O ATENDIMENTO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS

Autores

  • Matias Trevisol
  • Karine Waldow UNOESC

Resumo

O ATENDIMENTO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS
Matias Trevisol
Karine Waldow

INTRODUÇÃO: Durante os primeiros atendimentos de uma futura psicóloga, surgem muitas dúvidas. Como lidar com situações simples e complexas? O que dizer quando o paciente chora? E quando ele ri? Como perguntar sobre sua dor? Devo responder ao paciente quando ele me chama no WhatsApp? Essas perguntas geralmente se referem a pacientes adultos. Quais são as
preocupações ou inseguranças quanto às crianças? Nesse caso, a atuação é percebida como “mais simples”? É comum ouvir afirmações como "as crianças só brincam", ou seja, atender crianças parece fácil, basta brincar com elas.

No primeiro semestre de 2024, uma criança de 7 anos começou a frequentar a Clínica de Psicologia da UNOESC para psicoterapia com abordagem psicanalítica, a pedido da escola devido a problemas de teimosia. Nas sessões, a criança repetia atividades como pintar com tinta guache e pedir de café servidos na recepção, consumindo-o com duas colheres de açúcar. Como o café pode causar nervosismo, irritabilidade e aumento da ansiedade em crianças, restringir seu acesso pode ser considerado por muitas psicólogas como benéfico para “estabelecer limites” e “melhorar o comportamento” da paciente.

Na clínica psicanalítica com adultos, o café ou outras substâncias prejudiciais são analisadas sem restrições ou tentativas de "educar" o paciente, utilizando a técnica da associação livre sem sugestão de Freud (Aguiar, 2016). Já na clínica infantil, medidas como retirar o café ou limitar seu acesso são opções viáveis. Este caso inspirou o tema do texto, que revisita as controvérsias entre Melanie Klein e Anna Freud sobre se a análise com crianças deve ter um caráter pedagógico.

MATERIAIS E MÉTODOS: Este trabalho busca contribuir para a prática clínica psicoterapêutica na abordagem psicanalítica, explorando os limites entre psicanálise e educação, como "dar limites" e ensinar crianças, com possíveis extensões para adultos. Utilizará conceitos da psicanálise para conduzir uma pesquisa bibliográfica e apresentará estudos sobre o tema. Além disso,
exemplificará os pontos discutidos com o caso clínico mencionado na introdução e um recorte de outro caso atendido no mesmo período e local.

RESULTADOS: Na UNOESC, nas aulas da professora Me. Verena Augustin Hoch, foi enfatizado que a abordagem clínica com adultos não deve diferir daquela com crianças em termos de objetivo e finalidade. Embora a metodologia varie, com crianças se expressando por recursos lúdicos e adultos por relatos verbais (Affonso, 2012), o objetivo permanece o mesmo para todas as idades: "estabelecer um processo de investigação que levará o analisante a questionar seu saber, tornando-se ele próprio um investigador de si mesmo" (Nogueira, 2004).

A partir dessas observações, surgem reflexões. Se um adulto deita no divã e desarruma todas as almofadas e mantas, o analista pede que ele as arrume antes de sair? Se um adulto profere um palavrão, o analista corrige ou toma alguma atitude pedagógica? E se o analista se atrasa, ele pede desculpas ao paciente adulto da mesma forma que pediria a uma criança ou apenas ao
responsável desta? Portanto, se tais ações e solicitações não são direcionadas aos adultos, por que são frequentemente feitas às crianças? Melanie Klein e Anna Freud discordavam sobre a análise de crianças, especialmente em relação à abordagem pedagógica versus a puramente analítica. Anna Freud acreditava que a psicanálise infantil deveria focar não apenas no inconsciente e no id, mas também no ego e no superego, interpretando o comportamento além dos sonhos e outras manifestações do inconsciente. Para ela, a base da psicanálise infantil é o desenvolvimento da personalidade humana (Anna Freud, 1996).

A paciente que motivou o tema deste texto falava e brincava sobre o café que desejava beber, movendo-se para a recepção para pegá-lo e encionando as repreensões dos pais. Ela queria ficar acordada para ter um momento sozinha à noite, mas isso lhe causava sofrimento, pois tinha dificuldade para dormir depois. Inicialmente, bebia de três a quatro cafés por sessão, sem restrições, mas também sem facilitação. Em uma sessão, pediu à estagiária para preparar seu café com duas colheres de açúcar, buscando uma aliança para adoçar seu sintoma. Foi então estabelecido um limite terapêutico: o café não foi preparado, recusando sutilmente a aliança proposta.Klein discordava de Anna Freud, que acreditava que a neurose de transferência não se manifestava na clínica infantil e que o ego infantil era excessivamente frágil. Melanie Klein (1882-1960, p. 20) expressa sua posição
contrária a essas ideias.

"Minhas observações me ensinaram que também as crianças desenvolvem uma neurose de transferência análoga à das pessoas adultas, contanto que empreguemos um método que seja o equivalente da análise de adultos, isto é, que evite todas as medidas educacionais e que analise plenamente os impulsos negativos dirigidos ao analista. [...] Além disso, na medida em que não recorre a nenhuma influência educacional, a análise não apenas não faz mal ao ego da criança, como na realidade o fortalece."
Sendo assim, a abordagem terapêutica com crianças deve ser claramente definida entre análise psicanalítica e intervenção pedagógica, pois não podem coexistir simultaneamente. Se o foco do tratamento é a análise do inconsciente, intervenções pedagógicas não são apropriadas.

Nas sessões subsequentes, a paciente reduziu o consumo de café e as menções ao café. No último atendimento, mencionou o café apenas uma vez e bebeu apenas uma porção. Acredita-se que essa mudança ocorreu devido à abordagem analítica, em vez de uma abordagem educativa. Se houvesse restrição ao café, a hipótese é de que a busca pelo café poderia ter sido apenas reprimida e não elaborada adequadamente.

O pedido de guardar os brinquedos ao final da sessão também pode ser analisado de forma similar. Enquanto as explicações encontradas na literatura científica são predominantemente educativas, como ensinar responsabilidade e limites, recusas a esse pedido foram vistas como negação da autoridade e estabelecimento de uma dinâmica de poder (Lopes et al., 2011). Almeida (2005) sugere que a vontade de guardar os brinquedos pode indicar que a criança quer assumir controle e determinar o término da brincadeira, enquanto a recusa pode significar que ela ainda está envolvida na elaboração de algo durante a brincadeira.
Por fim, um paciente de 4 anos, ao terminar o atendimento, observou os brinquedos espalhados pela sala e comentou à estagiária sobre a bagunça, sugerindo que ela teria muito trabalho para organizá-los. Isso levou a uma reflexão sobre como na clínica com adultos não se recolhem objetos do chão, mas o espaço fica tão bagunçado quanto o das crianças, e a organização
interna após a saída do paciente acontece com a mesma intensidade. Mesmo assim, não se pede ao paciente adulto para se responsabilizar pela desordem que causou no ambiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Intervenções pedagógicas na clínica infantil devem considerar além do manejo da transferência. O analista deve lidar com suas próprias questões infantis para evitar interferências no tratamento, tratando as crianças com respeito, escutando-as de forma ética e profissional. Isso inclui participar das atividades quando necessário, dominar técnicas infantis e compreender profundamente as brincadeiras e seu potencial terapêutico (Silvia et al., 2017).

REFERÊNCIAS:

AFFONSO, R. M. L. (Org.). Ludodiagnóstico: investigação Clínica Através do Brinquedo. Porto Alegre: Artmed, 2012. 288 p. ISBN 978-85-363-2695-5.

AGUIAR, F.. Psicanálise e Psicoterapia: o Fator da Sugestão no “Tratamento Psíquico”. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 36, n. 1, p. 116–129, jan. 2016.

ALMEIDA, F. de A. Lidando com a morte e o luto por meio do brincar: a criança com câncer no hospital. Bol. psicol, São Paulo, v. 55, n. 123, p. 149-167, dez. 2005. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432005000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 22 jun. 2024.

FREUD, A. A aplicação da técnica analítica ao estudo das instituições psíquicas. In: FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p.10 – 23.

KLEIN, M., 1882-1960. A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997. 352p.

LOPES, S. R., MAES, K. R., VIEIRA, Mauro Luís Vieira. Brincar, regras e limites: uma integração possível, (2011) Psicologia.pt a: 2012-04-30. Disponível em: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0279.pdf Acesso em: 22 jun. 2024.

NOGUEIRA, L. C.. A pesquisa em psicanálise. Psicologia USP, v. 15, n. 1-2, p. 83– 106, jan. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusp/a/nMGDnFmKgySBkGkdshtfzPg/?lang=pt# Acesso em: 22 jun.2024.

SILVIA, M. F. A., CARNEIRO, M. I. P., BRITO, K. P. P., & GOMES, K. F. (2017). O processo de psicoterapia infantil sob uma perspectiva psicanalítica. Revista FAROL, 4(4), 126-141. Disponível em: https://revista.farol.edu.br/index.php/farol/article/view/50/80 Acesso em: 22.jun.2024.

E-mails: matias.trevisol@unoesc.edu.br e karine.waldow@gmail.com

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Publicado

2024-06-27

Como Citar

Trevisol, M., & Waldow, K. (2024). O ATENDIMENTO PSICANALÍTICO DE CRIANÇAS. Anuário Pesquisa E Extensão Unoesc São Miguel Do Oeste, 9, e35141. Recuperado de https://periodicos.unoesc.edu.br/apeusmo/article/view/35141

Edição

Seção

Área das Ciências da Vida e Saúde – Resumos expandidos