece um dever de cooperação destinado a contribuir para a prevenção, punição e erradicação do desaparecimento forçado de pessoas, com especial atenção voltada às crianças, dever este que deverá ser observado pelo Brasil nas questões relativas à temática.

Em síntese, surge para o Brasil o dever de cooperação com outros Estados-Partes em diversas situações, como:

  1. nos casos de persecução penal que envolvam crimes de desaparecimento forçado, inclusive no que diz respeito à produção e fornecimento de provas relacionadas ao delito;
  2. na prestação de efetiva assistência às vítimas de desaparecimento forçado;
  3. envidando seus maiores esforços na busca, localização e libertação de pessoas desaparecidas que supostamente estejam em seu território;
  4. nos casos de morte das vítimas, exumá-las, identificá-las e restituir seus restos mortais aos familiares que se encontram no exterior;
  5. empreendendo seus maiores esforços na busca, localização, identificação e restituição de menores que tenham sido trazidos para o seu território em consequência do desaparecimento forçado de seus pais em outro país;
  6. recebendo e processando pedidos de extradição que tenham como fundamento o crime de desaparecimento forçado cometido em outros Estados;67
  7. além do dever de cooperar com mecanismos de monitoramento do cumprimento das obrigações convencionais, especialmente com o Comitê contra Desaparecimentos Forçados.

4.6 O dever de formação e educação de pessoal para lidar com o desaparecimento forçado

O art. 23, (1), da CIPPTPCDF dispõe que cada Estado-Parte assegurará

que a formação de agentes responsáveis pela aplicação da lei, civis ou militares, de pessoal médico, de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade, incluirá a educação e a informação necessárias ao respeito das disposições pertinentes da Convenção.

Este dispositivo convencional reflete a preocupação da Convenção com o aperfeiçoamento e fortalecimento das capacidades institucionais dos Estados-Partes, mediante a capacitação de agentes estatais e de todo pessoal que lida com pessoas encarceradas ou que esteja envolvido com casos de desaparecimentos forçados, notadamente quanto às regras e princípios relativos à proteção dos direitos humanos. Tem-se clara a finalidade preventiva da norma convencional no sentido de se evitarem as múltiplas violações de direitos humanos que podem decorrer de um desaparecimento forçado.

O impacto da implementação de programas de educação em direitos humanos no âmbito das instituições estatais é crucial para que se possa originar em cada país as “garantias de não repetição” de fatos ensejadores de desaparecimentos forçados e consequentes violações de direitos humanos. Além disso deve-se destacar que esses programas podem contribuir significativamente para a erradicação da discriminação étnica e racial, de estereótipos étnicos e raciais, da tortura e outros tratamentos desumanos e degradantes, bem como contribuir para a diminuição da violência e truculência que, muitas vezes, são empregadas por agentes estatais.

A norma mencionada impõe ao Brasil, especificamente no âmbito do Poder Executivo, o dever de implementar políticas públicas voltadas ao treinamento de pessoal para lidar com as situações que envolvam o desaparecimento forçado de pessoas, propiciando-lhes o devido conhecimento e uma educação específica nesse sentido. Nesse contexto, o Estado brasileiro deverá implementar programas de capacitação e educação em direitos humanos no âmbito de suas instituições governamentais (civis e militares), visando à preparação e à especialização de todos os agentes públicos e de quaisquer outras pessoas que de algum modo estejam envolvidas com a custódia e o tratamento de pessoas encarceradas e em casos de desaparecimento forçado.

A jurisprudência internacional caminha nesse sentido, a exemplo do que vem sendo decidido pela Corte IDH, que tem condenado os Estados responsáveis por desaparecimentos forçados a implementar programas e cursos permanentes e obrigatórios sobre educação em direitos humanos e sobre direito internacional humanitário para todo o pessoal das forças armadas, em todas as esferas (marinha, exército e aeronáutica) e níveis hierárquicos, cujo conteúdo programático deve contemplar inclusive questões específicas sobre o desaparecimento forçado.68

Nesse sentido, merece destaque no Brasil o Programa Nacional de Direitos Humanos, que atualmente está em sua terceira versão (PNDH-3), aprovado pelo Decreto n. 7.037, de 21 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009). Trata-se de um programa do Governo Federal, de abrangência nacional, voltado à promoção e defesa dos direitos humanos no País. O Programa traça um conjunto de diretrizes nacionais69 pautadas na CRFB e, notadamente, em diversos instrumentos internacionais (declarações e tratados internacionais), que devem orientar a atuação do poder público brasileiro no âmbito dos direitos humanos. O atual programa destaca-se em razão da “transversalidade e interministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratégicos e de suas ações programáticas, na perspectiva da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos” humanos (BRASIL, 2010, p. 15-16).

De acordo com o art. 2º do Decreto, o PNDH-3 deve ser implementado de acordo com seus eixos orientadores e suas respectivas diretrizes. No âmbito do eixo orientador n. 5, que versa sobre a Educação e Cultura em Direitos Humanos, uma das diretrizes fixadas (n. 21) é a promoção da educação em direitos humanos no serviço público, que deve buscar como um primeiro objetivo estratégico, a “formação e capacitação continuada dos servidores públicos em Direitos Humanos, em todas as esferas de governo.” (BRASIL, 2010, p. 200).

Para o alcance desse objetivo, entre as ações programáticas previstas, o PNDH-3 destaca (i) o apoio e desenvolvimento de atividades de formação e capacitação continuadas interdisciplinares em direitos humanos para servidores públicos; (ii) o incentivo e a inserção da temática dos direitos humanos nos programas das escolas de formação de servidores vinculados aos órgãos públicos federais; e (iii) a publicação de materiais didático-pedagógicos sobre direitos humanos e função pública, desdobrando temas e aspectos adequados ao diálogo com as várias áreas de atuação dos servidores públicos.

Ainda no âmbito dessa diretriz, o PNDH-3 prevê como um segundo objetivo estratégico a “formação adequada e qualificada dos profissionais do sistema de segurança pública” (SEDH/PR, 2010, p. 201). Entre as ações programáticas estabelecidas para o alcance desse objetivo estão:

  1. o oferecimento continuado e permanente de cursos em direitos humanos para os profissionais do sistema de segurança pública e justiça criminal;
  2. o oferecimento permanente de cursos de especialização aos gestores, policiais e demais profissionais do sistema de segurança pública;
  3. a publicação de materiais didático-pedagógicos sobre segurança pública e direitos humanos;
  4. o incentivo da inserção da temática dos direitos humanos nos programas das escolas de formação inicial e continuada dos membros das Forças Armadas brasileiras;
  5. a criação da escola nacional de polícia para educação continuada dos profissionais do sistema de segurança pública, com enfoque prático;
  6. o apoio à capacitação de policiais em direitos das crianças, em aspectos básicos do desenvolvimento infantil e em maneiras de lidar com grupos em situação de vulnerabilidade (em situação de rua, vítimas de exploração sexual e em conflito com a lei).

É evidente que esse conjunto de diretrizes, objetivos estratégicos e ações programáticas, uma vez implementado de maneira efetiva, está apto a proporcionar o cumprimento, pelo Brasil, do dever de formação e educação de pessoal para lidar com o desaparecimento forçado, conferindo maior vigor ao controle e educação de autoridades públicas em direitos humanos que lidam com a questão no País. No entanto, como ressalta Ciconello (2010), o “principal desafio para a implementação do PNDH é transformá-lo em uma política de Estado, não de um governo, ou mesmo da Secretaria Especial de Direitos Humanos.” Para o autor, isso significa que o Programa deve constituir um verdadeiro instrumento de referência para a formulação de programas e ações para os três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), que deverão adotá-lo como parâmetro inafastável para o bom desempenho de suas atividades típicas.

4.7 O dever de cooperar com os órgãos de monitoramento

Em seus arts. 26 a 36, a CIPPTPCDF, seguindo o padrão estabelecido em diversos tratados internacionais de direitos humanos quanto aos mecanismos de monitoramento, instituiu, estruturou e dispôs sobre as funções do Comitê contra Desaparecimentos Forçados, um órgão especializado e autônomo incumbido de monitorar a implementação da Convenção pelos Estados-Partes.70

De acordo com a Convenção, são funções do Comitê:

  1. receber e considerar os relatórios que lhes são submetidos pelos Estados-Partes sobre as medidas domésticas tomadas para efetivar as obrigações previstas na Convenção, emitindo seus comentários, observações e recomendações a respeito (art. 29);
  2. considerar e atender aos pedidos de busca e localização de pessoas desaparecidas recebidos em regime de urgência (art. 30);
  3. receber e considerar as comunicações de ou em nome de indivíduos (art. 31);
  4. receber e examinar as comunicações feitas pelos Estados-Partes (art. 32);
  5. realizar visitas aos Estados Partes para investigar graves violações das disposições da Convenção (art. 33);
  6. chamar urgentemente a atenção da Assembleia Geral das Nações Unidas quando chegarem ao seu conhecimento informações fundamentadas de que desaparecimentos forçados estão sendo praticados de forma generalizada ou sistemática em território sob a jurisdição de um Estado-Parte (art. 34).

Para além das tradicionais competências quase jurisdicionais que normalmente são conferidas aos mecanismos de monitoramento nos tratados internacionais de direitos humanos, a CIPPTPCDF, visando ao combate efetivo do desaparecimento forçado, adotou duas novas e inovadoras estratégias ao conferir poderes ao Comitê (i) para invocar uma espécie de “procedimento de urgência ou emergência” no intuito de buscar e encontrar pessoas desaparecidas, e (ii) para levar os casos de “excepcional gravidade” à atenção da Assembleia Geral da ONU (RODLEY, 2013, p. 638).

Esse órgão especializado é constituído por 10 peritos de elevado caráter moral e de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, eleitos pelos Estados-Partes na Convenção, que atuam a título pessoal, de forma independente e imparcial (art. 26,1). Enquanto mecanismo de monitoramento não judicial, em suas atividades o órgão emite comentários, observações ou recomendações, os quais são comunicados ao Estado-Parte, que poderá responder sponte sua ou por solicitação do Comitê (art. 29, 3). Além disso, pode pedir informações adicionais a um Estado-Parte (art. 29, 4) ou solicitar a tomada de medidas necessárias, incluindo medidas cautelares, para localizar e encontrar pessoas desaparecidas (art. 30, 3) ou para evitar um possível dano irreparável às vítimas das supostas violações da Convenção (art. 31, 4).

Nos termos da Convenção, a atuação do Comitê deverá ser orientada pelo princípio da cooperação, de modo que no exercício de suas atividades, ele deverá cooperar com os Estados-Partes, com as instituições e órgãos das Nações Unidas, bem como com outras organizações ou órgãos criados por instrumentos internacionais dedicados à proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado (art. 28).

O Comitê deverá, ainda, apresentar um relatório anual aos Estados-Partes e à Assembleia Geral das Nações Unidas (art. 36, 1). A cooperação que deve nortear suas atividades está refletida, v.g., na necessidade de informar o Estado-Parte antes de publicar as observações pertinentes a esse Estado no relatório, possibilitando, assim, uma resposta estatal, bem como no fato de o Estado-Parte poder solicitar que as suas respostas e considerações sobre as observações do Comitê sejam igualmente publicadas no relatório anual (art. 36, 2).

A competência ratione temporis do Comitê está limitada aos casos de desaparecimentos forçados cometidos após a entrada em vigor da Convenção (art. 35, 1). Relativamente a um Estado que se torne Parte na Convenção após a sua entrada em vigor, a competência do Comitê inicia-se a partir do momento em que a Convenção entrar em vigor para o referido Estado (art. 35, 2).

Conforme já visto, não tendo o Brasil apresentado nenhuma reserva ou declaração interpretativa por ocasião da ratificação da CIPPTPCDF, obrigou-se pela integralidade das disposições nela contidas, inclusive aquelas pertinentes ao Comitê. Assim, surge para o País o dever de cooperar com esse órgão de monitoramento e cumprir as obrigações previstas na Convenção a ele relacionadas, v.g., enviando o relatório sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas no âmbito da Convenção (art. 29, 1), prestando as informações adicionais que eventualmente forem solicitadas (art. 29, 4), permitindo visitas dos membros do Comitê para investigar graves violações das disposições da Convenção (art. 33), entre outros atos de cooperação com o referido órgão, necessários para a efetivação da Convenção.

No entanto, de acordo com o art. 31 (1) da CIPPTPCDF, para que o Comitê possa receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou em nome de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que alegam ser vítimas de violação de disposições da Convenção pelo Estado-Parte, há a necessidade de uma declaração expressa do Estado nesse sentido, isto é, reconhecendo expressamente a competência do Comitê para examinar petições individuais, que poderá ser manifestada no momento da ratificação da Convenção ou em qualquer outro momento posterior. O Comitê não pode aceitar comunicações a respeito de um Estado-Parte que não tiver feito tal declaração. O Estado brasileiro se absteve de declarar a sua aceitação ao sistema de peticionamento direto pelo indivíduo ao Comitê, razão pela qual referido procedimento não se aplica relativamente ao País, uma vez que até o presente momento não houve manifestação do Brasil nesse sentido.

Conclusão

No presente trabalho se analisou a problemática do desaparecimento forçado de pessoas enquanto uma preocupação mundial que redundou na elaboração do primeiro instrumento normativo vinculante de âmbito global relativo ao tema, a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, um importante tratado que preencheu uma lacuna existente até então na legislação internacional dos direitos humanos.

Em um primeiro momento analisou-se o longo e dificultoso processo de elaboração da Convenção, abordando-se sinteticamente as suas diversas etapas e, em seguida, a sua estrutura e principais aspectos, devendo-se concluir que ela representa um marco normativo internacional de extrema importância e um grande avanço da sociedade internacional rumo à prevenção e ao combate do desaparecimento forçado de pessoas.

Em seguida, ao abordar-se a questão da definição em termos convencionais, aferiu-se que para a configuração de um desaparecimento forçado será sempre necessária uma prisão, detenção, sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade, realizados diretamente por agentes estatais ou com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, comportamentos estes seguidos de uma recusa de reconhecimento da privação da liberdade ou da dissimulação do paradeiro do desaparecido, com a consequente colocação da vítima fora da proteção da lei. Pelos padrões internacionais analisados, constatou-se que o desaparecimento forçado constitui um delito complexo, comum, permanente ou continuado, pluriofensivo, com um regime prescricional peculiar, de extrema seriedade, passível de extradição e que não pode ser considerado crime político, conexo a um crime político ou cometido por motivos políticos.

Verificou-se que a prática do desaparecimento forçado constitui forma gravíssima de múltiplas violações aos direitos humanos e também um crime internacional, que será considerado um delito de lesa-humanidade sempre que sua prática for generalizada ou sistemática, isto é, sempre que implicar o atingimento de uma multiplicidade de vítimas ou sempre que a prática repetida ou contínua dos atos seguirem uma política de Estado ou um padrão ou plano concebido previamente por um governo de fato.

Ao final, ao serem analisados os principais impactos que deverão ser produzidos pela Convenção no âmbito do Estado brasileiro, constatou-se que, em razão do princípio pacta sunt servanda, pedra angular do Direito Internacional, o Brasil, ao ratificar e internalizar referido tratado de direitos humanos, assumiu perante os demais Estados-Partes a obrigação de tomar diversas medidas necessárias à implementação e efetivação de suas disposições, sob pena de sua responsabilização internacional. Em síntese, pode-se concluir que as principais obrigações assumidas pelo País consistem:

  1. no dever de proteger e efetivar os direitos humanos nela previstos, especialmente o direito inderrogável de a ninguém submeter ao desaparecimento forçado, não se admitindo a alegação de qualquer circunstância excepcional para justificar a prática em território brasileiro;
  2. no dever de legislar para a adequação do ordenamento jurídico brasileiro às diretrizes estabelecidas pela Convenção, notadamente no tocante ao mandado internacional de criminalização do desaparecimento forçado de acordo com os vetores convencionalmente estabelecidos;
  3. no dever realizar a persecução penal, colocando em movimento a máquina estatal, notadamente seus órgãos de investigação e judiciais, com o fim de investigar, processar e punir toda pessoa que cometa, ordene, solicite ou induza a prática de um desaparecimento forçado, tente praticá-lo, seja cúmplice, partícipe ou encobridor do ato;
  4. no dever de estabelecer a sua jurisdição sobre as causas que envolvam o desaparecimento forçado quando o crime for cometido em qualquer território sob jurisdição brasileira ou a bordo de navios ou aeronaves registradas no País; quando o acusado, suposto autor do crime, for um nacional brasileiro; quando a pessoa desaparecida ou outra vítima for um nacional brasileiro e o País considerar apropriado; bem como quando o acusado for um estrangeiro que se encontre em território brasileiro, salvo se o País decidir extraditá-lo a outro Estado ou entregá-lo a uma Corte Penal Internacional;
  5. no dever de cooperar internacionalmente com outros Estados-Partes, notadamente no que se refere à persecução penal que envolva o crime de desaparecimento forçado; na prestação de assistência às vítimas; na busca, localização e libertação de pessoas desaparecidas; nos casos de morte das vítimas, tomando as providências para devolver seus restos mortais aos familiares; na busca, localização, identificação e restituição de menores; e nos pedidos de extradição feitos por outros Estados-Partes, relacionados aos casos de desaparecimento;
  6. no dever de implementar programas de capacitação e educação em direitos humanos no âmbito de suas instituições governamentais, visando-se à especialização de todos os agentes públicos e de quaisquer outras pessoas que de algum modo estejam envolvidas com a custódia e tratamento de pessoas encarceradas e com desaparecimentos forçados;
  7. no dever de cooperar com o mecanismo de monitoramento instituído pela CIPPTPCDF, o Comitê Contra Desaparecimentos Forçados, cumprindo as obrigações previstas na Convenção que estejam a ele relacionadas.

Sob a ótica do Direito Internacional, verificou-se que o Brasil está vinculado internacionalmente ao respeito e à proteção de todos os direitos previstos pela Convenção, bem como ao fiel cumprimento das obrigações assumidas, visto que o descumprimento de qualquer uma delas poderá ensejar um processo internacional contra o Estado brasileiro no âmbito das Nações Unidas que poderá resultar na responsabilização internacional do País.

A efetivação do direito humano de não ser submetido ao desaparecimento forçado, consagrado na Convenção, bem como a proteção de todos os direitos dele decorrentes ou conexos a ele que foram aqui analisados, dependerão do engajamento do Brasil no cumprimento das obrigações internacionais assumidas.

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Data da submissão: 11 de janeiro de 2017

Avaliado em: 28 de fevereiro de 2017 (AVALIADOR A)

Avaliado em: 21 de janeiro de 2017 (AVALIADOR B)

Aceito em: 04 de agosto de 2017

Joaçaba, v. 18, n. 2, p. 381-420, maio/ago. 2017


1 Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino; Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar; Professor no Centro Universitário Toledo; Rua Antônio Afonso de Toledo, 595, Jardim Presidente, 16015-270, Araçatuba, São Paulo, Brasil; lmeneguetti@gmail.com

2 A teoria da supralegalidade dos tratados internacionais, amplamente conhecida no âmbito da cultura jurídica brasileira, especialmente no contexto dos trabalhos e pesquisas acadêmicas, foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal desde o julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.343-1/SP, ocorrido no ano 2008 (BRASIL, 2008). Esta tese coloca os tratados de direitos humanos não aprovados no Brasil pelo quórum qualificado previsto no § 3º, do art. 5º, da CRFB, em um nível hierárquico intermediário: abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação infraconstitucional.

3 De acordo com a Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados (CVDT), de 1969, a ratificação é “o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado.” (art. 2, I, “b”) (BRASIL, 2009).

4 A Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo n. 496, de 17 de julho de 2009. Na sequência, o Brasil a ratificou junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 25 de setembro de 2009, sendo que, em 14 de dezembro de 2009, ela passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto Presidencial n. 7.030.

5 O percurso histórico sobre a formação da Convenção encontra-se no sítio das Nações Unidas (UNITED NATIONS, 2017b).

6 O Conselho de Direitos Humanos da ONU foi instituído pela Resolução n. 60/251 da Assembleia Geral, de 15 de março de 2006, em substituição da Comissão de Direitos Humanos.

7 A Subcomissão foi renomeada pela decisão n.1999/256 do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU em 27 de julho de 1999 (E/1999/99, p. 127).

8 Working Group on Enforced or Involuntary Disappearances (UNWGEID). Maiores informações sobre sua atividade podem ser obtidas em seu sítio na internet (OFFICE OF THE UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017b).

9 O mandato recebido inicialmente pelo grupo foi renovado pela Comissão e aprovado pelo Conselho Econômico e Social nos anos subsequentes.

10 Em razão de uma crise financeira, não houve reuniões da Subcomissão em 1986.

11 Vide também Brody e González (1997, p. 371-374).

12 Relatório apresentado por Manfred Nowak, perito independente encarregado de examinar o quadro internacional penal e de direitos humanos existente para a proteção das pessoas contra os desaparecimentos forçados ou involuntários, nos termos do ponto 11 da Resolução n. 2001/46 da Comissão, de 08 de janeiro de 2002 (E/CN.4/2002/71) (UNITED NATIONS, 2002).

13 Informações sobre a Convenção podem ser encontradas na United Nations Treaty Series Online (UNITED NATIONS, 2017c).

14 Para a CVDT, uma reserva “significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado.” (art. 2, I, “d”). Portanto, não tendo realizado nenhuma reserva, a decorrência é que o Brasil se obrigou perante a integralidade das disposições da Convenção.

15 Uma declaração interpretativa consiste em uma manifestação unilateral do Estado, pela qual ele expressa o modo como interpreta determinados dispositivos de um tratado, sem que isso constitua uma reserva propriamente dita. Rezek (1984, p. 338-341) explica que estas declarações constituem apenas uma afirmação teórica de princípios ou sublinham o significado especial que o Estado deduz de certos dispositivos do acordo, não modificando ou excluindo o conteúdo substancial do texto do tratado em relação ao Estado.

16 No sistema brasileiro, a promulgação executiva e a publicação são os atos que colocam os tratados internacionais em vigor no País, compondo a fase integratória da eficácia da lei, uma vez que atestam a sua adoção pelo Poder Legislativo, certificam a existência de seu texto, e afirmam, finalmente, seu valor imperativo e executório na ordem interna. Rodas (1980, p. 200-201) explica que, “seguindo a tradição portuguesa, o Brasil desde a independência adotou a praxe de promulgar os tratados já ratificados, por meio de um decreto do Executivo. A Constituição de 1824 exigia a sanção imperial para entrada em vigor, apenas para os decretos e resoluções da Assembléia Geral, silenciando relativamente aos tratados. Analogicamente, contudo, tal regra foi aplicada aos mesmos. Tal costume se tem mantido, não obstante nenhum texto constitucional posterior, a ele faça referência.”

17 Para uma visão detalhada do processo de ratificação e internalização da Convenção pelo Brasil, vide Oliveira (2016, p. 387-389).

18 O propósito desse Decreto era apoderar-se de pessoas em territórios ocupados pela Alemanha, que não deveriam ser imediatamente executadas, mas que “colocassem em perigo a segurança alemã”, e fazê-las desaparecer sem deixar rastro. Desse modo, aqueles que oferecessem resistência ao regime alemão nos territórios ocupados pelos nazistas deveriam ser detidos e deportados para os campos de concentração na Alemanha. A partir desse Decreto, as pessoas detidas simplesmente desapareciam em meio à “Noite e [à] Neblina”. Nenhuma informação era dada a suas famílias quanto ao seu destino, mesmo quando, como muitas vezes ocorreu, se tratasse apenas de uma questão de saber o lugar de enterro no Reich (SHIRER, 2011).

19 Nesse sentido vide Scovazzi e Citroni (2007, p. 4-93).

20 Para alguns autores, o termo desaparecimento forçado constitui um “eufemismo” para descrever uma série de graves violações dos direitos humanos (MAOGOTO, 2002, p. 182).

21 Conforme expõem Werle e Jessberger (2014, p. 31-32, tradução nossa), o “Direito Internacional Penal engloba todas as normas que estabelecem, excluem ou de algum de modo regulam a responsabilidade por crimes no Direito Internacional. Crimes no Direito Internacional são quaisquer crimes que envolvam a responsabilidade individual direta no âmbito do Direito Internacional [...] Para que uma infração seja de Direito Internacional Penal é preciso que atenda a três condições: primeiro, deve implicar na [imputação] de reponsabilidade individual e ser objeto de penalização. Segundo, a norma deve pertencer ao Direito Internacional. Três, a infração deve ser punível independentemente de ter sido internalizada pelo direito nacional.”

22 Vide, nesse sentido, jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH): Caso Gudiel Álvarez e Outros (“Diário Militar”) v. Guatemala (Sentença de 20 novembro de 2012, par. 193); Caso Miembros de la Aldea Chichupac y Comunidades Vecinas Del Municipio de Rabinal v. Guatemala (Sentença de 30 de novembro de 2016, par. 133).

23 Os desaparecimentos forçados normalmente são executados de modo que os autores do crime conseguem se manter no anonimato, enquanto o Estado nega qualquer envolvimento. Como consequência, não há nenhuma pessoa, entidade ou autoridade que forneça informações sobre a condição ou o destino das pessoas desaparecidas.

24 O desaparecimento forçado cria um verdadeiro estado de desamparo legal. Primeiramente porque não há um recurso legal que possa ser intentado pelos parentes dos desaparecidos para localizá-los e ajudá-los (pois ninguém fornece qualquer informação sobre os fatos e sobre o paradeiro da pessoa desaparecida. Em segundo lugar porque os mecanismos legais destinados a garantir a liberdade e a segurança das pessoas, como o habeas corpus, restam completamente inoperantes.

25 Na mesma obra, McCrory (2017, p. 552) aponta outras distinções, principalmente entre o ERTPI e a CIPPTPCDF.

26 Violam-se, v.g., direitos consagrados e enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, ambos de 1966; na Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989; nas Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, de 1957; no Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, de 1979; na Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984; no Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, de 1988; na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969; na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1989; entre muitos outros instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos. Nesse sentido, o art. 1º (1) da DSPTPCDF dispôs que “Qualquer ato de desaparecimento forçado constitui um atentado à dignidade humana. É condenado enquanto uma negação dos objetivos das Nações Unidas e uma grave e flagrante violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e reafirmados e desenvolvidos noutros instrumentos internacionais nesta matéria.” (UNITED NATIONS, 2017a).

27 Para uma análise aprofundada sobre os direitos violados no contexto de um desaparecimento forçado vide Scovazzi e Citroni (2007, p. 1 e ss.), Solla (2006, p. 32-182), Claude (2010, p. 433-460) e Vitkauskaite-Meurice e Zilinskas (2010, p. 198-200).

28 Vide especificamente o Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras (Sentença de 29 de julho de 1988, par. 155) e o de Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 104).

29 Desde 1988 a Corte IDH, no julgamento do Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras (par. 155 a 157), estabeleceu em sua jurisprudência o caráter permanente ou continuado do desaparecimento forçado de pessoas. Vide também: Aloeboetoe e outros v. Suriname (Sentença de 10 de setembro de 1993); Neira-Alegría et. al. v. Peru (Sentença de 19 de janeiro de 1995); Blake v. Guatemala (Sentença de 02 de julho de 1996, par. 37-39); Castillo Páez v. Perú (Sentença de 03 de novembro de 1997, par. 72-73); 19 Comerciantes v. Colombia (Sentença de 05 de julho de 2004, par. 142); Heliodoro Portugal v. Panamá (Sentença de 12 de agosto de 2008, par. 101-104); Caso Chitay Nech e outros v. Guatemala (Sentença de 25 de maio de 2010, par. 81 a 87); Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña v. Bolívia (Sentença de 01 de setembro de 2010, par. 60); Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 101-104); Contreras e Otros v. El Salvador (Sentença de 31 de agosto de 2011, par. 80-84); Gudiel Álvarez e Outros (“Diário Militar”) v. Guatemala (Sentença de 20 de novembro de 2012, par. 191); Osorio Rivera e Familiares v. Perú (Sentença de 26 de novembro de 2013, par. 113); e Caso Miembros de la Aldea Chichupac y Comunidades Vecinas Del Municipio de Rabinal v. Guatemala (Sentença de 30 de novembro de 2016, par. 20, 133-135, 141).

30 Vide exemplificativamente a evolução jurisprudencial da Corte EDH nos seguintes casos: Obadasi v. Turquia (1994); McDaid & others v. United Kingdom (1996); Loizidou v. Turkey (1996), Jecius v. Lithuania (2000); Çakici v. Turquia (2000); Varnava e outros v. Turquia (2009) e Beksultanova v. Rússia (2012).

31 O ERTPI, que trata especificamente dos crimes contra a humanidade, tipifica expressamente o desaparecimento forçado de pessoas entre os crimes dessa natureza (art. 7º (1) (i) c/c art. 7º (2) (i).

32 Assim se posiciona o Tribunal Penal Internacional: The Prosecution v. Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, “Decision on the Confirmation of the Charges”, ICC-0l/04-0l/07-717, de 30 de setembro de 2008, par. 394-395; Decision Pursuant to Article 61(7)(a) and (b) of the Rome Statute on the Charges of the Prosecutor Against Jean-Pierre Bemba Gombo, de 15 de junho de 2009, ICC-0l/05-01/08-424, par. 83.

33 Nesse sentido é a jurisprudência do TPI: The Prosecution v. Germain Katanga and Mathieu Ngudjolo Chui, “Decision on the Confirmation of the Charges”, ICC-0l/04-0l/07-717, de 30 de setembro de 2008, par. 397. Nas palavras do Tribunal, tomadas dos tribunais ad hoc: “O termo ‘sistemático’ foi entendido tanto como um plano futuro organizado de uma política em comum, que segue um padrão regular e resulta na prática contínua de atos ou ‘padrões de crimes’; quanto como que os crimes constituem uma ‘repetição não acidental de uma conduta criminal similar’.” (INTERNATIONAL CRIMINAL COURT, 2008, tradução nossa).

34 Vide também, nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (ICTY): Prosecutor v. Dusko Tadic, Decision on the Defence Motion for Interlocutory Appeal on Jurisdiction, IT-94-1-T, 02 de outubro de 1995, par. 78, 138 ss.; Trial Chamber, Opinion and Judgment, de 07 de maio de 1997, IT-94-l-T, par. 623; e Prosecutor v. Dusko Tadic, Appeal Judgment, IT-94-1-A, de 15 de julho de 1999, par. 249-251. Para um estudo aprofundado sobre a evolução da definição de crime contra a humanidade vide Deguzman (2011).

35 O homicídio; o extermínio; a escravidão; a deportação ou transferência forçada de uma população; a prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de Direito Internacional; a tortura; a agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; a perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no Direito Internacional; o desaparecimento forçado de pessoas; o crime de apartheid; ou outros atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

36 Para um estudo aprofundado sobre a definição e os elementos do tipo dos crimes contra a humanidade, conforme estabelecido pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional, vide Gil (2016, p. 165-193) e Triffterer e Ambos (2016, p. 242-294).

37 Villiger (2009, p. 366) destaca que uma vez ratificado, o tratado deve ser aplicado por todos os órgãos do Estado pelos quais os direitos e obrigações nele previstos serão postos em prática.

38 Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 258-263).

39 Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 261 e 263). Para uma visão sobre as iniciativas brasileiras no tocante ao cumprimento desse ponto da decisão da Corte vide Torelly (2016, p. 543-544).

40 Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 294-297). O Brasil criou a Comissão Nacional da Verdade por meio da Lei n. 12.528/2011, que foi instituída em 16 de maio de 2012. Maiores detalhes sobre os trabalhos desenvolvidos pela Comissão e o acesso aos seus relatórios finais podem ser obtidos em seu sítio na internet (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2017).

41 Organismo de monitoramento criado em virtude do art. 17 da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984.

42 Vide, v.g., Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 264-269).

43 A competência prescritiva ou prescriptive jurisdiction (poderes legislativos) consiste no direito do Estado legislador de criar, emendar ou revogar sua legislação.

44 Conforme analisado na Seção 3 supra.

45 A CIPPTPCDF nesse ponto peca e merece uma crítica por não seguir o padrão estabelecido pela CISDFP, que em seu art. 9º veda expressamente a possibilidade de os suspeitos do crime de desaparecimento forçado serem julgados por jurisdições especiais, particularmente a militar. Como o Estado brasileiro é Parte na CISDFP, deverá obedecer a essa diretriz estabelecida pela Convenção interamericana.

46 Conforme visto na Seção 3 supra. Nesse sentido, vide também a jurisprudência da Corte IDH, notadamente no Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 101 a 111) e Caso Miembros de la Aldea Chichupac y Comunidades Vecinas Del Municipio de Rabinal v. Guatemala (Sentença de 30 de novembro de 2016, par. 134).

47 O Direito Internacional Penal e a jurisprudência internacional consideram imprescritíveis os crimes contra a humanidade. Desse modo, quando a prática do desaparecimento forçado for generalizada ou sistemática, configurando, assim, um crime contra a humanidade (CIPPTPCDF, art. 5º), o crime deve ser considerado imprescritível. No entanto, a CIPPTPCDF, em seu art. 8º, estabelece um regime próprio de prescrição que deverá ser observado pelo Estado ao tratar a temática no âmbito do seu direito doméstico, cabendo ao país, v.g., assegurar que o prazo da prescrição da ação penal seja de longa duração e proporcional à extrema seriedade do crime, bem como que tenha início no momento em que cessar o desaparecimento forçado, dada a natureza contínua do crime.

48 Nos termos do art. 7º, 1, da Convenção, cada Estado-Parte deve fazer “com que o crime de desaparecimento forçado seja punível mediante penas apropriadas, que considerem a extrema gravidade desse crime.” Diante disso, no Brasil, por uma opção legislativa e, pelo menos em tese, poderia se cogitar a inserção do desaparecimento forçado de pessoas no rol dos crimes hediondos, previsto pela Lei n. 8.072/90, embora parte da doutrina penal brasileira de viés mais crítico possa apresentar entendimento contrário a esse posicionamento. Vale destacar que atualmente se encontra em trâmite na Câmara dos Deputados, em regime de prioridade, o PL n. 6240/2013, versando exatamente sobre essa possibilidade.

49 No julgamento do caso Osorio Rivera y familiares v. Peru, a Corte IDH condenou o País a adequar seu Código Penal às disposições da CISDFP, notadamente no tocante à tipificação do delito (Sentença de 26 de novembro de 2013, par. 269-271).

50 Conforme visto, os comportamentos que se pretende sancionar no desaparecimento forçado são: (i) prisão, detenção, sequestro ou qualquer outra forma de privação da liberdade; (ii) a realização desses atos diretamente por agentes do Estado ou com a autorização, apoio ou aquiescência estatal; (iii) seguidos de uma recusa de reconhecimento da privação da liberdade ou da dissimulação do destino do desaparecido; e (iv) a colocação do desaparecido fora da proteção da lei como consequência.

51 Vide, v.g., as diferenças entre o sequestro e cárcere privado e o desaparecimento forçado em Oliveira (2016, p. 403-408). Ambos (2009, p. 204-205), ao tratar das diferenças entre o sequestro e o desaparecimento ressalta que “la desaparición forzada - a diferencia del secuestro - requiere dos actos, a saber: la privación de la libertad (que puede ser legal ab initio, a diferencia del secuestro) y la negativa a reconocer dicha privación o de dar noticia al respecto (elemento que no está presente en modo alguno en el secuestro, ya que la obligación de informar sobre el secuestro implicaría una flagrante violación al derecho de no incriminarse - nemo tenetur se ipsum accusare.”

52 Também em relação ao crime de extorsão mediante sequestro e à forma agravada de tortura, em razão de ser praticada por servidor público e precedida de sequestro, verificam-se diferenças em relação ao desaparecimento forçado, uma vez que se verifica nesses dois tipos penais “que o sequestro se constitui ou em crime meio para a prática de extorsão ou para o crime de tortura, sejam estes comportamentos praticados ou não por servidor público. Nos casos em apreço, portanto, o sequestro é absorvido – princípio da concussão – pelos crimes-fim, assim como se daria com o desaparecimento forçado de pessoas, caso ele venha a ser tipificado no ordenamento jurídico nacional.” (OLIVEIRA, 2016, p. 409).

53 Nesse sentido vide Oliveira (2016, p. 382-415) e Ambos (2009, p. 195-255).

54 Estava sendo imputada aos réus na ação penal a suposta prática do delito tipificado no art. 1º, inc. VII, da Lei n. 9.613/98 – lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa.

55 Por ocasião do julgamento ainda não havia sido editada a Lei n. 12.850/2013, que definiu a organização criminosa e dispôs sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

56 Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 325, item 15).

57 Caso Aslakhanova e Outros v. Rússia (Sentença de 29 de abril de 2013, par. 232).

58 Para uma visão sobre o dever internacional de investigar e punir as graves violações de direitos humanos vide Schabas (2013, p. 217-219).

59 Vide nota 28 supra.

60 Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 325, item 9). Sobre o cumprimento desse ponto da decisão da Corte pelo Brasil vide Torelly (2016, p. 541-542).

61 Caso Sayğı v. Turkey (Sentença de 27 de abril de 2015, par. 44). No mesmo sentido vide: Caso McCann and Others v. the United Kingdom (Sentença de 27 de setembro de 1995, par. 161) e Caso Kaya v. Turkey (Sentença de 19 de fevereiro de 1998, par. 105).

62 Caso Sayğı v. Turkey (Sentença de 27 de abril de 2015, par. 45) e Caso Mikheyev v. Russia (Sentença de 26 de janeiro de 2006, par. 107).

63 No mesmo sentido vide art. 18 (2) da Convenção.

64 Sobre o princípio da jurisdição universal vide Crawford (2012, p. 467-471) e Brichambaut, Dobelle e Coulée (2011, p. 74-77).

65 Vide, nesse sentido, os arts. 10 e 11 da CIPPTPCDF.

66 Para um estudo mais amplo sobre a cooperação internacional vide Pereira (2015, p. 20-24).

67 O art. 13 da CIPPTPCDF prevê um regime próprio sobre a extradição, enquanto mecanismo de cooperação internacional em matéria de desaparecimento forçado. Notadamente, para fins de extradição, o desaparecimento forçado não poderá ser considerado um delito político, conexo a um delito político ou cometido por motivos políticos; os Estados-Partes deverão prestar-se auxílio e cooperação recíprocos, tanto em processos criminais quanto em assistência às vítimas; nenhum indivíduo poderá ser expulso, devolvido ou extraditado para outro Estado quando isso implicar a possibilidade de ele ser submetido a desaparecimento forçado (princípio do non refoulement).

68 Vide, v.g., Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Sentença de 24 de novembro de 2010, par. 281-283); Caso Osorio Rivera e Familiares v. Perú (Sentença de 26 de novembro de 2013, par. 272-274); e Caso Miembros de la Aldea Chichupac y Comunidades Vecinas del Municipio de Rabinal v. Guatemala (Sentença de 30 de novembro de 2016, par. 310-313).

69 Tais diretrizes começaram a ser desenvolvidas no País desde 1996, ano de lançamento do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-I).

70 Maiores informações sobre o Comitê podem ser encontradas em seu sítio na internet (OFFICE OF THE UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017a).