O DESAFIO DA SAÚDE EMOCIONAL DA PSICÓLOGA NO ATENDIMENTO A CASOS DE VIOLÊNCIA FAMILIAR

Autores

  • Pâmela Camila Feyh UNOESC
  • André Marcos Spiecker Gasparin

Resumo

            A violência familiar representa uma das manifestações mais dolorosas e complexas do sofrimento humano, pois ocorre em um espaço de intimidade e pertencimento, onde espera-se acolhimento e segurança. Esse tipo de violência rompe os vínculos fundamentais para o desenvolvimento emocional e social, afetando a base afetiva de crianças, adolescentes e adultos que convivem com ela. O trabalho da psicóloga nesses casos exige habilidades e uma estrutura emocional, pois é necessário equilibrar o suporte oferecido às vítimas com o cuidado do próprio estado psicológico da profissional.

            Nesse cenário, a psicóloga enfrenta o desafio de apoiar as vítimas de violência doméstica em um espaço terapêutico seguro, em que sentimentos de culpa, vergonha e medo possam ser trabalhados. Muitas vezes, as vítimas carregam consigo o impacto psicológico de relacionamentos que foram originalmente marcados por afeto e confiança, mas que se transformaram em experiências de dor e vulnerabilidade. Esse processo pode desencadear uma mistura de emoções complexas, onde as vítimas se sentem, ao mesmo tempo, ligadas e ameaçadas por figuras familiares. Esse dilema é especialmente intenso para crianças e adolescentes, que estão em fase de desenvolvimento e para quem a família exerce um papel fundamental na construção de identidade e segurança.

            O presente resumo dialoga com a prática vivenciada no estágio clínico e, visando garantir o sigilo das informações, o nome fictício "Tulipa" será utilizado para representar a pessoa acompanhada no processo terapêutico. Essa abordagem busca preservar a privacidade da experiência relatada, ao mesmo tempo em que oferece uma análise crítica e reflexiva sobre os desafios da atuação profissional.

            Durante o estágio clínico, Tulipa trouxe para o espaço terapêutico uma história marcada por um ambiente doméstico conturbado e episódios de violência. Ao longo de sua infância, o convívio com conflitos constantes gerou nela sentimentos profundos. Esses aspectos refletem o que Campos e Lima (2024) descrevem sobre o impacto da violência doméstica no vínculo parental, especialmente quanto à vulnerabilidade emocional e a desconfiança que podem surgir em relação às figuras de autoridade.

            No acompanhamento de Tulipa, a psicóloga baseou-se na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), proposta por Carl Rogers, que valoriza a escuta empática e o acolhimento incondicional, essenciais em contextos de vulnerabilidade emocional. A ACP busca criar um ambiente de segurança e aceitação, onde o paciente se sinta compreendido e livre para explorar suas próprias emoções. Esse método foi fundamental para ajudar Tulipa a organizar suas emoções e dar um novo significado às suas vivências, ao mesmo tempo em que permitiu à psicóloga lidar com as próprias emoções envolvidas no processo de escuta ativa.

            A prática da escuta empática, fundamental para o estabelecimento do vínculo terapêutico, coloca a psicóloga em uma posição desafiadora, pois envolve um contato profundo com o sofrimento da vítima. Fernandes e Santos (2018) ressaltam que o papel da psicóloga, em contextos de violência, é principalmente acolher a vítima, oferecendo uma escuta ativa e empática que respeite suas vulnerabilidades e complexidades emocionais. No entanto, esse processo de escuta exige um preparo emocional significativo, pois expõe a psicóloga a uma carga psíquica intensa. Ao lidar repetidamente com histórias de dor e trauma, o profissional pode absorver parte das angústias e da dor do cliente, fenômeno conhecido como “sofrimento empático” ou “fadiga por compaixão” (FIGLEY, 1995).

            Esse sofrimento empático pode gerar na psicóloga uma sensação de insuficiência ou impotência, como se, por mais que ela se esforce, o apoio oferecido ainda não fosse suficiente diante da profundidade do sofrimento do cliente. Segundo Figueiredo e Azevedo (2020), a sensação de impotência e insuficiência é recorrente entre psicólogos que atuam com violência, especialmente quando as condições de vida do cliente permanecem as mesmas, e a profissional sente que o processo terapêutico não alcança mudanças no ambiente externo.

            Essa dificuldade de equilibrar empatia e preservação emocional reforça a importância de estabelecer limites emocionais claros. Figley (1995) ressalta que ao manter uma distinção entre o sofrimento do cliente e a própria experiência emocional, a psicóloga preserva sua capacidade de atuar de forma saudável e sustentável. Esses limites ajudam o profissional a se envolver empaticamente com o cliente, sem, contudo, absorver o sofrimento.

            Assim, a atuação da psicóloga em casos de violência doméstica exige uma postura que combine acolhimento e escuta com uma consciência dos próprios limites emocionais. Esse equilíbrio é fundamental para que a profissional ofereça um suporte valioso às vítimas e, ao mesmo tempo, preserve sua capacidade de atuar de maneira saudável a longo prazo. A prática clínica em contextos de violência, portanto, requer um compromisso contínuo com o autocuidado e a reflexão ética, permitindo à psicóloga ajudar de forma eficaz sem comprometer sua própria saúde emocional.

            Por fim, seria relevante ampliar essa discussão para abarcar intervenções que podem ser realizadas tanto no campo das políticas públicas quanto na formação acadêmica. Como sugerem Del Prette e Del Prette (2003), o treinamento em habilidades sociais e emocionais durante a formação é crucial para capacitar psicólogas a lidar com desafios complexos. Além disso, as diretrizes do Conselho Federal de Psicologia (2019) destacam a necessidade de integração de práticas intersetoriais no campo das políticas públicas, promovendo suporte tanto às vítimas quanto aos profissionais envolvidos. Essas estratégias de preparo emocional e treinamentos específicos podem capacitar as futuras psicólogas a lidarem com as dores enfrentadas durante sua atuação, como foi o caso da experiência vivida no acompanhamento de Tulipa.

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Publicado

2024-12-18

Como Citar

Feyh, P. C., & Spiecker Gasparin, A. M. (2024). O DESAFIO DA SAÚDE EMOCIONAL DA PSICÓLOGA NO ATENDIMENTO A CASOS DE VIOLÊNCIA FAMILIAR. Anuário Pesquisa E Extensão Unoesc São Miguel Do Oeste, 9, e36711. Recuperado de https://periodicos.unoesc.edu.br/apeusmo/article/view/36711

Edição

Seção

Área das Ciências da Vida e Saúde – Resumos expandidos