LUDOTERAPIA E PSICANÁLISE: QUANDO O BRINCAR SE EQUIPARA AO FALAR

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Resumo

INTRODUÇÃO: O presente resumo versa sobre a ludoterapia e sua visão através da psicanálise, sendo resultante do componente de Estágio Curricular Supervisionado I, disciplina do Curso de Psicologia, ofertado pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), campus de São Miguel do Oeste, sob supervisão e orientação de um professor com CRP ativo. Tem por objetivo geral refletir sobre a ludoterapia sob a perspectiva da teoria psicanalítica. Ainda, tem-se como objetivos específicos: compreender de que forma se dá o processo psicoterapêutico por meio do lúdico e do brincar segundo distintos psicanalistas e destacar sua relevância frente à análise infantil.

DESENVOLVIMENTO: Ao pensar a psicanálise com crianças, faz-se necessário olhar em retrospectiva e pontuar algumas contribuições freudianas sobre este tema. Freud (1907/1996a) discorre sobre a infância e inicia a correlação entre o brincar na infância, para as crianças, e à fantasia para os adultos. Ainda, o pai da psicanálise aborda a temática infantil em relatos de desenvolvimento de casos clínicos, como o do pequeno Hans, um menino que apresentou fobia em relação a cavalos, e o do Homem dos Lobos, um homem que, aos 18 anos, começou a manifestar sintomas de fobia de lobos, fato que estava relacionado com acontecimentos dos anos iniciais de sua vida (FREUD, S. 1909/1996b; 1918/1996c).

Já, em se tratando do brincar, Freud observa e descreve uma brincadeira de seu neto, que vem a ser denominada "fort-da". Nesta brincadeira, seu neto joga um carretel para fora e o puxa de volta, repetidamente. Esta ação é interpretada e relacionada com o deixar ir de sua mãe, expressando e elaborando a ausência e o medo da perda. Destarte, Freud aborda a atividade lúdica das crianças como uma forma de exprimir vivências desprazerosas ou que causaram grandes impressões em sua vida, em um ambiente em que a criança tem controle das situações, experimentando diferentes papéis e emoções, e por consequência elaborando desejos inconscientes (FREUD, S. 1920/1996d). Foi então que, entre 1920 e 1940, deu-se o desenvolvimento da psicanálise com crianças e das contribuições para a prática clínica, partindo de três analistas com modelos de trabalho distintos: Hermine von Hug-Hellmuth, Anna Freud e Melanie Klein (COSTA, 2010).

Pensando em um comparativo, Hermine von Hug-Hellmuth observava crianças durante a participação delas em atividades lúdicas. Na análise, fazia uso de jogos e desenhos pois acreditava que, por meio destes materiais, as crianças poderiam elaborar situações traumáticas. Ainda, a professora e pioneira da psicanálise com crianças acreditava que a interpretação do material inconsciente dialogava diretamente com a influência pedagógica (COSTA, 2010).

Em se tratando de Anna Freud (1971), recebeu influências de Hermine von Hug-Hellmuth e, assim, também julgava que o analista de crianças deveria desempenhar um papel ativamente pedagógico. Voltou-se para o comportamento infantil em jardins de infância e, dessa forma, observou quais tipos de brinquedo eram mais utilizados em casa etapa de desenvolvimento (COSTA, 2010). A psicanalista ainda afirma que os sonhos, as divagações das crianças, a fantasia nos jogos e nas brincadeiras, seus desenhos, dentre outros, podem revelar impulsos do id de uma forma mais evidente do que os adultos durante a análise, contudo, corre-se o risco de que, ao longo da análise infantil, seja acessada grande quantidade de material proveniente do id, mas pouco em se tratando do conhecimento do ego da criança. Seguindo, se rupturas e resistências presentes na livre associação podem ser comparadas com as interrupções lúdicas (FREUD, A. 2006).

Já Melanie Klein (1921/1996), ao analisar seu próprio filho Erich, decide conduzir a análise seguindo rigorosamente princípios psicanalíticos, diferentemente do que fazia anteriormente. Desta maneira, tem como base o material inconsciente que é expresso pelos sonhos, pelas fantasias, pelo brincar. A partir de tal experiência, Klein reforça sua tese de que é a vida fantasística que molda a realidade. Além disso, Klein funda a técnica de análise de crianças por meio de atividades lúdicas, considerando o brincar como a expressão simbólica de fantasias inconscientes. A partir disso, Klein conclui que a diferença que existe entre a análise de adultos e de crianças não está nos princípios básicos, mas sim no método utilizado (COSTA, 2010).

Essa discrepância dos pontos de vista teóricos geraram discussões e negociações, o que fez com que, em 1946, na Sociedade Britânica de Psicanálise, se instituíssem três grupos responsáveis pela formação de analistas: os annafreudianos, os kleinianos e os independentes. Neste grupo independente, Donald Woods Winnicott veio a se destacar (COSTA, 2010).

Winnicott (1975), pediatra e psicanalista, realizou um extenso trabalho clínico com bebês e crianças e ressaltou a dependência do sujeito em relação ao ambiente. Em perspectiva, preocupou-se mais com a ideia de estabelecer uma comunicação com a criança, do que com a perspectiva de estabelecer um diagnóstico, estabelecendo uma relação dual e imaginária, onde a análise passa a supor um encontro (COSTA, 2010). Winnicott ainda afirma que a brincadeira é universal e é a própria saúde, facilitando o crescimento, os relacionamentos grupais, a comunicação (na psicoterapia, com os outros, consigo mesmo). Em continuidade, o brincar é sempre uma experiência criativa, na continuidade espaço-tempo, sendo, em possibilidade, apenas no brincar, que a criança ou o adulto desfrutam de sua liberdade de criança (WINNICOTT, 1975).

Assim, mesmo que o conceito de "brincar" tenha se modificado ao longo da história (inclusive da história da psicanálise), essa atividade demonstra como as crianças sentem e interpretam o seu sentir, sendo então uma representação, evidenciada pela linguagem influenciada pela circunstância social (WASKOP, 1995).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Isso posto, faz-se necessário compreender o lúdico não como uma questão trivial e sem relevância, mas sim, como forma de comunicação e evidenciação de vivências, sentimentos, emoções e percepções. Se o paciente adulto faz uso da fala, em paralelo, é por meio da ludicidade que a criança terá o espaço para elaborar possíveis conflitos e desejos. Dessa forma, o brincar e o brinquedo tornam-se vias valiosas em se tratando do setting, do vínculo e do processo psicoterapêutico infantil.

REFERÊNCIAS:

COSTA, Teresinha. Psicanálise com crianças. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 13-57.

FREUD, Anna. Infância normal e patológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

FREUD, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 32-33.

FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneios (1907). In: SALOMÃO, J. (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996a. Edição Standard Brasileira, v. 9. p. 135-143.

FREUD, Sigmund. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909). In: SALOMÃO, J. (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996b. Edição Standard Brasileira, v. 10, p. 15-133.

FREUD, Sigmund. Da história de uma neurose infantil: o homem dos lobos (1918). In: SALOMÃO, J. (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996c. Edição Standard Brasileira, v. 17, p. 17-126.

FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer (1920). In: SALOMÃO, J. (Org.). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996d. Edição Standard Brasileira, v. 18, p. 13-72.

KLEIN, Melanie. O desenvolvimento de uma criança (1921). In: MONEY-KYRLE, R. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1921-1945). Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 21-75.

WAJSKOP, Gisela. O brincar na educação infantil. São Paulo. Cad. Pesq. n. 92. 1995. p. 62-69.

WINNICOTT, Donald Woods. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p.65-107.

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Publicado

2023-07-19

Como Citar

Grazziola, A. C., & Trevisol, M. (2023). LUDOTERAPIA E PSICANÁLISE: QUANDO O BRINCAR SE EQUIPARA AO FALAR . Anuário Pesquisa E Extensão Unoesc São Miguel Do Oeste, 8, e32906. Recuperado de https://periodicos.unoesc.edu.br/apeusmo/article/view/32906

Edição

Seção

Área das Ciências da Vida e Saúde – Resumos expandidos