AUTISMO E PSICANÁLISE: REFLEXÕES A PARTIR DA PRÁTICA CLÍNICA
Resumo
INTRODUÇÃO: Esse resumo tem por objetivo geral analisar o autismo sob a perspectiva da teoria psicanalítica, a partir de um caso clínico atendido pela estagiária do curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), durante os atendimentos psicológicos realizados pelo o componente de Estágio Curricular Supervisionado II, sendo a Clínica de Psicologia da UNOESC o local dos atendimentos. Outrossim, tem como objetivos específicos: compreender as manifestações do autismo, considerando os sintomas e comportamentos observados; investigar o papel da relação psicóloga-paciente; e refletir sobre os avanços e desafios do atendimento psicoterapêutico.
DESENVOLVIMENTO: Para discorrer sobre o caso, considerando o sigilo e confidencialidade das informações, o paciente aqui referido pelo nome fictício de Lucas, é um adolescente de 14 anos de idade, com diagnóstico de autismo. No início dos atendimentos, observou-se que Lucas demonstrava desconforto na sala, ambiente onde as sessões psicoterapêuticas aconteciam. Este espaço, preparado com diversos materiais terapêuticos, parecia não proporcionar o conforto necessário para o paciente. Mesmo após tentativas da estagiária de adaptar as sessões com diferentes recursos, o paciente apresentava sinais de ansiedade e impaciência nesse local, dificultando o engajamento no processo terapêutico. Assim, na perspectiva da teoria psicanalítica, o desconforto inicial do paciente pode estar relacionado ao manejo do setting terapêutico e ao papel do inconsciente na formação de respostas emocionais e comportamentais. Nesta linha, segundo Sigmund Freud e outros teóricos psicanalíticos, o setting terapêutico envolve tanto o ambiente físico quanto o emocional da sessão, sendo fundamental criar um espaço seguro onde o paciente possa acessar conteúdos inconscientes e engajar-se no processo de transferência (Winnicott, 1983). No caso de Lucas, identificou-se, após algumas sessões, que os sons advindos do ambiente externo ao setting terapêutico eram um fator significativo para o seu desconforto. Esses barulhos atuavam como elementos desencadeadores de ansiedade, levando o paciente a reagir com inquietação e desejo de se retirar da sessão. Zimerman (2008) discorre sobre a importância de criar um ambiente que permita ao paciente sentir-se à vontade para explorar seu inconsciente, destacando que é essencial minimizar os estímulos externos que possam interferir no estado emocional do paciente. Um espaço protegido, segundo o autor, favorece a livre expressão do inconsciente. Assim, diante dessa situação, a estagiária propôs uma mudança no setting terapêutico, passando a realizar as sessões em diferentes espaços da universidade. O contato com outras pessoas e sons foi introduzido de forma gradativa, permitindo ao paciente explorar novos ambientes em seu próprio ritmo. Com essa abordagem, percebeu-se uma resposta positiva de Lucas, que começou a interagir mais com o ambiente e com a responsável por seu atendimento. Esse processo de adaptação gradual, ao espaço e aos estímulos sonoros externos, possibilitou uma transição de um cenário de desconforto para uma aceitação mais tranquila do ambiente. Desta forma, a decisão de alterar o setting terapêutico, tomada pela estagiária após identificar o desconforto do paciente com os ruídos externo, evidencia um manejo sensível e adaptado às necessidades do apciente. Essa postura, pautada na escuta atenta e na adaptação do ambiente em resposta às reações de Lucas, permitiu a construção de um espaço terapêutico seguro e confiável, essencial para o progresso emocional e acolhimento do paciente (Zimerman, 2008). Neste sentido, com o acolhimento e a criação de um ambiente de confiança, Lucas foi capaz de engajar-se mais plenamente no processo terapêutico, explorando seu mundo interno com o apoio da estagiária. Isso contibuiu para o enfrentamento de suas ansiedades e para a construção de novas formas de lidar com situações de desconforto. Adicionalmente, Winnicott (1983) tabém contribui para essa análise ao apresentar o conceito de "holding" (sustentação). Nesse contexto, o analista, ao criar um espaço seguro e adaptado às necessidades sensoriais do paciente, atua como essa figura de sustentação, ajudando-o a tolerar gradualmente o contato com estímulos que inicialmente provocam ansiedade ou desconforto. Concomitantemente, Gonçalvez et al. (2017) enfatizam a importância de lidar com as particularidades de cada sujeito, destacando o "papel de holding" do analista e o manejo da transferência como aspectos primordiais no tratamento de pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A análise do caso clínico de Lucas, a partir da teoria psicanalítica, revela a importância fundamental de um manejo sensível e adaptativo do setting terapêutico no tratamento de pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A adaptação gradual do ambiente, levando em consideração as reações emocionais do paciente, mostrou-se essencial para a construção de um espaço seguro e confiável, que possibilitou um maior engajamento no processo terapêutico. O conceito de holding, proposto por Winnicott (1983), aplicado ao contexto do setting terapêutico, foi determinante para criar um ambiente que possibilitasse ao paciente tolerar, de forma progressiva, os estímulos estressantes e, assim, avançar no processo de análise. Além disso, o manejo da transferência, conforme destacado por Gonçalves et al. (2017), foi um componente central do processo terapêutico, ao favorecer o desenvolvimento uma relação mais confiável entre Lucas, a estagiária e o espaço terapêutico. A compreensão de que cada sujeito com TEA apresenta singularidades em suas reações e necessidades mostrou-se indispensável para o sucesso da intervenção, evidenciando a importância de estratégias flexíveis e individualizadas no tratamento psicanalítico. A experiência vivida na prática clínica ressaltou a relevância de uma escuta ativa e de uma adaptação contínua das abordagens terapêuticas, com o objetivo de promover o desenvolvimento emocional e psíquico do paciente com autismo.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, A. P.; SILVA, B.; MENEZES, M.; TONIAL, L. Transtornos do Espectro do Autismo e Psicanálise: revisitando a literatura. Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 49, n. 2, p. 152-181, 2017. Disponível em: <https://pepsic.bvsalud.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382017000200008>. Acesso em: 02 nov. 2024.
WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Tradução de Iríneo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artmed, 1983. 268 p.
ZIMERMAN, D. E. Manual de Técnica Psicanalítica [recurso eletrônico]: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed, 2008. 471 p.
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