INTERFACE DO ABANDONO E DO ACOLHIMENTO: O QUE PERMANECE E O QUE SE RECONSTRÓI
Resumo
INTRODUÇÃO: Através do presente resumo propõe-se, como objetivo geral, compreender o afeto na psiqué adulta decorrente do abandono paternal na infância, fundamentando-se na teoria psicanalítica. Para análise e interpretação, parte-se de um caso clínico, atendido na Clínica de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), por estagiária do curso de Psicologia da instituição, na realização do componente de Estágio Curricular Supervisionado I. E como objetivos específicos, tem se, detectar os principais sintomas gerados pelo conteúdo infantil recalcado e refletir sobre a importância da psicoterapia na elaboração dos traumas e na melhoria da qualidade de vida do paciente resultante desse processo.
DESENVOLVIMENTO: A paciente identificada como Z., em respeito à ética do sigilo, uma jovem adulta de 19 anos, manifesta-se de modo aparentemente bastante desprovido de resistências, conceito que pode ser compreendido como a inteção inconsciente de manter-se imutável e caracterizando um enclausuramento do próprio desejo (ZIMMERMAN, 2008). Ou seja, a paciente apresentou abertura e desinibição ao ato de falar livremente, tornando dificultosa e desnecessária qualquer intervenção por parte da estagiária, visto que, no decorrer de seu próprio discurso, pôde-se perceber a formação deinsights e a elaboração de conteúdos latentes, em que, ao escutar-se, ela demonstrava compreender e analisar a própria situação e apresentar a si mesma as respostas que buscava para sua vida. Sendo que, já na primeira sessão apresentou o seu principal trauma infantil, que pode ser compreendido por diferentes linhas da psicanálise, sendo citado que Ferenczi, postula que a partir deles ocorre uma estruturação e criam uma passibilidade de ocorrência de falhas nas relações sujeito-objeto, em que o objeto é assumido pelo papel do outro, sendo o trauma um produto da ação de um outro sob o sujeito, enquanto, em Lacan, encontra-se que ele é determinante para a subjetividade do indivíduo e sua percepção do mundo simbólico (FAVERO, 2009). Tendo em vista que o amalgama geral das vivências trazidas pela paciente residem no abandono e rejeição materna, infere-se que, de acordo com a literatura da área, o pertencimento e idetificação pessoal se desenvolvem através da continuidade de vínculos, culminando na geração de lembranças, por meio das trocas estabelecidas e, estando em processo de adoção, denota-se a importância de que se possa fomentar um processo de ressignificar a própria história de vida (GOMES; LEVY, 2016). Tendo lacunas nesse sentido, a paciente declarou que sentia carregar o seu passado consigo a todo momento, revoltando-se por sentir ter precisado amadurecer cedo demais, ao assumir o papel de cuidadora do irmão mais novo, até ambos serem adotados, identificando um sentimento materno perante a ele e, também, comentou sentir medo de homens e de estupro, dizendo que acredita que isso se dê por conta de, na infância, ter presenciado relações sexuais dos pais biológicos. A partir da definição de trauma pelo viés psicanalítico, previamente explorado, levando-se à realidade do caso, percebe-se que as experiências de sofrimento vivênciadas, de fato, geraram influências nos comportamentos e modos de ser da paciente, carregando traços desde a infância até a vida adulta, resultando em dificuldades relacionais no trabalho e na faculdade, além dos medos extremos abordados acima, que geram sofrimento psíquico constante a ela. Em termos de rejeição, a paciente aborda que ao sentir que estava prestes a ser rejeitada, ela fazia o movimento de rejeição com antecedência, mesmo que não o quisesserealizar, para evitar que isso fosse feito com ela. Isso evidencia um mecanismo
de defesa, em que ela age de acordo com sua crença de um potencial abandono, tomando a atitude para livrar-se da dor de reviver o que lhe foi feito em sua infância. Desse modo, ela recalca o afeto causado pelo seu abandono primário, evitando que novas perdas lhe sejam impostas, dandolhe uma falsa sensação de que possui o controle sob o que acontece em suas relações. Também, refletindo um papel maternal de tomada de decisão, além de ter mantido comportamentos compreendidos por esse papel social em suas relações com o irmão e, às vezes, sendo reproduzida com o seu cônjuge. Ao falar sobre recalque, entende-se que esse termo se refere a ocultar conteúdos latentes no próprio inconsciente, como uma busca de ocultar-se ou por-se em fuga em relação ao próprio sofrimento (FREUD, 1915a/1996). Em relação aos aspectos da paciente que retornam e atrapalham sua vida, denota-se que a psicoterapia pode apresentar-se como forte aliada na elaboração das questões latentes, por meio da repetição, que se dá como a forma de recordar, para poder elaborar, livrando-se das resistências, nomeando os problemas e, com isso, tem-se o decurso do processo de cura do sujeito (FREUD, 1914a/1996). Esse processo é facilitado por meio da associação livre, em que a paciente fala o que sente vontade, da forma que lhe parece contuntende, sem um direcionamento do terapeuta e, desse modo, ela é quem denomina as direções que faz sentido seguir durante a sessão (FREUD, 1912/1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Conclui-se que a paciente possui uma necessidade de fala expressiva, fazendo associação livre de modo natural. Nota-se uma gama de questões de seu passado que necessitam seguir em processo de análise, percebendo uma movimentação vasta da paciente em relação a suas vivências e experiências anteriores, que refletem em sua vida atual e que ela busca superar. Além disso, infere-se na importância do processo psicoterapêutico em lidar com os fatos ocorridos e a percepção da paciente acerca deles, compreendendo o caráter simbólico que ela constrói e carrega, que apresentam-se como sintomas e acarretam em sofrimento psíquico intenso.
REFERÊNCIAS
FAVERO, A. B. A noção de trauma em psicanálise. Tese (Doutorado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
FREUD, S. (1915a). Recalque. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XIV.
FREUD, S (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XII.
FREUD, S. (1914a). Recordar, repetir e elaborar. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XII.
GOMES, I. C.; LEVY, L. A Psicanálise Vincular e a preparação de crianças para a adoção: uma proposta terapêutica e interdisciplinar. Contextos Clínicos, v. 9, n. 1, 2016.
ZIMERMAN, D. E. Manual de técnica psicanalítica. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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