DO PROCRASTINAR REFLETIDO NA ANSIEDADE DE PERDER TEMPO
Resumo
INTRODUÇÃO: O presente resumo tem por objetivo geral, compreender sob a perspectiva da teoria psicanalítica, como a neurose obsessiva se apresenta sob o olhar referente as reverberações da aceleração social no sofrimento psíquico de um indivíduo obsessivo, quanto à falas preenchidades de lamentações sobre à pressa e a procrastinação, que chegam a causar sintomas aparentes de ansiedade. A partir de um caso clínico atendido pela estagiária do curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), ao realizar o componente de Estágio Curricular Supervisionado II. O local de atendimento foi a Clínica de Psicologia da UNOESC. Ainda, tem como objetivos específicos: refletir acerca das construções sobre a imagem de si e a noção de tempo e temporalidade na psicanálisede. Além dos aspectos que podem nortear as relações com temporalidade acelerada no processo de sofrimento neurótico. DESENVOLVIMENTO: Para ilustrar o caso em consideração ao sigilo, a paciente será mencionada pelo nome fictício de Mariana. Logo no primeiro contato, a jovem de 22 anos, relata que está retornando para a psicoterapia, uma vez que já era atendida na presente clínica. Em suas falas menciona a respeito de um acidente de trânsito que sofreu com seu então ex namorado. Traz falas sobre a sua família, mencionando que seu pai sempre fez tudo por ela. Ainda, traz seu irmão mais velho como um possivel papel do filho que "deu certo na vida". Suas falas embora bastante dinâmicas entre muitas palavras, enquanto gesticula sua face e dá movimento aos braços e mãos. Trazem a própria aceleração que menciona como desejo de eliminar de sua rotina. Mariana, se apresenta como destemida, extrovertida e muito sonhadora. Ao instante em que relata sentir dificuldades em dizer não para os outros, cede a pedidos de favores com facilidade- mesmo não querendo fazê-lo. Ainda, menciona ter tido crises de ansiedade. Relata o quanto procrastina suas atividades, e o quanto sente-se irritada por isso. Mariana ainda menciona seus anseios sobre estar ou não no curso de graduação que realmente deseja, pois justificou em sua fala, que tal profissão, ao menos é bem remunerada. Porém, no contexto de suas falas, menciona que o irmão mais velho, possui a mesma formação, e que foi ele seu maior incentivador para que pudesse seguir o atual curso de graduação. Em suas falas que traz cenas do cotidiano, se coloca numa condição de busca por aprovação, ainda, parece buscar a certeza de possuir o afeto dos outros à sua volta. Menciona que seu maior medo é relacionar-se novamente e perder a sua liberdade. Bem como, diz que o seu maior sonho, é casar-se, ter um cachorro e dois filhos. Ainda, seu maior prazer está em aspectos ligados à astronomia. Menciona o quanto pensa sobre o que lhe acontece e como segundo suas palavras- vive se autossabotando nos comportamentos. Trazendo assim, um distanciamente do que deseja e do que pratica. Pensar questões a respeito do tempo indica o quanto é importante para a teoria psicanálitica, pois se considerarmos os elementos constitutivos da neurose obssessiva podemos perceber que há uma relação direta com a temporalidade. As primeiras elaborações de Freud sobre, já indicava isso: "não sei se parecerá muito ousado supor, acompanhando as pistas existentes, que deve ser incluída na predisposição à neurose obsessiva uma aceleração temporal do Eu ante o desenvolvimento libidinal" (Freud, 1913/2010, p.335). Em A hereditariedade e a etiologia das neuroses, Freud afirma que seu trabalho marca uma inovação nosográfica e dispõe a neurose obsessiva "como distúrbio autossuficiente e independente", ainda que compondo a mesma classe da histeria, isto é, aquela das então chamadas neuroses de defesa (Freud, 1896/1996, p.146). Mariana, recentemente saiu da casa dos pais para cursar a faculdade. Compartilha o apartamento com mais duas amigas. Diz estar com muitos trabalhos para fazer, mas vai deixando tudo para depois, e se arrepende. Pois compreende que poderia ter feito e deixado tudo organizado. De repente, retorna ao tempo que perdeu enquanto procrastinava. Em possíveis reverberações de uma concepção de Jacques Lacan sobre o inconsciente: "A hiância do inconsciente poderemos dizê-la pré-ontológica. [...] que é de não se prestar à ontologia. O que, com efeito, se mostrou de começo à Freud, aos que deram os primeiros passos [...] é que ele é nem ser nem não-ser, mas é algo de não-realizado" (LACAN, 1964/1999, p. 33-34). Esse não-realizado se realiza nas formações do inconsciente que se manifestam em intermitências entre aparecimento e desaparecimento; entre dois pontos de um tempo que é lógico e não cronológico. Diríamos que as formações do inconsciente se manifestam em uma temporalidade cairológica, pois irrompem de uma virtualidade para cortar a disposição cronológica da consciência. Talvez ao sentido das construções entre inconsiente e pré-consciente, Freud tenha afirmado que "todo sonho tem um efeito despertante". Observação que o coloca diante de certas questões quanto à temporalidade em curso nos sonhos: o processo de despertar requer um certo tempo e, durante o mesmo, o sonho ocorre. Mariana compartilha que se aproximou de dois rapazes de cidades diferentes. Compartilhou experiências com a família de ambos. Disse que jamais havia sentido-se tão acolhida. Divertiu-se e foi muito especial tudo o que viveu. Porém, diz que não sabe o que fazer, pois não quer se relacionar com nenhum dos rapazes e nem mesmo com outros, pois tem medo de perder a sua liberdade. Algo que entende ter perdido com a experiência do seu relacionamento antigo. Relata que precisa decidir o que fazer e como fazer. Pois ao instante em que já teria sua escolha, caso assim fosse, mantem-se presa a uma dor no tempo, em que se não resolver o que fazer, poderá sentir-se ainda pior. Mariana, percorre pelo tempo com o medo de perder a sua liberdade, ao instante em que não se permite ser livre. Menciona ter medo de relacionar-se, ao instante em que busca por aceitação. O obsessivo depara-se com o descompasso entre afeto e representação, sempre exposto pela denúncia de sobrecarga em sua excitação libidinal. Tal como um "made in Germany", o "não" dado à ideia representacional seria a marca da condenação de algo, um substituto intelectual do recalque (Freud, 1925/2007, p. 148). Mariana também traz por diversas vezes, durante as sessões de psicoterapia, o quanto seu comportamento procrastinador a afeta. Menciona que assume compromissos que sente verdadeiramente querer cumpri-los, mas não entende o que acontece, pois acaba tendo grandes dificuldades de cumpri-los. É importante destacar, as inúmeras faltas aos atendimentos psicoterapêuticos de Mariana, bem como, quando comparecia às sessões, sempre chegava atrasada. Em “Estudos sobre a histeria” (1895-1893/1969b) é possível encontrar Freud buscando o tempo do acontecimento traumático, factual, nos casos clínicos de Anna O., Emmy von N., Lucy R., Katharina, Elisabeth von. R. O procrastinar pode simbolizar, no caso de Mariana, o receio em encontrar-se com algumas verdades -talvez com seus desejos propriamente ditos. Mariana expressa na verbalização como queria que as coisas fossem. Mas na prática, encontra através dos seus comportamentos a negação de um alguém que está tentando parecer o que não é. Como os desejos de executar tais atividades, que na prática, se esbarra na procrastinação de tal execução. Ou mesmo, o desejo de não perder a sua liberdade, negando possíveis relações- mas menciona que seu maior sonho é casar-se e ter uma família. A busca incessante por acolhimento e aceitação, pode se dar a realidade de uma vida adulta, da qual enxerga através das responsabilidades com sua vida, agora, fora da casa dos pais. Ao instante que diz saber o que fazer, procrastina e justifica o arrependimento ao medo do tempo perdido.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. (1913). A predisposição à neurose obsessiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 324-337. (Obras completas, 10).
FREUD, Sigmund. (1896). A hereditariedade e a etiologia das neuroses. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 143-155. (ESB, 3).
LACAN, J. (1964). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
FREUD, Sigmund. (1925). A negativa. Rio de Janeiro: Imago, 2007. p. 145-150. (ESB, 19).
Freud, S. (1969b). Estudos sobre a histeria. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. II, pp. 13-296). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1895 [1893]).
Freud, S. (1969c). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. VII, pp. 123-238). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1905).
Masson, J. M. (1986). A correspondência completa de Sigmund Freud paraWilhelm Fliess (1887-1904). Rio de Janeiro, RJ: Imago.
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