A FALTA COMO DESEJO: A VISÃO PSICANALÍTICA DA RELAÇÃO DE FALTA E DESEJO
Resumo
INTRODUÇÃO: O presente estudo tem por objetivo geral compreender, a partir da teoria psicanalítica, com enfoque nas concepções de Lacan, como o sujeito lida com a falta ao longo da sua vida, utilizando um caso clínico para exemplificar e refletir sobre esse processo, sendo atendido pela estagiária do curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), ao realizar o componente curricular de Estágio Curricular Supervisionado I, ocorrendo os atendimentos na Clínica de Psicologia da UNOESC. Ainda, indagar como o paciente lida com essa falta, quais os processos estão envolvidos, e como essa falta se relaciona com os ciclos de repetição.
DESENVOLVIMENTO: Inicialmente será contextualizado o caso clínico, e devido o sigilo estabelecido entre profissional e paciente, o paciente será chamado de Murray, baseado no autor da psicologia Murray Stein. E posteriormente, relacionado com os aspectos da teoria psicanalítica.
Murray é um homem de 40 anos, que se mudou de cidade devido a oportunidades de trabalho. Murray demonstra um receio em estar sozinho, demonstrando a necessidade da companhia de alguma pessoa, isso o leva a constantemente procurar estabelecer relacionamentos. Contudo, acaba repetindo ciclos onde, conhece a pessoa e se inicia um relacionamento, a pessoa acaba se distanciando e o relacionamento acaba, e Murray passa pelo questionamento de que não precisa de alguém, mas a sensação de solidão retorna e passa procurar alguém novamente e, nesse momento o ciclo reinicia.
Segundo Freud (1914, p.149) a pessoa “não recorda absolutamente o que foi esquecido e reprimido, mas sim o atua. Ele não o reproduz como lembrança, mas como ato, ele o repete, naturalmente sem saber que o faz”. Murray executa um ciclo de repetição, contudo não se dá conta de qual aspecto da sua vida está repetindo, mas, ao relatar aspectos da sua infância e relacionamento familiar, o qual é cercado por negligências afetivas e de carência de cuidado, podemos observar o quanto existe um déficit nesse relacionamento, ou seja, a dificuldade de estabelecer um relacionamento que seja saudável para os membros. E consequentemente, gerou a sensação de solidão e autoestima baixa. Por mais que ele busque ter um relacionamento, novamente se repete as negligências afetivas e de cuidado. Já, a repetição para Lacan consiste em articular o desejo com a falta, ou seja, algo que a pessoa não tem e busca encontrar. Assim, "a falta estará sempre presente como também parte do sujeito. Essa falta é que faz surgir a repetição" (LIMA, et al. 2019, p.175).
A partir dos constantes relacionamentos de Murray e necessidade de ter uma companhia, como forma de lidar com a solidão, podemos pensar todos esses eventos relacionados a falta teorizada por Lacan, onde existe a falta relacionada a um desejo que é direcionado ao outro como uma forma de suprir essa falta. Então, ele utiliza de relacionamentos como forma de lidar com essa falta, mas é uma falta que não pode ser suprida pelo outro (NASIO, 1993), pois, mesmo estando em um relacionamento essa falta persiste, e persiste, pois, não está ligada a satisfação por um objeto físico, mas pela busca de um relacionamento familiar que não teve.
Levando em consideração essa falta sentida pelo paciente e, que de forma inconsciente, transformada em uma ação, podemos abordar o objeto a, conceito elaborado por Lacan, em que esse objeto é a causa do desejo, mas não consiste em um objeto palpável, mas qualquer objeto que satisfaça a pulsão, cause o desejo ou provoque a angústia. "O objeto a como falta, afeta o sujeito" (LIMA, et al. 2019, p.185), uma vez que não existe objeto capaz de suprir essa falta que é primordial, de completar esse desejo (LACAN, 2004). O objeto a de Murray não é o indivíduo com quem busca se relacionar, mas construir uma relação na qual se sinta amado, cuidado e respeitado, sendo o outro uma forma de realizar isso, transformando-se no objeto de desejo.
No processo terapêutico, o sujeito se confronta com essa falta, e consequentemente, o analista assume uma função para lidar com essa situação. Segundo Lacan, a função analítica corresponde a função do objeto a, levando com que o inconsciente do paciente trabalhe (NASIO, 1993), na tentativa de lidar com essa falta que se transforma em desejo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Sendo assim, o sujeito, na psicanálise lacaniana, possui o desejo como falta. Quando o sujeito percebe essa falta, busca supri-la de alguma forma. No caso relatado, Murray possui a falta relacionada ao afeto familiar, ao cuidado familiar, o que ocasiona em momentos em que se sente sozinho, levando-o a preencher essa falta pelo outro, que consequentemente se caracteriza como o objeto de desejo. Mas, percebendo que essa falta nunca será suprida, faz com que ocorra ciclos de repetição como uma forma de lidar com essa falta. Mesmo que Murray perceba esses ciclos de repetição, elaborados por meio da fala, possui a dificuldade de identificar o que exatamente procura com esses relacionamentos.
REFERÊNCIAS:
FREUD, Sigmund. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia ('O caso Schreber'), artigos sobre técnicas e outros textos : 91911-1913). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 373 p. (Obras Completas ; 10).
LACAN, Jacques M. E. O Seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, (2005[1962-63]), p. 368.
LIMA, Joana Azevêdo et al. Teorias Psicológicas. Coleção manuais da Psicologia, Salvador-BA, Editora Sanar, v.1. ed.1, p.361, 2019.
RESUMO EXPANDIDO
ANUÁRIO PESQUISA E EXTENSÃO UNOESC SÃO MIGUEL DO OESTE - 2023
NASIO, Juan-David. Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1993. p.171.
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