O TRAUMA EM PSICANÁLISE SEGUNDO RELEITURAS SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DE SÁNDOR FERENCZI

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Resumo

Este estudo é resultado de uma revisão bibliográfica sob as perspectivas de psicanalistas como Juan-David Nasio e Paulo Perón, a respeito do conceito de trauma descrito por Sándor Ferenczi, bem como sobre sua contribuição no entendimento de conceitos importantes como análise mútua, progressão traumática e a respeito de que “o terapeuta deve adotar o paciente neurótico”. Para início desta revisão bibliográfica, faz-se necessário descrever o conceito de trauma na psicanálise, este que Freud aborda como algo fundamental na etiologia das neuroses, em especial da histeria. Em suas primeiras formulações nos Estudos sobre a histeria (1893), Freud referia-se a "traços de memória de traumas" ou a "lembranças do trauma" que se apresentavam nos ataques histéricos. Neste momento, ele já relacionava o
traumático à ideia de ruptura psíquica por grandes quantidades de excitação e à noção de dissociação psíquica. Sándor Ferenczi (1873-1933) também produziu vários ensaios sobre a questão do trauma, principalmente a partir de pesquisas sobre neuroses de guerra, devido à Primeira Guerra Mundial. O cenário no qual desenvolveu seus estudos foi um hospital militar em Pápa, na Hungria, onde testemunhou de perto as consequências de situações vividas durante o período de guerra. Assim, para ele, o trauma constitui-se como comoção psíquica, momento em que não há possibilidade de realização de uma nova intrincação pulsional e de decepção frente ao objeto de confiança. A desconexão com a  percepção e a ausência de investimento do objeto conduz a um vazio capaz de fissurar o psiquismo. Perón (2007) realizou uma revisão dos textos ligados a neuroses traumáticas produzidos por Ferenczi e pontuou que na perspectiva
ferencziana, o trauma pode ser considerado um quantum de excitação intensa demais para o escoamento psíquico normal, o que provoca marcas psíquicas peculiares. Além disso, tendo destaque como mediador psíquico, o meio ambiente é considerado importante, nesse contexto, a dimensão social traumática pode envolver a família e a cultura, por exemplo. Desta maneira, faz-se ressaltar o que Ferenczi chamou de confusão de línguas entre adultos e criança, no qual ele reviu através da introjeção o obstáculo do trauma e o da identificação da vítima com seu agressor. Por meio de uma cena de sedução, ele exemplifica que a criança mantém-se no nível da ternura enquanto que o adulto no nível da paixão. Desta forma, uma criança pode tentar recusar a situação de agressão, porém o medo intenso faz com que sinta-se sem defesa frente ao agressor, identificando-se com este e neste momento, introjeta o agressor que torna-se intrapsíquico e deixa de existir na realidade exterior. A partir deste contexto instaura-se a questão do desmentido, em que se o adulto não acredita na criança, impossibilita a representação psíquica do acontecimento, podendo apresentar a clivagem como resposta ao trauma, o que corresponde à desestruturação, atentando contra o EU do sujeito. Posto isso, Kupermann (2008) aborda que a questão da violência não é necessariamente traumática, porém, o que adquire o valor do trauma é o fato de a criança não encontrar testemunhos para a sua dor e quem acolha o seu sofrimento, assim afirma que o que é decisivo na experiência traumática é o abandono. Por isso, a importância da relação e do relacionar com a(s) pessoa(s) que exerça(m) o papel de maternagem e/ou paternagem no sentido de que são tais personagens indispensáveis para a fundação da segurança básica do indivíduo. Também assinalou que em resposta a agressão de um adulto sedutor, há o movimento de sobressalto da criança, como um mecanismo de “progressão traumática”. Esta reação de uma criança aflita, em meio a uma angústia de morte acabava ativando subitamente disposições latentes ou ainda não investidas.
Seu pensamento é de que o trauma também auxilia no amadurecimento, através da alegoria dos frutos que amadurecem depressa demais, quando feridos pelo bico de um pássaro, Ferenczi mostrou que, no plano emocional e intelectual, o choque traumático podia permitir que uma parte da pessoa amadurecesse repentinamente. A essa parte ele chamou de bebê sábio. Ferenczi dizia que “É inacreditável o que podemos realmente aprender com nossos ‘bebês sábios’, os neuróticos”. No decorrer de seu trabalho como analista, Ferenczi reproduziria seus conflitos com a mãe ou com os substitutos maternos. Foi no contexto de sua técnica denominada de “análise mútua” que ele descreveu a importância dos traumas da primeira infância. Ferenczi assassinava simbolicamente seus pacientes, como os adultos haviam feito
com a criança — quer a criança que o analista tinha sido (aqui se fala a respeito da importância de o analista fazer terapia e estar em dia com suas neuroses), quer a criança que fora o paciente – transferência e contratransferência. Ele afirma que: "Por mais longe que ele possa levar a bondade e o relaxamento, chega um momento em que o analista tem que
reproduzir com suas próprias mãos o assassinato outrora perpetrado contra o paciente”, ou seja, de forma inevitável ocorre o assassinato simbólico. Isto foi um desdobramento do fato de que Freud foi analista de Ferenczi e ao reproduzir seu relacionamento com a mãe, Ferenczi teve lugar na transferência com Freud – “duro e enérgico” – alguém que não conseguia, não podia oferecer (contratransferência) a seu analisando: “as atenções, a bondade e a abnegação completa necessitada”. Freud ao analisar Ferenczi, reforçou o “assassinato da alma”, ou seja, algo que deixava o paciente “emocionalmente morto”, tragédia analítica. Freud e Ferenczi não concordavam em determinados pontos. Como contemplou Ferenczi, “Freud não quer saber coisa alguma do seu próprio momento traumático; ele é o único que não precisa ser analisado!?”. Ele também argumentou a respeito da postura do terapeuta: Os pacientes não se comovem com expressões teatrais de piedade, mas apenas, devo dizer, com uma autêntica simpatia. Não sei se eles a reconhecem pelo tom de nossa voz, pela escolha de nossas palavras ou de alguma outra maneira. Seja como for, eles adivinham, de
maneira quase extralúcida, os pensamentos e as emoções do analista. Quanto as discordâncias entre Freud e Ferenczi a respeito da clínica, em que Freud ironicamente qualificou Ferenczi como uma “mãe terna”, o que levanta a questão se não seria antes, o próprio Freud, incapaz de garantir uma necessária transferência materna!? Porém, em seu obituário, Freud reconheceria Ferenczi dizendo ‘sim, ele foi chocante por haver encarado a psicanálise. Ele fez de todos os analistas, alunos seus’, em conclusão, Freud, afirma que seria impensável a história da Psicanálise deixá-lo cair em esquecimento pois ele encarnou o próprio recalcado da psicanálise freudiana, afinal, aquilo que Freud ‘omitiu’, Ferenczi emitiu, desenvolvendo assim o ‘retorno do recalcado’. Ferenczi ficou na expectativa, pois não sentia-se curado pela análise e confessou a Freud, isto explicaria seu sofrimento, por “uma falta de amor que lhe infligiu uma ferida incurável” Em
resumo, a idealização de Freud no desejo de comprovar a ciência Psicanálise resultou na sua repreensão à contribuições que poderiam ter sido desenvolvidas com outros psicanalistas – embora isso tenha acontecido na contemporaneidade. No sentido da psicanálise freudiana, a certeza ocupou o lugar da subjetividade quando são comparadas teoria e pratica. Não há dúvida que Freud é um revolucionário da história humana. Ocorre que com a contribuição de ferenczi a ciência que já era surpreendente, poderia ter ganhado ainda mais abrangência. Mas o próprio Freud teve razão ao falar
de Ferenczi mencionando que “ele já não estava conosco, já não estava consigo mesmo”, afinal, é difícil existir em um lugar quando já está à frente.

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Publicado

2021-11-19

Como Citar

Rasche Júnior, A. (2021). O TRAUMA EM PSICANÁLISE SEGUNDO RELEITURAS SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DE SÁNDOR FERENCZI. Anuário Pesquisa E Extensão Unoesc São Miguel Do Oeste, 6, e29703. Recuperado de https://periodicos.unoesc.edu.br/apeusmo/article/view/29703

Edição

Seção

Área das Ciências da Vida e Saúde – Resumos expandidos